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A bem da Nação

SOBRE OS RECENTES CORTES NAS FORÇAS ARMADAS E DECLARAÇÕES AVULSAS

   

   

À laia de introdução:

 

A Instituição Militar está aiÀ laia de introdução:nda longe de ter recuperado completamente das sequelas do 25/4 e do “PREC” (só isto dá um programa televisivo de várias horas);  

 

As Forças Armadas (FAs) deixaram de ter qualquer responsabilidade directa na condução dos destinos do País após o fim do Conselho da Revolução e da entrada em vigor da Lei 29/92[1];

    

O país ainda não está devidamente reconciliado com o seu passado mais próximo;

    

O conjunto das forças políticas entendeu que Portugal ia ser amigo de todos e todos iam ser nossos amigos e portanto não haveria ameaças. Se, por remota hipótese, houver algum conflito lá estaria a NATO para “resolver” a questão…

   

A incultura cívica (quando não a subversão ou simplesmente a estupidez natural) faz com que não se entenda a necessidade de FAs, a especificidade da condição militar e os rituais, tradições e cerimonial daqueles abencerragens, algo arqueológicos, que teimam em gastar do mesmo barbeiro e do mesmo alfaiate; (mais umas horas de programa…)

   

Os Partidos Políticos, os órgãos de comunicação social, comentadores, entidades e instituições várias têm mostrado a sua irresponsabilidade ao tratarem as questões militares e bastantes deles não se coíbem de lançar verdete e, até, ódio sobre uma Instituição séria, estruturante da Nação (embora não isenta de erros) e cuja história se confunde com a de Portugal.

   

Ou seja, e em síntese, existe uma convicção alargada – e idiota – de que as FAs são um gasto supérfluo para o país e uma maçada!

   

Com isto dito podemos passar ao corpo da coisa.

  

Assim:

   

As FAs, ao contrário do resto do país, rapidamente se disciplinaram e reorganizaram, reconvertendo-se para os novos cenários de actuação, armamentos, tácticas, técnicas, etc. e, ao longo dos últimos 30 anos conseguiram um grau de desempenho que iguala as mais avançadas forças militares do mundo e ultrapassa a maioria das restantes;

   

E, neste espaço de tempo não deixaram por cumprir qualquer missão de que tenham sido incumbidas e que passaram por projetar forças para cerca de 30 teatros de operações diferentes (mais de 30.000 homens aviões navios, viaturas e diverso equipamento), que já efecturam quase todas as missões possíveis, incluindo o combate.

   

Não houve, no mesmo período de tempo, qualquer entidade do Estado – e arrisco-me mesmo a dizer no sector privado (salvo alguma devida proporção) – que se tenha reformado e racionalizado no verdadeiro sentido do termo (e reduzido), mais e melhor do que a Instituição Militar (IM);

   

Mesmo assim, e sobretudo a partir do consulado do Ministro Fernando Nogueira, nunca nenhum governo se satisfez com nada, passando a aplicar o "slogan" dos 3 “Rs” que, na prática, apenas quis dizer reduzir, reduzir e reduzir! Trataram as FAs como se estas fossem um bocado de plasticina (que se moldava a esmo) e desrespeitaram constantemente todas as regras de Ética e de metodologia adequadas às mesmas;

   

Os responsáveis políticos quase nunca assumiram claramente as responsabilidades fosse do que fosse, não definiram prioridades, mantiveram todas as missões (e até acrescentaram outras) sem sequer as priorizar, ao mesmo tempo que iam obrigando a cortar capacidades, não raras vezes lançando os Ramos uns contra os outros;

    

Nunca foram claros a alocar recursos nem nunca actuaram lealmente relativamente ao cumprimento das Leis de Programação Militar (nenhuma foi cumprida);

   

O próprio Ministério da Defesa Nacional foi sempre uma mentira pois nunca existiu – na medida em que nunca nenhum ministro, ou governo, olhou para a defesa nacional como tal – limitando-se a ser um ministério para as FAs, o mesmo se passando com o ministro cuja única característica que se vislumbrou até hoje – além de ir às reuniões internacionais do que deveria ser o seu âmbito – foi o de, eufemisticamente, pôr a tropa na ordem e esmifrá-la…

   

Por tudo isto não espanta que a sua quase exclusiva actividade até agora, tenha sido a de asfixiar financeiramente e em termos administrativos e de pessoal o que foi restando da IM.

   

Haver preocupação em comparar a percentagem do PIB dos países europeus ou outros, gasta na Defesa, com o que se passa connosco é um exercício deletério de pertinência duvidosa. De facto cada país tem uma geopolítica própria e diferente dos demais e aquilo que cada um gasta na defesa deve ter a ver com as suas opções, necessidades e capacidades, não em copiar exemplos alheios.

   

Por outro lado comparar percentagens é enganador já que 1% do PIB holandês, por ex., pode permitir comprar 1000 aviões de um certo tipo, e 1% do nosso PIB só dar para 50…

   

Finalmente é necessário estar atento para ver se as contas não estão viciadas pois, e também como ex., o Governo português é useiro e vezeiro em incluir os gastos da GNR nas contas da defesa…

   

Quanto à questão da “austeridade ser para todos” há que dizer claramente que, em primeiro lugar, as FAs não têm qualquer responsabilidade na crise, não andaram a desbaratar dinheiro, não usufruíram de prebendas, não andaram metidos em corrupções medonhas, nem se endividaram para além do que podiam pagar (vão pedir contas a quem tem culpas no cartório, primeiro…);

   

E quanto a apertar o cinto já o andam a fazer vai para 20 anos enquanto o resto do país folgava como cigarra, com os responsáveis políticos em destaque! Por isso não venham dizer que a austeridade tem que ser para todos (insinuando nas entrelinhas), pois as FAs estão fartinhas de dar para este peditório (e nunca se eximiram a fazê-lo, nem nunca pediram excepções à lei) – quando mais alguém as igualar que atire a primeira pedra!

                                                  

*****

   Segundo capítulo do “Corpo”.

   

Por outro lado os ataques à condição militar e ao “Ethos” da IM têm – se sucedido no tempo e são devastadores. ´Trata-se de uma agressão constante, que vai acumulando uma revolta surda e que transformará, brevemente, a tropa num fardo inútil. A desconsideração é vasta.

