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A bem da Nação

HISTÓRIAS DA HISTÓRIA

ANGOLA - A Jinga e o Baiano

 

 

Em terras de Quiluanje-Ca-Caconda, Bento Banha Cardoso pediu ao capitão-mor de Cambambe que prevenisse o de Ambaca da disposição dos chefes do Musseque; em resposta ao que a autoridade próxima do Cuanza informou saber do levantamento refe­rido, cujo cabecilha, Angola Calunga, era seguido pelo próprio Cabouco.

 

Entrementes, o capitão-mor recebeu emissários de D. Ana de Sousa, que lhe entregaram a seguinte carta da rainha:

«Na alma estimo o vir V. M. a essa fortaleza de Ambaca para que como a pai dar-lhe conta como mandando eu umas “peças” à feira de Bumba Aquiçanzo saiu o Aire com guerra, e me salteou umas trinta “peças”, das quais mandando eu tomar satisfação, como a meu vassalo, acertou a minha guerra encontrar com uns nove homens que estavam com o Tigre na terra; e botando estes nove a vir encon­trar-se com a minha guerra fora da Pedra(1) quis Deus que dos meus fossem vencidos de onde me trouxeram seis vivos de que me penou muito que na Pedra de Aire estivessem portugueses com guerra de socorro a Aire, aos quais faço muito bom agasalho por serem vassalos de El-Rei de Espanha, a que reconheço obe­diência como cristã que sou. Ao sábado chegou aqui um criado meu, Moembo, o qual me disse que na Ambaca estava muita guerra junta, e que esperavam por V. M. para a mover contra mim a libertar os portugueses cativos, sendo que nenhuma cousa se quer levada por força, e isso é fazer-me mal a mim, e a eles, porque isso se pode fazer tudo por bem; e se alguns senhores moradores por estarem individados metem ao senhor governador, e a V. M. em cabeça que faço guerra, para se desindividarem, podem fazê-lo, que eu não quero nenhum. Contra o capitão, não se ofereceu outro nosso senhor. Hoje, 3 de Março de 1626 anos. Mande-me V. M. uma rede, e quatro côvados de grã para um cobertor, e uma colcha de mentário, e vinho bom, e uma arroba de cera de velas, e meia dúzia de canequis, e duas, ou três toalhas de mesa de rendas, e umas gravatas roxas, e avinhadas e azuis, e um chapéu-de-sol grande, de veludo azul, ou o que V. M. traz, e quatro mãos de papel. Ana rainha de Dongo».

 

A esta exposição habilidosa, respondeu o capitão-mor com não menos velhacaria:

«Recebi a carta de V. S. com gosto, e vi o que nela me relata por extenso em que já estava bem porque não costumamos aba­lar-nos senão com grandes fundamentos, nem bastam moradores de Luanda interessados para mover ao senhor governador, nem a mim a guerras injustas, quanto mais que nem eu venho fazer guerra a V. S. mais que a servi-la e a ampará-la de seus inimigos, quando V. S. tome à primeira obrigação em que nos está guar­dando com pontualidade a religião cristã a que se obrigou pelo santo baptismo, e dê licença aos quimbares(2) que se venham a seus senhores, por que eu dou palavra serão deles bem recebidos. Dos portugueses não trato porque já me parece que lhes faço mal em os tirar do bom gasalhado e tratamento que V. S. lhes faz, porque eu me dou por obrigado. A pouquidade que V. S. me pede eu lha mandarei logo; mas, como estes vão e vêm pela posta, não podem levar nada, porém eu me vou chegando, e por horas posso ser com V. S. e isso e o mais que V. S. me pede a servirei com gosto. Nosso Senhor guarde a V. S. como pode. Quiluanje-Ca-Caconda» a 15 de Março de 1626. Bento Banha Cardoso».

 

In História de Angola – Ralph Delgado

***

 

 

 

Havia (em Luanda, cerca de 1780, no governo de José Gonçalo Camera Coutinho) hum Bahianno por antonomazia o Farofa, Chicanador em Direito, Bacharel por génio, e não de profissão: Advogado à falta de Doutores, mas suspenso por Embrulhador astucto.

