Disse o nosso Primeiro Ministro, na Finlândia, que não haverá crescimento económico enquanto não resolvermos o problema da dívida. Na minha ingenuidade de ignorante dos problemas da alta finança, eu estava convencido que o problema era exactamente ao contrário. Na realidade não consigo descobrir como é que pensam pagar a dívida sem haver crescimento económico.
Portugal precisa desesperadamente de aumentar o que eu costumo designar por riqueza de base. A riqueza de base é produzida pela agricultura, pelas pescas e pela indústria. Dela dependem os outros sectores, nomeadamente o comércio e os serviços.
Não tenho competência para dizer o que se deve fazer nas pescas ou na indústria. Mas na agricultura, o sector em que tenho algumas responsabilidades, há muitos anos que me bato - até agora sem êxito - para que se ponha em prática a única forma que conheço capaz de fazer progredir uma agricultura, especialmente como a portuguesa, que está globalmente atrasada. Há alguns casos de excelência e boa actividade económica, tanto para consumo interno como para exportação. Infelizmente, são poucos. Mas esses poucos são a prova do que se pode fazer.
A especificidade da agricultura, em qualquer lugar da terra, porque depende do conjunto solo e clima, impede a importação de tecnologia estrangeira (o que é possível na indústria), pelo menos sem prévio estudo de adaptação.
A inovação - algo que sempre foi importante mas que os nossos políticos só começaram a referir quando no estrangeiro se falou em "innovation" - só é possível na agricultura através da investigação agronómica, pois as novidades não caem do céu. O objectivo último da investigação agronómica é descobrir formas de fazer melhor agricultura, no seu sentido mais lato.
Realizada a investigação, é necessário um serviço que leve até aos agricultores os resultados que já sejam aplicáveis. Tal como na investigação médica, em que muito trabalho são passos intermédios que não têm aplicação clínica, só uma parte da investigação agronómica é que chega à utilização pelos agricultores. Esse serviço tem hoje, no mundo, o nome de extensão agrícola ou extensão rural, do nome com que, em 1914, foi criado nos Estados Unidos. (Eu gostaria mais de lhe chamar serviço de fomento agrícola).
Por essa razão, há muitos anos que declaro que, para desenvolver a agricultura portuguesa, o Ministério da Agricultura deve iniciar um "Plano Intensivo de Investigação Agronómica e de Extensão Agrícola". Dada a forma como se apresentou a actual ministra, surpreendentemente bem informada (em contraste com os seus antecessores) e mostrando a intenção de, realmente, desenvolver a agricultura, acreditei que fosse capaz de iniciar imediatamente o Plano atrás referido.
Infelizmente, que seja do meu conhecimento, tal não sucedeu e se o Plano tivesse sido iniciado no começo do Verão de 2011, mesmo apenas com a "prata da casa", talvez tivesse sido possível, nas sementeiras de Outono, ampliar alguma coisa diversas culturas anuais, principalmente hortícolas e forragens, de forma a começar a reduzir a vergonhosa importação de tantos produtos agrícolas estrangeiros. E isso seria uma contribuição para o crescimento da nossa economia de base. Aliás, como mostrei na série de artigos sobre "A nova equipa na Agricultura", o dinheiro investido em investigação agronómica e na extensão agrícola, em pouco tempo começa a dar ao orçamento, nos impostos sobre o crescimento da economia, muito mais do que o que ali foi colocado.
Miguel Mota
Publicado no Linhas de Elvas de 15 de Março de 2012
"Osnabrück Não Desiste" surgiu, como protesto contra o encerramento do respectivo vice-consulado a efectuar-se a 13 de Janeiro. Ultimamente veio para a arena política com uma campanha que apela ao bloqueio de envio de remessas para Portugal. "Nantes não desiste" seguiu nas suas pegadas. Esta é uma reacção contra os cortes do governo efectuados nos postos consulares e no ensino.
Recomendar que se envie ou deixe de enviar dinheiro para Portugal é problemático, porque em toda a parte o dinheiro pode ser investido de forma produtiva ou de forma estéril e com esta iniciativa não se ajudam os portugueses nem Portugal.
Iniciar assim uma forma de campanha contra o Governo também não convence por instrumentalizar partidariamente um tema a favor da oposição, quando governo e oposição, no fundo, nunca tomaram a sério os emigrantes. Em nome de interesses parciais vai-se contra o todo. O factor/tema económico migrante tornar-se-ia relevante se integrado numa política estruturada de fomento regional.
A emigração sempre foi uma chaga aberta na nação. Foi sempre uma fonte lucrativa para o Estado para assim poder equilibrar o seu orçamento e, ao mesmo tempo, um meio de fomento gratuito/espontâneo das regiões do interior e uma maneira de não deixar cair muitas famílias na miséria.
"Osnabrück Não Desiste" fundamenta a sua iniciativa afirmando: "Quando o nosso país, a nossa pátria, nos vira as costas, vemo-nos forçados a fazer o mesmo, não enviando dinheiro para Portugal, não investindo em Portugal". Este apelo é demagógico e partidário. O nosso país, a nossa pátria não se pode identificar com o programa dum governo nem com os interesses duma oposição em combatê-lo. Governo e oposição são Portugal, numa perspectiva de terra livre de coutadas. (O PS deveria distanciar-se desta campanha organizada em cima dos joelhos por membros seus).
Sim, o meu partido é Portugal e o seu povo também. Portugal e os cidadãos têm andado demasiadamente preocupados com problemas de estômago e de vaidade para poderem estar atentos à sua missão histórica. Perderam-na de vista com o enterro de Camões.
