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A bem da Nação

COME CHOCOLATES, PEQUENA!

 

 

Costumo gostar dos textos do Dr. João César das Neves, que resultam de critérios de ponderação despidos de facciosismo, e pautados antes por uma seriedade de orientação sem resquícios daquela oposição de idiotia que se tem traduzido ultimamente no nosso país por uma provocação não propriamente musical – porque bem desafinada – mas macaqueadora da “Grândola” de Zeca Afonso, e de alcance só não nulo porque revelador da extrema inépcia de uma população geralmente com fraca prestação intelectual, refugiando-se em slogans ou músicas conhecidas na ausência de discursos mais elaborados, para silenciarem os governantes em prestação.

 

Mas este texto de César das Neves não pareceu seguir a mesma rota dos anteriores, e, reconhecendo embora a justeza de observação na generalização da responsabilidade na crise a toda uma população que teve parte no sumiço do bolo emprestado, achei demasiado drástica a inculpação de todos os cidadãos nele envolvidos, com a nem sequer minimização mas pura anulação das responsabilidades dos que dele comeram à tripa-forra, num semear de misérias – morais, espirituais, económicas – de que só um governo de gente íntegra, talvez – como este parece ser, pagando a nossa dívida -poderá, “à la longue”, fazer dissipar. Como não lhe vão dar oportunidade para isso, apeando-o ao som das Grândola ou doutra musiquinha idêntica, como a da gaivota também dos anos 70 que voava em liberdade, imagem para sempre, da nossa, não temos esperança de conversão.

 

Seremos sempre os “da mansarda”, como o Álvaro de Campos. Mas este não foi coitado, apesar de tanto o afirmar.

 

Os coitadinhos somos nós. Para sempre.

 

Para reler o texto do Dr. César das Neves, ver em http://abemdanacao.blogs.sapo.pt/862518.html

 

Finalizo, com o meu comentário ao texto do Dr. César das Neves no blog do Dr. Salles da Fonseca:

 

Para justificação da crise neste país, negar o contributo de tanta fraude cometida, de tantos jogos ilícitos do poder, de tanta construção desnecessária e propiciadora de delito, de tanta impunidade por efeitos de uma Justiça inexistente, etc., para analisar só a parte que todos tomámos no abocanhamento das côdeas que nos foram remetidas pelo poder, como disfarce, parece um afunilamento incriminatório sobre estes, e um branqueamento propositado dos meandros tortuosos daqueles. Não me parece justo isso. Todos estamos pagando agora, desfeitos os direitos adquiridos de estudo, de prática laboral, de empenhamento, de descontos que fizemos enquanto trabalhámos, cada vez mais igualados aos sem estudo, sem empenhamento, sem descontos, numa sociedade para uma igualdade sem elevação. E afinal, nunca chegaremos a tapar os buracos da ignomínia, por muito que se nos baixe o nível salarial. Somos, definitivamente, um povo de mínimos.

 

 Berta Brás

Os bolinhos pequenos e o bolo grande

 forma para cortar bolo fatias oquecomerhoje Kit prático para cortar bolos em fatias para rechear

 

O governo anunciou que é necessário cortar 4 mil milhões de euros no orçamento do estado para 2013. Esses cortes teriam de incidir principalmente na saúde, na educação e na segurança social. Tem sido declarado que o chamado estado social é insustentável e que os cidadãos, para além dos impostos que pagam e que, alegam, são insuficientes para suportar tais encargos, terão de pagar mais a serviços do estado como saúde e propinas. E, mesmo pagando mais a esses serviços, o estado não tem capacidade orçamental suficiente e terão de recorrer a privados.

 

Nessa ordem de ideias, encerraram-se serviços, como Centros de Saúde e outros, extinguiu-se o Abono de Família e iniciou-se um intensa fúria de privatizações, algumas de grande importância para o estado, a que já vi ser dado o nome de privataria. E a culpa disso ser necessário é atribuída ao maldito “estado social”.

 

Como creio que um dos maiores pesos nos gastos da segurança social é o desemprego, já me atrevi a dar duas sugestões para reduzir enormemente esse encargo.

 

Para a segunda sugestão, terminava com a pergunta do que é que sucederia às nossas finanças e à nossa economia se tal se concretizasse. Não obtive qualquer resposta.

 

É costume ver apresentar certos indicadores da economia e das finanças, não com os seus valores absolutos, mas em percentagem do PIB. Tem lógica essa forma de apresentar valores porque a evolução do PIB, por exemplo, seja em crescimento positivo ou negativo, diz muito sobre a situação da economia, que também se vai refletir nas finanças. Para o caso em análise, vale a pena fazer uma outra relação, que se afigura muito mais reveladora da realidade. Vejamos qual é o peso daqueles três ministérios – Saúde, Educação e Segurança Social, os componentes do maldito “estado social” – em percentagem do total do orçamento.

 

A despesa total indicada no orçamento para 2013 é de

183 752 214 568 euros.

 

A despesa, em euros, de cada um dos três ministérios e a respectiva percentagem do orçamento é a seguinte:


SAÚDE                            7 873 010 760       4,285 %


EDUCAÇÃO E CIÊNCIA   7 030 690 262       3,826 %

 

SOLIDARIEDADE E DA

  SEGURANÇA SOCIAL    8 878 317 054       4,832 %


Verifica-se, portanto, que o conjunto dos três ministérios responsáveis pelo maldito “estado social” apenas consome 12,923 % do total da despesa orçamentada para 2013. Isto prova que não é verdade a incapacidade do estado para manter o estado social pois, como se verifica, ele é uma parcela pequena do total do orçamento e que, pelo contrário, o estado pode e deve investir mais nestes sectores que, aliás, até são bons investimentos. Pergunta-se: porque é que não vão cortar os 4 mil milhões nos restantes 87 %


Conclui-se que o governo quer cortar muito nos bolinhos pequenos e quase nada no bolo grande.

 

 Miguel Mota

Publicado no Público de 24 de Fevereiro de 2013

 

O “TAL” PARAÍSO

 

 

Neste momento a grande ocupação, ou preocupação, do Brasil, são as marchas da maconha e dos homossexuais e o “casamento” entre estes. Não se fala noutra coisa, e a maioria dos governantes vive eufórica a apoiar para ver se leva mais uns quantos votos.