   

O silêncio sobre as barbaridades feitas tem sido ensurdecedor.

     

Ilustremos:

   

A IM perdeu qualquer capacidade de interferir na escolha das chefias militares;

   

O vencimento deixou de estar sintonizado com as outras profissões de referência do Estado, havendo uma desproporção negativa muito acentuada;

   

As chefias militares têm vindo a perder a autoridade de poderem decidir sobre quase tudo;

   

Os militares têm sido enxotados (é o termo) de todas as funções fora da estrutura das FAs, como se tivessem lepra;

    

A IM não possui qualquer representação política;

   

As chefias militares raramente são chamadas ao Parlamento ou à Presidência da República;

   

A justiça Militar (com foro próprio) foi destruída;

   

O Serviço Militar deixou de ser universal e obrigatório (um erro de lesa Pátria…);

   

Institui-se o “duplo voluntariado” no pessoal contratado – uma aberração;

   

Permitiu-se as mulheres na tropa – uma demagogia dispensável e escusada; permitiu-se, de seguida, o acesso a especialidades relacionadas directamente com o combate – uma demagogia perigosa e anti natural;

   

A Disciplina Militar está despedaçada e ferida, depois da aprovação do novo Regulamento de Disciplina Militar;

   

O MDN está invadido de "boys e girls" dos partidos;

   

Assistiu-se à “invasão” do ensino militar pelo ensino civil;

   

Tenta-se, constantemente, transformar os militares em funcionários públicos de manga – de - alpaca; e insiste-se na submissão em vez da subordinação;

   

O estatuto da reserva tem sido destruído paulatinamente;

    

A reforma da saúde militar é um “molho de brócolos”;

    

Insistem em misturar os estabelecimentos de ensino militar – como se pudessem fazer omeletes com ovos cozidos;

   

As FAs foram diminuídas e algo achincalhadas em termos de protocolo de Estado;

   

As FAs estiveram cerca de 30 anos afastadas de poder participar no Dia de Portugal, a 10 de Junho;

   

Não há defesa política e institucional das FAs a não ser em palavras de circunstância;

   

O poder político faz leis para as FAs e os militares, que depois não cumpre: uma altura houve, em que havia cerca de 40 diplomas em incumprimento!

   

Por último “emparedaram” a carreira militar retirando aos militares a única coisa que lhes restava, com a redução constante dos quadros; mudança aleatória, no tempo e no modo, das regras existentes e congelamento inaudito das promoções.

   

O Decreto - Lei 373/73 – que deu origem ao 25 de Abril – em comparação com este último parágrafo, é apenas um conto de fadas…

   

Em súmula, o desrespeito e desconsideração institucional tem sido enorme: generais e almirantes achincalhados na praça pública; ministros pornograficamente ignorantes e impreparados para a função (houve um que só aguentou duas semanas); outro que nunca chegava a horas a lado nenhum (e até chegou a escolher um Secretário de Estado da Defesa num clube de oficiais!); outro, ainda, que resolve ir a uma cerimónia militar que já se efectuara e depois mandou repetir; a lista podia continuar.

   

Talvez o único ministério que durante anos e anos tinha as contas em dia era o da Defesa, as FAs sempre pagaram a horas, pois não descansaram enquanto não acabaram com isto. Quiseram rebaixar-nos ao nível deles!

   

O MDN devia, sem dúvida, mudar de nome, devia chamar-se aquilo em que na verdade se tornou: a comissão liquidatária das FAs.

                                                         

 *****

    Em Conclusão:

   

Gentinha arrivista e ignorante que tem passado pelos paços do poder tem-se comportado como sociopatas e militaricidas. São perigosos.

    

Transformaram os militares em cidadãos de terceira categoria e as FAs num apêndice do Estado, mal tolerado.

   

Por isso já se compreende muito mal, que quem é chamado (ou tem oportunidade) a pronunciar-se sobre o estado das coisas castrenses, se refugie no maldito do politicamente correcto e não fale, naturalmente, na realidade das coisas; saiba ao menos explicar quais são as missões e razão de ser das FAs e não se encolha – quase em retirada estratégica – a dizer que ainda há coisas que podem ser racionalizadas. Além de não ser verdade, dão tiros nos pés e passam um atestado de incompetência aos chefes anteriores…

   

E também já chega de haver quem ande a agitar espantalhos de indisciplina ou insubordinação e depois concluir que agora como é tudo democrático, toda a gente vai portar-se bem…

  

A Democracia não é para aqui chamada (e até me parece ser mais fácil que ocorram problemas em Democracia do que em ditadura…) e não tem nada a ver com o que se passa.

   

O que se passar tem a ver com decência…

   

O que tiver que ocorrer ocorre em função de três coisas: haver um conjunto suficientemente alargado de disparates; ambiente, maturado, em que se possa reagir aos mesmos e um “ignidor”. É uma espécie de triângulo do fogo…

   

As coisas são como são e acontecem quando têm de acontecer.

   

Foi sempre assim e sempre assim será.

   

Por isso juízo.

   

O conjunto da IM tem suportado estoicamente todo este rol de agressões inomináveis tendo como único escape o abandono do serviço activo.

   

Os militares têm carregado a cruz da servidão militar, agarrados ao espirito de serviço e do dever, no mais da vez de boa mente, quiçá com alguma esperança. Com sentido de estado e a encaixar danos, faz décadas (eu, confesso, que há muito – mesmo muito - que me desiludi e lhes perdi o respeito).

   

A paga que têm tido é a que está à vista e confluíram nestas miseráveis medidas que andam no ar.

    

Convém, ao menos, que os militares morram como as árvores, de pé. E ser disciplinado não tem o mesmo significado de ser castrado.

   

Resolver os problemas do país não passa pela destruição da IM[2]. Nem o governo está mandatado para o fazer. Muito menos a “Troika”, ou quem ela representa.

   

Seria crime de traição à Pátria.

 

12/FEV/2013

 

                                            

 João J. Brandão Ferreira

         Oficial Piloto Aviador

[1] Lei da Defesa Nacional e das FAs

[2] Mas acabar com a IM é acabar com o país…

DUAS CARTAS DE CAMILO CASTELO BRANCO

 

1ª– a Francisco Gomes de Amorim (1827-1891)

 

Meu Caro Gomes de Amorim

De acordo. Nada de banhos. Ando de terra em terra há 15 dias. Em Braga respiro melhor; mas as pulgas são aos cardumes por aquelas estalagens – pulgas antigas, coevas dos Bartolomeus dos Mártires* e Caetanos Brandões**.