Não tendo outro Officio mais análogo ao seu genio para viver, dirigio hua petição ao General, para obter Provizão que lhe permitisse advo­gar, relatando a mizeria em q. se achava &a. O General não despacha; mas fasendo hüa analyse do seu trato: de hua certa, e quase commua paixão viciosa, q. o dominava; com a mizeria q. alegava, projectou dar-lhe hum despacho, q. só constasse, e não se visse. Esperou para isso occazíão de avistar-se com al­gum membro do Conclave murmurante; e ao q. lhe apareceu expôs debaixo de aparencias benignas, Lizongeiras expressoes e injenuidade com q. falava, o requerimento do Farofa, e o despacho q. o tinha difirido: concebido pouco mais, ou menos nestes termos: “Não hé pobre quem se trata, e se sustenta a A... farofa, e não convém que hum tal Doutor advogue por evitar q. a Justissa ande de Herodes para Pilatos”.

Este despacho imaginário, adubado de sal picante, passou logo a negros caracteres, e bem depreça se transcreveo de mão em mão como extracto de hum publico original; o mesmo q. o Ouvio, e o lavrou estava persuadido de q. o Suplicante o pos­suía, o Ouvidor e o Juiz de Fora, dous únicos Magistrados da terra, se derão por Satirizados nestes despacho: hum de nós, dizião é o Herodes e o outro o Pilatos; e com efeito consta, q. neste dia de inimigos, q. erão, ficarão congraçados em algua amizade; a nossa offença preciza publica satisfação; e para a obter dirigirão ao General, q. os satisfez mostrando-se offendido de semelhante impostura, em q. o seu Caracter era insultado, e os Ministros descompostos. A toda a pressa mandou lavrar uma portaria dirigida ao Juiz de Fora, para devassar deste absurdo. O Juiz comessando então a trabalhar em cauza própria, fes grandes progressos, pronunciando os Actores da Sá­tira, q. jamais mostratrão o original das copeas q. extrairão, e sepultando na enchóvia toda a assemblea mal dizente. O Ouvidor melhor instruido do disfarce, e não tendo acção para com­bater o General, se contentou em anullar a devaça do Juiz; asseitou o Agravo dos culpados; condemnou o Pronunciante; e desligou os prezos do Suplicio, não tão brevemente, q. não ja­zessem muitos mezes em prizão. Camera(3) não vio o fim desta tramóia.

 

Nadando em num mar de disgostos, q. o Ouvidor; o seu ciúme; o próprio génio; e o descontentamento do povo lhe cauzavão, comessava a afligir-se em quanto esperava os recurços da Corte para dezafogar-se. O clima parecia haver-lhe, não só pou­pado a saude, mas extinguindo a antiga enfermidade da gotta, de q. não foi aftacado des q. pizou Angola: com tudo declarou-se-lhe, como sucessora desta moléstia hua sufocação, q. de tempo em tempo o acometia; athé q. na manhã de 19 de Desembro de 1782 lhe veio tão forte, q. repentinamente o arrebatou desta vida.

 

O Juiz de Fora, lizongeado da sua amizade, e das conferencias em q. a sua conducta era abonada foi o seu Testamenteiro, e dispôs as suas Exéquias com a descencia respectiva ao seu Caracter; dando-lhe sepultura na capella do S. S. Sacramento da Igreja Cathedral, a q. assistio o Exm°. Prelado. A Plebe, que igualmente se encanta do aparato festivo, e do funebre, com tanto q. brilhe aos seus olhos, concorreo atraz da Tropa, para ver o Espectáculo, q. sim era triste, mas não lhe foi terno. Alguns enfatuados em poder, em riqueza, e independência; mas q. verdadeiramente se poderião conceituar a escoria da mais baxa classe, cometerão a iniquidade de se banquetear à funesta sorte do seu General, saudando sua morte com abundantes Licores; taes são os excessos a que con­duz a vingança.

