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A bem da Nação

OS MILITARES E OS OUTROS

 

 

A intervenção militar é um recurso que serve para dar tempo aos políticos a quem, esses sim, cumpre resolver o problema. Solução militar para problema político é coisa que hoje não existe.

 

Mas problema bem grave é quando os militares se metem a políticos. E porque é que o fazem? Vaidades e caudilhismos à parte, fazem-no quando se cansam da inaptidão dos políticos na resolução do problema que eles, militares, foram chamados a colmatar. E como toda a revolução é ilegal, o distúrbio e a desorientação conduzem habitualmente a situações bizarras de inversão de valores, de subida ao comando de algum subalterno, de o novo inimigo ser a hierarquia anterior e o novo aliado ser o antigo inimigo.

 

Quando o «barco» é apanhado por um «tsunami» destes, que atitude deve assumir quem, alto na hierarquia, se viu repentinamente “nos cornos do toiro”?

 

As respostas estão tipificadas:

  1. A do oportunista que se cola à revolução e a integra de corpo (e sabe-se lá se de alma também);
  2. A do mártir que se revolta contra a revolução triunfante, tudo dá por perdido, tudo perde e faz correr o risco de todos tudo perderem;
  3. A do homem inteligente que tenta salvar o maior número possível de «náufragos».

Celebramos hoje um homem inteligente.

  

Estando o Império militarmente perdido no Largo do Carmo, em Lisboa, não nos teatros africanos, coube ao então Coronel Tirocinado Manuel Menezes rumar a Moçambique para gerir a transição que culminaria na independência. Fê-lo no cumprimento duma missão militar resultante duma revolução confirmada contra que não valeria mais terçar armas cumprindo a sua própria determinação de que não mais se justificava que um único soldado português morresse em Moçambique. Foi a parte portuguesa no Comando Conjunto da transição e não constam dramas que tenham ficado para a História nesse período em que as nascentes Forças Armadas moçambicanas ensaiavam os primeiros passos no âmbito duma imprescindível despolitização em que a vertente castrense deveria moldar todo o futuro da segurança de Moçambique. O ambiente de cooperação que o Coronel Tirocinado Manuel Menezes conseguiu estabelecer terá impedido que em Moçambique se registassem tensões por demais evidentes noutros processos de transição.

 

Arriada a Bandeira Portuguesa com a honra que se lhe deve, regressou Manuel Menezes a Portugal e é claro que, cumprida missão espinhosa sem glória mas com honra, foi promovido a Brigadeiro.

 

A guerra civil que se seguiu à independência moçambicana tudo teve a ver com a determinação de entregar o país à esfera soviética e isso, é bem de ver, foi uma circunstância política que mais uma vez fez «chegar à frente» os militares (neste caso, já os das Forças Armadas de Moçambique) e absolutamente nada teve a ver com o ambiente de relativa serenidade em que Manuel Menezes fora parte principal.

 

Mais uma vez, os militares a terem que assumir atitudes em resultado da inaptidão ou loucura de outros.

 

Tudo visto e consumado, temos hoje um exemplar ambiente fraterno nas relações entre Portugal e Moçambique com uma cooperação de total equidade e proveito mútuo. Isso se deve a homens como Manuel Menezes que na sua espinhosa missão soube gerir um processo cujos contornos políticos não estava em condições de discutir mas de cujas consequências muitos poderiam vir a beneficiar.

 


Bem disposto, no dia em que fez 91 anos, 15 dias antes do fim

 

Com o seu recente falecimento, é em nome dos benefícios actuais que Portugal lhe deve prestar um especial agradecimento.

Fica apenas na esfera familiar uma dúvida por esclarecer: - Quem vai trinchar o peru no próximo Natal, Tio Manel?

 

Lisboa, Julho de 2012

 

 Henrique Salles da Fonseca

ET: No regresso de Moçambique, Manuel Menezes seguiu directamente para os Açores a fim de serenar os flamantes ímpetos independentistas de alguns dos seus conterrâneos - na sequência do que foi promovido a General.

CROQUIS

 

 

Escreveu Esopo,

Bom conhecedor dos animais

E dos significados

Das suas acções reais,

De aplicação aos humanos mortais:

«O morcego, a silva e a gaivota»

«Um morcego, uma silva e uma gaivota

Tinham-se associado

Para num negócio se lançarem,

Sem nenhuma artimanha de batota.

O morcego obteve os capitais

Para investir numa sociedade

De qualidade,

A silva fabricou trajes especiais,

A gaivota comprou o cobre para o negócio,

Como terceiro sócio,

Antes de no veleiro embarcarem.

Mas uma tempestade rebentou

Que o navio virou.

Os três sócios até à margem nadaram,

Mas toda a carga perderam,

Que se tramaram.

E foi assim que desde então,

Sem nenhuma excepção,

A gaivota mergulha nas profundezas,

À procura do cobre das suas despesas;

O morcego, com receio dos credores

Não aparece de dia mas de noite

Em busca dos comeres;

E a silva, infatigavelmente,

Prende as vestes dos viandantes

À procura das que perdeu para sempre.

A fábula mostra que quando uma questão

Nos toca de perto,

Voltamos sempre ao lugar

Do ponto da confusão

Para procurar

Resolvê-la com acerto.»

Isto disse Esopo,

Mas o que costumamos nós dizer,

Por nos ser mais comum,

É que “o criminoso

Volta sempre ao local do crime”,

Sem receio algum.