Se tu pudesses vir estar em minha casa fazíamos uma choradeira recíproca. Não te peço que venhas, porque eu sei o que é um doente sem a sua família. Esta aldeia não tem noras gemebundas, nem a caracterização estúpida e sarracena dos arredores de Lisboa. Sabes como é o Minho: árvores, água, frio, bois e padres.

Estou tomando leite de burra (Creio nela por ser burra.)

Os doentes deste país devem ser-lhes caros.

Os meus respeitos a tua senhora e afectos a teus filhos....

Vai-te, demónio da saudade.

Adeus

Dispõe do teu

C Cast.o Br.co

3 de Junho 74.

 

* - O grande Arcebispo de Braga, 1558-1582

** - Bispo de Belém do Pará, 1782-1789, e Arcebispo de Braga, 1790-1805

 

 

2ª - a José Barbosa e Silva

 

Camilo tinha ido a Lisboa e hospedara-se no mesmo hotel e no mesmo quarto que o seu amigo, e quando saiu, na sua mala, por engano foi um colete do amigo, que terá perguntado por ele!

 

21 de Março de 1858

Meu caro Barbosa

A tua requisição do colete veio desatar um nó górdio, do qual e para o qual eu tinha sido um Alexandre tão desasado quanto vais ver da exposição dum joguinho em que tu perdeste, como o boticário do Tolentino.

Foi o caso. Entre o meu fato aparecia um colete preto que revelava uma barriga como a que eu tenho sonhado nas minhas ambiciosas aspirações de presidente de câmara de S. Tirso onde espero comprar quatro courelas que me dêem censo e senso.

Perguntei dez vezes à D. Eufrásía e à estúpida filha que diabo de colete era aquele. Responderam-me que tal qual viera num dos meus baús de Lisboa. Teimei que não era meu; redar­guiram-me que eu talvez por engano o enfaixasse com a minha roupa. O engano parecia-me parvoinho; porém, como à saída do Motel Central o meu baú foi arranjado por uma criada, supus que algum hóspede pagou a inadvertência da criada.

Nestas conjecturas, tomei posse do colete, e mandei-o enfai­xar com outra roupa condenada a uma venda inglória e obscura em casa de onzeneiro adelo*. Tristíssima sorte foi a do teu colete, meu caro Barbosa. Chora-o, como eu o chorei, quando o adelo me mandou há pouco dizer que um passageiro incógnito lho comprara. Sabes agora a esperança que me resta? é engordar suficientemente para servir de molde ao alfaiate, e mandar-te fazer um colete que desbanque o outro na finura do lemiste, e na recherche da abotoadura. Entretanto fulmina com toda a tua iracúndia a estupidez da filha da D. Eufrásia, à qual a mãe já transmitiu quatro solenes bofetadas por causa do colete. Se me não levas a mal, escreverei um necrológio ao tão ignobil­mente perdido colete, depois de lhe teres fadado tão alto destino, como o de aparecer no Chiado, e roçar as colchas adamascadas dalguma condessa de porcelana, ou de biscuit que é mais deli­cado .

 

* - Usurário, vendedor de objectos usados; loja de penhores.

 

A carta continua com outros assuntos, mas como comenta Alexandre Cabral que a divulgou no livro Correspondência de Camilo Castelo Branco, volume I:

É encantadora a maneira chistosa como Camilo revela ao amigo o facto insólito de lhe ter vendido o colete preto que apareceu extravagantemente na sua bagagem. Perca-se a peça e ganhe-se a maravilha epistolar.

 

Ninguém jamais escreveu como Camilo, o maior romancista português.

 

Estas duas cartas são um pequenino exemplo da sua graça, rapidez, capacidade e síntese.

 

Rio de Janeiro, 30/01/2013

 

 Francisco Gomes de Amorim

É O NOSSO FAUNO

 

 

Escreveu o Dr. Salles da Fonseca, em Outubro de 2005 um extenso texto - «Os Lobos e os Faunos»

http://abemdanacao.blogs.sapo.pt/28858.html - retrato bem expressivo da indignação que sentiu ao longo de um processo de destruição pátria, só equiparável ao anedotário de situações e ditos de um povo pouco sadio, como esse sobre a extinção dos ricos no nosso país, perante pessoas de um outro mundo de inteligência e conforto generalizados. Mas enganou-se o tal que disse isso, pois ao que consta, os ricos aumentaram no seu país, provavelmente esse tal sendo um deles, que lutou com cravos na botoeira, exclusivamente para esse efeito – o de enriquecer com truques.

 

Destruição, eis o lema seguido: territorial, primeiro, económica a seguir, destruição dos valores morais e cívicos anteriores para demolição da camada social futura – a maioria dos “homens e mulheres de amanhã” criada na indiferença e no desmazelo de uma massificação para a inércia - destruição da própria língua, na sua escrita vária, como cúmulo de tanta “infância” mental, para não dizer infâmia – eis alguns dos parâmetros desse lema demolidor, que tantos homens e mulheres evidenciou ao longo destes 39 anos, como borbulhas fazendo erupção na pele, na perversidade e na hediondez de uma desvergonha que se generalizou.

 

Um texto suficientemente esclarecedor, sobre a riqueza e a pobreza das nações, que, naturalmente, resultam do trabalho e estudo ou da sua ausência, condicionados, segundo a tese citada do professor americano, pelo clima –o frio convidando ao esforço físico e mental, o calor à diversão.

 

O certo é que dificilmente nos ergueremos, com tanta ausência de estrutura mental no nosso país, de papagaios debitando sentenças, de graciosos troçando de quem governa, sem respeito e sem educação, da falta de unidade segundo o lema “Um por todos, todos por um” que não nos pertence.

 

E os lobos vão alastrando, cada vez mais vorazes. Quanto aos faunos, lembro, n’ “Os Maias”, a referência a dois desses espécimes, tocando flauta, figuras de um armário de talha, da colecção da “Toca” que Carlos comprou a Craft e que Eça descreveu como símbolo de fealdade dos amores incestuosos narrados no seu romance.