Está tudo liberado! Estou a pensar, por estes dias pedir ao STJ, o tal tribunal supremo, autorização para a “Marcha dos Pelados”, onde população vai toda nua para as ruas, o que além de ser totalmente natural, essa marcha vai abrir com grandes imagens da Afrodite, Apolo, Discobolo, e muitas outras, sobretudo retiradas de alguns templos hindus, para mostrar que o nu é uma arte, admirada em todo o mundo, através de muitos séculos.

 

Para esta marcha poderão aparecer todas as afrodites até com oitenta anos, bem como apolos até de cadeira de rodas.

 

E nesta marcha há um factor que não pode ser esquecido: tudo nu, nada a esconder. Tudo verdade.

 

Olha a marcha com os “monumentos”

 

A seguir vamos pedir para fazer a marcha, leia-se apologia, do crac (krak?). Já autorizaram da maconha, o critério, a jurisprudência, deve ser mantida, porque a argumentação dos doutos juízes foi que a liberdade de manifestação não pode ser negada ao povo.

 

Preparem-se pois para duas grandes festas... populares, assim que o São Pedro estiver já a descansar.

 

Só quem não descansam são os políticos. No pouco tempo que lhes sobra, depois das maquinações de corrupção e roubalheira, que havemos de concordar deve dar algum trabalho, muito bem pago aliás, o estar sempre a defraudar as contas públicas, meter a grana no bolso e ainda por cima apanhar outra canseira em tentar esconder o ilícito enriquecimento, ainda têm que legislar.

 

Coitados dos políticos, como sofrem!

 

E, imaginem crentes e tementes a Deus, que arranjam tempo para criarem todos os dias, repetindo, todos dias, dezoito – 18 – novas leis! Pessoal brabo mesmo.

 

Entre 2000 e 2009 o país criou 75.517 leis, uma média de 6.865 por ano.

 

Ora trabalhando assim, intensamente, pelo bem estar do povo, umas roubalheiras de permeio... são sempre desculpadas ou esquecidas nas gavetas dos tribunais!

 

Destas leis todas 6.561 são federais! E de todas as que se criam, por exemplo no Rio de Janeiro, 80% são inconstitucionais! Mas a verdade é que são leis que projectam no futuro este país maravilhoso, leis de grande alcance social democrático, exemplo a seguir por todo o mundo, como a lei que cria o “Dia das Estrelas do Oriente”, ou o “Dia da Jóia Folheada”. Ora isto não é uma maravilha? Que sabedoria!

 

A preocupação é tanta com o bem estar geral, que até se tento legislar proibindo a utilização de telefones celulares dentro dos bancos, para evitar o contacto com algum ladrão que estivesse fora a guardar o “pato”. Mas esta não passou; feria demais a liberdade de comunicação. Ah! Bom.

 

Há ainda leis que proíbem a exposição indiscriminada, em bancas de jornais e revistas, livrarias, e locadoras, de revistas, DVDs, etc. que contenham imagens impróprias, isto é ou nudismo ou até de sexo. Para se ver como o brasileiro é temente às leis e como a fiscalização é perfeita, basta ir a uma, qualquer, banca, e escolher a revista pelos seios ou pelo traseiro para bonito que as dezenas de revistas apresentarem. Traseiro de mulher ou de homem. Revistas para homens, para mulheres, e... para gays!

 

E ainda tem uma particularidade curiosa: num país onde existe, na Constituição, e somente ali, a definição dos três Poderes, 85% das leis são propostas do Executivo a que os palhaços do Legislativo dizem sempre que sim, com medo de perder algum benefício “extra”!

 

Mas o povo não é bom, é óptimo, e então o carioca continua a ser o “rei da boa disposição”. Malgré tout.

 

Ora vejam estas delícias:

- Há dias uma pessoa foi registar uma ocorrência na 12ª DP em Copacabana, no Rio, e sentindo-se apertada precisou ir ao banheiro. Não tinha papel! Como resolveu? Não foi esclarecido, mas na ocasião um sabugo de milho teria sido a salvação;

- No domingo, dia 12, houve um apagão no Cinépolis Lagon, durante a sessão das 21h30m, com o filme “Se beber não case – 2”. Quando a escuridão tomou conta do cinema um garoto gritou: “Hé, gente, quem pagou meia já pode sair!”

- O famigerado ex ministro Palloci, que já foi posto fora dos governos, por indecente e má figura, duas vezes, tinha um apartamento alugado, no Rio, em condições escusas, em nome de um tal de Dayvini, mas que pertencia a seu tio, Gesmo! E, os escândalos do PT além de criminosos, são caricatos. Envolvem as seguintes “altíssimas” figuras: Erenice, Euriza, Eudacy, Delúbio, Francenildo, Barquete, Vedoin, Gedimar, Valdebran, Bargas, Lorenzeti e Freud. Viva a cultura dos nomes próprios!

- Na penúltima sexta-feira, numa agência do Banco do Brasil, um senhorzinho de cabelos brancos esperava na fila única, quando uma vovozinha mais velha passou directo e foi ao caixa. “Ei! Senhora! Tem fila”. Ralhou o senhorzinho. A vovó reagiu zangada e foi apoiada por todos: “É o caixa dos idosos, ela tem direito”.

 

O senhorzinho se desculpou e ouviu da vovó: “O senhor não vai lá porquê? Qual a sua idade?” Ele: “Não sabia. Tenho 68.”

E ela: “Nem parece. Ainda dava bom caldo...” A fila caiu na risada e puxou o coro: “Pega o velho! Pega o velho!”

 

É assim esta gente: afável, descontraída, alegre, acolhedora, mas, infelizmente ainda sem capacidade de exigir dos malditos governantes um mínimo de decência!

 

Rio de Janeiro, 27/06/2011

 

 Francisco Gomes de Amorim

UMA PÁGINA DA ANTIGA HISTÓRIA PORTUGUESA

 

 

Extraída da obra recentemente publicada por Henrique Salles da Fonseca – “EXSURGE” – que nela vai desenterrando histórias jesuíticas polacas, ou papais italianas, ou portuguesas em torno da acção diplomática do Padre António Vieira, aliada ao mito sebastianista - e sequencial - criado pelo Bandarra, com implicações na criação do mito do Quinto Império, é uma página de leitura necessária, num Portugal hodierno, que vai resvalando por íngreme declive, no meio da preocupação geral, (descontados os efeitos grotescos das cantorias orquestradas pelos afeitos às trovas do Bandarra intervencionista dos anos 70, bem mais harmoniosas é certo, do que as do seu antecessor).