Que é como quem diz,

Que os negócios são como um team

Entre os amigos do coração

Que bem podem resultar em trambolhão,

Não para eles mas para o país.

Mas eles todos atingem a margem,

Com muita sabedoria e coragem,

Mesmo que o resto vá para o fundo.

É o nosso mundo.

Não o dos negócios ocasionais

Que metem morcego, silva e gaivota

Sem qualquer artimanha de batota

O que não passa, aliás, de treta.

O nosso mundo de negócios fulcrais

É sempre de vitória com batota,

Para os principais,

Quer tenham ou não frota.

Para outros, a derrota.

A gota.

A bota rota.

A boca torta.

A bolsa oca.

A moca.

 

 Berta Brás

HISTÓRIAS VIVIDAS

 

 

Crónica de uma pequena cidade

                       

Debaixo de toldos improvisados, enfeitados com bandeirolas multicoloridas, sentados a uma das mesas que se aglomeravam naquele espaço exíguo, estavam o padre, o juiz e o médico da vila. Era uma noite de final de Junho quando a pequena comunidade estava reunida para comemorar São João e arrecadar dinheiro na quermesse para ajudar nos reparos que a velha Igreja já há anos pedia. O cheiro de pipoca quentinha, algodão doce, quentão e canjicada, pelo ar rescendia. Em algazarra, a rapaziada acompanhava com gargalhadas, a cada tentativa frustrada, o sobe e desce dos moleques no pau-de-sebo. Um calor reconfortante aquecia aqueles que da fogueira crepitante se aproximavam para espantar o frio. A bandinha, em altos e baixos, marcava presença tocando maxixes e modinhas enquanto os rapazes e as moçoilas, vestidas com roupas de chita, rendas e fitas, ensaiavam a quadrilha. Estopins, bombinhas, fogos de artifício, faziam a alegria da meninada em reboliço. As senhoras dedicadas, sempre muito ocupadas, ajudavam nas prendas e barraquinhas.

 

O prestigiado grupo de letrados a tudo assistia, versejava, punha em pauta as últimas noticias. O médico, novo na vila, já com fama de bom doutor e de ser também um “gozador”, atraía a atenção dos interlocutores com suas estórias.

 

- Mas então doutor, porque falhou ao nosso encontro semanal? Tem tido muito serviço? Perguntou o juiz.

 

Com um sorriso maroto, despertando curiosidade, respondeu jovem esculápio:

 

- O amigo sabe como é o trabalho de médico. Não tem dia e nem hora para acabar... . Na quinta-feira, ao fechar o consultório, no final da tarde, quando já me aprontava para o nosso habitual encontro, recebi uma chamada telefónica que me fez sair da rotina e mudar de rumo. Passei então que passei uma noite extraordinária...

 

A última frase do médico deixou o padre um pouco desconfortável, enquanto o juiz, atiçado, estimulava a prosa. Sem se fazer de rogado o jovem médico continuou...

 

- Estava-me preparando para sair quando o telefone tocou e uma voz feminina, amigável, particularmente me sensibilizou ao relatar que estava preocupada. A filha estava com febre e pedia que eu fosse vê-la. O que prontamente eu atendi. Ao verificar que não era nada de grave, apenas um pequeno resfriado, tranquilizei a jovem senhora, que agora já descansada, insistente, me convidava para ficar e jantar com ela. Foi assim que saí da rotina e que passei uma noite muito agradável com minha mulher e filha, lá em casa... Concluiu o médico com um sorriso ao ver a cara aliviada dos ouvintes.

 

Histórias de vida daqueles que vieram e vivem nas nossas longínquas e interioranas paragens...

 

 Maria Eduarda Fagundes

 

Uberaba, 27/07/12

QUANDO AS AMIGAS CONVERSAM...

SEM VOLTA

 

Falámos dos comentários que as nossas fotos mereceram no meu blogue – a minha filha, a fotógrafa, escrevera:” “Realmente a foto ficou tremida, porém as árvores também abanam com o vento. Mas que isto com imagem é outra coisa, é! Agora só falta a música.” Ao que eu respondera: “As tremuras são fruto da época, não se estranha. De l’âge aussi. Quanto à música… é toda interior, que a voz é de cana rachada. Mas eu agradeço à fotógrafa pelo momento-chave que soube captar”A minha amiga, posteriormente, acrescentou: “Só faltou acrescentar que as árvores morrem de pé”, o que não era o nosso caso. Reparou no tamanho excessivo das fotos colocadas no blogue, e eu respondi que pensara que o Dr. Salles lhes reduziria o formato, habituado que está a lidar com as imagens do seu blogue.

Desta forma, terminou o nosso momento de glória evocativa, inocente de intenções pecaminosas, embora não imodesta, em nada comparável, contudo, à de um tal Erostratus, que, desejoso de celebridade a qualquer custo, não fez mais do que incendiar o templo de Ártemis em Éfeso, uma das Sete Maravilhas do Mundo. Aquele permaneceu em obras que o recordaram, entre as quais um texto expositivo em inglês, de Fernando Pessoa,– «Celebridade e Génio – Erostratus» – outra de Sartre – novela (terceira) pertencente ao conjunto de seis novelas intitulado “Le Mur - “Erostrate” – que foca o problema do ódio pelos homens de um maníaco inteligente, o qual prepara conscienciosamente os seis assassínios que deseja perpetrar, a última bala da pistola destinada a si próprio, que irrisoriamente não teve coragem de disparar, fechado entre as paredes da casa de banho de um café para onde precipitadamente correra a refugiar-se. Um conto sobre um ser odiento, de um descritivo poderoso despojado de quaisquer resquícios de boa moral, feito pela personagem Paul Hilbert, na primeira pessoa, provavelmente já como exemplo da filosofia existencialista que coloca no homem ateu a responsabilidade única pelos seus actos.