        

Além disso, já não há faunos que protejam os nossos campos, destruídos pelas hordas sucessivas dos que foram aniquilando a Nação Portuguesa. Mas há, certamente, ainda muitos que assobiam para o lado, de mãos nos bolsos, cantando o fado.

 

 Berta Brás

CATURRICES XXXII

 

Estamos entregues aos bichos - II

 

v      Se não fossemos um bando de ingratos, estariamos reverentes e agradecidos por ter políticos e governantes que dizem coisas perdidas de cómicas - e leis que mais parecem enredos dos Monty Python. O problema é que no fim de tudo isso lá vem a factura gorda para todos nós pagarmos.

 

v      Por uma razão que me escapa: (i) as decisões mais sensíveis são-nos apresentadas como as únicas possíveis, inevitabilidades impostas por factos mais que consumados; (ii) os debates são invariavelmente conduzidos para longe, muito longe do que é verdadeiramente importante; (iii), as leis mais parecem motivadas por estados de emergência, tal a pressa com que são redigidas; (iv) quem nos governa dá permanentemente a ideia de saltar de surpresa em surpresa, como se prever e planear com tempo fossem tarefas ciclópicas.

 

v      Em suma, os nossos políticos (de todas as cores), os nossos legisladores (seja qual for a geração ou a escola), os nossos governantes (independentemente da ideologia que os inspire), parece que só sabem navegar à vista – sem conseguirem ver mais de um palmo adiante do nariz.

 

v      Por exemplo, o IMI. Em vez de se cindir o imposto em duas parcelas, uma correspondente ao solo/localização e a outra ao estado do edifícado, não: tudo num só, que foi como sempre se fez!

-     E aí está a incoerência de, agora, o m2 em mau estado, implantado em zona nobre (“the best”), poder ser tributado mais levemente do que o m2 em razoáveis condições de habitabilidade, mas localizado numa zona urbana periférica (“the rest”).

-     E continua a ser mantida com desvelo a impossibilidade de articular política fiscal e política imobiliária (o IMI continua a ser liquidado mesmo quando existe um excesso estrutural de oferta na urbe/zona em que os prédios se localizem).

 

v      Quanto ao BdP, não é fácil perceber qual seja o seu exacto estatuto na organização do Estado:

-     Que é independente, diz-se, porque integração na Zona Euro oblige. Daí que lhe passem ao lado as restrições em matéria remuneratória fixadas para todos os organismos da Administração Pública e para todas as entidades onde o Estado tenha participação directa (como é, aliás, o caso do BdP). E os juízes de direito? Não é precisamente a independência um elemento essencial do seu munus? Escaparam eles a tais restrições? Ou, pelo facto de terem visto as suas remunerações reduzidas, já não são mais independentes? Ou, afinal, a independência da judicatura não passava de um adorno decorativo, descartável logo na primeira oportunidade?

-     Que eu saiba, nem a composição do Balanço do BdP, nem as suas fontes de receita, foram alguma vez objecto de discussão com princípio, meio e fim. Tradicionalmente,: (i) as Reservas Cambiais (incluindo o ouro) integram o seu património; (ii) as medidas de política monetária (a emissão e absorção de liquidez dita “primária”) também são movimentadas nos seus livros.

-     Ora, isto tem duas consequências especialmente relevantes: (i) a desvalorização cambial (e a apreciação do ouro) dá lugar a mais valias (potenciais, é certo) – e, simetricamente, a revalorização cambial (e a queda do preço do ouro) expõe-no a menos valias (igualmente potenciais); (ii) políticas monetárias expansionistas geram proveitos operacionais – em sentido oposto,  políticas monetárias de esterilização agravam-lhe os custos operacionais.

-     A subida do preço do ouro é sinónimo de excelência na gestão do BdP? Obviamente que não. Está ao alcance do BdP influenciar, ainda que marginalmente, as oscilações nas paridades cambiais entre o € e as principais divisas (USD, etc.)? Qual quê. A expansão da liquidez primária, assim, sem mais, haja o que houver, só para obter mais proveitos, pode ser vista como prova de boa gestão por parte do BdP? Nem pensar.

-     Então, porque diabo é que o BdP chama suas essas mais valias e essas receitas - delas se apropriando como se resultassem de actos empresariais? Porque diabo é que o BdP, reconfortado com proveitos que lhe caem do céu, se dota de esquemas remuneratórios superiores aos da Administração Pública - e de esquemas de pensões sem paralelo na realidade portuguesa?

-     Entregar dividendos ao Estado é capaz de não bastar – sobretudo se esses dividendos forem calculados depois de deduzidos todos os encargos com uma estrutura manifestamente empolada e que se faz pagar principescamente.

-     Nos tempos do Escudo (PTE), o que seria razoável é que fossem fixados ao BdP objectivos: (i) de política cambial (a evolução da taxa de câmbio do PTE relativamente às principais divisas); (ii) de política monetária (evolução da taxa de inflação); (iii) para a gestão das reservas de ouro; (iv) em matéria de estabilidade do sistema bancário (ai! ai!). E que o BdP fosse remunerado (encargo do OGE) por prestar esses serviços (parcela fixa) e em função dos objectivos atingidos (parcela variável). Mas nem as Reservas Cambiais, nem as operações sobre liquidez primária, deveriam confundir-se com o seu património, muito menos estar metidas nas suas contas (embora sobre tudo isso devesse ele prestar regularmente contas, enquanto gestor).

-     Agora que o BCE se encarrega das políticas monetária e cambial, a parcela variável deixou de ter justificação. E, em boa lógica, a parcela fixa teria de ser substancialmente diminuida porque o BdP perdeu para o BCE um vasto leque de funções.

-     Tal como está, o BdP perfila-se como uma corporação temida pelos Governos (umas previsões sombrias vindas daquelas bandas fazem mossa na credibilidade de qualquer Governo) e que vive, em larga medida, à custa: (i) de um património (as Reservas Cambiais e o ouro) que é, não dele, mas do Estado; e (ii) de receitas que lhe são estranhas (por estarem associadas à condução da política monetária e, em última análise, ao reequilíbrio “macro”).