«Em 1634 Olivares confiou o Governo de Portugal a uma prima do Rei espanhol, a Duquesa de Mântua e Miguel de Vasconcelos foi promovido a Secretário de Estado, cargo em que teve muita oportunidade de desagradar aos portugueses que eram contrários a Castela. Em 1635 estendeu a todo o Reino o Imposto do Real de Água e decretou o aumento das Sisas….

 

…Em 1 de Dezembro de 1640 – um Sábado, para que não houvesse interferências com o serviço religioso dominical – foram os revoltosos à procura dos representantes do Rei espanhol e deram com esse tal Miguel de Vasconcelos de tão triste memória metido num armário ali para os lados do Hospital de Todos os Santos e, com uns sopapos, atiraram-no da janela do primeiro andar para que o povo visse que era dele que se tratava. Mal disposto com a diplomacia aplicada, o traidor foi deixado de borco na calçada à portuguesa e, serenamente, partiu para algures mas não decerto para o Céu em que estão os portugueses.

 

Eis como Margarida de Sabóia, Duquesa de Mântua, foi substituída por D. Luísa de Guzmán, Duquesa de Bragança. Apesar de ambas as Duquesas serem espanholas, a de Mântua representava em Portugal o Rei espanhol e a de Bragança tirou qualquer hesitação ao marido no apoio aos revoltosos proferindo a frase que ficou célebre: “Mais vale Rainha por um dia que Duquesa toda a vida.”

 

Aclamado sucessivamente em Évora, Santarém, Coimbra, Porto, Braga e Guimarães, D. João, Duque de Bragança, chegou a Lisboa no dia 6 desse mês de Dezembro e a 15 foi muito solenemente coroado Rei na Sé de Lisboa com a bênção de D. Rodrigo da Cunha, Arcebispo de Lisboa e de D. Sebastião de Matos de Noronha, Arcebispo de Braga. Ficou na História de Portugal conhecido por

 

D. João IV

(Oitavo Duque de Bragança, nasceu em Vila Viçosa a 19 de Março de 1604 e morreu em Lisboa a 6 de Novembro de 1656)

 

Os espanhóis não tiveram que correr a pilhar Portugal; já o tinham

feito durante 60 anos.

 

          A situação apresentava-se extremamente inquietadora. Por uma carta algo pungente que a Rainha escreve ao Embaixador francês ficamos a saber que: o Reino se encontra inteiramente desprovido de dinheiro, de artilharia, de armas e de pólvora; os arsenais – (Bem vistas as coisas – e se é que alguma vez proferiu tal frase – não terá deixado de praticar uma traição à sua Pátria, Espanha, mas, para nós, ainda bem que o fez …) carecem de tudo que é preciso para a guerra, tanto por terra como por mar; o povo não conhece disciplina militar, não há cavalos; numa fronteira de 150 léguas não há uma única praça em estado de defesa. A fim de obter o necessário, El-Rei gastou todo o dinheiro que possuía e também vendeu as jóias.

 

               Logo que subiu ao trono, D. João IV tratou de armar uma frota de doze navios e nomeou António Teles de Menezes seu General da Armada.

 

              As Cortes foram reabertas logo no dia 28 de Janeiro de 1641 e uma das decisões que tomaram foi a de constituir um Exército de 20 000 Infantes e de 4 000 Cavaleiros.

 

              No que respeita às Finanças Públicas, foi decretada a abolição de todos os Impostos espanhóis e, em sua substituição, lançado um Imposto sobre a propriedade; isentos os Eclesiásticos, tomaram estes a iniciativa de contribuir por igual critério; a Câmara de Lisboa votou uma contribuição adicional sobre o vinho e sobre a carne; foram tomadas disposições pelas Cortes no sentido de estudar o melhor processo de cobrar os tributos sem demasiado sacrifício para os povos.

 

Foi de grande vantagem para Portugal que os espanhóis concentrassem as suas forças na resolução do problema da Catalunha. Esperavam, contudo, em Madrid recuperar Portugal pela via de negociações secretas e de conjuras e hesitavam no recurso à guerra aberta.

 

Só nos princípios de 1641 chega ao Brasil a notícia da Restauração com a aclamação de D. João de Bragança como Rei de Portugal.

 

Com a vitória portuguesa contra os holandeses na Colónia baiana e com a vitória contra os espanhóis no Reino, António Vieira veio a Lisboa declarar a D. João IV a adesão incondicional da Colónia à Restauração.»

 

                São páginas de uma História de decisão e coragem, num país que viveu sempre perante o espectro da miséria e das discriminações sociais, mas que teve sempre chefes à altura, em tempos de crise. Só precisamos de aguardar pela demonstração dos actuais chefes.

                Como diria, pois, Salles da Fonseca, “Continuemos”

 

 Berta Brás

SERÁ QUE QUER COMPRAR?

 

 

Vem esta fábula a propósito

Do que ao ministro da Economia

Disse Ana Drago, sem cortesia,

Aproveitando a leva de despedimentos

Que o Governo resolveu fazer

No seu staff.

Olhos nos olhos, sem pestanejar,

A voz doce, com atrevimento,

Afirmou que julgara

Que ele também não voltaria

Àquele Parlamento,

Pois a sua presença

Só causava sofrimento.

Seria?

O facto é que o Ministro da Economia

Se ria,

Fitando-a com simpatia.

 

O sonho dum habitante do Mogol

 

Outrora um certo Mogol viu em sonhos o Vizir

Nos Campos Elíseos, senhor dum prazer

Tão puro como infinito, em duração e valor.

O mesmo sonhador viu, noutro local,

Um Eremita, de fogo rodeado,

Que deixava pesaroso qualquer desgraçado.

O caso pareceu estranho e pouco usual:
Minos, nestes dois mortos, tinha-se enganado.

O dorminhoco acordou, tão surpreendido ficou.

Pressentindo, todavia, neste sonho, um mistério,

Foi pedir, muito sério,

A sua explicação.

O intérprete lhe disse que não se espantasse:

“O vosso sonho tem sentido, e se eu tenho razão,

Como aprendi, nesta questão,

Trata-se dum aviso dos Deuses:

Durante a humana estadia

Este Vizir procurava a solidão,

Mas este Eremita espertalhão

A sua corte ia fazer aos Vizires.”

