Alguns anos depois de ter nascido, o meu pai conheceu um estranho, recém-chegado à nossa pequena cidade.
Desde o princípio, o meu pai ficou fascinado com este encantador personagem e em seguida convidou-o a viver connosco.
O estranho aceitou e desde então tem estado sempre lá em casa.
Enquanto eu crescia, nunca perguntei sobre o seu lugar na minha família; na minha mente jovem já tinha um lugar muito especial.
Os meus pais passaram a ser instrutores complementares: a minha mãe ensinou-me o que era bom e o que era mau e o meu pai ensinou-me a obedecer.
Mas o estranho era o nosso narrador.
Mantinha-nos enfeitiçados por horas com aventuras, mistérios e comédias.
Ele tinha sempre respostas para qualquer coisa que quiséssemos saber de política, história ou ciência.
Conhecia tudo do passado, do presente e até podia predizer o futuro!
Levou a minha família ao primeiro jogo de futebol.
Fazia-me rir e chorar.
O estranho nunca parava de falar, mas o meu pai não se importava.
Às vezes, a minha mãe levantava-se cedo e calada, enquanto nós ficávamos a escutar o que ele tinha para nos dizer, mas só ela ia à cozinha para ter paz e tranquilidade. (Agora, passados todos estes anos, pergunto-me se ela teria alguma vez rezado para que o estranho se fosse embora).
O meu pai dirigia o nosso lar com certas convicções morais, mas o estranho nunca se sentia obrigado a honrá-las.
As blasfémias e os palavrões, por exemplo, não eram permitidos em nossa casa. Nem por nós, nem pelos nossos amigos ou de qualquer um que nos visitasse. Entretanto, o nosso visitante de longo prazo usava sem problemas uma linguagem imprópria que às vezes queimava os meus ouvidos e que fazia o meu pai retorcer-se e a minha mãe ruborizar.
O meu pai nunca nos permitiu beber álcool mas o estranho animou-nos a tentá-lo e mesmo a fazê-lo com regularidade.
Fez com que o cigarro parecesse fresco e inofensivo e que os charutos e os cachimbos fossem distinguidos. Falava livremente (talvez demasiado) sobre sexo. Os seus comentários eram às vezes evidentes, outras vezes sugestivos e geralmente vergonhosos.
Agora sei que os meus conceitos sobre relações foram influenciados fortemente durante a minha adolescência por esse estranho.
Repetidas vezes o criticaram, mas ele nunca fez caso aos valores dos meus pais, mesmo assim, permaneceu la em casa.
Passaram-se mais de cinquenta anos desde que o estranho chegou. Desde então mudou muito; já não é tão fascinante como era de princípio. Não obstante, se hoje você pudesse entrar na casa dos meus pais, ainda o encontraria sentado no seu canto, esperando que alguém escutasse as suas conversas ou dedicar o seu tempo livre a fazer-lhe companhia...
Seu nome? Nós chamamos-lhe Televisor.
Nota final:
Agora, adulto, tenho uma esposa que se chama Computador e um filho que se chama Telemóvel
(resumo de acontecimentos de três anos: 2008-2011)
LANÇAMENTO DAS SEGUNDAS LUSOFONIAS NA "CASA O ALENTEJO" (12-Maio de 2011)
O “Além Guadiana" não hesitou em avançar para uma nova edição de Lusofonias, e tratou de fazer a sua divulgação na "Casa do Alentejo", em 12 de Maio de 2011.
A Imprensa portuguesa, ainda que convocada, não compareceu em grande medida, com excepção da Agência Lusa, que publicou um excelente artigo sobre este grupo de oliventinos.
São dessa notícia as informações que se seguem.
«A associação 'Além Guadiana' apelou hoje a um maior apoio do Estado Português e das diversas instituições ligadas à cultura, para "manter acesa a chama" da língua portuguesa em Olivença.
"Falta apoio português. Não só do Estado, mas também das instituições e dos media. Os meios de comunicação social portugueses deveriam ir a Olivença ver as coisas de outro prisma", afirmou Eduardo Machado, que aproveitou para sublinhar que o 'terreno' da associação "é apenas a cultura".