Não seria legítimo reduzir os emigrantes a portugueses de desobriga nem utilizá-los para fins escuros.
O economista Pascoal de Lima, referindo-se à iniciativa de os portugueses emigrantes boicotarem o envio de remessas para Portugal diz: "É claro que pode ter um efeito teórico, e sobretudo a três níveis: aumentaria a pobreza, diminuiria o bem-estar das famílias e teria impacto na redistribuição das riquezas no país; representaria uma diminuição do crescimento, do emprego e da produtividade do trabalho e do capital; e pioraria a situação do défice da balança comercial portuguesa".
De facto, os emigrantes/lusodescendentes, em 2010 enviaram para Portugal 2.400 milhões de Euros. Os emigrantes portugueses da Alemanha, de momento 114.552, enviaram 120 milhões de Euros; o valor das remessas da França, com um milhão de portugueses, foi cerca de 180 milhões de euros.
Um sistema que produz emigrantes nunca é favorável ao emigrante. A má consciência nacional quer esquecê-los e o consequente sentimento de culpa quer desprezá-los. Aqueles que saem são estigmatizados por uma inércia comodista que não tem nem faz por ter. A emigração, num país, já com valores mínimos de natalidade na Europa, fomenta a entropia, a inveja e o ressentimento. A emigração também tem contribuído, em Portugal, para o fomento dum espírito civil rotineiro, acomodado e oportunista. Ela condiz à letargia da nação que, em vez de se habituar a encarar os problemas de frente, foge deles, vivendo do subterfúgio. De facto, ao sair do país o potencial contestador dinâmico que criaria um clima de protesto contra as instituições estatais, evita-se a insurreição e propaga-se a acalmia. A força renovadora e crítica que poderia surgir da insatisfação dissolve-se no tubo de escape da nação que é a emigração.
A ostentação do dinheiro dos migrantes e a experiência acrescentada que trazem, da maior intervenção cívica dos países onde trabalham e da maior correcção cívica de instituições sociais e jurídicas, leva-os, quando estão de férias, a criticar um status quo que se sente provocado e se quer aceite. Isto acirra a inveja nos que ficam e conduz a uma agressão latente que se traduz num ignorá-los nos meios de comunicação social, interessados, quando muito, em histórias de coitadinhos.
A administração pública portuguesa, embora uma das mais modernas no mundo, a nível de dados e de serviços computadorizados, continua com um funcionalismo frequentemente antiquado, a nível de mentalidade. O senhor licenciado que tem cargo é o senhor doutor e o outro que se encontra do outro lado do balcão é frequentemente reduzido a cliente ignorante que se procura despachar mas não servir.
Muitas repartições públicas ainda funcionam como um sistema a fundos perdidos. O “sistema dos amigos, e da companhia limitada dos camaradas” emperra o sistema.
É a lei do progresso na continuidade: a máquina do poder instituído em Portugal, antigamente, favorecia a burguesia; a partir da República favorece os parasitas e os oportunos. Antigamente, viam-se obrigados a sair, os pobres e os voluntariosos, hoje, o que é mais grave, são obrigados a sair também os académicos.
A situação de Portugal é tão séria que não será possível levantar-se sozinho dum pântano financeiro em que os crocodilos se encontram por todo o lado à cuca. Interessante seria se todas as comunidades portuguesas na Alemanha e na França levantassem a sua voz perante a opinião pública dos respectivos países solicitando que invistam em Portugal. Só o investimento estrangeiro poderá tornar-se numa medida racional que evite a bancarrota dos estados da periferia. Todas as outras medidas podem revelar-se num atentado à democracia.
Pessoa: republicano, “criador de anarquias” e “civilizações”
Uma pequena descoberta como a que a Empresa Íbis (que todos acreditávamos não ter chegado a funcionar) imprimiu durante três meses um semanário algarvio, O Povo Algarvio, “republicano e anticlerical”, como se subintitulou, é rica de implicações. Pode levar-nos longe: a perceber melhor a importância na sua vida – que há muito venho a sublinhar – da família de Tavira, judeus e maçons de ascendência fidalga. Numa nota autobiográfica, Pessoa disse-se descendente “de fidalgos e judeus”. Eram esses. A “cruzada” de toda a sua vida contra o que chamava “a Igreja de Roma” – ele que sempre foi e se assumiu como “um espírito religioso” – é esclarecida por esse período de iniciação na vida adulta.
Herdeiro de um cabedal importante por morte da avó paterna, o jovem Pessoa, ao dobrar o cabo da maioridade de então (21 anos), decide montar urna empresa que baptizou Íbis e que visava muito mais do que ser um negócio: “o criador de anarquias” que, mais tarde, disse ter que ser todo o intelectual digno desse nome, pretendia simultaneamente ser um “criador de civilização” – como o atestam escritos vários desses primeiros tempos, depois do regresso a Portugal e à língua portuguesa.
A sua boa maneira, o jovem Pessoa aplicou-se simultaneamente a confeccionar muitas e longas listas de projectos literários a realizar pela tal “Empresa Íbis”, com esse alcance de arrancar à sua incultura o povo português, e a redigir, à mão, um jornal que primeiro se chamou Fósforo e depois Iconoclasta, para atear fogo à monarquia agonizante. Quem ignore este furor iconoclasta de Pessoa, torcerá o nariz a textos desta fase, escritos assumidamente como um “insulto que fere e escalda” — contra “padres e reis”.