Se eu ousasse uma ideia acrescentar

À palavra do intérprete,

O gosto dos retiros aqui viria lembrar:

Ele oferece aos amantes, bens sem embaraços,

Bens puros, presentes do Céu, debaixo dos pés nascidos.

Solidão, em que encontro uma secreta doçura,

Lugares que sempre amei, não poderei eu mais

Longe do mundo e dos ruídos banais

Saborear a sombra e a frescura?

Oh! Quem me deterá sob os vossos sombrias recantos?

Quando poderão as Nove Irmãs,

Nove deidades,

Longe das cortes e das cidades,

Inteiramente ocupar-me

E ensinar-me

Os movimentos diversos dos céus,

Desconhecidos dos olhos meus?

Os nomes e as virtudes das claridades errantes,

Pelas quais são tão diferentes

Os nossos costumes e os nossos destinos?

Porque, se eu não nasci para grandes projectos,

Ao menos que os regatos me ofereçam doces objectos!

Que eu pinte nos meus versos alguma margem florida!

A Parca de fios de ouro não urdirá a minha vida,

Eu não dormirei sob ricos tectos:

Mas alguém nota que o sono perde o seu valor?

Será ele menos profundo, e menos cheio de delícias?

No deserto novos sacrifícios lhe farei.

Quando chegar o momento de ir encontrar os mortos

Eu terei vivido sem cuidados, e sem remorsos morrerei.»

 

La Fontaine gostaria sobremaneira

De se sentar à sombra duma parreira,

Faia ou mesmo bananeira,

Para saborear a doce mediania

Dourada porque bem meditada,

Tal como o nosso Sá de Miranda

Que já dizia também

Que “homem dum só parecer

Um só rosto, uma só fé,

De antes quebrar que torcer,

Ele tudo pode ser

Mas da corte homem não é.”

 

Muitos outros assim escreveram,

Cansados das ruindades

E vilanias das cortes,

Preferindo manejar

Os livros do seu saber

Bem juntos da mãe natura

Fonte de meditação, de ternura.

Mas isso era antigamente.

Agora ninguém vai para o campo

Especificamente

Para apreender o sentido

Da vida e da morte.

Pelo menos nós por cá

Envolvidos nas disputas

Das nossas diárias lutas,

Só nos lembramos da natureza

Para enviarmos para lá

Aqueles a quem se despreza,

Mandando-os pastar com presteza.

 

O que é muita baixeza.

E quem assim desdenhar

Ao inferno vai parar.

Mas bem me posso enganar.

 

 Berta Brás

"A CULPA MORRE SOLTEIRA"

 
 
Adriano Moreira tem 90 anos. Nunca viu um Portugal assim. Nunca viu um mundo assim. Fala da decadência do mundo ocidental, não fala apenas de políticos e de políticas ruinosas.

 

Não deixa, contudo, de sublinhar que “não é com fórmulas aritméticas que se governam os países”. Fala de um princípio de solidariedade que ainda é a marca maior da identidade europeia. Onde vai ele?

Jornal de Negócios, 14 de Fevereiro de 2013

 

Nesta entrevista, fala-se do futuro com um homem que já viveu muito. E que usa expressões como “remédios” quando aponta soluções para um país em estado comatoso. Somos um corpo doente?

 

A revolução está iminente? A resposta talvez esteja, como sempre está, quando se trata de grandes cataclismos, na fome.

 

Havia uma secretária entre nós, no seu gabinete da Academia das Ciências, quarta-feira de manhã.

 

Do outro lado da rua estava o liceu que frequentou. Mas não se falou do seu percurso nem do seu passado. Sob a lupa estava quem somos e o que vivemos, enquanto país.

 

 

“A culpa morre solteira” – expressão sua.

Usei-a no Parlamento. É uma prática muito verificável em Portugal, designadamente na crise que estamos a atravessar. Você ainda não viu que alguém assumisse a responsabilidade pelas circunstâncias a que chegámos.

 

Esse é um traço constante, observável em diferentes momentos históricos da vida portuguesa. De onde é que acha que vem esta característica? Em Portugal tudo fica no ar, e raramente há consequências e um sentimento de justiça que o acompanha.

Acho que devia ter nascido mais cedo e ter feito essa pergunta ao Agostinho da Silva. [riso] Era capaz de lhe dar uma resposta satisfatória. Há, em todo o caso, uma circunstância de que Portugal é vítima neste momento. Normalmente, quando examinamos a vida de um país, há três forças que é necessário avaliar. Uma é a sociedade civil, que neste momento faz manifestações completamente apartidárias, o que é preciso ver com cuidado. São expressões que dizem respeito a sentimentos que unem a população, por razões de queixa fundamentais.

 

Está a pensar na manifestação de 15 de Setembro de 2012?

Exactamente. Depois há outra força: o Governo. E finalmente a terceira força: a conjuntura internacional que influencia qualquer país, e cada vez mais face ao globalismo. Uma ordem internacional implica que pelo menos estes três factores tenham uma harmonia de funcionamento.

Essa harmonia não existe. Com frequência, aconteceu em Portugal a desarmonia entre o Governo e a população, a desarmonia do país com a conjuntura internacional. Portugal sofreu nos últimos tempos uma evolução extremamente alarmante. Na História portuguesa, o país precisou sempre de um apoio externo.

 

Sempre?

O Afonso Henriques pediu apoio à Santa Sé. A Segunda Dinastia pediu a aliança inglesa e pagou caríssimo por ela. No fim do império euro-mundista o único apoio que restou foi a União Europeia. Esta evolução mostra que o país (na ligação com o mundo) é muitas vezes exógeno. Quer dizer: sofre as consequências de causas em que não participou. Um exemplo: a Guerra de 14/18. Portugal participou nas causas? Não. As consequências, quer em Moçambique, quer em Angola, quer na Flandres [foram enormes].

Começou a ser evidente que o país tinha evoluído para um “estado exíguo”. (Escrevi um livro com esse título há anos, dizendo que a relação entre os recursos do país e os objectivos do país é deficitária.) Várias pessoas com responsabilidade na vida pública avisaram que este declínio estava em marcha. Quando essa equação (recursos-objectivos) chegou à situação de desastre em que nos encontramos, o país ficou em regime de protectorado.