 

E ao contar isto à minha amiga, logo ela lembrou os incendiários dos novos tempos, como seres perversos e impunes:

 

- Uma pergunta que eu já tenho feito muitas vezes: Quantos anos de cadeia lhes são atribuídos quando fica a prova de que foram eles os incendiários? Porque é um crime tão grande, tão grande, tão grande!… Tinha que ser uma pena muito grande. Mas a gente nunca mais ouve falar no final daquela história. Deve ser uma pena muito leve…

 

 

 

- Pois! O Erostratus primitivo praticou o crime de destruição de um templo célebre, para ser conhecido, e foi imortalizado, como símbolo, pelo menos no conto escabroso e violento de Sartre. Os miseráveis incendiários dos novos tempos praticam o crime encobertamente, talvez a mando dos outros miseráveis que lhes pagam para isso. Não têm direito a glória, pobres seres que a sociedade até protege, pois não lhes cita sequer os nomes, a merecer linchamento. Um país que arde, mas como arde a muitas frentes, não há coragem de pôr cobro a tais sevícias. É bem outra, a filosofia que a elas preside, nada de existencialismos responsabilizadores e formadores da personalidade humana, que se pode ir construindo até no ódio, com uma certa grandeza. Os nossos incendiários pululam no aconchego da obscuridade e da impunidade, como os demais fautores dos crimes nacionais. Não há volta a dar-lhes.

 

Berta Brás

MATEMÁTICOS PORTUGUESES DE CEPA GOESA

 

1

 

PORTUGAL, em 450 anos de administração do Estado da Índia, não formou entre os filhos de Goa, apenas médicos, advogados, magistrados, professores, farmacêuticos, engenheiros et alii de envergadura. Houve um punhado de goeses a cultivar e a ensinar Matemática nos estabelecimentos secundários e superiores. 

 

Facto notável que caracterizou esse punhado de goeses é que eles formaram-se em Lisboa e em Coimbra. Na sua maioria esses matemáticos goeses estiveram ligados a Coimbra e às suas Instituições, pelo que o presente ensaio não deixa de ser oportuno. Urge evocar esses matemáticos portugueses de cepa goesa, arrancando-os do olvido para o devido conhecimento das gerações novas.

 

O Governo-Geral da Índia, ao abrigo da Carta Régia de 1832, enviou em 1833 para Coimbra quatro talentosos mancebos para aí se formarem, subsidiados pelas Câmaras Agrárias de Goa. Foi este passo que marcou durante 150 anos o numeroso afluxo de estudantes indo-portugueses à Universidade de Coimbra. No breve caminho de 96 anos a perfazer, tentarei numa síntese apontar os filhos de Goa formados em Ciências Matemáticas arrumados de acordo com os anos dos seus nascimentos.

 

JOSÉ PAULO GOMES (c.1800). Natural de Anjuna, Bardez, foi Capitão do extinto Regimento das Milícias de Bardez, Lente da Academia Militar de Goa e um grande matemático de sua época. Acérrimo defensor do liberalismo e do deposto e único Governador-Geral da Índia de cepa goesa, escondera-se algures no Estado da Índia fugindo à perseguição dos partidários militares do Governo intruso de Goa (1835) que haviam deposto o Prefeito das Índias Bernardo Peres da Silva.  

 

MANUEL JOSÉ FELICÍSSIMO DE ABREU (c.1810/38). Matriculou-se em Coimbra na Faculdade de Matemática (1834/35) e no 1º e 2º anos do Curso arrancou os primeiros prémios, infelizmente falecera no ano seguinte. Natural de Anjuna (Bardez) fora tido em Goa como um grande matemático.

 

RAIMUNDO VENÂNCIO RODRIGUES (1815/79). Companheiro de viagem e colega do precedente fez as formaturas de Doutor em Matemática (1839/40) e de Licenciado em Medicina com Accessit. Notabilizou-se em Coimbra como Lente Catedrático da Faculdade de Matemática, Vereador e Presidente da C. M. de Coimbra por vários biénios, Procurador à Junta Geral do Distrito de Coimbra. Deputado pelo Distrito de Coimbra, nas horas vagas prestou relevantes serviços ao Montepio da Imprensa da Universidade, ao Montepio Conimbricense e à Associação dos Artistas de Coimbra. Era natural de Badém, de Serulá (Bardez).

 

ISIDORO EMÍLIO BAPTISTA (1815/63). Vindo com 2 irmãos, às expensas do pai, Narciso José Baptista, Guarda-mor da Relação de Goa, matriculou-se em Coimbra (1839/40) e formou-se em Medicina e em Filosofia. Depois fez o Curso de História Natural, licenciando-se em Ciências Naturais em Paris, onde se doutorou em Medicina. Desde 1864 até à morte foi Lente da Escola Politécnica de Lisboa, regendo as cadeiras de Montanística e Docimásia. Publicou o livro: «A Geometria em Progresso» (Lisboa, 1846). Foi um homem muito erudito e considerado pelos académicos um «dicionário vivo». Fora oriundo de Loutolim (Salcete).