Muitos continuam a incorrer no erro dos seus primeiros biógrafos que o disseram monárquico – e até entenderam ao contrário a sua afirmação, nuns apontamentos autobiográficos que confiou ao amigo Armando Côrtes-Rodrigues, segundo os quais a ditadura de João Franco teria desencadeado nele o desejo intenso de escreverem português. Até aí o jovem “português à inglesa”, como se disse num poema, dedicara-se sobretudo a exprimir em inglês as suas profundas cogitações e os seus poemas. Mas para escrever os tais textos para os referidos jornais projectados, de forma a incendiarem a monarquia decrépita e o clero devasso e tirano, teria que usar o português. Quem ignore tais propósitos ficará chocado com a linguagem ostensivamente grosseira de poemas nessa altura atribuídos a um tal Joaquim Moura Costa, que pôs a vociferar impropérios e palavrões que Pessoa, na sua própria pessoa, jamais pronunciou. As caricaturas que então fez, só com versos, de “padres e reis”, ganharão, em grosseria, às de Bordalo Pinheiro e seus seguidores, denunciando os mesmos podres.
A Empresa Íbis surgiu-lhe como o instrumento ao dispor para editar não só os seus escritos de combate republicano como de edificação cultural desse povo português que descobriu amar com todas as veras do seu coração (di-lo num texto que publiquei em Pessoa por Conhecer, que mais parece uma declaração de amor adolescente). Também confessa, num escrito desses primeiros tempos, que tem o projecto de “desencadear uma revolução aqui”… Por isso, os seus panfletos. À margem de um poema épico, em português, que então compunha, significativamente intitulado Portugal, escreveu, em Outubro de 1910, dias depois da implantação da República: “Recentes e gloriosas dias tornaram felizmente visionária esta poesia prefacial”.
Da Empresa Íbis (cujo propósito cultural foi retomado, mais tarde, por uma longamente projectada Cosmopólis – mas só isso, só sonhada – e pela Olisipo, essa realizada mas de pouca dura) eu conhecia o papel timbrado, os envelopes e os numerosos planos. Todos os estudiosos de Pessoa têm dito (e eu também) que nunca funcionou. Saber que sim, foi uma surpresa que me fez Rui Sena, que me visitou no Algarve, na minha casa de Cacela, para me entrevistar sobre um poeta algarvio que eu conheci pessoalmente, Cândido Guerreiro, sobre o qual fez um documentário. Disse-me ele que, ao consultar vários jornais algarvios para o efeito, descobrira um, de Loulé, O Povo Algarvio, composto e impresso, durante três meses, “na tipografia da Empresa Íbis” (assim figura no cabeçalho do jornal). Preparava-se ele para me fornecer generosa mente essa descoberta, dizendo, com a modéstia que o caracteriza que “tinha sido por acaso’.
É claro que fiz questão use fosse ele a assumi-la e no primeiro Encontro que fizemos (o Instituto de Estudos sobre Modernismo, de que sou timoneira) em Tavira, em 15 de Outubro de 2010, pedi-lhe que comunicasse aos presentes o que descobrira. A seguir, pedi que registrasse por escrito, um texto para nossa revista on-line, Modernista 1, tudo o que nos tinha dito. Lá está (http://www.iemodernismo.org/Revista.html).
Em Junho de 20011 fiz, nas Jornadas Modernistas que o meu Instituto levou a cabo na mi ha Faculdade (de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa) uma comunicação em que expus o que digo neste artigo, prometido ao JL desde então. Foi portanto o Rui Sena que me revelou que, entre 12 de Março e 12 de Junho de 1910, o jornal de Loulé O Povo Algarvio tinha sido composto e editado pela tipografia da Empresa Íbis. Também aprendi com ele que esse semanário, que se subintitulava “semanário republicano independente”, fora fundado em 20-5-1909, e que nesse primeiro número o seu director e proprietário se regozijava com a conquista da Câmara de Lisboa pelos republicanos e denunciava indignadamente a proibição, às crianças das escolas, de aí cantarem o hino maçónico! Escreve Rui Sena no seu artigo que, nesse primeiro número, o seu director revelava o objectivo do jornal: “Propugnar a verdade das doutrinas democráticas que anunciam a redenção da espécie pela Escola, pela Liberdade e Fraternidade humanas, sem deuses, sem reis e sem padres”.
Num poema desse tal Joaquim Moura Costa, Pessoa escreve, no mesmo sentido: é a espada, vejam bem, Que ao mal e ao crime conduz: A Espada tem uma coroa E a coroa tem uma cruz.
Soube também, por este artigo de Rui Sena, que Paulo Madeira, nascido em Alte, em 1875, já publicava artigos revolucionários aos 15 anos, no jornal diário anarquista Batalha, de Feio Terenas, e que, mais tarde, em precária situação económica (sacrificara todos os seus rendimentos no comércio de cereais, em Loulé, à causa republicana) teve que emigrar para a Argentina, em 1912, donde nunca mais regressou. Pela mão amiga do nosso parceiro, em Tavira, de aventuras pessoanas, Dr. Carlos Lopes, que me convidou para amadrinhar a Casa Álvaro de Campos que aí criou, comuniquei comum sobrinho-neto de Paulo Madeira, Dr. Luís Filipe Madeira, advogado em Loulé (em tempos Secretário de Estado e deputado peio Partido Socialista) que me escreveu que esse tio-avô, irmão do avô paterno, filho mais velho de seis irmãos, tinha finalmente sido obrigado a emigrar, vítima do seu “romantismo republicano”.