"Queremos tratar as coisas com naturalidade. Respeitamos todas as posições, mas o nosso terreno é a cultura", afirmou, referindo-se às rivalidades e preconceitos ainda existentes e à necessária mudança de mentalidades, sublinhando: "O português em Olivença não é uma língua estrangeira".
O responsável falava na primeira iniciativa pública da 'Além Guadiana' em Portugal, que decorreu na Casa do Alentejo, em Lisboa, e serviu não só para fazer um balanço dos três anos de actividades desta associação sem fins lucrativos mas também para apresentar a segunda edição do festival 'Lusofonias', que decorrerá em Olivença nos dias 28 e 29 deste mês.» (Fim da citação da Lusa).
E, na verdade, o novo festival de Lusofonias, de dois dias, decorreu em 28 e 29 de Maio de 2011.
16 de Setembro - O SEGUNDO FESTIVAL DE LUSOFONIAS (28 e 29 de Maio de 2011)
Teremos de fazer algumas considerações prévias, ainda que com o risco de cair em "repetições".
É difícil descrever o que representou, ou representa, histórica e culturalmente, este "festival" de cultura portuguesa e lusófona para, e em primeiro lugar, Olivença, para Portugal, e para o espaço lusófono.
Trata-se, recordemos, do renascer de toda uma Cultura (a portuguesa) num lugar onde, desde 1801, a mesma deixou de ser "oficial", e onde, durante cerca de duzentos anos, muito se fez para a aniquilar.
São habitantes locais, oliventinos genuínos, que, sem entrarem em considerações politicas e considerações sobre litígios de soberania, reivindicam a sua cultura tradicional e a sua pertença ao espaço lusófono. É um tanto confrangedor, para não usar expressões mais críticas que não se dê maior destaque ao que ali ocorre em consequência disso.
No dia 28 de Maio, Sábado, após uma alocução das autoridades locais (com a presença de todas as forças políticas oliventinas) numa curta cerimónia de abertura, as "Lusofonias" foram oficialmente abertas ao público. Pavilhões de instituições portuguesas e de comércio e artesanato (com destaque para a doçaria), que se estendiam por duas secções da antiga Carreira, numa amostra muito significativa da cultura portuguesa. O grupo Gigabombos, de Évora, desfilou no local, e, depois, por toda a cidade.
Seguiu-se uma leitura pública, essencialmente por oliventinos, de textos em Português. Documentários e teatro, música, corais alentejanos, bem como actuações de escolas locais (sempre na língua de Camões), seguiram-se pela noite fora.
Note-se que estavam presentes elementos culturais de vários países lusófonos, e não só de Portugal.
Uma exposição fotográfica, aliás apresentada com destaque, mereceu muita atenção, intitulada "O meu olhar sobre a Olivença Portuguesa", do oliventino Jesus Valério. Muita gente a elogiou.
À noite, houve um espectáculo público, um concerto do cantautor espanhol (e extremenho) Luís Pastor, "padrinho" do evento, que teve o cuidado de quase só usar a língua portuguesa, cantando temas portugueses, e recordando grandes cantautores portugueses (a começar por Zeca Afonso).
No dia 29 de Maio, Domingo, reabriu o espaço dos pavilhões, e actuou o Rancho folclórico de Maceira da Lixa (Porto). Seguiram-se canções e dramatizações, uma vez mais em Português e a "cargo" de alunos de escolas locais, e ainda mais música por um grupo português.
Só por volta das 24.00 se deu por encerrado o evento, um sucesso que levará, decerto, a Associação oliventina "Além Guadiana" a continuar a esforçar-se por devolver a Olivença a sua cultura e língua tradicionais, com iniciativas como esta ou outras similares, para além de um trabalho contínuo e diário nesse mesmo sentido.
A dita Associação renova o apelo para que, em Portugal, e sem preconceitos, haja uma maior divulgação das suas actividades, bem como apoios, basicamente culturais, já que os seus objectivos são deste teor, e não outros.
É infelizmente necessário repetir que nem sempre parece estar a haver uma clara compreensão destes aspectos, o que muito se lamenta.
INTEGRAÇÃO NA LUSOFONIA
Só no dia 8 de Junho de 2011 a RTP, no "Portugal em Directo", mostrou a boa reportagem que fizera em Olivença no dia 28 de Maio de 2011. Sirva de desculpa o período eleitoral que se vivia então em Portugal. Afinal, os oliventinos só querem ser ouvidos, sem discriminações.