 

v        De há muito era óbvio que urgia: (i) reequlibrar (pelo menos) a BTC (deficits na casa dos 8%-12% do PIB, ano após ano, como acontecia desde finais do séc. XX, são uma loucura rematada); (ii) tornar o aparelho do Estado (vulgo, Administração Central, Administração Local, Empresas Públicas e entidades avulsas) numa organização eficiente, que a economia pudesse comportar sem demasiado esforço (cargas fiscais acima dos 35% esterilizam tudo à sua volta, e é insensato contar com o crescimento ad perpetuum da Dívida Pública).

 

v        Em curtas palavras: austeridade (por causa da BTC); reestruturação profunda (para inverter a caminhada ascendente da Dívida Pública, sobretudo, da Dívida Pública Externa).

-     Se é de admitir que o descontrolo orçamental contribuiu para uma BTC deficitária (e que, em contrapartida, a Dívida Pública Externa permitiu financiar boa parte do deficit externo), o certo é que estas duas tarefas são, em larga medida, independentes uma da outra - pois mesmo se a BTC estivesse em ordem, a reestruturação do aparelho do Estado já tardaria.

-     Assim é na realidade. Mas não nas preclaras mentes dos nossos governantes, talvez por nunca lhes ter ocorrido que o esvaziamento da “bolha de crédito bancário” (inevitável para que o sistema bancário não colapsasse de vez) traria já uma boa dose de austeridade, alguma contracção da liquidez em circulação – e, provavelmente, o progressivo reequilíbrio da BTC.

-     Como nunca lhes ocorreu que o que havia a fazer era manter sob vigilância apertada a evolução do rendimento disponível e da liquidez em circulação (quase as duas faces de uma mesma moeda), porque se ambos  registassem uma contracção brusca e acentuada, dispararia o desemprego e afundar-se-iam as receitas fiscais – criando uma conjuntura recessiva onde qualquer reestruturação se tornaria impraticável (ainda que a BTC começasse a registar superavits).

-     Nem tão-pouco parece terem antevisto que, agravar sem medida a carga fiscal, quando os Bancos estão a meio de um processo de redução de Balanços, tem por efeito directo e imediato a contracção do rendimento disponivel (para quem consiga manter-se em actividade, apesar de tudo), e o aumento das transferências socias (para os que, entretanto, cairem no desemprego).

-     Muito menos lhes ocorreu que austeridade e reestruturação (do aparelho do Estado) só convergiam num ponto: evitar que a Dívida Pública Externa continuasse a crescer (quanto à restante Dívida Externa, os mercados se encarregariam de a disciplinar). À revelia do mais elementar bom-senso, assentaram o Programa de Ajustamento no crescimento da Dívida Pública Externa – nem mais.

-     Nada disto lhes ocorreu. Mas ocorreu-lhes colocar austeridade e reestruturação no mesmo saco (além do lindo serviço com a Dívida Pública Externa). E desse modo, deram ao país, ao longo dos últimos 18 meses, muita austeridade, quase nenhuma reestruturação e um futuro muito complicado.

 

v        Tenho ou não razão para pensar que ninguém nos supera quando se trata de entregar as redeas da governação a cómicos de provas dadas?

Fevereiro de 2013

 A. Palhinha Machado

 

Mais disparates sobre a Agricultura

 

 

João Pereira Coutinho tem escrito variados artigos sensatos e com lógica. Mas recentemente, com o titulo “TV Ruína”, escreveu um chorrilho de disparates sobre a Agricultura. O tema de partida foi a notícia de alguns quererem voltar a ter na TV o programa “TV Rural”. Transcrevo uma parte: “Mas entendo o espírito que anima esta grotesca interferência no “serviço público”: a ideia juvenil de que é possível ressuscitar o nosso sector primário, devastado por Bruxelas com a conivência de sucessivos governos, através da mera propaganda televisiva. Infelizmente, não é: décadas de abandono dos campos não se revertem com odes isoladas aos produtores que resistem por aí”.

 

De tudo isto só tem certo a má actuação dos governos anteriores, em descarados e ruinosos actos de destruição, que só foram um tanto travados pela actual ministra.

 

Bruxelas, mesmo com os vários erros da PAC, não é a responsável pelo nosso descalabro nesse sector. Não obrigou ninguém a arrancar vinhas ou a não cultivar. Se alguns que receberam subsídios não souberam ou não quiseram dar-lhes destino certo não é da responsabilidade da União Europeia. Os países europeus que vêm cá vender produtos que tínhamos obrigação de aqui produzir estão sujeitos à mesma PAC.

 

Não só é “possível ressuscitar o sector primário”, como é imperioso fazer essa recuperação, a bem da nossa economia e, até, da nossa independência alimentar. É claro que não é só “através da mera propaganda televisiva”, mas esta dá uma boa ajuda.

 

Parece que algo está a ser feito, embora eu pense que já se poderia ter feito mais nestes dois anos. Nos muitos escritos sobre o tema, tenho indicado o que julgo se podia e devia fazer, mesmo com o reduzido know how que o ministério possui, comparado com o que tinha há quarenta anos e eu considerava ser insuficiente para as necessidades do país. Como tenho repetidamente indicado, é imperioso iniciar um “Plano Intensivo de Investigação Agronómica e de Extensão Rural”, mesmo só coma prata da casa. Não tenho notícia de que isso esteja a ser realizado.

 

A referência “aos produtores que resistem por aí”, nalguns casos com bom êxito, é a melhor prova do que é possível generalizar.

 

O programa “TV Rural” ensinava os agricultores a fazer melhor agricultura e mostrava muitos aspectos mesmo para quem não era agricultor e gostava de o ver. Bom será que ressuscite pois ele é um elemento da extensão rural que, com a investigação agronómica, são as alavancas do Ministério da Agricultura necessárias para fazer a nossa agricultura dar uma maior contribuição para a economia portuguesa.

