Encontrei esta foto nos arquivos do meu pai. Diz-se aí que é de 06 06 26 BELÉM.
Comandante Mendes Cabeçadas, indigitado Chefe do governo, recebe os três professores de Coimbra (vulgo, «tuna académica»). Mendes Cabeçadas prometera que manteria as liberdades civis. Foram convidados a participar no novo governo: - Salazar (Finanças) , Manuel Rodrigues (justiça) e Mendes dos Remédios (educação).
Segundo Franco Nogueira, eles estiveram em Belém a 5 e não 6 e Salazar recusou-se a participar sem que estivesse resolvido "o problema político". Voltou para Coimbra. Viagem e hotel custaram-lhe 1500 escudos. (€7,5).
Cabeçadas demitiu-se em 18 de Junho e Salazar assumiu em 19 do mesmo mês.
É sabido como os sanguíneos são divertidos e os biliosos exalam mau-feitio. Os primeiros são frequentemente gordos; os outros são habitualmente magros. Eis dois tipos de personalidade em que se enquadra à perfeição o Dr. Mário Soares e se enquadrava o Dr. Álvaro Cunhal. Também por isto, é muito mais fácil ao Dr. Soares angariar simpatias enquanto o Dr. Cunhal metia medo. O ar bonacheirão de um a contrastar com a frieza do outro. Um, a revelar amiúde que não liga muito aos zeros antes da vírgula tanto lhe fazendo milhares como milhões; o outro, sabendo muito bem que não podia dar ponto sem nó.
E foi destas duas figuras públicas portuguesas que me fui lembrando ao longo das caminhadas que íamos fazendo em Praga. Porquê? Porque o Dr. Cunhal pertencia à doutrina que foi destronada em Maio 1989 quando o Governo húngaro decidiu unilateralmente desmantelar a sua parcela da Cortina de Ferro; porque o Dr. Soares foi a Praga em Novembro ou Dezembro desse mesmo ano às manifestações populares da Revolução de Veludo quando o comunismo já era um frangalho na História europeia. Homem sério, Cunhal não teria qualquer pretexto para comemorar e, pelo contrário, deve ter olhado para aqueles acontecimentos como o desmoronamento dos seus próprios ideais. E assim ia eu recordando a notável integridade desse homem – que sempre tive como meu inimigo – a ver ruir peça por peça o castelo dos seus sonhos. Deve ter sido muito triste e daqui o saúdo pela coragem que teve até ao fim de não ir em modas e se ter batido pelos princípios em que cria.
Lembro-me perfeitamente da fotografia publicada pelo “Diário de Notícias” mostrando o Dr. Soares a desfilar eufórico na Praça de S. Venceslau ao lado de Vaclav Havel que exibia uma autêntica cara de pau como se se perguntasse «o que é que este Fulano está aqui a fazer se nem sequer o convidámos?». Procurei essa foto em toda a Internet para a publicar aqui mas... sumiu-se. O flagrante contraste das expressões faciais resumia tudo: a responsabilidade que Vaclav Havel assumia; a euforia de quem lá tinha ido carnavalar.
A queda do bloco soviético aconteceu por exaustão do seu próprio modelo social, económico e militar (incapacidade de resposta à «Guerra das Estrelas» de Ronald Reagan) mas no plano internacional houve dois momentos fundamentais: aquele 12 de Junho de 1987 em que Reagan pediu a Gorbachov, frente à Porta de Brandemburgo, em Berlim: "Tear down this wall!" e aquele 8 de Dezembro desse mesmo ano em que Margareth Thacher disse sobre Gorbachov algo como «Confio neste homem e peço ao mundo que também confie nele». Estas declarações corresponderam à afirmação peremptória de que Gorbachov podia encetar as políticas de reforma interna da URSS com a certeza de que o Ocidente não se aproveitaria de quaisquer fraquezas supervenientes para atacar a Rússia ou seus aliados.
Portanto, o Dr. Soares nada tivera a ver com a queda do bloco soviético, não influenciara minimamente o derrube da Cortina de Ferro húngara nem do muro de Berlim, não aconselhara Gustav Husak a desmantelar o Estado comunista checoslovaco e não fora sequer convidado a participar nas celebrações da Revolução de Veludo.
Sim, parece irresistível o apelo que a «festa» exerce sobre o Dr. Soares que induziu à constituição de despesa pública na sua deslocação a Praga sem que a política externa portuguesa tivesse algo a ver com o processo. Ainda se poderia dizer que teria havido uma grande representação de países ocidentais mas, na verdade, tanto quanto as desaparecidas imagens revelavam, apenas Portugal se fez representar. A que propósito? Mistério tão grande como o que justificou a ida do Dr. Soares às Seicheles andar de tartaruga.
É claro que não lhe vamos pedir a restituição de dinheiros tão mal gastos mas talvez seja altura de o Dr. Soares reconhecer que Portugal nada ganha de substancial com a sua Fundação nem com a de sua mulher, a «Pro Dignitate». Mesmo o conjunto da sua obra não justificará que um dia – muito longínquo, espero – possa ombrear com Amália Rodrigues no Panteão.
Não estamos em tempos de festanças mais ou menos folclóricas com dinheiros públicos e disso nos recorda a Troika cada vez que deitamos contas à vida para sabermos onde havemos de ir buscar dinheiro para pagar impostos.
Eis do que me lembrei durante algumas das caminhadas que fizemos em Praga. Mas há mais...