"A língua de Camões fala-se ininterrompidamente em Olivença desde finais do século XIII". Estas são palavras do Presidente da Associação Além Guadiana, o já citado Joaquín Fuentes Becerra, "Este o mais importante legado português. Até meados do século XX, 150 anos após a mudança de nacionalidade, a língua maioritária era o Português, apesar de não ter tido qualquer apoio institucional".
Becerra acrescenta que, hoje em dia, para além de conservada pelos mais velhos, a língua portuguesa já está a ser ensinada nas escolas.
"Estamos no caminho correcto, mas faz falta uma aposta mais forte para que a língua portuguesa não se perca em Olivença. A língua é tudo". E, sem abordar aspectos políticos, Becerra reclama para a localidade a sua "INTEGRAÇÃO NA LUSOFONIA".
Parece que algo de novo, e talvez um tanto inesperado, está a surgir no espaço lusófono. Ignorá-lo, fingir que não existe, começa a ser impossível. E insuportável!
UMA NOITE PARA RECORDAR (Fados em Olivença, 21-JULHO-2011)
(*)
Fados na Rua dos Saboeiros
Era uma noite calma. Quinta-feira, 21 de Julho de 2011, à noite. Um palco montado a meio da rua. Rua dos Saboeiros. Calle Bravo Murillo, oficialmente.
O enquadramento do palco era belo. Um velho nicho, caiado de branco, que outrora albergou um qualquer santo ou santa. Talvez em nome de um ofício. Quiçá de uma qualquer devoção, pessoal ou colectiva. Talvez em memória de algo. Ou de coisa nenhuma. Fé, certamente. Como sabê-lo?
Meia rua, defronte do palco, cheia de cadeiras, com algumas mesas, uma ou outra reservada para as autoridades locais e autárquicas, tudo em frente do Bar promotor do evento, o "Pub Limbo". O espectáculo, alentejanamente, recebeu o nome de "Luar na Chuné". "Chuné" alentejana, visível, com o luar a bater-lhe. E o nicho, com enfeites barrocos. Também com a Luar a bater-lhe.
Nas cadeiras, sentou-se muita gente. Esmagadoramente locais. E esperou-se. Não muito.
Toy (António) Faria, de Elvas, começou a cantar o primeiro fado. E continuou com o segundo. Depois, a voz forte de Patrícia Leal. Uma surpresa. Da Azaruja. Uma voz igual às melhores. Por fim, João Ficalho, de Borba. Cantando.... mas também, e sempre, tocando viola. Acompanhando também os outros.
Só um não cantou. João Esquetim, de Portalegre, creio. Mas... era ele que dava o som ao fado. Som que tirava da Guitarra portuguesa.
Momentos surpreendentes. Principalmente quando um fadista, Toy (António) Faria, fez um apelo ao público para que o acompanhasse. E ele assim fez. Uma e outra vez, entoando "Canto o Fado".
Outro momento alto: Patrícia Leal cantou "Por uma Lágrima". Dificuldade e responsabilidades acrescidas. Um primor de execução!
Todos estiveram bem. Cantores, público, organizadores. Com destaque para a Associação local "Além Guadiana". Que teima lutando contra o silêncio, a apatia, a indiferença.
Porque a cultura lusitana está ali, e é de todos evitando interferências políticas ou questões delicadas.
Mas está presente.
Foi uma noite de fados em Olivença. Essa localidade incómoda. Mas com uma grande personalidade!
Desde há vários anos que venho defendendo a necessidade e o interesse no desenvolvimento náutico do país em geral e do Sotavento em particular, com resultados práticos quase nulos.
O primeiro município que estudei foi o de Tavira pela razão simples de ter raízes familiares nesta cidade, passar todo o tempo disponível aqui e até ter sido durante quase dez anos nela residente.
Em 2004 apresentei no congresso do Racal uma comunicação sobre o desenvolvimento do Sotavento onde sugeri o estabelecimento de cerca dez mil postos de amarração, dos quais 2000 seriam em Tavira.