 

Um regime sobretudo imposto pela situação financeira?

Sim. Os países têm uma espécie de hierarquia internacional – é por isso que o Conselho de Segurança tem as superpotências. Para terem essa hegemonia precisam de ter um poder que abrange o poder militar, estratégico e financeiro. Quando esses poderes começam a afastar-se, a hierarquia começa a diminuir. Os Estados Unidos estão a ser atingidos por isso. Portugal (últimas notícias sobre as restrições nas forças armadas) mostra que nessa relação (poder militar-poder financeiro) a nossa debilidade é extrema. É isso que justifica a situação de protectorado em que o país se encontra. As outras debilidades evidentemente atingem o país de um modo mais previsível.

 

Soluções?

Remédios? Em primeiro lugar é preciso restaurar um valor importante: o da confiança. A confiança entre a sociedade civil, Estado e conjuntura internacional está profundamente atingido. Parece-me que tem havido uma certa dificuldade, da parte do Governo, em compreender que há uma diferença entre a legitimidade eleitoral, que justifica a tomada de poder, e a legitimidade do exercício [de poder], que começa a ser avaliada no dia seguinte [à tomada de posse]. Esta legitimidade para a execução não é uma coisa para entretenimento das estatísticas de popularidade.

 

Está a dizer que tem de haver uma correspondência com aquilo que foi o programa eleitoral.

E com a autoridade que foi conferida. Não é só em Portugal que esse valor está em crise. O novo-riquismo que orientou a gestão europeia, e que levou a Europa a esta situação, já se traduziu no seguinte: a fronteira da pobreza, que ainda no século passado os relatórios da ONU situavam a sul do Sahara, ultrapassou o norte do Mediterrâneo. Portugal está na área de pobreza. Como está a Espanha, a Grécia, a Itália; a França já começa a dar sinais disso.

 

Os países mediterrânicos são os que mais têm sentido esse espectro de pobreza, são os que estão mais vulneráveis à crise. Porquê?

A hierarquia de capacidades, não apenas financeiras, mas científicas, técnicas, a eficácia de governo e de iniciativa económica – tudo isso faz que sejam ressuscitadas fracturas europeias. Não é de hoje a opinião que a senhora Merkel tem sobre o sul. Se bem me recordo, há um texto do Guizot [primeiro-ministro francês em 1847] que quase emprega as mesmas palavras para o dizer. O que considero errado é considerar que esta crise é uma crise puramente europeia. Se a comunidade europeia deixar aprofundar as quebras de solidariedade que já se verificam, a Europa arrisca-se a não ter voz no mundo. A crise é ocidental. É o ocidente todo que está num período de decadência.

 

Isso deve-se, sobretudo, à emergência da China, dos BRIC?

Há uns que perdem capacidades e outros que a adquirem. Não necessariamente com culpas. A Alemanha, que foi responsável pelas duas guerras mundiais que destruíram muitas das capacidades europeias, teve, entre outras coisas, a benesse de estar dispensada de despesas militares durante anos. E todos colaboraram, incluindo os povos do sul, na defesa do Muro para impedir que a República Federal fosse atingida pela [força política] a que o Leste estava submetido. Nos cemitérios da Normandia, as sepulturas são de soldados americanos. Não são de soldados alemães. Portanto, estas solidariedades, a Alemanha teve-as.

 

Como teve quando se tratou da reunificação das duas Alemanhas, após a queda do Muro.

Exactamente. Mas se a nossa crise é uma crise global, quem é que já convocou o Conselho Económico e Social das Nações Unidas? Ninguém.

 

Quem é que deveria tê-lo feito?

Qualquer membro interessado.

 

Na Europa existe uma subjugação à Alemanha? A orientação da chanceler Merkel é grandemente responsável pelo destino actual da Europa?

Ela – [Alemanha] –, a responsabilidade, é evidente que a tem. O que é discutível é que a percepção que tem da evolução da Europa coincida com o projecto dos fundadores. Atribuo aos fundadores da União Europeia uma espécie de [estatuto de] santidade. Esses homens enfrentaram a guerra, a destruição dos seus países, transformaram o sofrimento em sabedoria, e disseram: “Vamos criar condições para isto nunca mais acontecer”.

 

Schuman e Adenauer, sobretudo esses...

Tiveram esse espírito. Não podemos esquecer Jean Monet. Nas memórias, escreve que, se fosse hoje (quando estava a escrever), teria começado, não pelo comércio, mas pela cultura. Porque a crise de valores era extraordinária. Essa crise é que afecta as solidariedades, e faz que, mesmo num ponto de vista internacional, a governação ande entregue a órgãos que nenhum tratado criou – caso do G-20 – ou a órgãos que parecem transformar as Nações Unidas num templo de orações a um deus desconhecido.

 

A ONU está destituída de poderes e de importância?

Acho que a ONU está numa crise enorme. Precisa de uma remodelação. A começar pelo Conselho de Segurança, que já não corresponde, de maneira nenhuma, às condições em que vivemos. As potências, qualificadas de superpotências, com direito de veto, também têm a sua crise – incluindo os Estados Unidos. Mas para a Europa é importante saber porque é que a França e a Inglaterra têm direito de veto. Que poder é que [estes países] têm em relação ao mundo? Uma das reformas que seria útil fazer seria pôr no Conselho de Segurança países que, pela sua dimensão, são efectivamente necessários lá, e regionalismos. Era a Europa que devia estar no Conselho de Segurança, e não a França e a Inglaterra.

 

Há cerca de um mês assinalaram-se os 50 anos do Tratado Franco-Alemão. É extraordinário pensar como este “longínquo” projecto europeu se esgotou. Na sua génese, estava uma ideia de solidariedade e de desenvolvimento harmonioso que promovesse o equilíbrio entre as diferentes forças da Europa. Acha inevitável que se faça uma refundação de toda a Europa? Esse projecto assinado há 50 anos pode ainda ser afinado e recuperado?

