“A guerra é de facto uma coisa má. Mas existe algo ainda pior do que a guerra: é perdê-la”
Do Autor
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Portugal sofreu entre 1954 e 1974 o maior ataque à escala mundial – o que implicou uma estratégia global de resposta - como já não assistia desde a Guerra da Restauração (que agora querem apagar da memória colectiva ao proporem o fim do feriado no 1º de Dezembro…).
Tal ataque nada teve a ver com questões de Regime Político ou de situação político-social em Portugal.
A Nação portuguesa combateu vitoriosamente em três teatros de operações distintos; a milhares de km da sua base logística principal, que era a Metrópole, apenas com as suas forças, sem alianças militares, sem generais ou almirantes importados - o que já não acontecia desde Alcácer Quibir.
E isto sem alteração de ordem pública, disrupção das actividades económicas ou sociais, ao passo que se obtinha um crescimento económico na Metrópole como em nenhuma outra época e se fez mais no Ultramar do que nos quatro séculos anteriores.
Foi a melhor campanha que os portugueses fizeram desde os tempos do grande Afonso de Albuquerque e nós em vez de nos orgulharmos disso, apoucamo-nos!
Só não conseguimos fazer frente à força bruta da União Indiana, pela desproporção dos meios em presença e pelo pouco empenhamento dos nossos aliados. Tal configurou uma agressão militar execrável, que a Moral, o Direito e a convivência entre os povos condena.
Mas o direito da força não conferia a força do Direito, que nós alienámos em 1975, quando um governo português, numa acção que nada justificava, reconheceu “de jure”, aquela ocupação “manu militari”. De qualquer modo Portugal conseguiu resistir a todas as malfeitorias indianas durante cerca de 14 anos. Não foi coisa de somenos!
Os governos portugueses que enfrentaram a guerrilha actuaram com uma competência insuspeita, no âmbito político, diplomático, económico/financeiro/social, militar e até psicológico, nas frentes de combate. Cometeram, porém, um erro: esqueceram-se duma outra “frente” e isso foi-nos fatal. Estou a referir-me à retaguarda, isto é, a Metrópole. E deixou de actuar aqui, sobretudo no âmbito psicológico o que permitiu a extensão da subversão que chegou a consubstanciar-se em dezena e meia de acções de sabotagem violenta.
A parte mais atingida foi, sem dúvida, a Universidade, parte da chamada intelectualidade, poucas franjas do operariado e alguns sectores da própria Igreja Católica.
Esta acção subversiva, constante e alargada no tempo, veio a ter sucesso num cada vez maior conjunto de portugueses que resultaram na expansão de vários mitos que agrupei em oito:
- A guerra era insustentável e impedia o desenvolvimento do país;
- Portugal estava “orgulhosamente só” e posicionava-se contra os “ventos da História”;
- A guerra durava há muito tempo;
- Portugal ia perder a guerra militarmente;
- Portugal estava em contra ciclo com a História e devia ter descolonizado mais cedo;
- A população dos territórios ultramarinos queria ser independente;
- A guerra era injusta e actuávamos contra o Direito Internacional;
- A solução para a guerra era Política e não Militar.
Estes mitos - e, sendo mitos, eram falsos, passaram a ser percepcionados como verdadeiros e hoje são assumidos como verdade oficial e nos compêndios da História.
No meu entendimento tudo isto está errado mas isso seria outra conferência.
Síntese final
“A primeira lição que a História e a vida nos ensinou é a da transitoriedade dos mitos, dos regimes e sistemas”
Jaime Cortesão
O modo como a nossa diáspora ultramarina – que é um dos maiores feitos da Humanidade – acabou, não nos dignifica e resultou mal para todas as partes. As responsabilidades ainda estão para ser atribuídas devidamente, o que não tenho a certeza que alguma vez se fará. A Nação dos portugueses vai ter que viver com isto para todo o sempre. Há apenas que aprender com os erros e os acertos do passado para melhor construir o futuro. E o futuro, o nosso futuro, irá seguramente passar pelo entendimento que conseguirmos com todos os povos e terras que, em tempos, Portugal já foram.
“Foram-se mais de três partes do Império de Além-Mar e Deus sabe que dolorosas surpresas nos reserva o futuro…”
Mouzinho de Albuquerque
(in carta ao Príncipe D. Luís Filipe de Bragança)
Moçambique era um território cerca de oito vezes maior que a Metrópole, com 784.961 km2, tinha uma fronteira terrestre de 4.330 km e 2.000 km de costa. Contava com 6.600.000 habitantes (8h/km2) sendo 97% negros (com 86 etnias e dez grupos étnico - linguísticos).
Dos países fronteiros só a Zâmbia e a Tanzânia eram hostis a Portugal, mas o Malawi não conseguia impedir o trânsito da guerrilha pelo seu território.
De Lisboa à Beira (onde estava localizado o principal aeroporto da Província) era necessário percorrer 10.300 km.
O número de combatentes, no fim da guerra contabilizava cerca de 57.000 homens, incluindo o recrutamento local, enquanto que os guerrilheiros não passariam dos 7000 (mais uns 2000 milícias).
Deve realçar-se, ainda, que os órgãos principais de comando e da logística, de inicio, se situavam em Lourenço Marques, a 2000Km do terreno onde se desenvolvia a guerrilha e que o Niassa distava 800 km da costa, o que tinha efeitos diversos no desenrolar das operações. O mesmo se podendo dizer do facto da esmagadora maioria da população branca se encontrava estabelecida entre a capital e a Beira, ou seja nunca sentiu a guerra. Além do que estavam muito influenciados pelos regimes da RAS e da Rodésia. Esta situação era muito diferente da que se passava em Angola.
Tal como sucedeu com angolanos e guineenses, também alguns moçambicanos emigrados em territórios vizinhos, não resistiram à tentação de criar movimentos independentistas, logo que a ocasião lhes pareceu favorável.
O primeiro a surgir foi a Associação Nacional Africana do Moatize, em 1959, no distrito de Tete, outros se lhe seguiram, que seria ocioso enumerar.
Da evolução de todos surgiu a Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) em 1962, cuja presidência foi ocupada por Eduardo Mondlane, funcionário da ONU, formado numa universidade americana e casado com uma cidadã branca (de origem sueca), daquele país. Este movimento passou a receber apoio quer do bloco comunista, quer de organizações americanas, quer ainda de países nórdicos, com a Suécia à cabeça. Mais tarde veio a receber auxílio da China, via Tanzânia. À semelhança de todos os outros movimentos independentistas que lutaram contra a presença política de Portugal em África, também a Frelimo sofreu de graves convulsões internas, que vieram a resultar entre muitos outros, no assassinato de Mondlane, em 3 de Fevereiro de 1969.
A sede da Frelimo situava-se em Dar-es-Salam, capital da Tanzânia e dispunha de delegações em vários países como a Argélia, o Egipto e a Zâmbia.