 

Os nossos economistas e alguns dos nossos jornalistas já mostraram grande ignorância (se não for pior...) em relação à agricultura. Além de não saberem que é parte da economia, como se prova com o nome errado que, desde Guterres, dão ao Ministro do Comércio e Indústria (que é só Ministro de Parte da Economia), houve um que considerou que a agricultura era apenas “residual”. Outro economista, quando perguntado se a agricultura não poderia dar uma boa contribuição, declarou que “no campo alimentar poderia dar um pequeno contributo” caso que comentei no LE (Um "pequeno contributo", 24-6-2011). Um jornalista num jornal com as responsabilidades do “Expresso”, declarou em 25-3-2000, que a seca intensa desse ano era “o ponto final da nossa agricultura”. O título do artigo era mesmo “O fim da nossa agricultura”, que também comentei no LE (Continuam muito erradas as ideias sobre a Agricultura, 26-10-2011).

 

Não se deve deixar que tais aberrações passem sem ser denunciadas. É que há pessoas que, não estando dentro dos assuntos, até são capazes de as tomar como verdades.

 

 Miguel Mota

 

Publicado no Linhas de Elvas de 14 de Fevereiro de 2013

DINASTIA IMPERIAL

 

 

OS KING KONGS

 

 

 

Quem haveria de pensar continuarmos, nos dias de hoje, a atravessar uma era de monarquias absolutas, como na Arábia Saudita, Omã, Brunei, Catar e até na esquecida, piquinininha e ignorada Suazilândia, onde sua majestade tem umas trinta mulheres! Há outras, aparentemente menos absolutistas, mas...

 

São eternas (?) monarquias, piores do que a de Luis XIV, o glorioso, vaidoso e soberbo, mas nenhuma se comparando à Síria, menos ainda à poderosa dinastia dos gorilas! Gorilas, isso mesmo.

 

Começou em Hollywood em 1933 o enorme “King Kong”, possante e bondoso, logo a seguir veio “O Filho do King Kong”, e outros kings goriláceos em mais uma porção de versões, e tantas foram que inspiraram a democratíssima Coreia do Norte onde continuam a reinar, em absoluto absolutismo, os “kims... kongs”!

 

Começou pelo Kim Il-sung, o primeiro King Kong da dinastia asiática, e Grande Líder; seguiu-se o filhinho King Kong II que lhe chamavam entre outras coisas Kim Jong-il, o modesto, humilíssimo Estimado Líder Supremo da República Popular Democrática da Coreia do Norte, Presidente da Comissão de Defesa Nacional da Coreia do Norte e Secretário-Geral do Partido dos Trabalhadores da Coreia - cargos máximos em âmbito militar e político da nação coreana, havendo só um pequeno equívoco semântico: esqueceram-se de trocar as palavras “república democrática” por “monarquia absolutíssima”, mas isso é detalhe de somenos importância dada a imensa adoração do povo por esta figura que não apareceu nunca em cartazes monumentais, nem em estátuas gigantes, nada disso, modesto como um monge budista ou um frade franciscano!

 

 

E agora surge o Kim Jong Un, aliás King Kong III, um brilhantíssimo general de 29 anos, que se destacou na guerra (que guerra foi mesmo?) e vai ficar sendo amamentado pela titia, irmã do papai – ex monarca – titia poderosa, generala de quatro estrelas e mais o dedicadíssimo maridinho desta que é big chefe da polícia daquela “democracia”.

 

Como o novo generalinho só vai fazer o que mandar a macha da titia, talvez se lembre de querer brincar com alguns brinquedos reservados em exclusivo a reis e imperadores. Por exemplo, pode querer ver como rebenta uma bomba atómica em cima de Israel. Ou no Japão. Não por mal, só brincadeirinha inofensiva, parecida com a que tantos fizeram desde sempre, como por exemplo, os imperadores romanos quando perguntavam aos filhinhos se o gladiador devia morrer ou não.

 

Todos uns amores de criaturas. E importantes.

 

Agora veremos como se vai chamar este novo gorilinha. O vovô era o grande léder, papai, estimado líder, e este? Que tal a ideia de minino líder, gratesco líder, ou até mentirinha líder.

 

Aguardem a nova sensação, verdadeiramente hollywoodesca.

 

E procurem abrigos atómicos.

 

            *          *          *

 

Entretanto no “país do faz de conta”, em que tudo vai maravilhosamente bem, melhor do que bem, hoje, lemos a análise dum conhecido economista, de onde extraímos algumas passagens:

 

“A economia perdeu força e chega ao fim do ano com crescimento pífio.

 

O Ibovespa – a Bolsa de Valores – quase cai 20%.

 

O país vive um verdadeiro manicómio tributário, não apenas pela magnitude de impostos, como por uma enorme complexidade.

 

O Brasil mesmo com população jovem, apresenta um rombo previdenciário insustentável. Onde está a reforma?

 

A educação pública continua de péssima qualidade e a presidente resolveu manter o (péssimo) ministro mesmo depois de seguidos tropeços.

 

O presidente Lula (deveria escrever com letra minúscula!) teve oito anos para lutar por uma reforma política, mas o “mensalão” pareceu um atalho mais atraente.

 

Tudo se resume à partilha do butim da coisa pública.

 

O resultado está aí: “nunca antes na história deste país” tivemos tantos escândalos de corrupção em apenas um ano de governo. Este é um governo envolto em escândalos, cuja responsabilidade é, em última instância, da própria presidente que escolhe seus ministros. É questão de tempo até a maioria perceber que esta “faxina ética” é um engodo.”

 

E termina:

 

“O governo Dilma, em seu primeiro ano, não soube aproveitar o capital político fruto da popularidade elevada: não cortou os gastos públicos; reduziu os investimentos; ressuscitou fantasmas ideológicos como o proteccionismo; não debelou a ameaça inflacionária; e entregou fraco crescimento. Isso além dos infindáveis escândalos de corrupção. Um começo medíocre sendo muito obsequioso.”

 

Mas o Deus é brasileiro! E não há-de ser nada. O país é imenso, cheio de juventude e recursos, e assim, estes males, endémicos”, acabam por passar disfarçados.

 

O tal futuro que...

 

Rio de Janeiro, 27/12/2011

 

 Francisco Gomes de Amorim

O DESASTRE ORTOGRÁFICO

 

 

Em 1990, quando oito países da CPLP assinaram o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, eu era director da revista “Grande Reportagem” e assinei, conjuntamente com Vicente Jorge Silva, então director do “Público“, e Miguel Esteves Cardoso, então director de “O Independente”, uma declaração, publicada nos respectivos meios, comprometendo-nos a não aplicar o dito acordo nas nossas páginas. Passados vinte e três anos, não mudei de opinião relativamente ao AO: fundamentalmente, continuo a não aceitar o facto consumado de um acordo saído do nada, a pedido de ninguém, não negociado nem explicado aos principais utilizadores da língua — autores, professores, editores, jornalistas — e imposto a dez milhões de portugueses por uma comissão de sábios da Academia das Letras do Brasil e da Academia das Ciências de Portugal.