Na base de qualquer projecto destes tem de estar um princípio. O princípio da unidade europeia é muito antigo. Continuo a ter admiração pelo conde Coudenhove-Kalergi, que parecia ter nascido para o internacionalismo. Todos os grandes líderes europeus depois da Guerra estiveram nos congressos que promoveu. (Ainda hoje existe uma fundação Coudenhove-Kalergi a que pertenço; já lá não vou). Esse homem falava na federação europeia. É claro que a palavra “federação” tem muitos sentidos, e isso não significava que ele tivesse o modelo final. Significava que tinha de se caminhar, como sempre entenderam os projectistas da paz (é preciso sempre falar do Kant). Tinha que haver uma gestão solidária, comum, da Europa, que está mais ligada por valores do que por etnias, pela língua, pela cultura. Que são variadas mas que têm um tronco comum. Não temos dúvidas quando dizemos que somos europeus.

 

Essa pertença é ainda herdeira dos valores da Revolução Francesa? É a famosa trilogia liberdade, igualdade, fraternidade que nos guia e que define o tronco comum?

Não é só isso. Esses valores são um produto da evolução do espírito europeu. “Todas as pessoas nascem com igual direito à felicidade”, mas os índios não, os escravos não, os trabalhadores não, as mulheres não... Foi preciso uma grande luta [para efectivar estas conquistas]. Mas sempre a partir do tal paradigma. Esse conjunto de valores é que dá identidade à Europa. A Europa que teve a ambição de europeizar o mundo... – daí o império euro-mundista que morreu o ano passado.

Essa circunstância tem uma consequência importante: a redefinição (a ideia de refundação é muito ambiciosa) desses valores. O principal deles é a soberania. E o direito a certas prestações que o Estado deve fornecer (“le droit aux prestations”, como dizem os franceses) – o Estado Social. Há uma coisa curiosa na vida [das nações] (na vida das pessoas também): mantêm a convicção do poder quando já não o têm.

 

Ou seja, funcionando Portugal num regime de protectorado, não temos o mesmo poder nem a mesma soberania.

Não, não temos. Nem temos o que está previsto no Tratado Europeu. Fomos vítimas do facto de sermos um estado exógeno. Também fomos vítimas de mau governo. [dito em tom irónico] Sem culpas, sem culpas... Mas queria dizer-lhe alguma coisa de esperança.

 

E voltamos à palavra antiga que usou: remédios. Há remédios?

 [riso] Acho que há. Em primeiro lugar, olhar para o país na situação actual e ver quais são os factores da redefinição da soberania de que precisamos. Não é só a segurança que diz respeito às forças armadas e à segurança interna. Há um elemento da soberania que é fundamental: o ensino e a investigação. Uma das razões da mudança de centros (entre os países emergentes e os que estão a descer) é que talvez tenha sido esquecido que não há fronteiras para a circulação do saber e do saber fazer. Hoje, a Alemanha parece que tem um bom mercado para os seus excelentes automóveis na China. Não me admira que daqui a algum tempo seja a Alemanha a comprar os automóveis à China. Um país que quer manter-se na competição global precisa de um ensino e de uma investigação que lhe permitam utilizar o saber e o saber fazer.

 

Em Portugal, era preciso que se continuasse a investir na investigação científica, na qual nos temos destacado nos últimos anos?

Sim. A minha vida tem sido quase toda na universidade. O que ouvi recentemente foi um conselho, [um apelo à] emigração. Há cursos de tal qualidade (sobretudo na área da Economia e da Gestão) que se orgulham que os seus diplomados, mestres e doutores emigrem e sejam muito bem recebidos lá fora. Eu não me sinto feliz que vão trabalhar por conta de outrem, para outro país. Queria era que tivéssemos condições para que aqui ficassem, e fizessem do país um país capaz de competir.

 

Esta vaga de emigração que agora temos...

É de alta qualidade.

 

Nada tem que ver com a vaga dos anos 50 e 60, essencialmente constituída por força braçal e iletrada.

É uma força altamente qualificada. Se os melhores vão embora... As contribuições de jovens cientistas, em especial da Universidade do Minho e da Universidade de Aveiro, sim, ajudam o país a recuperar uma posição no mundo concorrencial em que estamos.

 

E ajudam a recuperar confiança. Alento.

Sim. Por isso sempre sustentei que ensino e investigação é um problema de soberania. As propinas são taxas do Direito Financeiro. Não são o preço do serviço que o professor presta ao aluno. Diz respeito ao interesse do país que isso se faça.

Temos outras janelas de liberdade para o país. A meu ver, há duas principais. Uma é a CPLP.

 

A língua portuguesa como património, como motor, como tesouro?

Não é só a língua. É a maneira portuguesa de estar no mundo. É mais do que a língua. Da língua, o que digo é que a língua não é nossa – ela também é nossa. Mas os valores que a língua transporta, porque a língua não é neutra, esses valores não são iguais em todos os países onde se fala português. À maneira portuguesa de estar no mundo, o Brasil soma valores indígenas, africanos, alemães, japoneses, italianos...

A CPLP é um caso único. A França, que teve uma importância tão grande no norte de África, e naquele bocadinho do Canadá, não tem uma CPLP. A Espanha também não. E [a constituição da CPLP ainda é mais significativa] depois de uma guerra de tantos anos [com os países que a constituem]... O que significa que o conflito era com a forma de governo, não era com o povo português.

 

Angola, Brasil e Moçambique estão a crescer, mas todos têm grandes assimetrias entre ricos e pobres.

É. Acho que a CPLP precisa de grande atenção. A universidade deu por isso: há uma associação das universidades de língua portuguesa. A última vez que reuniu foi em Bragança, 400 pessoas.

Outro problema: o mar. A terra que não se pisa e a água que não se navega não são nossas. Lembro-me sempre da reunião de D. João I com os filhos.

 

Como foi essa reunião?

Tanto quanto a minha memória me diz, das leituras de há tantos anos, juntaram-se para discutir o que é que haviam de fazer para se expandir. Havia quem entendesse que a expansão devia ser para a Andaluzia. Os rapazes [os infantes] disseram: “Não. Tivemos uma guerra com Castela que durou anos, agora estamos em paz. Castela considera que a sua zona de expansão natural é a Andaluzia. Se formos para aí, vamos ter guerra outra vez”. Então para onde? “Para o mar.” Discutiram. Os recursos, o saber, as armas, os navios, tudo. Definiram um conceito estratégico nacional.

 

Portugal tem uma posição estratégica privilegiada, mas não tem...

Conceito estratégico nacional. Mesmo agora está a ser discutido um documento sobre defesa e segurança. Fui ouvido. A minha primeira pergunta foi: defesa e segurança de quê? Falta o conceito estratégico.