O outro partido que conseguiu desenvolver alguma actividade de guerrilha em Moçambique, foi a Coremo (Comité Revolucionário de Moçambique), entre 1965 e 1967, no noroeste do distrito de Tete.
A partir de 1961, Moçambique passou a tomar medidas preventivas antecipando o início da subversão. Deste modo foi reforçado o dispositivo militar, a instrução das tropas, desenvolveu-se o serviço de informações e a acção psicológica e começou a organizar-se aldeamentos em auto-defesa.
A subversão violenta ficou marcada pelo ataque da Frelimo ao posto do Chai (norte do distrito de Cabo Delgado), a 25 de Setembro de 1974.
Foi, aliás neste distrito e no do Niassa que a subversão se espalhou inicialmente, tirando partido do terreno acidentado e da fraca densidade populacional, afectando sobretudo a etnia Maconde. Só com o anúncio da construção da Barragem de Cabora Bassa, em 1968, o esforço da guerrilha passou a incidir sobre o distrito de Tete, sobretudo a partir de 1970.
Porque a guerra se travava no Norte, o Comando Militar foi transferido para Nampula de onde todas as operações passaram a ser controladas.
Como na Guiné também em Moçambique se podem considerar dois grandes períodos: aquele em que foi comandante-chefe o General Augusto dos Santos (entre 1962 e 1969), e o período do General Kaúlza de Arriaga (entre 21 de Junho de 1969 e 9 de Junho de 1973).
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O primeiro destes chefes militares tentou interditar os eixos de infiltração da guerrilha em Cabo Delgado e no Niassa; tentou manter o nível das operações no mais baixo nível de violência possível. Valorizou a acção sócio - económica junto das populações e a sua agregação em aldeamentos, com a cooperação das autoridades civis.
A acção do General Kaúlza de Arriaga, homem de forte personalidade, sem ter posto em causa a acção psicológica junto das populações impôs um maior pendor militar de que resultaram as grandes operações “Nó Górdio” e “Fronteira”, esta última numa tentativa de interditar a fronteira norte.
Estas operações são ainda hoje objecto de controvérsia, sobretudo a primeira, (que envolveu cerca de 8.000 homens), já que se trataram mais de operações em termos de guerra clássica do que na de guerrilha. Conseguiu poucos resultados em termos de baixas no inimigo e em armamento capturado mas, por outro lado, conseguiu desarticular toda a estrutura logística e operacional da Frelimo, no Norte.
Em simultâneo a Frelimo deslocou o seu esforço para Tete por causa da Barragem de Cabora Bassa, ao passo que tentava ultrapassar o rio Zambeze para operar no “Corredor da Beira” a fim de tentar cortar Moçambique ao meio.
Esta manobra teve profundas consequências em ambas as partes. O comando português viu-se na contingência de proteger a barragem e, o que era igualmente fundamental, os itinerários pelos quais a mesma era abastecida de tudo o que fazia falta. Tudo isto estendeu o teatro de operações e as linhas de comunicação, muitíssimo, tanto para nós como para a Frelimo.
Como não tínhamos tropas suficientes para fazer face a estas emergências, apostou-se no recrutamento local, o que veio a dar excelentes resultados.
Porém a região tinha mais população e os diferentes alvos estavam no meio dela e os guerrilheiros também aproveitaram para se misturarem no seu meio, sempre que possível, o que fez aumentar o número de “baixas colaterais”. É neste âmbito que se deve enquadrar o muito badalado caso de Wiriamu.
A Frelimo nunca conseguiu, contudo, molestar os trabalhos da barragem, que prosseguiram sempre a bom ritmo, o que se tem de considerar uma das acções mais espantosas dos portugueses nos 600 anos em que se espalharam pelo mundo.
A ultrapassagem do Zambeze resultou em poucos incidentes que, não tendo significado militar, tiveram consequências psicológicas (logo sociais e políticas), graves. Sobretudo na população branca da Província.
Em 1974 ambas as partes sofriam a usura da guerra, mas a parte portuguesa estava menos afectada do que a Frelimo, restando acrescentar que a nossa cooperação com a RAS e a Rodésia estava a aumentar muito, tanto em Moçambique como em Angola.
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Quando as operações militares terminaram as forças portuguesas tinham sofrido um total de 8831 mortos, 8290 do Exército, 346 da FA e 195 da Armada. Feridos e mutilados registaram-se 27.919.
Dos mortos, 261 são naturais do Algarve. Não devem ser esquecidos.
Não existem números quanto a guerrilheiros abatidos, feridos ou capturados.
A União Indiana nunca até hoje revelou as suas baixas durante a invasão do Estado da Índia, acção que vitimou 25 portugueses.
Plagiando Teixeira de Pascoaes:” A aldeia do passado já não existe; mas vive em mim. Tenho-a intacta, cá dentro, onde se fixam todas as formas transitórias, reproduzidas numa substância espiritual.”
Talvez como a mesmo Pascoaes disse: ”o que caracterizava o povo português e o identificava como único, era a saudade.”
Saudade... de Benguela!
Rio de Janeiro, 20/02/2012
Francisco Gomes de Amorim
ANGOLA
PRIMEIROS RECONHECIMENTOS
Os antigos diziam que o reino de Angola confinava pelo sul com o País dos Cafres, e consideravam a região para o sul do Cuanza, até ao Golfo das Vacas, como pertencendo ainda a Angola, havendo alguns, como o nosso Duarte Lopes, que estendiam os seus limites ainda mais além, até ao Cabo Negro (1).
Não se compreende muito bem em que se baseavam para esta asserção, mas deviam talvez fundamentá-la, não no papel político do Ngola, querendo dizer que a sua autoridade de Rei se estendia por todo esse vasto território, mas porque da mesma família da Ginga, e dos outros jagas que viviam na região a que chamávamos Angola e considerávamos um reino, eram aqueles que se tinham estabelecido além Cuanza, como os Quembo, Songò, Holo, Quioco, Biênos e ainda os do Humbe (2), afora várias pequenas guerrilhas que se não tinham grupado e viviam independentes, pela costa na foz dos rios e pelo interior, formando, no conjunto, o país de Benguela, que uns queriam que tivesse o seu limite norte no rio Cuanza, outros no da Longa e o sul no Cabo Negro (3).
Guerreiro ngola
De uma carta de 1766
Pela tradição entre os indígenas, parece ponto assente que um jaga Quingurí desavindo-se com a família na Lunda, abalou com os seus partidários na direcção de Quimbundo, passando as nascentes do Cuanza e seguindo para o norte pela sua margem esquerda, foi acampar no Libolo, onde depois de algum tempo de permanência, resolveu passar o Cuanza e procurar o Governador Geral a quem se apresentou e ofereceu os seus serviços. Estes foram aceites, fixando-se-lhe a residência na Lucamba, sítio que ficou assim chamado por as sementes que deram ao Quinguri, e ele lançou à terra, nada terem produzido, por não prestarem.