Como é sabido a maior riqueza potencial desta cidade é o conjunto das actividades marítimas que é possível praticar aqui, quase todas elas passíveis de usufruto todo o ano, com excepção do Sol e praia que não chega a dois meses de prática, do golfe e de actividades culturais e desportivas ligadas ao património e à serra e ainda da capacidade muito mal aproveitada da produção agrícola aliás essencial para contribuir para a maximização do valor acrescentado do produto turístico.
Durante muito anos os nossos responsáveis davam a ideia de que só conheciam o Sol e praia, esquecendo-se de que o turismo no Algarve se iniciou exactamente ao contrário, quando os ingleses vinham passar os meses de Outubro a Março e não no verão, esquecimento este que levou ao desenvolvimento de estruturas imobiliárias de baixo nível de qualidade e a taxas de sazonalidade elevadas.
A prática do golfe veio diminuir esta anomalia mas para diminui-la ainda mais, ou até eliminá-la, a única solução era e é o desenvolvimento das actividades náuticas, o que não exclui as outras atrás indicadas.
Assim foram apresentadas aos autarcas tavirenses várias sugestões concretas e realizáveis desde há quase duas décadas.
Durante a gestão do Eng. Macário Correia, seguindo a política anti-mar do seu partido PSD nessa época, nunca se conseguiu qualquer iniciativa neste capítulo.
Durante as últimas eleições dei todo o apoio que pude ao candidato do PS, Dr. Jorge Botelho, tal como tinha dado ao seu antecessor Eng. Fialho Anastácio nas anteriores, porque ele me mostrou interesse real nesta melhoria essencial para combater o desemprego e fortalecer a vida económica da autarquia ou seja dos tavirenses.
Para concretizar estas ideias foram apresentados publicamente os ante projectos que garantiriam a Tavira uma redução relevante da taxa de sazonalidade, a criação de postos de trabalho e uma contribuição efectiva para a educação náutica da população em geral e da juventude em particular, o que é vital para se obter a máxima qualidade do produto turístico náutico.
Mas nada aconteceu até agora.
Todas as tentativas para colaborar com o actual Presidente da Câmara de Tavira têm sido frustradas e não se pode dizer mal recebidas, porque nem sequer o foram de todo.
Dois anos já se passaram. O desemprego continua a subir.
Quanto a iniciativas concretas para inverter este situação: nada.
As recomendações expressas pela UE ainda há alguns dias em Lisboa são no sentido do desenvolvimento náutico, certamente muito direccionadas para Portugal pois é de facto o país europeu com maior atraso nesta matéria mas até agora nem o Governo nem as Autarquias mais apropriadas para este desenvolvimento têm mostrado interesse e iniciativas concretas.
E após 12 anos de anti mar parecia que os votos de mudança foram claros. Mas nada mudou, pelo menos até agora. Porquê? Não é de certo por falta de dinheiro, porque a maior fatia de investimento deverá ser realizada por privados e a que cabe à Autarquia não só é reduzida mas segundo foi anunciado na reunião de Lisboa terá ajudas comunitárias, se houver apresentação de projectos.
Então o que se passa com a Autarquia de Tavira?
Entretanto a cidade definha, os jovens têm que procurar trabalho fora, a reorganização indispensável da Autarquia com vista a reduzir custos e aumentar a competitividade dos tavirenses é adiada e a população e os políticos locais entretêm-se a dizer mal da “troika” mas nada fazem para contribuir para alterar a situação que esteve em grande parte na origem desta crise.
É tempo para que os responsáveis pelos destinos da Autarquia mostrem que são capazes de mudar o rumo em que vivemos nestes últimos vinte anos e transformem esta maravilhosa cidade num local desenvolvido e sustentado onde se elimine o desemprego e a emigração dos jovens.
Tavira, 13 de Dezembro de 2011
José Carlos Gonçalves Viana
Publicado no Postal do Algarve em 3 de Fevereiro de 2012
(resumo de acontecimentos de três anos: 2008-2011)
(*)
UM MERCADO MENSAL
O final de 2010 e o princípio de 2011 viram realizar-se mais uma iniciativa deste prolixo grupo oliventino: um mercado mensal de artesanato e antiguidades portuguesas.
O primeiro efectuou-se a 11 de Dezembro de 2010, o segundo a 8 de Janeiro de 2011. O terceiro em 12 de Fevereiro de 2011. E assim por diante!