 

MIGUEL ARCANJO MARQUES LOBO (1834/83). Natural de Saligão (Bardez), formou-se com distinção em Matemática (1858) e Filosofia (1860) e ainda com Accessit em Medicina, na Universidade de Coimbra. Foi professor de Matemática no Liceu de Viana do Castelo (1865/66) e depois radicou-se em Coimbra, onde exerceu a clínica geral e ensinou as disciplinas de sua especialidade em Curso Livre. Publicou dois livros para facilitar aos alunos a aprendizagem de geometria, trigonometria, história natural, botânica, mineralogia, geologia et alia, além de Generalidades de geometria plana e geometria no espaço (Coimbra, 1866).

 

EUSTÁQUIO BRÁS GOMES (c.1835). Era oriundo de Benaulim (Salcete). Formou-se em

Teologia no Seminário de Rachol (Salcete), ordenou-se padre e leccionou Matemática no Colégio–Liceu de Guirim (Bardez). Depois ensinou essa disciplina no Curso do antigo Liceu de Goa, em Mapuçá, nos anos 70/80. Foi Capelão da Capela de Carona, de Aldonã (Bardez), onde faleceu em 1900. A freguesia de Carona dedicou-lhe solenes exéquias no 1º ano do seu falecimento, publicando um “In Memoriam” evocativo de quem, além de funções pastorais, fora um eminente matemático de sua época.

 

ANTÓNIO BERNARDO DE SOUSA (c.1835). Granjeou a fama de grande matemático e foi pai do médico e professor da Escola Politécnica do Porto, Domingos Agostinho de Sousa (1859/1919).

 

LÚCIO S.B. DO ROSÁRIO MIRANDA (1904/62). Concluído o Liceu de Goa partiu para Coimbra onde se formou com distinção em Matemática. Foi professor de Desenho e de Matemática nos Liceus de Lisboa, Açores e Goa (1939). Foi um cultor de letras, acreditado conferencista e colaborador da imprensa portuguesa. Era natural de Loutolim (Salcete).

 

ALFREDO DOS ANJOS OSÓRIO (c.1915). Natural de Chinchinim (Salcete) concluído o Liceu, formou-se farmacêutico pela Escola Médico-Cirúrgica de Goa e partiu para Lisboa (c. 1945), onde o conheci. Cursou na Faculdade de Letras, onde se formou e, após estágio no Liceu Pedro Nunes, enveredou pela carreira de professor liceal. Foi professor de Matemática no Liceu Nacional de Goa, onde em 1949 contribuiu com um artigo sobre a Geometria não Euclidiana na revista ALA, órgão da Associação Escolar do Liceu de Goa.

 

VASCO DOS ANJOS OSÓRIO (s.d.). Irmão do precedente, concluído o Liceu de Goa veio com três outros irmãos para estudar na Universidade de Lisboa, acabando por formar-se em Ciências Matemáticas, sendo depois Professor de Matemática Moderna nos Liceus Pedro Nunes e Gil Vicente. Dali foi enviado para o Liceu de Lourenço Marques, por 2 anos. Como Professor Catedrático de Matemática, recebeu convite para leccionar as Ciências Matemáticas na Alemanha, onde se radicou e passou a viver com

sua mulher alemã. (Os dois irmãos acima referidos têm surgido com o sobrenome de DOS ANJOS OSÓRIO ou OSÓRIO DOS ANJOS).

 

2

 

Houve dois grandes matemáticos indus, ambos nascidos na Índia Portuguesa, mas formados em Universidades estrangeiras. Eles também merecem um destacado lugar ao lado dos seus conterrâneos de formação cristã.

 

DINANATH ATMARAMA DOLVI (s.d.). Nascido em Pali, do Concelho de Bicholim (Goa). Muito novo foi estudar em Bombaim, onde se formou com distinção B.Sc. (Bacharel em Ciências) e M. A. (Mestre em Letras). Ganhou a fama de «primeiro matemático indiano» da Presidência de Bombaim. Muito procurado e admirado, sobretudo pelos matemáticos ingleses e professores universitários britânicos. Sobrepujou outros matemáticos pela celeridade e prioridade demonstradas na resolução dos problemas propostos. Suas soluções foram arquivadas na revista «Bombay Educational Report», da sua época. Publicou, em 1869 e em inglês, sua análise da “Regra de Sir Isaac Newton” para a solução do número de raízes imaginárias numa equação, com ajuda de teoremas mecânicos, geométricos e fórmula trigonométrica.

 

DAMODAR DHARMANANDA KOSAMBI (1907/66). Era um natural de Sancoale, de Salcete (ora, Concelho de Mormugão). Em 1918 partiu com o pai e sua família para os EUA, onde o pai leccionou as línguas orientais, na Universidade de Harvard. O jovem Damodar formou-se com altas distinções em Matemática, História e Línguas da Harvard University. Regressando à Índia, foi professor das Universidades de Benares  (indu) e de Aligarh (islâmica), nos anos  de 1929/33. Depois dedicou-se à profunda investigação nos mais diversos domínios (matemática abstracta, estatística aplicada, genética, arqueologia, proto-história, budismo, marxismo, etnologia, socioeconomia, estudos indulógicos e numismática), discutindo-os em cerca de 50 comunicações em revistas científicas. Trabalhou de 1945 a 1962 no «Tata Institute of Fundamental Research», de Bombaim, e poucos anos depois faleceu, em 1966. Sustentou longas discussões em Princeton com o famoso Einstein sobre questões de relatividade. O eminente sábio concordando com Kosambi, passou a nutrir por este uma grande admiração. A ONU obsequiou-o com uma bolsa para estudar o maquinismo do calculador electrónico da época. Pouco antes, Damodar D. Kosambi visitara os EUA e o Reino Unido, a convite oficial. Foi autor de larga e variada bibliografia.