Governava então Angola D. Manuel Pereira Forjaz e devia ser ele o governador D. Manuel que a tradição indígena diz que recebeu o Quinguri, não só porque foi a partir de então, que os jagas antigos inimigos nas guerras de Paulo Dias, passaram a ser os nossos auxiliares, como foi durante o seu governo, que o valente Baltasar Rebelo de Aragão se propôs fazer a viagem ao Monomotapa, ou talvez a travessia da África, para o que, certamente, muito deveria ter concorrido as informações do Quinguri, junto a outras que já então se tinha do interior, por muitos dos nossos o terem percorrido, quer seguindo o curso do Cuanza, quer desembarcando em algum ponto da costa e internando-se para negociarem.
Como já ficou referido, a costa de Angola para o sul do Cuanza, já antes da ocupação de Luanda era explorada pelos portugueses, pois, em 1546 já iam ao rio da Longa no reino de Benguela resgatar cobre, e Paulo Dias de Novais, em 1586-87, mandou Lopes Peixoto ocupar Benguela a Velha, certamente com o fim de aí desenvolver o resgate com os indígenas, tendo sido infeliz, como sabemos. Depois desta data e durante alguns anos, nos documentos que se tem encontrado, em nenhum há referências às relações que se deveriam ter estabelecido por todo o litoral para o sul, com os indígenas, e, contudo, não resta dúvida que existiam, porque, em 1600 ou 1601, o Governador João Furtado de Mendonça foi ao sul, à Baía das Vacas ou Baía da Torre, com sessenta homens, para negociar com os indígenas, o que não teria feito, se não tivesse informações do resultado de expedições anteriores; que o animaram a tentar um resgate em maior escala (4).
Da tripulação, como já se disse, fez parte um inglês Andrew Battell e por ele sabemos que foi de bom rendimento essa viagem, trocando-se contas de vidro por vacas e carneiros (5), “bigger than our English sheep” e por “madeira chamada Cacongo que se assemelhava ao pau Brasil”. A quantidade de gado era tal, que em dezassete dias tinham adquirido quinhentas cabeças e o Governador, em mais de dez dias, carregou três navios. As contas de vidro com que se fazia o negócio eram azues e de uma polegada de comprimento, e o gentio dava uma vaca por quinze contas.
Citando, apenas por curiosidade, a informação de Andrew Batell de que os indígenas “they are beastly in their livingly for they have men in womens apparel, whom they keep among their wives”, registamos a sua observação de que as serras que encontrou no seu percurso, constituíam uma cordilheira que vinha desde as montanhas de Cambambe, que tinham minério de cobre em grande quantidade, que os indígenas não trabalhavam senão na parte que precisavam para obter os seus adornos, que para as mulheres consistiam em colares no pescoço e pulseiras nos braços e pernas.
Battell tornou a participar de outras viagens de negócio pela costa e, de uma delas, o mestre da embarcação vendo um grande arraial indígena nas margens do rio Cuvo, desejoso de averiguar o que era, aproximou-se e soube que se tratava de um acampamento de jagas. Entrando em relações, desembarcou com o Battell e os portugueses que levava, fazendo largo negócio, enchendo o navio de escravos, que compraram a real, quando em Luanda se não obtinham por menos de doze mil réis (6).
Battell como se vê, não ia só, nem teve outros ingleses a acompanhá-lo, pois que os não cita, mas sim portugueses, alguns mulatos, segundo diz, e de concluir será também que não sendo negociante e apenas um degredado e estrangeiro, não teria o capital necessário para manter à sua custa uma armação e trabalhava por conta de qualquer português. A viagem não era, pois, de sua iniciativa, mas um facto corrente, de há muitos anos já entre portugueses.
Da descrição que faz, averigua-se que estiveram, ele e os portugueses, durante cinco meses com o jaga auxiliando-o nas suas guerras e fazendo negócio, e tendo o navio fundeado em Benguela Velha, fizeram três viagens a Luanda para levar a carga que tinham resgatado. Quando regressaram pela quarta vez, não encontraram o acampamento do jaga mas foram ter, ele sempre com os portugueses e nunca só, com o soba Mofarigosat, nome bastante estropiado e de impossível identificação, que os não quis deixar sair, mas os portugueses conseguiram demovê-lo deixando-o a ele, Battell, por ser inglês, como refém.
Fugindo da embala deste soba, foi para Dala Cachibo, onde encontrou de novo o jaga da viagem anterior, com quem andou bastantes meses, até que, depois de muitas marchas, foi parar ao nosso conhecido soba Langere, próximo de Cambambe.
Verifica-se de tudo o que fica referido que a costa pelo menos até Benguela, e o interior, quando mais não fosse, na parte do Amboim, Seles e o curso do rio Cuvo, eram percorridos pelos nossos comerciantes para o seu negócio, não sendo de admirar que chegassem ao Bailundo e Bié.
Como se sabe, também por tradição indígena, o território desde o Bié até além do Humbe, talvez ao Cuanhama, constituiu o importante sobado do Humbi-Inéné (7), que aliado dos Ngolas, tinha decidido prestar a estes auxílio contra nós (8), o que não conseguiu levar a efeito, por a isso se opor o seu vassalo, soba do Bié. O que levaria este a tomar essa atitude? Não seriam as relações que mantinha com os portugueses que frequentavam a sua embala, fazendo negócio, que o impediram de auxiliar o Ngola? Que outro motivo poderia haver a não ser este?
Nenhum. Foram, sem contestação possível, as relações com os portugueses que impediram não só o auxílio a prestar ao Ngola, como determinaram a rebelião do soba do Bié e a sua independência do Humbi-Inêné. E, possivelmente, foram eles que mais tarde encaminharam o Quinguri, na sua passagem pelo Bié, a apresentar-se em Cambambe, pedindo para ser recebido pelo Governador Geral a-fim-de lhe fixar local para residir.
Muito embora não tenhamos notícia de qualquer outro porto para o sul de Benguela, frequentado pelos nossos comerciantes, é contudo certo que o Cabo Negro nos aparece em mais de um documento, como um ponto conhecido, tudo indicando que as nossas tentativas ou buscas de novos resgates ou explorações, teriam talvez atingido as suas proximidades.
Havia então necessidade de conhecer muito detalhadamente toda a costa da África, quer ocidental, quer oriental, pelo que foi mandado executar um reconhecimento geral, encarregando o da costa ocidental a Belchior Rodrigues, pelo regimento de 4 de Janeiro de 1613, que para esse fim se lhe deu (9), e do qual se verifica que, embora se mandasse efectuar do Cabo de Boa Esperança, ou do mais perto dele que pudesse ser, para Angola, navegando de dia e surgindo de noite, a parte que verdadeiramente interessava era a da Cafraria, até o Cabo Negro. Recomendava-se que se examinasse com o maior cuidado todos os surgidoros, as braças dos seus fundos, a qualidade deles, as fontes e ribeiros em que se podia fazer aguada, desenhando-as com diligência e fazendo os cálculos das suas situações, para o que se mandava empregar as novas agulhas de Luís da Fonseca Coutinho e as tábuas de João Baptista Lavanha, que também foi na expedição (10), donde podemos concluir que do Cabo Negro para o norte já havia notícias mais detalhadas da costa, e, possivelmente, os seus portos tivessem sido desenhados, como se pedia para os do Cabo de Boa Esperança até ao Cabo Negro.