Ser uma plataforma continental é outra janela de liberdade. Se nos for reconhecida pelas Nações Unidas, será a maior plataforma continental do mundo. O reconhecimento estava previsto acontecer em 2013. Agora já se fala em 2015. Não gosto disto. Esta plataforma é uma riqueza incomensurável. Vi uma notícia sobre a intenção da União Europeia de redefinir o mar europeu. Lembrei-me de 1890. Nós também tínhamos a ideia de Angola à Contra-Costa e depois veio o Ultimato [Inglês]. Se definem o mar europeu antes de definir que a plataforma é nossa, provavelmente todos os países da União Europeia vão considerar-se co-proprietários. Devíamos apressar isto.

 

E meios, e força, e dinheiro para apressar isto?

O financiamento é um problema, naturalmente. Aí precisa de uma esplêndida diplomacia. A nossa é boa. É equivalente à do Vaticano!, com a diferença de a do Vaticano ser ajudada pelo Espírito Santo. [riso]

 

Está a pensar especificamente no actual ministro dos Negócios Estrangeiros?

Também no nosso ministro, mas a nossa diplomacia é muitíssimo boa. E muitas vezes trabalha sem instruções. É o amor à Pátria, é o que [é considerado] o interesse nacional, e lá vão. Acho que isto faz parte do futuro de Portugal.

 

Usou a expressão “janela de liberdade”, e não “janela de oportunidade”, que é uma expressão que agora se usa muito. Não é a mesma coisa.

Não, não é. As pessoas acham que, porque pertencemos à União Europeia, tudo tem de ser feito de acordo com a UE. Eu digo: “Não, não. Há um espaço de liberdade. A França: aquela germanderie que manda para África, para explicar o que é a democracia, não tem nada a ver com a UE. Tem a sua liberdade”. Temos de ter a nossa. Temos de cumprir com os tratados da União, mas a União não nos impede que tenhamos um espaço de liberdade. A CPLP é a nossa liberdade. Por isso prefiro a palavra “liberdade”. Essa liberdade já vem ligada a uma espécie de posse. A oportunidade é outra coisa. É preciso [para essa oportunidade] ainda um outro esforço.

 

Este Governo que temos vai para dois anos: está desapontado? Têm sido crítico nas intervenções públicas que tem feito. Esperava mais?

Devo dizer que desapontado estou com a Europa. Depois estou desapontado com a solidariedade atlântica. (Os efeitos colaterais do abandono dos Açores são enormes do ponto de vista económico para o arquipélago.) Neste Governo, há uma coisa que me incomoda: o objectivo fundamental é o Orçamento. Uso a expressão “ministro do Orçamento”.

 

Ministro ou primeiro-ministro?

Ministro do Orçamento, e não ministro das Finanças ou primeiro-ministro. O ministro mais importante é o do Orçamento.

 

Portugal não está refém do Orçamento, ou seja, do cumprimento do memorando da Troika?

O estar preso pelas obrigações financeiras internacionais é evidente que exige que essas obrigações sejam assumidas. É isso que restaura a confiança e que restaura a igualdade internacional do país (e que elimina o protectorado). Mas se fosse um caso isolado, a nossa debilidade seria maior. Não é o caso. O caso é que a fronteira da pobreza atingiu a Europa, como disse. A solidariedade do espaço, que é um princípio que está em vigor, implica que a situação real dos países tenha de ser avaliada. Não é com fórmulas aritméticas que se governam os países. E não é um favor que fazem. É uma dedução do princípio da solidariedade. Já viu algum médico tratar todos os doentes com o mesmo remédio? Nunca viu. O remédio não é igual para todas as situações. A situação de cada país precisa concretamente de ser avaliada. Portugal não está na mesma posição que está a Inglaterra ou a França.

 

Os países com que nos comparam não são esses. Portugal quis comparar-se com a Grécia, para dizer que não é a Grécia. Que é o bom aluno, cumpridor.

Mas estão todos em pé de igualdade com a Alemanha e a França no que respeita a direitos e obrigações dentro da UE. Se há o princípio de ajuda mútua na UE, tão obrigada [a isso] está a Alemanha como estamos nós. Quando chegam as dificuldades queremos ser tratados como os outros.

 

Voltemos à apreciação a este Governo. Falta-lhe conceito estratégico, dizia.

Falta conceito estratégico. E é evidente que a gestão neoliberal do Governo está a destruir o Estado Social. O Estado Social, uma conquista do ocidente, é uma convergência do socialismo democrático, da doutrina social da Igreja e até do manifesto comunista de Karl Marx. (As palavras têm uma força tremenda. Às vezes falo do poder da palavra contra a palavra do poder.) Na Constituição portuguesa o Estado Social é uma principiologia. Não é uma regra imediatamente imperativa. O que diz é: na medida da possibilidade. É estranho que se transforme uma principiologia numa rejeição. Não se devem rejeitar princípios, em especial princípios que levaram séculos a ser desenvolvidos e a ser incorporados na cultura da população. Nesse aspecto, tenho uma certa apreensão e falta de confiança no entendimento da real situação portuguesa. E não posso considerar que o Orçamento seja o elemento fundamental. Os que estão já numa situação de pobreza, juntos, têm força suficiente para dar um murro na mesa [e exigir] que os princípios da UE sejam respeitados.

 

Estamos na iminência de uma revolução em Portugal, justamente porque esses que apontou, juntos, já são capazes de dar um murro na mesa?     

Tenho admirado a maneira ordeira e não-partidária com que as reacções se têm verificado. Mas penso que a população portuguesa atingiu o limite da pressão fiscal. Quando vemos os suicídios, as mães que se atiram da janela com os filhos para não os deixar cá, quando as coisas chegam a estes extremos, lembro-me disto: a fome não é um dever constitucional. Sabido isto, a inquietação aumenta dia-a-dia. Não preciso de dizer mais palavras.

 

Isto que estamos a viver tem algum paralelo com alguma coisa que tenha vivido nos seus 90 anos?

Não. É a situação mais deprimente que vivi na minha longa vida. As condições de vida eram diferentes. É mais difícil [agora] perder [determinadas] condições de vida. As condições não eram as desejáveis, mas as pessoas não sofriam tanto. Porque havia a... “vida habitual”.