Pela primeira vez, em mais de duzentos anos, ressurgiu o mercado antigo tradicional de Olivença aos Sábados, nas suas características originais. Na verdade, este evento efectua-se num local distinto do mercado mais convencional (Adro da Igreja manuelina da Madalena), que é no mesmo dia da semana.
Foi curiosa a primeira edição, não só pelo afluxo de interessados, mas também por algumas das motivações expressas. Muitas louças tradicionais (do Redondo, por exemplo), e mobiliário, também tradicional, foram adquiridos porque lembrava aos compradores objectos vistos em casa de antepassados seus, onde constituíam uma espécie de relíquias. Note-se que, na falta do seu tradicional mercado, muitos oliventinos, durante mais de cem anos, se deslocavam a Elvas ou a outras localidades, procurando obter os produtos (então de utilidade doméstica, ou de decoração) a que estavam tradicionalmente habituados.
Este artigo não seria escrito se não tivesse havido 1º de Dezembro. Ou seria escrito em Castelhano. Não seria escrito neste jornal, que não existiria. Não haveria Língua Portuguesa como a conhecemos hoje – teríamos sido sujeitos a longa aculturação espanhola, somando mais 370 anos de usurpação aos 60 de domínio dos Filipes.
Não haveria a querela do Acordo Ortográfico, porque não haveria o Português, nem o problema da regulação do uso universal da nossa língua. Estaríamos hoje com os galegos, esbracejando pela cidadania linguística. Não haveria Rui Reininho e a sua 'Pronúncia do Norte', nem Pedro Abrunhosa e o seu 'Momento' ou Jorge Palma e 'Encosta-te a Mim', o 'Ó Gente da Minha Terra' de Mariza, o 'Fado Tropical' de Chico Buarque. Fernando Pessoa não seria o que é, nem a Mensagem. Camões e 'Os Lusíadas' seriam talvez desconhecidos, literatura esquecida ou clandestina. Veríamos filmes dobrados – em Castelhano. O Fado não seria Património Imaterial da Humanidade. Não existiria sequer o fado, antes outra coisa qualquer de sonoridade espanhola.
Já não teríamos declarado o sobreiro árvore nacional. Não seríamos o maior produtor mundial de cortiça – seria Espanha. O nosso porco preto alentejano seria porco ibérico para toda a vida, sem apelo nem agravo. Teríamos centrais nucleares na bacia do Tejo e talvez na do Douro, não só do lado de lá, mas do lado de cá. Não haveria lado de cá e de lá. A política espanhola de transvases afectando os nossos rios estaria aí em pleno.
Não haveria D. João IV, nem D. João V e o seu Convento de Mafra, nem D. João VI e a originalidade fundadora da corte no Brasil. Não haveria o próprio Brasil – em lugar dessa criação do génio e do acaso português, teriam surgido outras coisas, fruto de colonizações retalhadas de holandeses, franceses, espanhóis e ex-portugueses falando espanhol. Não haveria o samba e a bossa nova. Não haveria Angola, nem Moçambique. O espaço de Moçambique estaria repartido por países anglófonos e no de Angola seria outro retalho qualquer de colonizações holandesa, alemã, francófona, talvez espanhola. São Tomé e Príncipe estaria na Guiné Equatorial, como Fernando Pó e Ano Bom. A Guiné-Bissau moraria na francofonia, Cabo Verde provavelmente também. Não haveria a morna, nem a coladeira, talvez o zouk de Guadalupe e Martinica. Timor seria holandês e, portanto, indonésio. Macau teria acabado, pouco depois de ser. Não teria havido a guerra do Ultramar, porque não teria havido Ultramar. Não existiria a CPLP. Nem haveria sequer o Fórum Ibero-Americano, antes qualquer coisa hispano-americana. Não haveria o navio-escola 'Sagres'. O nosso mar português não seria.
Não teríamos o Eusébio. Não teríamos festejado o louco terceiro lugar do Mundial de Inglaterra 1966, mas alguns teriam celebrado a Espanha campeã do Mundo na África do Sul 2010. O Benfica e o FC Porto provavelmente nunca teriam sido campeões europeus. A Académica nunca teria ganho a Taça de Portugal – não haveria Taça de Portugal. Com sorte, Benfica, Porto, Sporting, outro, poderiam ter ganho a Copa Generalíssimo ou a Taça do Rei.