Rui Sena forneceu-me mais factos que a leitura de alguns números do PovoAlgarvio (que ele pediu ao Eng. Luís Guerreiro me fizesse chegar) veio enriquecer.
A mudança do subtítulo do Povo Algarvio para “seminário republicano anticlerical”, quando estava a ser produzido pela Íbis (conforme imagem) deve ter feito exultar Pessoa – se é que não foi ele a sugeri-lo, o que é bem provável. No último número publicado pela Íbis em 12 de Junho de 1910, ficamos a saber da venda da empresa. O jornal mudou então de tipografia, para outra de Lisboa, provavelmente arranjada por Pessoa, que a isso se prontificara.
Numa fotografia podemos ver, ao centro, o dr Alexandre Braga (filho) acompanhado, à sua direita, por Paulo Madeira, no dia em que deslocou ao Algarve (Junho de 1910) para o defender, como seu advogado, no tribunal de Loulé, num processo que lhe fora movido pelo padre Basílio, Manuel Basílio Correia, pároco de Loulé (S.Sebastião), director, com outro padre, Luís Vieira, do jornal rival, Noticias de Loulé, por tentativa de homicídio (acusara-o, no jornal, de ser pedófilo e, frente-a-frente, ameaçara-o com uma pistola).
Paulo Madeira conseguiu sair do julgamento apenas condenado por não ter licença de porte de armas… (Tudo isto são informações que Rui Sena generosamente me tem dado). Houve outros padres acusados no Povo Algarvio de pedofilia – o articulista chamava – lhes “dicículos do bispo Beja”, que Pessoa também nessa altura, denunciava. (Veja-se a caricatura publicada num jornal de Lisboa).
Foram também colaboradores do Povo Algarvio – com grande repercussão dentro e fora do país – Brito Camacho, Câmara Reis, Comes Leal, Raul Brandão, além de João Rosa Beatriz e Machado dos Santos, ambos combatentes da Rotunda.
A descoberta do funcionamento da Íbis seria de somenos importância se não ajudasse a fazer luz sobre uma fase da vida Pessoa pouco conhecida e sobre a sua sempre presente militância contra a Igreja de Roma. Nos poemas dessa época pré República, vemos o jovem Pessoa defendendo o Regicídio sobre o qual pôs o seu “outro”, Alexander Search, a escrever, em inglês.
Num texto dos primeiros tempos, afirmou que “estamos todos divididos entre o deus do pai e o da Mãe”. Até aos 13 anos jovem Pessoa foi católico, como a família materna, oriunda dos Açores. Fez em Durban a Primeira Comunhão, frequentando um colégio de freiras irlandesas, precisamente para ter uma educação católica. Campos evoca, num dos seus poemas, “a minha infância que rezava”. Já anteriormente afirmei que o relacionamento com a família paterna, em Tavira, de judeus e maçons, quando passou em Portugal um ano, em 1901-1902, terá sido decisivo para que a balança pendesse decisivamente para o lado do pai.
As suas incessantes leituras, procuradas já para entender essa identidade que se descobrira, ajudaram muito, claro: na sua biblioteca há para cima de 20 livros de J.M. Robertson (1856—1933), do movimento racionalista e secularista britânico, que colaborou com Annie Besant, a teósofa traduzida por Pessoa. Por esta altura leu Junqueiro e Nietzsche (também se pôs a proclamar, em verso, a morte de Deus e da Igreja Católica, contra a qual escreveu, em verso, violentos e mesmo grosseiros vitupérios – que Joaquim Moura Costa terá assumido… Identificou-se então com o contestatário dessa Igreja: Em mim o espírito de Lutero, e adoptou a sua expressão Igreja de Roma e sua denúncia do Papa e dos padres, ignorando a sua senha contra os judeus…).
Convém, contudo, ter presente, que a verrina contra a Igreja de Roma não era superficial aversão mas porfiada “militância” de toda a vida contra essa instituição que criara a Inquisição às mãos de quem morrera o Grão-mestre desses Templários a cuja Ordem, em dormência, no fim da vida declarou pertencer (de cabeça, portanto, como fez quase tudo). Também o seu tetravô Sancho Pessoa foi condenado a confisco de bens por essa abominada Inquisição. E a “religião individual”, “metafísica recreativa”, que foi o Neo-paganismo, com a paródia de Cristo que Caeiro representa, é a forma literária – mente mais acabada dessa recusa da religião – que representava, como disse, “o adoecimento” da civilização: chamou-lhe mesmo “morbo cristista”.
Quando, em 1901-1902, de visita a Portugal (vivia então em Durban) frequentou a família de Tavira – com quem manteve sempre relação – o jovem Pessoa deve ter ficado impressionado com o que soube do avô e tio-avô combatentes das lutas liberais perseguidos e presos por esse ideal. Na campa de último, no cemitério de Tavira (conforme Imagem), pode ainda hoje ler-se em letra grande a “AQUI JAZ O LIVRE PENSADOR JACQUES CESARIO PESSOA”, seguramente maçou. O Jacques Pessoa da rua de Tavira é filho deste, pai do Eng.º Jacques Pessoa Rolão, recentemente falecido, com quem contactei e me informou que os Pessoas eram maçons e não baptizados.
Publiquei (no mencionado PPC) uma carta começada a escrever por Pessoa em 1906, segundo nota diarística, em que pede contas ao prior dos Mártires, que o baptizara, por esse ato abusivo de integrar numa religião um ente ainda irracional.