 

Sempre temi a ociosidade dos sábios e a tendência leviana dos governantes para legislarem a pedido das modas intelectuais. Mas nunca pensei que uma nação que tinha levado a sua língua às cinco partidas do mundo, chegando a ser a língua franca nos mares do sudoeste asiático até ao dealbar do século XIX, fosse capaz de voluntariamente, e invocando vagos interesses geo-comerciais, propor a sua submissão às regras em uso num país onde levámos a língua que o unificou. Por outro lado, não fui sensível ao argumento de que as grafias mudam (sem ser naturalmente) e ao exemplo, tantas vezes esgrimido, do ‘ph’ reduzido a ‘f’ pelo AO de 1945 (que o Brasil nunca aplicou, como também não aplicou o anterior, de 1931…). Não alcanço que extraordinário progresso se consumou ao deixar de se escrever “pharmácia”, a troco da “farmácia”, e acho seguramente intrigante que idêntico progresso não tenha contagiado, por exemplo, franceses e ingleses. que continuam a escrever a mesma palavra com ph. Também nunca me convenceu o argumento de que o AO facilitaria a penetração da literatura portuguesa nos PALOP e no Brasil, impossível de alcançar sem ele.

 

Quanto aos PALOP, basta o facto da recusa de Angola e Moçambique de, até hoje, ratificarem o AO, preferindo escrever no português que lhes levámos, para desmentir essa pretensa vantagem; e, quanto ao Brasil, perdoem-me a imodéstia de invocar o meu testemunho pessoal de quatro livros lá editados, todos com a referência de que “por vontade do autor, manteve-se a grafia usada em Portugal” — e sem que isso tenha prejudicado de alguma forma a sua edição, divulgação e venda.

 

Oito países falantes de português assinaram o AO de 1990, mas como, após anos de espera em vão, apenas quatro o tinham ratificado, esses quatro decidiram, em 2008, que eram suficientes para o fazer entrar em vigor. O AO, que entre nós começou a vigorar aos bochechos em 2009, é, assim, e antes de mais, inválido, resultante de uma golpada jurídica não prevista no tratado inicial, que apenas confirmou o voluntarismo idiota e o abuso político com que todo o processo foi conduzido. Porque nunca conseguiu convencer quem devia, o AO foi imposto manu militari, por governantes saloios, desprovidos de coragem para enfrentar os lóbis da “cultura” e convencidos de que a força da lei há-de sempre acabar por triunfar sobre a fraqueza da sem-razão. Surdos a todos os argumentos dos oponentes (entre os quais o país deve uma homenagem de gratidão a Vasco Graça Moura), desdenhosos perante o abaixo-assinado com 130.000 subscritores contra o AO, sem um estremecimento de vergonha perante o editorial do “Jornal de Angola” do Verão passado (que aqui citei na altura), onde se escrevia que, se Portugal não defendia a sua língua, defendê-la-iam eles, os governantes acharam que o mais importante de tudo era não desagradar ao Brasil, a cuja presumida vontade fora dedicado o AO.

 

Mas eis que na iminência de entrar em vigor plenamente no Brasil, em 1 de Janeiro passado, uma petição com 30.000 assinaturas levou o Congresso a pedir e Dilma Rousseff a aceitar a suspensão da sua entrada em vigor por três anos, para que melhor se medite no diktat dos sábios. E chegámos assim à situação actual, verdadeira parábola sobre o destino da sobranceria: neste momento, há três grafias oficiais da língua portuguesa — a que vigora em Angola, Moçambique, Timor, e que é a anterior ao AO; a grafia brasileira que é a mesma de sempre, resultante do não acatamento de nenhum dos três acordos ortográficos assinados connosco, ao longo de 60 anos; e a de Portugal, que, com excepções ainda autorizadas, é resultante do AO de 1990 — feito, segundo diziam, para “unificar a língua”, agradar aos brasileiros e não perder influência em África! É notável, é brilhante, é mais do que prometia a estupidez humana! Perante este facccccccccto, seria de esperar que os nossos sábios e os arautos dos amanhãs que cantariam no português por eles unificado pintassem a cara de preto e viessem pedir desculpas públicas. Eu dar- lhes-ia como castigo a conversão ao AO do “Grande Sertão, Veredas”, de Guimarães Rosa.

 

Porque agora, digam-me lá, o que faremos nós, depois de termos obrigado, e quase arruinado, os nossos editores a converterem em português do AO todos os livros editados? Depois de termos tornado obrigatórias no ensino as regras do AO, desde a época passada? Depois de termos convencido prestigiadas instituições, como este jornal, a submeterem-se ao Conselho de Ministros? Vamos, como legalmente previsto, tornar o AO universalmente obrigatório para todos a partir de 2015, vergando de vez os lusitanos que ainda resistem, sem saber se os brasileiros farão o mesmo no ano seguinte? Vamos correr o risco de ficar a escrever numa grafia em que mais nenhum país falante da nossa língua escreverá? Vamos oferecer um banco aos angolanos e a TAP aos brasileiros, em troca de eles se renderem e terem pena da nossa solidão? Vamos acolher a Guiné Equatorial na CPLP contra a jura de ratificarem o AO? Vamos exigir aos ilustres embaixadores aposentados da CPLP o mesmo destemor a defender o AO de que deram mostras a enfrentar o governo de narcotraficantes da Guiné-Bissau? Ou vamos conformarmo-nos a ter uma geração de pais que escreve de uma maneira e uma de filhos que escreve de outra maneira?

 

Porque uma coisa é garantida: a arrogância dos poderosos não conhece arrependimento. Eles jamais voltarão atrás, reconhecendo que se enganaram, que se precipitaram, que foram atrás de vozes de sereias, que se esqueceram de que há coisas que nenhum país independente cede sem estremecer: o território, o património, a paisagem, a língua. Trataram isto como coisa menor, como facto herdado e consumado, de ministro em ministro, de governo em governo, de parlamento em parlamento, de Presidente em Presidente.