Vê-se do exposto que, quer a costa desde o sul da foz o Cuanza ao Cabo Negro, quer o interior, principalmente na parte da bacia do mesmo rio, eram já bastante percorridos pelos nossos comerciantes em fins do século XVI e começo do século XVII.
Os jagas que se espalharam pelo interior e com quem os nossos se relacionaram, arranjavam nas suas incursões escravos e gado que lhes vendiam. Estas boas relações nem sempre garantiam um bom e leal acolhimento, e podemos calcular as dificuldades que seria necessário remover para realizar naquela época uma viagem pelo interior e, mais do que as dificuldades removidas à força de tenacidade, o que essas viagens representavam de energia, de audácia, de confiança em si próprios, da parte dos que a elas se afoitavam.
António Pigafetta
“Jagas” – “Relação do Reino do Congo, de Pigafetta
E tudo isto era o sonho de uma riqueza! Iam para o cobre e para o gado de Benguela, mas todos eles tinham o sentido fixo na prata de Cambambe, naquela serra enorme toda de prata a reluzir, de que o Cafuxe e o Ngola não deixavam que nos aproximássemos!
O cobre de Benguela era um desvio, era para entreter. Não podendo ir a Cambambe, andávamos à roda, sempre atentos à espera de uma aberta.
Mas tínhamos que lá ir, e agora era já a Corte de Madrid interessada no negócio, pois fora governar Angola João Rodrigues Coutinho, levando os mais extraordinários poderes e recursos de tropas para efectuar a conquista de Cambambe.
Desta vez seria certo. Os padres jesuítas também iam, pois gostavam muito do Governador João Coutinho que era muito bom e cujas virtudes e artes nós já conhecemos. A sua fama espalhara-se por toda a parte e quando até do Congo vinha gente para se alistar nas tropas, fiada nos benefícios que lhes prometiam, o Governador Coutinho morreu, estando tudo preparado para a guerra. Os jesuítas que tinham tomado um interesse especial no assunto, fizeram recair a escolha do substituto em Manuel Cerveira Pereira, seu afeiçoado.
Manuel Cerveira Pereira – Fundador de Benguela
Fez-se a guerra e Cambambe conquistou-se, mas a prata, como já vimos, por mais escavações que se fizessem na serra, não apareceu. Manuel Cerveira Pereira, o realizador da proeza parecia sucumbido, mas não era para o seu espírito deixar-se possuir do desânimo; não havia prata, era certo, mas a culpa não era dele, pois nunca o afirmara. E, entretanto, tendo ouvido a um ou outro sertanejo, referirem-se à quantidade de manilhas de cobre que usavam as pretas de Benguela nos braços e nas pernas, passou a garantir, como se ele próprio lá tivesse ido ver e já o tivesse explorado, que havia muito cobre em um ponto determinado e que só ele conhecia.
Ao mesmo tempo, chegou a Luanda o Governador efectivo D. Manuel Pereira Forjaz, e um dos seus primeiros actos foi mandar Manuel Cerveira Pereira preso para Lisboa e a Corte que resolvesse sobre as acusações que lhe eram feitas.
(1) Dapper, “Description de l’Afrique” pág. 361.
(2) Henrique de Carvalho, “O jagado de Cassange e Expedição portuguesa ao Muatiânvua”; Capelo e Ivens, “De Angola á contra-costa” e “De Benguela ás terras de Iacca”.
(3) É muito possível que pelo facto da donataria de Paulo Dias se estender além Cuanza até Benguela Velha, se acostumassem a incluir toda a região no reino de Angola.
Cabo Negro: a norte da foz do Rio Cutato, cerca de 35 milhas – náuticas – a sul de Namibe.
(4) Tem-se feito muita confusão com a Baía da Torre e a Baía das Vacas. Lopes de Lima (Ensaios, livro 3.°, parte 2a, nota (i) a pág. 29), criticando a Relação da Conquista de Benguela, diz que a Baía da Torre está a treze léguas ao sul daquela onde foi fundada a cidade de Benguela e que o autor da Relação, sendo mais guerreiro que geógrafo, errou neste ponto. Assim, para Lopes de Lima, a Baía da Torre seria a de S. Francisco. Luciano Cordeiro (“Benguela e o seu sertão” nota a págs. 8 e 9) não vendo motivos para se pôr em dúvida a ciência do autor da Relação, cita a opinião de Pimentel, que arruma a Baía da Torre na mesma latitude, com pequena diferença de minutos, em que está Benguela e a da Castilho, que encontrando um erro de 22' para menos, nas latitudes observadas por Pimentel, supõe que a Baía da Torre é a actual dos Elefantes. Andrew Battell, cujas aventuras foram pela primeira vez publicadas por Samuel Purchas em 1613, e portanto antes de escrita a Relação, diz-nos que depois de terem estado numa baía que estava a 12°, foram para a Baia das Vacas, que é a que os portugueses chamam Baía da Torre, “becanse it that a rock like a tower” e aí, «we rode on the noríh side of the rock in a sandy bay» que deve ser a actual de Benguela, parecendo assim que a das Vacas ou da Torre era a do sul da «rock like a tower», talvez a de S. Francisco. Anexos, doc. n.° 24, referido.
Nota:- Com a denominação de “Vacas” só resta hoje (2012) a ponta que separa a Caota da Baía Azul. Mas tudo leva a crer que a mencionada Baía das Vacas seria a Baía Azul, muito mais abrigada que qualquer outra.
(5) É bom frizar que a primeira referência que se encontra a vacas e carneiros é nesta viagem a Benguela. Battell que percorreu o Congo e toda a Angola, só em Benguela refere a existência de carneiros, que achou melhores ou pelo menos tão bons como os ingleses. Dapper quando descreve o reino de Benguela regista a informação de que as vacas eram também tão boas ou melhores que as francesas. Não se conhecendo comparação alguma feita por português dos carneiros e das vacas de Benguela com as do seu país, talvez se possa concluir que o motivo era por não os poderem comparar, visto serem oriundos de Portugal, possivelmente levados ainda antes de Paulo Dias, quando os colonos de S. Tomé iniciaram as suas explorações pela costa para o sul do Zaire.
(6) Ravenstein, “Adventures” cit., § III.
(7) Capelo e Ivens, “De Angola à Contra-Costa”, tomo I, pág. 214.