 

Alcobaça, 11.10. 2011 e revisto em 26.07.2012 

 

 

DOMINGOS JOSÉ SOARES REBELO

 (soares.rebelo@hotmail.com)

 

 

Fontes de informação: Aleixo Manuel da Costa – Dicionário de Literatura Goesa, 3vs.; Pe. M.J.Gabriel de Saldanha – História de Goa, 2vs.; D.J. Soares Rebelo  Dicionário de Goanidade (Vol.I), c.380 págs., a publicar em breve.

QUANDO AS AMIGAS CONVERSAM…

 

 

… eis a coluna de duas Senhoras à volta de um café cuja vasta cultura nos traz muitos temas para a nossa meditação. Já por cá têm andado mas só agora formalizam esta já antiga pertença.

 

Continuemos…

 

Henrique Salles da Fonseca

  

OS ESTEIOS DE NARCISO

 

O Dr. Salles da Fonseca pediu-me uma fotografia da minha amiga e minha sentadas à mesa do café, com ela a comandar os referentes da sua experiência de leitura ou audição de noticiários, eu a tomar afanosamente as notas do seu discurso esbracejante, dos seus conceitos generosos ou inconformistas, do seu tom altaneiro de quem, tendo atravessado a ponte aos solavancos, desde a outra margem, continua na margem de cá a patinhar no lodo em que nos vamos afundando, sem esperança para os nossos netos. A minha amiga logo protestou, avessa às fotos deste nosso entardecer, ela que um dia me ofereceu uma foto dos vinte anos, com os dizeres da sua escrita rápida e angulosa, expressiva de liderança – “Esta fotografia é do tempo em que nos conhecemos - também por fotografias – através da Fernanda” (minha irmã). “Por isso é dos bons velhos tempos”.

 

 

Pensei que ressalvaria o seu narcisismo, se à fotografia das duas velhas senhoras da cavaqueira desarrumada acrescentasse essa foto elegante, dos anos da sua Zambézia de praias, e amizades e trabalho competente.

 

 

A minha filha Paula achou excelente a ideia do Dr. Salles e logo se prontificou a tirar a foto com o seu telemóvel, num dia de conversa a três, mas logo o meu narcisismo exigiu parceria na questão dos vinte anos, levando-me a procurar uma fotografia também do mesmo ano – 55 – tirada com capa emprestada, por ser avessa a praxes, arrimada toscamente ao meu pinheiro de forte tronco da Lousã, como a minha amiga se postara elegantemente à árvore moçambicana da sua pose.

 

Desta forma se resolveria a questão do vaidoso repúdio dos maus efeitos causados pela nossa figura actual, revelando o que já fôramos, mantendo embora, como símbolo de persistência no tempo, os troncos narcísicos do nosso arrimo e jeito de batalhar: a minha amiga, no rebuscamento saleroso dos seus contorcionismos frásicos irónicos que a sua árvore denuncia, a minha figura mais atarracada prolongando-se no tronco forte do pinheiro generoso e protector mas duro, na opinião de alguns, definitivamente tímido, na opinião própria

 

Berta Brás

PAZ

 

 

Dedos ágeis dedilham a viola

E das cordas saem longos trinados.

Na noite; notas, quais entes alados,

Fugindo do círculo da gaiola.

 

Cantam-me os astros o meu destino,

Traçado em estrelas cintilantes,

Arrebatadoras e fulgurantes,

Que me acompanham desde menino.

 

Sou um ser dum Poema ocasional.

Vivo num espaço intemporal,

Muito para lá do vasto além.

 

Rodeia-me o silêncio sagrado

Que gosto muito de sentir fechado.

Assim sou só eu, Deus e mais ninguém!

 

 Luís Santiago

Sintra, 23 de Julho de 2012

DISTÚRBIOS NA EQUIDADE

 

 

Entendimentos da equidade”, eis um texto de Vasco Pulido Valente saído no jornal Público de 8 de Julho, sobre a decisão do Tribunal Constitucional de chumbar, como ilícitos, os cortes do 13º e 14º mês ao funcionalismo público e aos reformados do funcionalismo público, sob a alegação de um princípio de equidade que, a ser observado, deveria estender-se aos trabalhadores do sector privado, o que, felizmente, não aconteceu. Vasco Pulido Valente considera não serem comparáveis as duas realidades:

 

"Não há semelhança entre uma parte e outra, como não há semelhança entre o Estado (central ou local) e uma empresa que tenta viver de um mercado indefinido e volátil: e essas diferenças, muito claras, pedem em teoria (e também na prática) um tratamento
diferente.”