 

Partiram do princípio de que os portugueses comem tudo, desde que bem embrulhado em frases grandiloquentes, com a assinatura dos influentes e a cumplicidade dos prudentes. Mas, dêem agora as voltas que quiserem dar aos acordos que assinaram e à língua que lhes cabia defender e não trair, cobriram-se de ridículo. Está escrito nos livros de História: um pais que se humilha para agradar a terceiros, arrisca-se a nada recolher em troca, nem a gratidão dos outros nem o respeito dos seus. Apenas lhe resta o ridículo. Oxalá ele chegasse para matar de vez o triste Acordo Ortográfico!

 

Miguel Sousa Tavares Miguel Sousa Tavares na SIC Miguel Sousa Tavares

 

EXPRESSO, 19 de Janeiro de 2013

O ESTATUTO DA MULHER

 

 

Verney escreveu, no séc. XVIII:

«Quanto à necessidade (eu acho-a grande) que as mulheres estudem: Elas, principalmente as mães de família, são as nossas mestras nos primeiros anos da nossa vida: elas nos ensinam a língua; elas nos dão as primeiras ideias das coisas. E que coisa boa nos hão-de ensinar, se elas não sabem o que dizem? Certamente que os prejuízos que nos metem na cabeça, na nossa primeira meninice, são sumamente prejudiciais em todos os estados da vida, e quer-se um grande estudo e reflexão para se despir deles. Além disso, elas governam a casa, e a direcção do económico fica na esfera da sua jurisdição. E que coisa boa pode fazer uma mulher que não tem alguma ideia de economia? Além disso, o estudo pode formar os costumes, dando belíssimos ditames para a vida....... Muito mais, porque não acho texto algum da lei, ou sagrada ou profana, que obrigue as mulheres a serem tolas e não saberem falar................... Enfim, esta matéria é de tanta consideração para a república, que um homem tão pio e douto como M. Fénelon, arcebispo de Cambrai, compôs um belíssimo tratado sobre esta matéria ("L'Éducation des Filles") (e, depois dele, alguns autores franceses e italianos que eu li) em que ensina como se deve regular este estudo, e as utilidades que dele se podem tirar. Ao que eu podia acrescentar algumas experiências e reflexões minhas, feitas sobre as aplicações que observei em algumas mulheres.»

("O Verdadeiro Método de Estudar").

 

no mesmo século de Fénelon, séc. XVII, mas contrariamente a este, o nosso D. Francisco Manuel de Melo se mostrava perfeitamente conservador, a esse respeito, na sua "Carta de Guia de Casados": «O marido tenha as vezes e sol em sua casa, a mulher as de lua; alumie com a luz que ele lhe der, e tenha também alguma claridade. A ele sustente o poder, a ela a estimação. Ela tema a ele, e ele faça que todos a temam ela.»

 

E mais adiante: «Não venho em que com a mulher se litigue, que é conceder-lhe uma igualdade no juízo e império, cousa de que devemos fugir. Faça-se-lhe certo que à sua conta não está o entender, senão o obedecer e fazer executar, ainda que não entenda. Mostre-se-lhe às vezes que havendo quando se casou entregado sua vontade ao marido, comete agora delito em querer usar daquilo que já não é seu..»

 

A máxima do Dr. Salles da Fonseca «Uma sociedade será tão mais evoluída quanto elevado for o estatuto da mulher» tem, naturalmente mais afinidade com as do iluminista Verney, conquanto neste as máximas modernizadoras sejam em função da valorização social, não por reconhecimento de paridade intelectual entre o homem e a mulher. Muito longe se estava ainda das lutas pela libertação da mulher, mas era um passo.

 

Mas a sociedade actual ainda privilegia o estatuto masculino, apesar de tantas mulheres que se distinguem, veremos se Ângela Merkel consegue endireitar o que tantos homens entortaram.

 

 Berta Brás

AFINAL, QUEM É O TOTÓ?

 MargaretCafe PasteisDeNata.JPG

Por vezes (quase sempre), os média funcionam como o recreio do liceu: há a elite dos giros e o sub mundo dos totós. E estes totós são sempre gozados, digam o que disserem. No nosso liceu colectivo, já tivemos vários totós: Ferreira Leite, Medina Carreira (a "velhinha" e o "louco" que falavam, imaginem só, do perigo do endividamento), e Álvaro Santos Pereira. Os média tomaram de ponta o ministro da economia e criaram à sua volta uma aura de gozo permanente. Não interessa analisar aquilo que ele diz; como é ele que o diz, aquilo só pode ser gozável.

 

O caso dos pastéis de nata ilustra bem este ponto. Num discurso qualquer, Santos Pereira disse que Portugal precisava de ter orgulho nas suas coisas, disse que os portugueses deviam fazer um esforço para exportar aquilo que têm de bom, e deu o singelo pastel como exemplo. O ministro foi gozado por meio mundo, foi alvo de uma chacota que teve tanto de preguiça como de provincianismo. Sim, foi a típica chacota provinciana dos moderninhos.

 

Para começo de conversa, o pastel de nata já é um sucesso asiático. Poucos dias depois do início da risada, a nação descobriu que um sujeito qualquer já tinha transformado o pastel de nata numa espécie de donut adaptado ao paladar chinês. Afinal, quem é o totó? O ministro ou os gozadores-do-ministro? E, agora, parece que uma empresa portuguesa - NATA Lisboa - vai iniciar a internacionalização do pastel de nata. Em apenas seis meses, esta empresa abriu quatro lojas em Portugal e já prepara o salto. Parece que vamos mesmo exportar pastéis de nata aos pontapés. Afinal, quem é o totó?

 

Vou rezar para que a NATA Lisboa se transforme no Nando's da pastelaria. Quem é o Nando? É o português (de Moçambique, claro) que colocou o nosso frango assado a concorrer com os gigantes da comida rápida. Outro totó, claro. Nós, os gozadores sub-queirosianos de 'Lesboa', é que somos muito engraçados e inteligentes. Sobretudo muito inteligentes. E modernos, claro.

 

4 de Fevereiro de 2013

 

 Henrique Raposo

 

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