 

In História de Angola – Elias Alexandre da Silva Corrêa

 

1.- Pungo Andongo

2.- Guerreiros livres ou cativos

3.-O governador

 

25/06/2012

 

 Francisco Gomes de Amorim

QUANDO AS AMIGAS CONVERSAM...

 

 

 

ESTÁ SECO

 

- Acha que teremos tranche? – pergunto eu, na inquietação que me aniquila a alma, sempre que as figuras sinistras dos troikos de maleta se desenham no nosso horizonte nacional.

 

Mas a minha amiga é muito prática nas questões da alma e das tranches e despachou-me deste modo:

- Isso temos, não se vive de outra maneira. Então, se eles não dessem mais dinheiro, Portugal vivia de quê? Da agricultura? Ou do mar?

 

Torci-me toda, no sentimento de humilhação em que a nulidade das nossas perspectivas nos coloca, apesar do amparo momentâneo das promessas propaladas a espaços, relativas à existência de petróleo ou ouro, que logo esmorecem e tombam, apenas surgem na imprensa, vindas não se sabe de que ponto da rosa-dos-ventos. A minha amiga diz que essas atoardas estão na mesma linha de pensamento que veicula os dados optimistas sobre as exportações e que são imediatamente desmentidos ou minimizados às vezes pelos do próprio governo que as propalou umas horas antes.

 

A propósito, lembrei os comentários do ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, que ouvi ontem sobre as visitas trimestrais da Troika para conferir os nossos gastos, condenando tais visitas significativas de perda da nossa soberania, o que me caiu muito mal no pensamento - para não dizer no goto, que é menos fino, para não dizer subtil - não só porque vi nesses dizeres quanto ele se estava a desligar da política de honestidade, pelo cumprimento dos compromissos, do seu Primeiro Ministro, provavelmente já na perspectiva do salto para qualquer outro cargo da oposição quando a oposição for governo, mas também porque discordei radicalmente da teoria, achando que, muito pelo contrário, todos os emprestadores anteriores e presentes da CEE, U.E. etc., nunca nos deveriam ter entregado as suas tranches sem cá virem verificar periodicamente como estavam a ser aplicadas. Não teríamos chegado certamente a este estado de desertificação económica, e de proliferação corruptiva.

 

Mas a minha amiga achou que não valia a pena lamentarmo-nos sobre o leite derramado e mergulhou nos seus referentes de fresca data – os cem jovens de Lisboa e do Porto que foram enganados pelo vigarista que lhes prometeu trabalho na Holanda a troco de 25 euros e faltou ao compromisso (mas eu condenei os rapazes que já deviam saber pelos filmes – nossos, reais, e estrangeiros, ficcionais - que nunca se deve crer nos angariadores de trabalhadores), os homens que apanharam berbigão e tiveram que o despejar no mar porque é proibido apanhar berbigão…

 

- Já viu aquilo que eles sofrem? Primeiro, para apanhar berbigão e depois para não serem apanhados. Agora porque é proibido, não percebo bem. Se a gente tem mar e berbigões, porque não deixar viver quem vive disso? O país está seco.

 

Foi então que eu comparei este caso com o do sr. João da Esquina, que não queria tomar o arsénico recomendado pelo Doutor Daniel, o apaixonado final da Margarida, mas, antes, da Clara, e agora, da menina Francisquinha, por conveniência da mãe desta, a srª Teresa, que, insinuantemente, insistia com o marido para ele o tomar, o que o levava ao rubro na sua cólera, ao ouvi-la dizer: "Toma arsénico, menino, toma. E porque não hás-de tomar arsénico?"

 

Um país seco, tal como o sr. João da Esquina, desconfiado contra Daniel por motivos que não vêm ao caso, repelindo o arsénico da receita e respondendo com violência à exortação da esposa. Um país que não quer tomar arsénico para viver e deixar viver. Do mar, da terra, do ar…

 

Berta Brás

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