Embora a culpa morra solteira, a sociedade civil não é a que tem mais responsabilidades. Estamos esmagados. Pagamos as dívidas que o novo-riquismo do Estado desenvolveu (não tenho de fazer distinção entre partidos). Temos de pagar as dívidas das câmaras, dos institutos que o Estado multiplicou, e o que sobeja, e que não pode ser o último dos interesses, é a vida de cada ser humano. A dignidade tem de ser igual. A Europa sabe isto.

 

É por cegueira que os políticos não atentam nisso que diz?

Vou dar-lhe um texto do Padre António Vieira [que responde]: “Ministros da República, da Justiça, da Guerra, do Estado, do Mar, da Terra. Vedes as desatenções do governo, vedes as injustiças, vedes os sonhos, vedes os descaminhos, vedes os enredos, vedes as dilações, vedes os subornos, vedes os respeitos, vedes as potências dos grandes, e as vexações dos pequenos, vedes as lágrimas dos povos, os clamoroso e gemidos de todos? Ou os vedes ou não os vedes. Se os vedes, como não os remediais? E se não os remediais, como os vedes? Estais cegos.” Que é que acha?

 

Que o Padre António Vieira escreveu em 1669 o que podia ser escrito hoje. Esta é a nossa sina?

Se isto nos acontecer mais vezes, pode ser que a gente, quando vier para a rua, traga o papel e mude.

 

Porque é que o seu discurso está muito mais esquerdista do que eu imaginaria?

Porque você tem uma imaginação pequena. Vamos lá ver. Nasci numa família muito pobre. Sei muito bem como é que vivem os pobres. Descrevi isso num livro de memórias que publiquei. Éramos felizes – engraçado. Havia uma solidariedade. O que fiz [politicamente] não obedece a esquerda ou a direita. Obedece à escala de valores que aprendi em criança. Uso muitas vezes a expressão: os valores são o eixo da roda. A roda corre todas as paisagens. O eixo acompanha a roda, mas não anda. Quando fui presidente do CDS, disse: “Este partido tem que assumir a obrigação em relação aos pobres”. Parece-lhe muito de direita?

MONJAS DA LITERATURA – 5

 

Agora, Nélida Piñon, uma das mais importantes escritoras brasileiras, ela mesma uma monja da literatura, nos oferece o seu Livro das Horas.

 

Os Livros das Horas eram livros de orações que as pessoas consultavam como oráculos para encontrar sentido e consolo para as aflições da existência. No seu particular Livro das Horas, Nélida alia sua capacidade de contar histórias ao património precioso de sua memória.

 

Logo no princípio ela anuncia: “Não vivi sem resultados, minha vida não foi inóspita.” Família, viagens, leituras, objectos da casa, história, amigos escritores como Clarice Lispector e Rachel de Queiroz, anotações, frases de escriba, declarações de amor à vida e à língua portuguesa, formação literária, mitos revisitados, imaginação como razão de viver, pequenos arrependimentos, o tempo reflectido no espelho, o carácter dramático e emocionado de artista da palavra, tudo está ali, nas horas descritas.

 

A certa altura, Nélida confessa que lê a vida dos santos, as hagiografias, analisando atentamente neles a tentação do pecado e como cada um reagiu diante dos reclamos de sua humanidade, pois não há vida sem pecado, sem deslizes que desagradem a Deus.

 

Justificando o título do livro, Nélida lembrou de Wilgefortis, a santa mais bizarra da Idade Média, patrona das mulheres barbadas, condenada à morte por seu próprio pai, um rei luso. Explica ela: “Wilgefortis, por exemplo, cedo ganhou o estatuto de santa. Desconfio que, além dos méritos próprios, pesou a sua estranheza. Lá está ela no Livro das Horas, as folhas iluminadas com o raro esplendor de seu enredo. Ao manusear a página que a ela se refere, seu martírio me é incompreensível. Como compreender a fé que a animava e levou-a à morte? Enquanto penso em seu martírio, esqueço o livro das orações. E não peço por ela e nem por mim. Constato que rejeito a salvação ao preço do horror.”

 

Num de seus ensaios, Nélida, em sua discreta elegância, fala sobre seu relacionamento de amizade com o instigante poeta Bruno Tolentino, o autor do As Horas de Katharina. Bruno, segundo Nélida, “foi belo na juventude, brilhante e atrevido. O espírito atilado e a habilidade verbal afugentavam os passageiros do quotidiano verbal. Uma fúria que ainda persiste.”

 

Sobre um encontro que teve com o questionador poeta Tolentino, ela recorda: “Desejo encerrar o questionário para falarmos do passado de Clarice Lispector e Marly de Oliveira. Quando as três íamos visitá-lo no sítio, em Jacarepaguá, onde criava galinhas. Na horta, colhíamos frutas, legumes, ovos, enxotávamos as moscas. No alpendre, saboreávamos o café e as rosquinhas. Na hora do almoço, a comida mineira, que vinha à mesa, era de boa cepa. Ríamos e sentíamo-nos jovens e eternos, na iminência de adquirir um amadurecimento que inevitavelmente envenenaria o nosso futuro.”

 

Durante a visita, Tolentino insiste em fazer perguntas filosóficas e capciosas a Nélida, ela o dissuade de prosseguir, mencionando a poesia dele, o bilhete carinhoso que encaminhara a ela dias antes. Ele aceitou o desfecho da entrevista e ela enalteceu seus olhos em chama. Nélida constata então que todos, Tolentino, Clarice e Marly, já se foram. Ela é a única sobrevivente. E chora.

O Livro das Horas de Nélida Piñon nos mostra que quando nos dedicamos a um ofício e ao aprendizado do amor “as horas não passam em vão.”

 

Sinto-me monja, irmã, sóror, sacerdotisa mística de minha própria poesia. Bebo do cálice da Arte e da Dor. Tive uma vez, em sonho, esta visão: eu estava nua, colocaram-me um manto prateado, bordado de abelhas vivas em forma de lírios e, na cabeça, uma coroa entretecida de palmas róseas como corais cristalizados. Aspergiram sobre meu cabelo um incenso raro, que se desprendia perfumado.

 

Do meu umbigo nasceram petúnias que revestiram meu corpo de pétalas e de folhas tenras. E assim, vegetal e esplendorosa, senti queimar a dignidade dentro do meu coração.

 

FIM

 Raquel Naveira

 

In Revista Lusofonia Blog dos Países de Língua Portuguesa

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