 

E depois de ter condenado o Estado e os seus sucessivos governos catastróficos, em termos de despesismos, burlas e impunidades, aponta os benefícios colhidos no funcionalismo público (“anónimo e inócuo”), de não despedimento, de promoções nem sempre por mérito próprio, flexibilidade de horários, sistema de saúde, possibilidade de acumulação de emprego no sector privado… Ao contrário dos empregados particulares, geralmente explorados nos seus horários, nos seus vencimentos e sujeitos à pressão dos despedimentos.

Pulido Valente não aceita, deste modo, o tal princípio da equidade defendido pelo Tribunal Constitucional para condenar os cortes
governativos.

 

Nos meus tempos de África, de facto, os funcionários tinham vencimentos inferiores aos trabalhadores particulares, sobretudo se estes eram empregados nas boas empresas estrangeiras como a Shell, que sabiam valorizar o trabalho de quem contribuía para a sua riqueza, o que não acontece muito por cá, pouco educados que somos no respeito pelo outro. Mas sempre me habituei a respeitar lá o trabalho dos funcionários públicos, que via competentes e zelosos nos seus empregos, jamais me passaria pela cabeça chamar-lhes desprezativamente inócuos. O 25 de Abril trouxe mudanças radicais, é certo. Lembro-me do chefe de secretaria da escola onde trabalhei cá, pessoa competente que, ao atingir a reforma, foi substituído por alguém muito menos capaz, mas que aprenderia, com o tempo, não tenho dúvidas, mesmo pelo princípio das equivalências que aqui possibilitam doutoramentos sem rompimento de calças nas cadeiras universitárias.

 

O Tribunal Constitucional notou a ilicitude do corte dos subsídios nos vencimentos. A mim dá-me jeito, mas achei que devia colaborar com o Governo no sentido de uma solução da crise. E até para ver se, com o meu gesto nobre de aceitar os cortes sem protestar, contribuiria para que houvesse menos desempregados no país. Sentir-me-ia mal ganhando dois vencimentos obtidos por empréstimo, quando milhares não teriam nenhum.

 

Mas o Tribunal Constitucional fez as contas certamente que num sentido benéfico para ele. Temos que aceitar isso, pois há muitos que
fazem contas dessas neste país e até mais frutuosas. Só é pena que o Governo feche os olhos a essa realidade, para obter mais empregos e poder pagar ao menos um dos vencimentos, aquele a que temos direito, se contarmos o trabalho e o pagamento por semanada. Não seriam as 48 semanadas recebidas, mas as 52 do nosso pleno direito.

 

 Berta Brás

Mais sedes em Espanha

 

Portugal será uma região ibérica?

 

Por um lado as notícias de cada vez haver mais empresas com atividades em Portugal terem as suas sedes em Madrid provocam preocupações independentistas em algumas agravadas ainda pelas privatizações de atividades essenciais como por exemplo a energia, as águas, transportes e outras a grupos com sedes no estrangeiro. Aliás também há grupos portugueses com sedes lá fora.

 

Segundo parece, porque é mais operacional, o que não é de espantar dada a fraca operacionalidade do nosso sistema governativo, que se diz ir ser agora reestruturado e também é bom não esquecer as estatizações pós 75.

 

Recordando a nossa história verificamos que os reis da nossa primeira dinastia logo se aperceberam de que tinham que não depender dos seus poderosos vizinhos, mais tarde aglutinados na Espanha actual. E portanto só tinham que encontrar apoios fora, o que significou a obrigatoriedade de desenvolver a Marinha e os contactos com a Inglaterra e outros países da região do canal da Mancha.

 

No início do século XX, após um século XIX desastroso, Portugal dependia fortemente da Inglaterra, embora o ultimato tivesse complicado as relações entre os dois países, pois várias indústrias e serviços no nosso país eram exercidos por empresas inglesas.

 

Estas dependências levaram o governo na época que antecedeu a II guerra mundial a preocupar-se com este problema daí resultando a nacionalização (então palavra correctamente empregada) de companhias de transportes, de comunicações e de energia em particular e o desenvolvimento da marinha mercante nacional.

 

Convém recordar a importância essencial para um país ser independente de as suas principais actividades estruturantes pertencerem a proprietários portugueses ou pelo menos residentes em Portugal como qualquer português.

 

No entanto as consequências dos erros profundos das políticas interna e ultramarina, a partir de 1961 estancaram o crescimento económico em curso, por causa da guerra colonial que esses erros provocaram, e a partir daí a riqueza nacional tem vindo a diminuir até atingir o actual nível de bancarrota à vista.

 

E se perdemos as antigas colónias em 1975, na verdade já o tinham sido muito antes quando os portugueses iam procurar trabalho fora, tantas vezes clandestinamente, e não lhes era permitido mudarem-se para lá como devia ser possível dentro de um mesmo país.

 

Assim as forças que dominaram os acontecimentos começaram por destruir grupos económicos e empresas de dimensão internacional que não só perderam muitos postos de trabalho altamente qualificados mas também nos tornaram dependentes de importações desde a indústria até à banca passando pela agricultura e alguns serviços.

 

Note-se que, curiosamente, são algumas dessas forças (estou a lembrar-me do PC e do PS que tanto batalharam para se fazerem as mal chamadas nacionalizações, até porque as empresas já eram portuguesas e as estrangeiras nada sofreram) que, nesta altura de dificuldades, clamam na rua a necessidade de haver empregos esquecendo-se da sua quota-parte de responsabilidade na actual taxa de desemprego e nas dificuldades em o combater.