(8) Seria talvez no tempo do Ngola Kiluanji Kia Ndambi, que Ravenstein nos diz que foi um grande guerreiro e levou as suas incursões pelo Cuanza muito próximo do mar, deixando assinalado com uma insandeira o ponto aonde chegou.
(9) Biblioteca da Ajuda, cod. 5t-VIII-2ï, fí. i55 a i58 e 160/1—“Regimento de q. ha de usar Belchior Roiz que V. Mag.e hora manda ao descobrimento da terra da Cafraria» e «Regimento q. parece se deve guardar no descobrira e descri cão da costa, do cabo Negro té o de boa esperança”.
(10) No cód. acima referido, a fls. 63 e 64 e 78 a 89, encontra-se o regimento e instruções para o uso das agulhas, que mostravam o verdadeiro merediano em qualquer paragem sem nenhuma diferença de nordestear e norestear como te agora fizerão todas as outras...
In “ANGOLA - APONTAMENTOS SOBRE A OCUPAÇÃO E INÍCIO DO ESTABELECIMENTO DOS PORTUGUESES NO CONGO, ANGOLA E BENGUELA” – Extraídos de documentos históricos. Coligidos por Alfredo de Albuquerque Felner. Coimbra. Imprensa da Universidade. 1933
A liberdade não é um privilégio de alguns, mas um direito de todos, um direito precioso que o poder civil deve garantir. Todavia, a liberdade não significa arbítrio individual, mas implica a responsabilidade de cada um. Aqui se encontra um dos principais elementos da laicidade do Estado, ou seja, assegurar a liberdade para que todos possam propor a sua visão da vida comum, mas sempre no respeito do outro e no contexto de leis que visem o bem comum.
“Não Senhor, tudo isto foi feito pelos portugueses; nós não fizemos nada, nós só estragámos”
Cor. Celestino de Carvalho CEMFA da República da Guiné-Bissau – 1996
A Guiné com 36.125 km2 (sensivelmente o tamanho do Alentejo), dos quais apenas 28.000 km2 estavam acima do nível do mar (os restantes eram submersos diariamente pelas marés). A Guiné tinha 680 km de fronteira terrestre com a República do Senegal e da Guiné-Conakri, onde o PAIGC tinha os seus “santuários”. Era à data do início da subversão, um território pobre, com um clima insalubre, com cerca de 550.000 habitantes divididos por 17 etnias, das quais metade islamizados e metade animistas. Existiam cerca de 3.000 brancos e 5.000 mestiços. A maioria da administração pública era ocupada por cabo-verdianos com escolaridade elevada. A economia do território era incipiente e baseava-se no sector primário.
Bissau encontrava-se a 3.400 km de Lisboa e a 4.000 km de Luanda.
Os movimentos subversivos na Guiné datam de 1952, ano em que foi criado o Movimento para a Independência da Guiné, por Amílcar Cabral.
Este movimento transformou-se, em 1956, no PAIGC dirigido por Rafael Barbosa e o mesmo Amílcar Cabral. Outros movimentos surgiram, mas não singraram à excepção da FLING, a Frente de Luta para a Libertação da Guiné, dirigida por Mário Jonas Fernandes. A partir de 1964 só estes dois movimentos subsistiam, mas a FLING veio a perder importância face ao crescimento do PAIGC, fortemente apoiado por Sekou Touré, Presidente da Guiné - Conakri, por Cuba e pela URSS.
A 3 de Agosto de 1959, houve incidentes no cais do Pigiguiti, em Bissau, causados por greves de que resultaram alguns mortos. Este caso é considerado como o antecedente próximo do início da guerrilha. O PAIGC não cometeu os mesmos erros que a UPA em Angola. Preparou melhor os seus quadros; treinou e armou os seus homens e doutrinou melhor algumas populações antes de iniciar a luta armada. Esta, porém, já não apanhou as autoridades portuguesas desprevenidas.
No fim do conflito as tropas portuguesas somavam cerca de 32.000 homens e o PAIGC rondava os 5000 combatentes (mais uns 1500 milícias).
A insurreição armada teve lugar a 23 de Janeiro de 1963, com o ataque ao quartel de Tite a que se seguiram acções militares na zona do Xime e na península de Cacine. Daqui o PAIGC derivou para Nordeste para a região do Boé.
Em fins de 1963 já se encontravam na Guiné cerca de 16.000 homens idos da Metrópole, que desenvolveram, ainda nesse ano, a grande operação Tridente na Ilha de Como.
Existem dois grandes períodos distintos da guerra na Guiné: aquele em que o governador e comandante-chefe era o Brigadeiro Arnaldo Schultz (entre 1964 e 1968) e outra, que percorre o período em que tais cargos foram ocupados pelo general António de Spínola (entre 1968 e 1973). No primeiro período as acções de contra subversão foram feitas sobretudo em termos de guerra clássica o que não levou a grandes resultados.
O general Spínola rodeou-se de um estado-maior maioritariamente escolhido por si e, depois de estudar a situação do território, elaborou um conceito de acção baseado em várias frentes: militar, mas agora em termos de acção de contra guerrilha; e sobretudo no âmbito político, psicológico e sócio-económico, tentando conquistar as populações para o lado português, subtraindo-as à guerrilha. Esta última acção teve grande sucesso.
(*)
Passou a constituir aldeamentos em auto-defesa, a distribuir armas às milícias e a constituir unidades militares em que, à excepção dos quadros, todos os combatentes eram guineenses.
Quando achou a situação madura, estabeleceu contactos com chefes da guerrilha para estes desertarem da luta, o que esteve quase a acontecer, vindo porém a terminar num massacre dos nossos negociadores.
O general Spínola abandonou algumas áreas do território o que é discutível em termos tácticos e quis alargar o âmbito das conversações agora com a ajuda do governo do Senegal. Esta intenção foi impedida pelo governo de Lisboa o que levou a um desaguisado grave com o Professor Marcello Caetano o que deve ser considerado a origem remota do 25 de Abril.
Por outro lado o PAIGC, depois do assassinato do seu líder Amílcar Cabral (efectuado pela ala mais extremista do movimento e não pela PIDE), veio a intentar um aumento da acção militar de modo a forçar uma derrota portuguesa.
Esta ofensiva deu-se a partir de Março de 1973, com a introdução dos mísseis anti-aéreos “SAM-7 Strella”, o que acabou com a supremacia aérea, mas não com a superioridade aérea portuguesa; a que se seguiu um ataque em simultâneo às guarnições de Guidage na fronteira norte, e Guilege, na fronteira sul. Esta ofensiva militar culminou com uma ofensiva política, com a declaração unilateral de independência, em 24 de Setembro desse ano.
Deve acrescentar-se que esta ofensiva militar foi muito dura mas, no final, foi ganha pelas tropas portuguesas.
O general Spínola não quis ficar mais tempo na Guiné e foi substituído pelo general Bettencourt Rodrigues, talvez o melhor general de todo o século XX português. O que era prova de que o governo de Lisboa não achava que a Guiné estava perdida e a queria defender.