Segundo me informou o nosso parceiro e amigo Carlos Lopes (que me forneceu esta foto), este Jacques Pessoa (filho do “Livre Pensador”) teria um irmão, primo do pai de Pessoa, também proprietário de uma Tipografia Burocrática, que publicou, em Tavira, um jornal de Anúncios, assim chamado, fundado em 1885. Os Pessoas de Tavira eram, portanto, não só judeus e maçons mas também dados a estas actividades editoriais…
Parece-me evidente que foram eles quem arranjou ao jovem Pessoa esse seu primeiro emprego de editor do Povo Algarvio, de cuja existência, na então longínqua vila de Loulé, Pessoa não teria tido conhecimento, sem a sua mediação. Imagino que Pessoa terá ido ao funeral de Jacques Pessoa, falecido em 1909, em que terão comparecido outros correligionários maçons e republicanos, e que a família, a que era muito ligado, terá estabelecido os contactos. Isso explica que o proprietário do Povo Algarvio tenha escolhido essa desconhecida tipografia por estrear, tendo outras, no Algarve e Alentejo, mais à mão – de que, noutras alturas, se serviu.
Pessoa deve ter vibrado com as atitudes de Paulo Madeira (incito os meus amigos informadores a apurar se era também judeu – sei de Madeiras dessa zona que o eram – e a escreverem uma biografia desse algarvio destemido). Não querendo abusar do espaço que aqui me é concedido, deixo para a próxima a continuação desta (palpitante) história…
Nota: Não quis sobrecarregar o artigo com citações e notas, que, aliás, fiz de cor. Encontrarão (quase) tudo no meu «Pessoa por Conhecer», no volume coletiva Pessoa Inédito e onde eu fui dizendo (quando disse).
Desde há uns quantos anos que venho combatendo, ou me embatendo, com muitas mentiras históricas do Brasil, desde o famoso Zumbi dos Palmares, que ninguém sabe se é peça da história ou da ficção, ao Leonel Brizola, e até à actual presidente.
Apareceu agora um livro, muito bem escrito, texto alegre e descontraído, que desmistifica uma série de “heróis” e ao mesmo tempo ajuda a salvar a honra de outros que têm sido considerados por fracos, vagabundos, ladrões, assassinos, etc.
Lembro entre esses muitos livros que se têm escrito, e distribuído largamente, de alguns que são verdadeiras pérolas de semente de conflitos, como a História dos Povos Indígenas – 500 anos de luta no Brasil, editado pelo Conselho Indigenista Missionário, um órgão vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil -CNBB. Neste livro os índios que foram, ninguém sabe quantos, em 1500, hoje estariam reduzidos a uns poucos milhares, culpa, primeiros dos portugueses e a seguir dos “brancos”!
Uma vergonha de livro, sobretudo saído da CNBB que deveria promover o entendimento entre todos os povos, pagãos ou não!
O livro que rectifica e desmistifica muito da História do Brasil, escrito por um jornalista, extremamente bem documentado, chama-se Guia Politicamente Incorrecto da História do Brasil
O autor, um jovem de 32 anos enfrentou, com coragem e sem concessões, o status quo existente, Leandro Narloch.
Um livro INDISPENSÁVEL para quem se interessa por história sem lendas – como o milagre de Ourique e outros quejandos – e que deveria ser OBRIGATÓRIO em todo o nível de ensino no Brasil.
"Ler não é apenas um mero passatempo; é antes um alimento intelectual - Aristóteles afirmou: "Um livro é um animal vivo"; Santo Agostinho chamou-lhe "alimento do espírito"; e João de Barros, "mercadoria espiritual". Os livros são objectos pequenos, mas cheios de mundo (Romano Guardini)."
Elogio do Livro e da Leitura, Cândido de Oliveira Martins, Professor da Universidade Católica (Braga)
... há mais do que uma praia escondida debaixo do asfalto
Enorme rampa de lançamento de barcos do séc. XVI foi descoberta debaixo da Praça D. Luís, juntamente com vestígios de estruturas de séculos posteriores.
A descoberta tem menos de um mês. Os arqueólogos encontraram uma enorme rampa de lançamento de barcos do séc. XVI junto ao mercado da Ribeira, em Lisboa. Feita com troncos de madeira sobrepostos, a estrutura ocupa 300 metros quadrados e data de uma época em que a cidade sofria os efeitos de sucessivos surtos de peste e epidemias, graças aos contactos com outras gentes proporcionados pelos Descobrimentos.
Para continuar a trazer de além-mar o ouro, a pimenta e o marfim que lhe permitiam pagar as contas, o reino investia na construção naval, e a zona ribeirinha da cidade foi designada como espaço privilegiado de estaleiros. Os relatos da altura dão conta de uma cidade cheia de escravos vindos de além-mar, mas também de mendigos fugidos do resto do país para escapar à fome.
Os arqueólogos nem queriam acreditar na sua sorte quando depararam com a rampa enterrada no lodo debaixo da Praça D. Luís, a seis metros de profundidade, e muito provavelmente associada a um estaleiro naval que ali deverá ter existido. "É impressionante: é muito difícil encontrar estruturas de madeira em tão bom estado", explica uma das responsáveis da escavação, Marta Macedo, da empresa de arqueologia Era.
No Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico (IPPAR) o achado também tem sido motivo de conversa, até porque os técnicos desta entidade foram chamados a acompanhar os trabalhos, que estão a ser feitos no âmbito da construção de um parque de estacionamento subterrâneo. A subdirectora do instituto, Catarina de Sousa, diz que esta e outras estruturas encontradas são, apesar de muito interessantes, perecíveis, pelo que a sua conservação e musealização na Praça D. Luís é "praticamente inviável". Como a escavação ainda não terminou, os arqueólogos acalentam a esperança de ainda serem brindados, em níveis mais profundos, com algum barco submerso no lodo, como já sucedeu ali perto, tanto no Cais do Sodré como no Largo do Corpo Santo e na Praça do Município. "É possível isso acontecer", admite Catarina de Sousa.
Musealização em estudo
No séc. XVI toda a zona entre o mercado da Ribeira e Santos era de praias fluviais. Mas não era para lazer que serviam os areais banhados pelo Tejo. Na História de Portugal coordenada por José Mattoso, Romero Magalhães conta como, poucos anos após a primeira viagem de Vasco da Gama à India, "a zona ribeirinha da cidade é devassada pelos empreendimentos do monarca [D. Manuel I] e dos grandes armadores".
Depressa surgem conflitos com a Câmara de Lisboa, ao ponto de o rei ter, em 1515, retirado ao município a liberdade de dispor das áreas ribeirinhas para outros fins que não os relacionados com o apetrecho e reparação das naus, descreve o mesmo autor. São as chamadas tercenas, locais dedicados à função naval e representados em vários mapas da época. Mais tarde a mesma designação passa a abranger também o lugar onde se produziam e acondicionavam materiais de artilharia.
O espólio encontrado pelos arqueólogos inclui uma bala de canhão, um pequeno cachimbo, um pião, sapatos ainda com salto - na altura os homens também os usavam -, restos de cerâmica e uma âncora com cerca de quatro metros de comprimento, além de cordame de barco. Também há uma casca de coco perfeitamente conservada, vinda certamente de paragens exóticas para as quais os portugueses navegavam.
Um relatório preliminar dos trabalhos arqueológicos em curso explica como a zona da freguesia de S. Paulo se transformou de um aglomerado de pescadores, fora dos limites da cidade de Lisboa, num espaço importante para a diáspora: "A expansão ultramarina contribuiu para uma reestruturação do espaço urbano de Lisboa, que se organiza desde então a partir de um novo centro: a Ribeira". Em redor do Paço Real reúnem-se os edifícios administrativos.
"É na zona ocidental da Ribeira que a partir das doações de D. Manuel se irão instalar os grandes mercadores e a nobreza ligada aos altos funcionários de Estado, que irão auxiliar o rei (...) na expansão ultramarina e na centralização do poder", pode ler-se no mesmo relatório. A escavação detectou ainda restos de outras estruturas mais recentes. É o caso de uma escadaria e de um paredão do Forte de S. Paulo, um baluarte da artilharia costeira construído no âmbito das lutas da Restauração, no séc. XVII. E também dos vestígios do cais da Casa da Moeda, local onde se cunhava o metal usado nas transacções. Por fim, foram descobertas fornalhas da Fundição do Arsenal Real, uma unidade industrial da segunda metade do séc. XIX.
"Esta escavação vai permitir conhecer três séculos de história portuária", sublinha outro responsável pela escavação, Alexandre Sarrazola. Embora esteja ciente de que a maioria dos vestígios terá ser destruída depois de devidamente registada em fotografia e desenho, o arqueólogo diz que algumas das peças encontradas poderão vir a ser salvaguardadas e mesmo integradas no projecto do estacionamento, como já sucedeu com os vestígios do parque de estacionamento subterrâneo do Largo do Camões - ou então transportadas para um museu.
"Face ao desconhecimento do que ainda pode vir a ser encontrado por baixo da estrutura de madeira do séc. XVI está tudo em aberto", salienta, acrescentando que a decisão final caberá ao Instituto do Património Arquitectónico e Arqueológico.
Sexa, a madama dona presidenta, fez aprovar no congresso uma lei do maior interesse social e até universal.
Como o congresso nada mais tem o que fazer além de politicalhas e roubalhadas, aprovou esta lei num abrir e fechar de olhos, porque ali ninguém fecha os olhos, uma vez que ao lado sempre está um, ou mais, que lhe podem levar a carteira.
Pois esta lei, novidade em todo o mundo – vejam como o Brasil se destaca no cenário mundial – determina que se corrija o género das palavras que definem a formação de cada um, de acordo com o seu sexo.
Brilhante!
Além dela, a tal madama, já ter exigido que lhe chamem presidenta – o que nenhum jornal ou noticiário de tvs independentes faz – conseguiu agora o que tão ferozmente almejava, o objectivo primeiro da sua presidencice:
- quem terminar um bacharelato será bacharela, de gerenciamento, gerenta, assistência social, assistenta, e por aí vai. Digam se isto é ou não um tremendo dum progresso face a um mundo até hoje incapaz de ter tomado tamanha e vital decisão;
- agora teremos, só nas forças armadas, tenentas, almirantas, generalas, soldadas, cabas, pilotas, majoras, coronelas, sargentas.
(*)
Um «polício» e uma «polícia»
No fogo ficam as bombeiras e os policias passam a polícios!:
- no que diz respeito aos condutores de veículos a lei esqueceu de determinar que os homens também têm direito a distinção e que deviam passar a ser motoristos, e os seguranças passarem a seguranços;
- e quem faz serviços a domicílio ou na construção, também é presenteado com esta maravilhosa evolução: as diaristas passam a ser diaristos, encanadoras, pedreiras, serventas, eletrecistos, etc.