 

Até nem se associaram às comemorações em curso da revolução de Abril e proclamam a ida para a rua protestar contra as medidas de austeridade que em grande parte resultam dos erros e desmandos que eles próprios foram fazendo durante todos estes anos e quando se processou o maior aumento do défice nacional de que há memória, em particular nos últimos seis anos, não se ouviram os seus protestos.

 

Por que seria tal silêncio? Distração ou interesses inconfessados?

 

Depois da entrada na CE a destruição aumentou a Marinha foi desmantelada e utilizando as ajudas europeias criámos hábitos de vida folgada à custa de crédito fácil e desenvolvemos indústrias com baixo valor acrescentado sem qualquer preocupação generalizada de valorizar a capacidade de trabalho mas apenas o consumo.

 

O resultado está bem à vista: dívidas por todo o lado, uma cultura de inconsciência social insustentável mas exigente: queremos ter melhores salários mas não cuidámos da valorização, e temos energia mais cara, transportes mais caros (rodoviários em vez de ferroviários e marítimo-fluviais), mais impostos e mais inoperacionalidade que a concorrência com quem temos que competir para podermos exportar e, portanto, sobreviver.

 

A situação actual de voltarmos a ser um protectorado, não de um outro país mas de uma “troika”, corresponde a um nível de independência muito baixo e agravado cada vez que vendemos a estrangeiros empresas nacionais estruturantes mas não incentivamos
os capitais estrangeiros em novos empreendimentos que se justifica serem deles porque deles dependem em grande parte os futuros clientes.

 

Em resumo: haver algumas multinacionais a mudar as suas sedes para Madrid é natural e não tão grave assim, mas vender empresas vitais e não fomentar novos investimentos e não se ter consciência das contribuições que cada um deu para a crise, isso sim, é que põe em perigo a nossa independência já tão prejudicada.

 

E que não será com festejos comemorativos que irá melhorar, mas com actividades sustentadas e competitivas praticadas por empresas com mentalidade nacional enquadradas num sistema político operacional eficiente e profundamente
português.

 

  José Carlos Gonçalves Viana

 

http://nossomar.blogs.sapo.pt

 

Publicado no DN em 18 de Julho de 2012

 

TEOLINDA - 2

Uma de Revivalismo: “Bom Senso com Bom Gosto”

 

Foram-me enviados por e-mail as duas epístolas seguintes, que transcrevo. O primeiro, de Maria Helena Mira Mateus, Professora Catedrática Jubilada da Faculdade de Letras de Lisboa, insurgindo-se contra o texto de Teolinda Gersão “Declaração de amor à Língua
Portuguesa”
em que esta tenta combater, com dados um tanto facetos, o
alucinante método actual de ensino da gramática portuguesa, de uma tal abundância de pormenor metalinguístico, que reduz valentemente o interesse pela simples leitura e desmontagem dos elementos semânticos descodificadores das mensagens. Parece pura aberração tal sobrecarga linguística envolvendo a gramática já ao nível do ensino básico, em que a aprendizagem da leitura e ortografia são fulcrais para o estudo e compreensão de todas as mais
disciplinas.

Maria Helena Mira Mateus insurge-se contra o texto da amiga, como participante, segundo esta explicitará na sua resposta, da reformulação linguística no ensino do português escolar, autêntica carnavalada dengosa e snobe, puro pretexto exibicionista dos recentes edificadores do ensino da língua, merecedores de Inquisição, como destruidores da limpidez e simplicidade requeríveis, na minha opinião também refractária, como a da Teolinda Gersão, e conhecendo por experiência própria as dificuldades do ensino do português, como disciplina tentacular.

Teolinda Gersão não precisa de ser defendida. Ao afirmar corajosamente que é altura de o país – se assim quiser – dizer basta. A língua não é propriedade dos linguistas. O ensino da língua também não”, é credora da nossa imediata adesão.

É claro que o país “não quer dizer basta”, indiferente às pinturas narrativas ou às argúcias expositivas das pessoas que mantêm o bom senso aliado ao bom gosto que o país perdeu há muito e que se traduz pela palavra “decência”.

Leiamos então:

A propósito de uma Declaração de amor à língua portuguesa

Foi publicado no jornal Público um artigo de Teolinda Gersão – uma das nossas melhores escritoras por quem tenho admiração e amizade – com o título Redacção - Declaração de Amor à Língua Portuguesa. A sua leitura desagradou-me de tal modo que cheguei a julgar tratar-se de uma brincadeira da autora sob a forma de uma crítica sarcástica ao ensino do português. Mas como nem todas as pessoas a entendem assim, pus-me algumas perguntas: A quem se dirige esta brincadeira? Aos autores do programa de português na parte que diz respeito à gramática? Aos manuais de que se servem os professores, que podem conter erros por não haver a certificação de correção e qualidade, decidida há uns anos e não implementada? E já que o artigo assenta nas “ideias” de um estudante, será que o que está em causa é um professor que não conhece o que ensina?

Uma escritora do nível da Teolinda Gersão não pode aceitar como bons todos os disparates que lhe são transmitidos pelo seu neto estudante. Existem materiais de fácil acesso para refutar o que considera asneira. Já conhece o Programa de Português do Ensino Básico?
Já viu os materiais que podem ser consultados pelos professores (ou pelos pais/avós) para perceber como e porquê se analisa uma língua, como se adequa esse ensino ao nível de escolaridade, o que deve ser transmitido em cada ano e o que serve apenas para informação do professor? Já pensou em como uma explicação da construção de um texto ou frase que o aluno produz ajuda a desenvolver o seu raciocínio e aumenta o seu domínio da oralidade e da escrita?