Falei excitada na notícia que lera no DN sobre uns médicos e companhia que ganharam milhões à custa de receitas médicas de falcatrua, e logo a minha amiga atirou com ímpeto: “Cabeceiras de Basto”.
Julguei que se referia à carta que começa assim “Como eu vi correr pardaus /Por Cabeceiras de Basto”. que o nosso sisudo Sá de Miranda enviara a “António Pereira, Senhor de Basto, quando se partiu para a Corte co’a casa toda”, - o que é muito curioso pela referência toponímica, tal como a “Ruado Alecrim”, subida “a trote”, pelos negros cavalos que “a espuma veste” e incongruentemente “velozes como a peste” do nosso brincalhão Cesário Verde.
Mas a minha amiga nem se deteve a pensar na minha interrupção, de uma erudição debruçada sobre as nossas toponímias livrescas, porque retomou, após a localização no espaço minhoto:
-“Não faço ideia como se faz uma coisa desse tamanho – 50 milhões de euros de burla ao Estado! Então ninguém sabia, ninguém deu por isso? Os doentes nem sabiam que o seu nome andava lá… Acho incrível!
- Parece que também utilizaram receitas para falecidos… - disse eu, não muito segura de tal enormidade, mas admitindo que eles poderiam justificar sempre as receitas póstumas com o grau elevado de afeição por aqueles, em extremos de luta assanhada contra o infausto fim.
- A família desta gente – e é uma rede que vai de Cabeceiras de Basto a Pombal, com um décimo indivíduo como elemento de ligação entre médicos, laboratórios, armazenistas de medicamentos e não sei que mais… - que não deve saber disto, a vergonha por que têm de passar! – considerou a minha amiga, sempre preocupada com a reputação das famílias inocentes dos prevaricadores, o que atesta a sua boa formação moral, de crença nos bons costumes das famílias em geral, presa em parte ao ponto de vista do Rousseau com a sua teoria mais que batida do “Bom Selvagem” inocente, corrompido pela sociedade dos maus costumes.
Mas eu respondi que essa era mais uma das trafulhices em que somos useiros e vezeiros, e não são só aqueles que gostamos de atacar, porque mais bem sucedidos em termos quantitativos. O país dos brandos costumes não era mais do que um país de branda formação moral e espiritual, e um exemplo significativo dessa característica comportamental de embrutecimento ambicioso, podê-lo-íamos localizar no talentoso falsário Alves dos Reis, que larga escola criaria, de elementos de maior ou menor alcance, mas igualmente escapando às malhas da justiça.
Aliás, tudo isso começou com a ambição desenfreada, surgida com os Descobrimentos, que por cá espalhavam os “pardaus” de Goa, e a fuga para a cidade e para o Oriente, na mira da tal canela, como explica Sá de Miranda no breve excerto da sua Carta ao Senhor de Basto, no sentimento passadista de desilusão pela corrupção dos costumes e pelo êxodo dos campos:
«Como eu vi correr pardaus Por Cabeceiras de Basto, Crescerem cercas e o gasto, Vi, por caminhos tão maus, Tal trilha e tamanho rasto, Logo os meus olhos ergui À casa antiga e à torre, E disse comigo assi: Se Deus nos não vale aqui, Perigoso imigo corre. Não me temo de Castela, Donde inda guerra não soa, Mas temo-me de Lisboa Que, ao cheiro desta canela, O Reino nos despovoa. E que algum embique e caia (Afora vá mau agouro!) Falar por aquela praia Da grandeza de Cambaia, Narsinga das torres d’ouro. Ouves, Viriato, o estrago, Que vai dos teus costumes? Os leitos, mesas e os lumes, Tudo cheira: eu óleos trago; Vêm outros, trazem perfumes. E ao bom trajo dos pastores Com que saíste à peleja Dos Romãos tão vencedores, São mudados os louvores: Não há quem t’haja enveja. Entrou, há dias, peçonha Clara pelos nossos portos, Sem que remédio se ponha: Uns dormentes, outros mortos, Alguém polas ruas sonha. Fez no começo a pobreza Vencer os ventos e o mar, Vencer quase a natureza: Medo hei de novo à riqueza Que nos venha a cativar…..»
Pude assim provar à minha amiga que a nossa pecha de tentação pelos pardaus e afins é antiga, merecendo os reparos de um ilustre doutor em leis e poeta de talento, que iniciaria o Renascimento em Portugal, com as“riquezas literárias” que importou de Itália, de modo nenhum nisso se irmanando com o pastor Viriato da sua preferência moral, pela valentia e modéstia de primeiro lusíada que esse fora.
Mas a minha amiga também não se dá com os jeitos dos Viriatos de surrão e cajado, além de que aprecia devidamente o caril e a canela preenchedores dos gozos gustativos de qualquer ser civilizado, o qual já nem se lembra de quem foram os primeiros importadores dessas especiarias e outras que ocupam posições privilegiadas nos supermercados do nosso progresso.
E retomámos o tema do desfalque ao Estado por conta da burla de uns vigaristas que se utilizavam de receitas desnecessárias para obter as altas comparticipações dos Serviços Estatais de Protecção Social.
E a minha amiga concluiu que talvez esses fossem responsáveis pela falta, nos laboratórios portugueses, de um determinado medicamento para as supra-renais do seu marido, medicamento que até já se viu obrigada a mandar vir de Espanha.
Mas eu respondi que esse medicamento nem era dos mais rentáveis para a trupe, também não devíamos acusar tão indiscriminadamente assim. Sem provas confortáveis.
“O inimigo atira pela porta da capela paroquial. Salvem-nos. Morremos portugueses.”
Apelo pela rádio dos heróicos defensores de Mucaba antes de serem salvos pela acção da Força Aérea, 30 de Abril de 1961
Angola possuía uma dimensão enorme com 1.264.314 Km2 (14,5 vezes a Metrópole), com 4837 km de fronteira terrestre e 1650 de orla marítima. Luanda estava a 7300 km de Lisboa e para se atingir Lourenço Marques era preciso percorrer mais 3000 km.
A maioria da fronteira terrestre era permeável à guerrilha que se movimentava livremente no Congo, no Zaire e na Zâmbia. Só as fronteiras da Rodésia e da República da África do Sul eram seguras para nós.
Angola era escassamente povoada, apenas com 4.800.000 habitantes (cerca de 4/Km2), dos quais 95,5% eram negros, 3,5% brancos e 1,1% de mestiços. Existiam 94 etnias diferentes, distribuídas por nove grupos étnico - linguísticos.
No fim do conflito o número de combatentes portugueses contabilizava cerca de 70.000 homens e o inimigo cerca de 11.000.
Eram dois os principais partidos clandestinos que actuavam em Angola; a União dos povos de Angola (UPA), mais tarde denominada Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) - que chegou a formar o GRAE, governo provisório da República de Angola no exílio; e o Movimento Popular de Libertação de Angola.