Não há mais dúvida de que o famigerado Acordo Ortográfico tem que ser desfeito. Tamanha demonstração de estupidez não pode inundar a língua portuguesa, fora do Brasil. Imaginem se esta barbaridade chega ao conhecimento dos linguistas angolanos, timorenses e até goeses! Catástrofe.
Mas não há-de ser nada. O supremo tribunal acaba de inocentar um miserável que fazia sexo com garotinhas de 12 anos. A defesa argumentou que elas, pela vida de miséria, já se prostituíam, e não se podia assim considerar estupro. Mas o SUPREMO tribunal, em vez de levantar a voz da moral e decência, condenando qualquer um que tenha relações sexuais com crianças, ainda deu o seu consentimento!
Meu Deus! O Brasil a entrar no primeiro mundo!
O velho rábula, ex-presidente, já está quase bom da goela, e voltou aos palanques. Para agradar aos metalúrgicos conseguiu da sua subalterna – a famosa madama dona presidenta - uma verba de 80 milhões de reais para se fazer o museu do trabalhador. Vai ter na entrada o torno que (infelizmente só) cortou o dedo do desajeitado trabalhador que virou presidente! E montes de fotos do...
Ano de eleições municipais. Vão disputar-se no tapa as alianças entre extremistas para dividirem bolos generosos e gostosos como as perfeituras de São Paulo, Rio, Salvador, etc. E lá anda o lula ao lado dos apaniguados. Entretanto subiu já num palanque para discursar às massas petistas, mas... ao fim de poucos minutos perdeu o pio!
Em sintonia com a presidenta, depois de berrarem, baixinho, durante dez ou vinte anos, sobre o absurdo valor dos juros cobrados pelos bancos, agora a dita abriu guerra.
In factum, o Brasil além de ser bom no futebol, tem sido o melhor do mundo nas taxas de juros bancários! Chegam a 150% ao ano! O spread mínimo ronda os 35%, e governo decidiu fazer disso um palanque. Mas... há dois bancos do Estado, o Banco do Brasil e a Caixa Económica Federal. Porque eles acompanhavam as taxas dos bancos particulares e só agora o (des)governo se deu conta?
Claro que os bancos roubam p’ra caramba, mas desses 35% de spread o (des) governo esqueceu de dizer que 23% são impostos! Um esquecimentozinho perdoável.
É evidente que mesmo ficando SÓ 12% líquido para o banco, os lucros são astronómicos! E agora começou a briga: para os bancos baixarem as taxas o (des) governo tem que baixar os impostos, ou então vamos assistir a situações como a que o BB já anunciou que a taxa para a indústria vai passar de 1,5 para 1,3... ao mês! E a Caixa: anuncia já na Tv uma redução de 59% nos juros!!! O crédito pessoal passa para 3,88%... ao mês (só 46,56% ao ano)! Para clientes especiais 1,3. Nestes casos de “simpatia especial”, estes bancos do Estado, SE, se, pagarem os mesmos imposto estarão a trabalhar de graça.
Mas como somos todos palhaços, há muito papalvo que acredita.
É com estas lições de ética, dignidade e sofismas, além da deplorável estupidez do “Género”, obrigatório nos diplomas, que o Brasil quer um assento no Conselho de Segurança da ONU.
Se isso, por infelicidade, acontecer e for nomeada uma mulher ela terá que ter... uma assenta!
Comecei por lamentar a morte de Miguel Portas e a minha amiga logo afirmou, na ancestral consciência da nossa menoridade mental, que tanto nos inferioriza, mau grado as loas patrióticas tão literárias de Fernando Pessoa ou as de Cavaco Silva que até a Via Verde de inventiva nacional tomou como exemplo laudatório, no seu discurso abrilino de exaltação patriótica, esquecendo-se injustamente dos Magalhães socráticos:
- Coitado! Nem na Bélgica se safou! Um fulano com tudo à disposição! Mas eu estava convencida de que ele superara a doença…
Lembrei que ele fumava muito:
- Parecia-me uma pessoa séria e bem formada, mas não sei se o seria de facto, se estivesse no Governo, sujeito aos condicionalismos desse posicionamento.
A minha amiga não se comoveu:
- Eu, como já não sei quem é sério, é melhor não dizer nada. Então hoje, que estão a festejar o 25 de Abril por aí… Se os sacanas pensassem o que nos fizeram a nós…
E ei-la disparando sobre as suas evocações da altura, 38 anos atrás, em Quelimane:
- Eu estava a provar um vestido numa sobrinha da Tatão que era modista, quando me disseram: Houve uma revolução em Lisboa.
Consegui lembrar o meu caso, em Lourenço Marques:
- A mim, foi um telefonema da Flávia, logo pela manhãzinha. Mas a vida continuou, não ligámos muito, inicialmente. Só que comecei a escrever com mais afinco, o meu “Pedras de Sal” do contra.
- Passados dias, o inspector escolar Alves Pereira, disse-nos: “Estou a ver aquilo muito vermelho!”. Eu, a partir daí, perdi completamente a esperança naquilo. Tínhamos programado as primeiras férias da nossa vida. Íamos por três meses. Mas eu tratei logo dos papéis dos meus filhos. Ficámos em casa dos donos da fábrica das camisas na Matola que estavam cá de férias. Estávamos a fazer uma vida de africanistas, frequentávamos um café onde se juntavam muitos de África, para os lados da praça de Alvalade, quando chegou a notícia de uma revolta na Matola, avisando que tinham destruído tudo na Matola. Ficou tudo aterrado. Eu e os meus filhos já não partimos para lá. Mas o Sud tinha uma empresa, teve que ir. Nós ficámos. Ele partiu com o dono da fábrica. Mas tiveram que se vir embora. Foi a 7 de Setembro.