Os alunos não são tolos e têm curiosidade pelo ensino de qualquer disciplina se forem estimulados a olhar crítica e criativamente o que está por detrás das suas produções linguísticas e artísticas e dos mistérios da natureza. É nisto que consiste a educação. Mas o que verdadeiramente os desestimula é que alguém, que tem responsabilidade na escrita de uma língua, diga que “vai deitar a gramática na retrete “ (as palavras são da escritora mas “as ideias são deles”). Considera a Teolinda que não vale a pena estudar gramática? E aprender a fazer operações de matemática ou conhecer a física nas suas diversas forças e energias já vale a pena?
Preparar materiais para o ensino do português tem sido o trabalho criterioso e dedicado de equipas, tal como tem sido feito para a matemática e para as ciências. Todas estas áreas têm tido a sua atualização didática e implicam uma
adaptação a novos conhecimentos por parte dos agentes de ensino. E se um professor não sabe como explicar a construção das frases, do texto, da entoação e sons com que se constrói esta maravilha que é uma língua, é absurdo assacar ao ensino da língua materna erros, dislates e desinteresse que sente um estudante que julga que aprender português é só ter lido alguns livros (quando o faz) e não dar erros de ortografia. Deste modo, ele nem sequer vai tomar
consciência da razão por que um texto literário é melhor do que outro, ou por que uma instrução ou uma lei pode ser ou não ser ambígua. Uma generalização da inutilidade e dos erros do ensino do português, apresentada a sério ou a brincar, apenas mostra uma completa falta de respeito pelos agentes desse ensino e por todos os que têm trabalhado nesta área. E de certeza que não se trata de uma “declaração de amor”, visto que o amor procura e proclama os aspetos bons do objeto amado.

Não desejo discutir aqui os exemplos dados pela autora do artigo porque eles têm tanto de errado como de ridículo. Aconselho somente uma consulta do Programa de Português do Ensino Básico e, já que tem uma completa falta de conhecimentos de gramática, poderia também consultar o Dicionário Terminológico destinado aos professores (e não
aos alunos). Dessa maneira ajudaria mais um estudante do que tornando pública uma atitude que não é, certamente, recomendável num educador.

 Maria Helena Mira Mateus

Professora Catedrática Jubilada da
Faculdade de Letras de Lisboa

28 de junho de 2012

«Carta Aberta a Maria Helena
(Mateus)

Querida Maria Helena:

Há 50 anos que sou tua amiga, te admiro como pessoa e respeito o teu trabalho como professora universitária de linguística. Sempre evitei, no entanto, discutir contigo o trabalho que tens feito fora da universidade, nomeadamente no que respeita à influência que tens tido no ensino do português no secundário. Sempre soube que nesse ponto não
estávamos – e nunca vamos estar de acordo.

Penso contudo que um dos problemas do nosso país é deixarmos que as relações pessoais interfiram demasiado com
nossas posições cívicas, e com a defesa do que consideramos correcto e justo. Sei que também assim pensas, e por isso te manifestaste tão negativamente sobre o meu texto que, como se pode provar pela adesão que tem tido, dá voz à saudável resistência dos alunos e ao descontentamento de milhares de pais, encarregados de educação e professores.

Na verdade, querida Maria Helena, ao responder ao meu artigo assumes a posição de porta-voz da defesa deste ensino. Não me surpreende, porque de facto tens grandes responsabilidades, ao longo de décadas, pela passagem do ensino do português no secundário a ensino da linguística (de uma determinada perspectiva linguística) no secundário. Não és obviamente a única responsável, mas é inegável que tens grandes responsabilidades nisso. Por isso ao responder-te estou a responder a toda uma “classe” de pessoas que partilham a tua visão do mundo.

O que o meu texto vem dizer é que este ensino não nos serve, e que tem havido um enorme abuso de poder de alguns
sobre a maioria. Na verdade a tua opinião pessoal sobre esta questão não conta (nem mesmo encarando-te como porta-voz de um colectivo). Nem é a minha opinião individual, como cidadã, que tem qualquer interesse. Escrevi o que entendi que não podia deixar de escrever – e obviamente não pedi licença a ninguém. Se grande parte do país leu o meu texto e se identificou com ele, é algo que está fora do teu controle, e do meu. Por muito que isso te desagrade (e a todos os que te olharem como porta-voz), será o país a decidir que ensino quer – os pais, os professores, os cidadãos, e o ministério (que será julgado por tudo o que fi zer ou não). Vivemos há décadas no enorme equívoco de que “os linguistas é que sabem, por isso o poder é deles”. (O que te deve parecer tão óbvio que nem dás conta da imensa arrogância do teu artigo.)

Mas é altura de o país – se assim quiser – dizer basta. A língua não é propriedade dos linguistas. O ensino da língua também não.

E é tudo, Maria Helena. Pela minha parte, gostaria que a nossa amizade resistisse a este confronto.

 Teolinda»

 

 

 

Berta Brás

 

(texto integral da Professora Berta Brás no seu blogue «Por A mais B» em http://poramaisb.blogspot.pt/2012/07/uma-de-revivalismo-bom-senso-com-bom.html )

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