Outros movimentos menores vieram a desaparecer ou a integrar o MPLA ou a FNLA.
Finalmente surgiu, em 1966 e apenas no Leste de Angola, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), que era dissidente da FNLA.
A FNLA foi fundada, em 1958, em Acra (Ghana), era chefiada por Holden Roberto, não era marxista e era apoiada pelo Zaire; o MPLA, fundado em 1960, era chefiado, desde 1962, por Agostinho Neto, de linha marxista soviética e apoiado pelo Congo Brazaville e, mais tarde (1965), pela Zâmbia; a UNITA, chefiada por Jonas Savimbi, foi criada no interior de Angola (Moxico), em 1966, apoiava-se no Congo Kinshasa e era de ideologia algo indefinida.
Todos os três movimentos lutaram entre si, pela via das armas e diplomaticamente, para conseguirem o reconhecimento internacional, nomeadamente no seio da OUA. Esta rivalidade foi sempre muito favorável a Portugal.
O ataque a Angola teve início com o genocídio efectuado pela UPA a partir de 15 de Março de 1961, e tinha sido antecedido pelos graves incidentes da Baixa do Cassange, em 11 de Janeiro de 1960, que foram duramente reprimidos pelas autoridades portuguesas; e pelo ataque à cadeia de S. Paulo, à Esquadra da PSP e à Casa de Reclusão em Luanda, em 4 de Fevereiro de 1961.
Tal ataque tinha a intenção de causar o pânico e a originar a fuga da população branca, mas teve uma resposta da nossa gente à altura das suas melhores tradições, com a população a aguentar firme, ajudada com os magros reforços militares logo enviados. Tal resposta teve a sua definição política e épica, na célebre frase de Oliveira Salazar: “Para Angola rapidamente e em força”, que só foi possível proferir - é bom que se recorde - após ter sido frustrada a tentativa de golpe de estado palaciano encabeçado pelo ministro da defesa Botelho Moniz.
Deste modo, em menos de seis meses foi reocupado toda a área do norte de Angola afectada pela subversão e que representava cerca de duas vezes o tamanho de Portugal continental. Tal acção, é justo recordar, deve-se à acção do notável militar que foi o General Silva Freire, morto em trágico acidente aéreo, após cinco meses de ter tomado posse como Comandante-Chefe.
A seguir a esta recuperação a luta contra a FNLA apertou-se, confinando-a a pequenas bolsas na área dos Dembos, nunca permitindo o alastramento da subversão para sul, situação que estava estabilizada em 1965.
Num supremo esforço a FNLA tentou, nesse ano, uma ofensiva em três locais diferentes, com efectivos de 3 batalhões, mas foi desbaratada.
O MPLA tentou a sua sorte em Cabinda, a partir de 1962, mas nunca se fixou no interior do território por nunca ter tido a adesão da população. Porém, a partir de 1965 tanto o MPLA como a FNLA deixaram de actuar na fronteira de Cabinda.
O MPLA mudou-se, então, para a fronteira leste, montando as suas bases do outro lado da fronteira ameaçando directamente os distritos da Lunda, Moxico e Cuando Cubango. Em Maio de 1966 iniciou a guerrilha e causou séria ameaça no Moxico até 1970. A estratégia do MPLA consistia em fazer convergir as suas forças do Norte e do Leste, no Bié, posição central no território.
A UNITA tinha-se antecipado ao MPLA na subversão das populações do leste de Angola e tentou um ataque frontal a Teixeira de Sousa no Natal de 1966, onde sofreu uma forte derrota. A UNITA instalou-se então a Sudeste do Luso e não contava com mais de 500 guerrilheiros vivendo, sobretudo, do saque. Savimbi viria a fazer um acordo de paz tácito, com as autoridades portugueses que só foi quebrado após o general Bettencourt Rodrigues ter abandonado o comando da frente leste.
A partir de 1967, as autoridades portuguesas mudaram a sua estratégia de contra subversão.
Deu-se prioridade à conquista das populações e ao desenvolvimento sócio-económico; centralizou-se e definiu-se melhor as competências dos diferentes órgãos, a fim de se conseguir uma melhor coordenação das actividades civis e militares (o que foi alargado aos outros teatros de operações).
Em 1970, com a nomeação do general Costa Gomes para Comandante-chefe, este transferiu a prioridade das acções militares do Norte para o Leste, colocando nesta zona 13 batalhões e criou a Zona Militar Leste com uma área de 600.000 km2 e adaptou todo o dispositivo. Esta zona passou a ser comandada desde 31 de Março de 1971 pela grande figura do general Bettencourt Rodrigues. A sua acção, em menos de três anos derrotou completamente o MPLA e neutralizou a UNITA e estabeleceu a paz e cooperação com todas as populações gentílicas - a chamada “batalha das almas”.
Há quem diga aí pela Internet que nós, os que cá estamos em Portugal, não prestamos e que os que emigraram, esses, sim, são os bons.
Mas eu acho que nós, os de cá, podemos ser classificados em seis categorias:
Os mandantes;
Os herdados;
Os que andaram por fora e voltaram;
Os estrangeiros que tomaram Portugal como país de acolhimento e adopção;
A maioria, a dos que não se incluem nas categorias anteriores mas são gente de bem;
Os gatunos e outros «artistas» que tais...
Portanto, antes de chegarmos aos últimos, os que não prestam – tanto indígenas como forasteiros – temos todos os outros que constituem a maioria absoluta dos residentes e, dentre eles, muitíssimos de grande valimento e seriedade absoluta.
Dos «artistas», com ou sem gravata, que se encarregue a Polícia pois é também para isso que pagamos impostos.
Portugal é o centro da Lusitânia Armilar e, portanto, pode e deve ser a casa natural de todos os lusíadas. E esses somos nós, os que gostamos de Portugal.
v A pergunta que deixei no ar na última Heresia tem que se lhe diga. A resposta, essa, passa por uma característica muito esquecida do modelo de mercado: a sua base contratual.
v Se repararmos bem, hoje em dia, é com contratos:
(i) que se dá forma à participação no processo produtivo;
(ii) que se distribui o rendimento;
(iii) que se aplica o excedente em investimentos vários;
(iv) que se cria, faz circular e extingue o dinheiro (a liquidez);
(v) que se anima a esfera real da economia.