- Bem sei, nesse dia nós fomos juntar-nos à multidão que defendia as tropas afectas ao governo português, que assaltaram o Rádio Clube de Moçambique. No dia 8, a Paula fez anos e levámos-lhes dos bolos da festa. Há um livrinho que me ofereceram “Aqui, Moçambique Livre” onde descobrimos a fotografia do meu filho Artur, de cerca de quatro anos, encostado a um Volkswagen. Na primeira página, puseram a foto de um idoso a esconder as lágrimas envergonhadas atrás da bandeira, na página seguinte colocaram o retrato da criança. Foram dois dias de entusiasmo e esperança ingénua de recuperação que vivemos, mas no dia 9 já não deixei os meus filhos brincar na rua, o medo instalara-se entre as gentes, e a partir daí, pedi férias e comecei a tratar dos papéis para trazer. Chegámos em 23 de Setembro.
- O meu marido tinha dinheiro no Banco Nacional Ultramarino, que reteve o dinheiro. Com o dinheiro que guardava em casa e na empresa, foi ter com um comerciante de camarão: - Vende-me um contentor de camarão? O negócio fez-se, mas o meu marido não veio para cá sem ver o contentor embarcado. Todos os dias ia ao cais. Aguentou dias. Mas as supra-renais pararam, com a tensão nervosa. Foi a um bom especialista quando cá chegou, que lhe receitou hidrocortone para o resto da vida. Só que o hidrocortone acabou agora em Portugal. É preciso importar de Espanha. O meu marido teve essa safa do camarão, foi um dos primeiros e iniciar-se na Doca Pesca. Fora estimado em África, como agente da Volvo. Já se estava a expandir quando veio o 25 de Abril. Era amigo do Monteiro e Giro e do Pio Cabral. Ficou lá tudo. Quem era só funcionário público era uma coisa, quem fez obra ao longo da vida era outra. Mas deixaram lá tudo.
- Também houve os Almeidas Santos que não deixaram lá nada. Trouxeram tudo.
- Ah! Sim! Mas alguns não aguentaram, com ataques cardíacos. Como agora, aliás. Há muitos que não resistem, com AVCs, pela falta de emprego. E a perda de bens do tempo das vacas gordas de empréstimo com que lhes acenaram antes.
- Mas a Brigada do Reumático está aí prestes a escarrar as suas teorias do costume. Até faltou às comemorações do costume. Talvez para preparar novos truques para não deixar recompor o que todos eles ajudaram a destruir.
Embora o homem viva em sociedade e em contacto com muitos dos seus semelhantes, a privacidade está a ser considerada, pelo menos na maioria dos países ditos civilizados, como algo importantíssimo que urge preservar a todo o custo. E esse custo pode ser muito elevado.
O chamado crime organizado, nas suas múltiplas facetas que vão desde sofisticados sistemas de assalto aos locais onde se acumulam riquezas às manigâncias da alta finança, com desvio de quantias avultadas e passando pelo tráfico de droga e armamento, tem-se desenvolvido muito nos últimos tempos. Combatê-lo é difícil pelo que seria de desejar o uso de todos os meios possíveis, incluindo os mais sofisticados, para acabar com esse flagelo social que, como temos visto, assume dimensões enormes, com graves prejuízos para as populações honestas e trabalhadoras. Portugal é hoje um bom exemplo desse mal.
Esse combate, no entanto, está a encontrar graves limitações devido exactamente à forma como está a ser considerada a privacidade. Poderia dizer-se que, se alguém quer privacidade absoluta, que se meta em casa, não saia à rua, não apareça à janela e, naturalmente, não fale ao telefone. Em vez disso geram-se leis limitativas dos processos de obter provas de crimes de tal forma que basta que uma prova tenha sido obtida de maneira considerada "ilegal" para o criminoso ficar à solta. Conversas consideradas "privadas" podem ser - e muitas o serão - formas de combinar crimes que, por esse facto, escapam à punição.
A pergunta que lanço aos cidadãos que sofrem as consequências de tais "ilegalidades" é para saberem se preferem o sistema que existe ou se não se importam de abdicar duma parte da sua privacidade em favor de processos como câmaras ocultas e escutas várias, que permitem desmantelar os perigosos sistemas do crime organizado, que toma hoje no mundo proporções astronómicas.
É claro que em países em que o crime organizado está infiltrado nas estruturas dirigentes, legisladores e governantes, não se pode esperar que algo se faça para o combater e a privacidade é um bom pretexto para lhe dar protecção, aparentemente com todo o aspecto de legitimidade.
A propósito, também se deve dizer que, para a opinião pública, não há melhor prova de culpabilidade do que a "destruição de provas". Se se alega que as provas destruídas não continham nada de mau - ou seja, eram inócuas - porque foi "necessário" destruí-las? Mas essa destruição aparece frequentemente como algo natural e legítimo.
Concluindo: vamos, a pretexto de protecção da privacidade, continuar a proteger criminosos?
Miguel Mota
Publicado no Púbico de 5 de Março de 2012 com o título alterado para: "Crime e privacidade "