E é nos mercados que se manifesta a livre vontade de contratar.
v Contratos sinalagmáticos, do tipo: “toma lá (dinheiro), dá cá (bens, serviços, trabalho, instrumentos financeiros, que são direitos)”. E residem aqui duas das insuperáveis limitações do modelo de mercado:
- Sendo a liquidez (o dinheiro) um dos seus elementos estruturais (os outros são os contratos e as regras), este modelo não tem como determinar qual o volume de dinheiro mais adequado para cada momento (em “economês”: o volume de dinheiro é uma “variável exógena ao modelo”);
- E, não obstante, o dinheiro é criado quase à discrição por Bancos Centrais e Bancos Comerciais (e, do ponto de vista individual, “quanto mais dinheiro, melhor, sempre”) - pelo que a dinâmica dos mercados não conduz necessariamente a uma distribuição do rendimento em que todos estejam conformes com o quinhão que lhes couber (em “economês”: o “óptimo paretiano” é, apenas, uma ficção ideológica).
v Por consequência, uma sociedade organizada segundo o modelo de mercado é intrinsecamente instável. E as variações no volume e na distribuição da liquidez estão na origem de muita dessa instabilidade (outras causas há, naturalmente, que, em “economês”, se designam, a propósito, por “choques exógenos”).
v Sem dinheiro no bolso, ainda que emprestado, não há como obter um quinhão, por mais modesto que seja, do produto social. Sem nada na mão que interesse a alguém com dinheiro (capacidade para trabalhar, se nada mais houver), não há como obter dinheiro. [É precisamente aqui que reside a importância dos Bancos Comerciais no modelo de mercado: são eles que criam, fazem circular e extinguem mais de 90% da liquidez que torna os contratos possíveis. O soit disant “crédito bancário” nada mais é que a liquidez que os Bancos criam por meio de um simples lançamento contabilístico (moeda escritural) para comprarem dívidas de terceiros.]
v Em ambos os cenários, está-se arredado dos mercados (em “economês”: não se é agente económico) – porque não existe forma contratual para trazer de volta aos mercados quem não tem, nem como, nem com quê, nem com quem contratar. [Outras formas de organização social há, mas essas condenam ao ostracismo os que não caiam nas boas graças do “ditador iluminado” de serviço; aí, são os favores do poder que servem de crivo.]
v Visto no estado puro, o modelo de mercado é um clube:
(i) cujo direito de admissão está reservado, ou a quem tenha dinheiro, ou a quem possa obtê-lo por obra e graça de um qualquer contrato sinalagmático; e
(ii) cujos estatutos não contemplam a readmissão de ex-sócios sem dinheiro nem maneira de o obter.
v E é aqui que surge a terceira limitação insuperável do modelo de mercado: quem não tenha dinheiro nem maneira de o obter por via contratual, não mais voltará a participar no processo produtivo e, por aí, na distribuição do rendimento. Se for empresa, estará insolvente, e terá de ser liquidada; se for indivíduo, não encontrará no modelo de mercado (e na divisão do trabalho) como assegurar a sua subsistência.
v Acontece que os mais de nós só têm, à partida, para oferecer trabalho – e é a trabalhar por conta de outrem (um contrato) que conseguem participar no processo produtivo e na distribuição do rendimento. Sem contrato de trabalho (isto é, no desemprego) serão sócios banidos do clube – se é que alguma vez chegaram a ser admitidos.
v Numa economia fechada, um “choque exógeno”, uma diminuição no volume de dinheiro que circula, e são oportunidades de participar no processo produtivo que desaparecem com a consequente quebra no produto social e no rendimento. Para inverter o ciclo, só um novo “choque exógeno”, agora de sinal contrário, ou a expansão deliberada do volume de dinheiro em circulação (em “economês”: uma política de “quantitative easing” bem ao gosto keynesiano). Por isso se diz que o modelo de mercado, deixado a ele próprio, sem “choques exógenos” nem medidas políticas, é estruturalmente contraccionista (além de instável, como descrevi mais acima).
v Em economia aberta as coisas só não são exactamente assim porque o exterior é, por definição, uma fonte inesgotável de “choques exógenos” que, com sorte, se compensarão - ou, talvez, se neutralizem.
v Já não seria mau se a fragilidade do modelo de mercado se resumisse às referidas três limitações. Mas não. Os agentes económicos são seres condicionados por estados de alma – emoções que lhes impõem, ora um, ora outro de três critérios de decisão possíveis:
- Maximizar (isto é, quanto mais, melhor) o produto (bens, serviços, recursos gerados), para um dado volume de recursos absorvidos (idem) que seja financiável (em “economês”: que satisfaça a restrição de liquidez);
- Optimizar (isto é, ir tão longe quanto o balanço entre recursos gerados e recursos absorvidos permitir) o excedente (a nível “micro” falar-se-á de lucro);
- Minimizar (isto é, o menos possível) os recursos absorvidos, para um dado nível de produto considerado sustentável aconteça o que acontecer no futuro (uma espécie de última trincheira).
[Em circunstâncias muito particulares, estes três critérios de decisão convergem para uma mesma solução de recursos gerados e absorvidos. Mas, em geral, não é assim.]
v Maximiza-se quando há a ideia (mais do que a prova provada, o sentimento) de que a procura (interna e/ou externa por bens, serviços e instrumentos financeiros) se encontra em plena expansão, sem limite à vista. Neste cenário, o dinheiro é fácil e as oportunidades não faltam para participar no processo produtivo. Quando muito, verificar-se-á o desemprego temporário dos que saltitam entre contratos de trabalho (em “economês”: desemprego friccional) ou entre iniciativas empresariais. Mas, no fundo, o modelo de mercado deixa todos satisfeitos, sejam quais forem as tecnologias utilizadas.
v Optimiza-se não tanto porque os sentimentos em torno da procura começam a revelar-se optimistas, mas porque se torna evidente que os custos crescem mais rapidamente do que os proveitos. Agora, é a gestão da liquidez que comanda - e as tecnologias “poupadoras” (nas matérias-primas, na energia e no trabalho contratado) passam a estar na moda.
v Minimiza-se quando é geral a convicção de que a procura e os proveitos, afinal, têm limite – e que esse limite foi já atingido, se não mesmo ultrapassado. Reduzir o peso das matérias-primas, da energia e do trabalho contratado no produto passa a ser condição incontornável da continuidade das empresas (em “economês”: preservar intacta a restrição de liquidez que define o agente económico).
v Tanto “optimizar” como “minimizar” são sinónimos de desemprego - mas “minimizar” é um estado emocional que traz com ele o desemprego estrutural (os que são escorraçados do tal clube).
v Esta conjugação, inevitável, das três limitações com os estados emocionais tem um significado preciso: contrariamente ao que os teóricos ideólogos proclamam desde finais do séc. XIX, não está ao alcance do modelo de mercado assegurar que, em todas as circunstâncias, quem queira participar no processo produtivo tenha oportunidade para o fazer (em “economês”: o pleno emprego).
v As emoções, com ou sem boa razão, contam. E mais contarão se tiverem à disposição tecnologias “poupadoras”. É certo que as emoções podem ser, de algum modo, influenciadas (em “economês”: gestão das expectativas). Porém, a adopção de tecnologias que permitam fazer mais com menos é imparável, seja qual for o estado emocional - dado que elas conferem vantagens competitivas que os mercados não deixam de premiar.