E o mesmo ministro fará desta uma nova empresa espanhola?
Não haveria Cardeal Patriarca de Lisboa, título do século XVIII. Não haveria um só cardeal português no Consistório de Roma. Não existiria a Conferência Episcopal – os nossos bispos estariam na conferência espanhola.
Teria havido o terramoto de 1755, mas não o Marquês de Pombal, nem a baixa pombalina. As invasões francesas teriam sido uma passeata com cicerone espanhol. Não haveria a questão de Olivença – seríamos todos nós Olivença. Teríamos tido na mesma as lutas liberais, mas não entre D. Pedro e D. Miguel, antes envolvidos nas longas guerras do carlismo. Não teríamos tido nem Afonso Costa, nem Salazar, antes dois breves episódios republicanos, um fugaz no século XIX, outro nos anos 30 seguido da guerra. Teríamos tido a Guerra Civil, seguida do Generalíssimo e da restauração monárquica com rei espanhol.
Teríamos sofrido o terrorismo da ETA. Não haveria Cavaco Silva, presidente; nem, antes, Jorge Sampaio, Mário Soares, ou Ramalho Eanes. Seria D. Juan Carlos.
Não teríamos Passos Coelho, nem Paulo Portas, antes Mariano Rajoy e Garcia-Margallo. Não teríamos Ministério dos Negócios Estrangeiros – seríamos somente um negócio de estrangeiros. Não teríamos Assembleia da República, apenas as Cortes Generales.
Aqui chegados, eu compreendo perfeitamente que as Cortes de Madrid chumbassem o nosso feriado do 1º de Dezembro, primeiro o Congresso dos Deputados, logo a seguir o Senado. Mas a Assembleia da República fazer isso?
(resumo de acontecimentos de três anos: 2008-2011)
16 de Setembro - UMA ESPÉCIE DE «DIA DE PORTUGAL»... DOIS DIAS DEPOIS
A inauguração das primeiras ruas com os nomes em Português, teve lugar no meio de uma espécie de festival promovido pela Associação citada, denominado «Lusofonias».
No sentido de promover a cultura e a língua portuguesa, a organização do evento elegeu como imagens promocionais da iniciativa Amália Rodrigues, Fernando Pessoa e Vasco da Gama.
A "Além Guadiana" justificou estas escolhas: «São ícones de Portugal e da sua História. Como curiosidade posso dizer que os familiares de Vasco da Gama são originários de Olivença e desta forma vamos relembrar esse facto».
A iniciativa cultural contou com a colaboração do Ayuntamiento de Olivença, da Associação para o Desenvolvimento Rural da Comarca de Olivença e da Junta da Extremadura, e consistiu ainda num vasto conjunto de actividades, entre as quais se destacaram peças de teatro, música, literatura e animação de rua.
Em paralelo, houve uma zona reservada a exposições, onde estiveram artesãos, um espaço dedicado à gastronomia e a instituições do espaço lusófono, bem como trabalhos ao vivo e animação musical a cargo de grupos de Portel (Évora).
Procedeu-se a uma leitura pública contínua em português, na qual participaram oliventinos de todas as idades lendo ou recitando na língua de Camões. Este foi um dos pontos altos que a organização destaca deste dia dedicado ao mundo lusófono.
Durante a manhã ocorreu também uma demonstração de folclore, através do grupo "La Encina" de Olivença e a actuação das Cantadeiras de Granja (Évora).
No período da tarde foi projectado no Espácio para la Creación Joven, o filme "O Leão da Estrela", e houve actividades de animação nas ruas, bem como ainda a actuação dos alunos de português da escola pública Francisco Ortiz, de Olivença.
A "Estória da Galinha e do Ovo" e "O Canto dos Poetas", ambos interpretados pela associação "Do Imaginário" de Évora, foram dos atractivos desta iniciativa promovida pela associação "Além Guadiana".
Considerando que por todas as partes deste Reino haja falta de pão, de que entre todas as partes do mundo soi a ser muy abastado, e vendo como agora está posto em tamanha carestia, que não há quem se sustente, e isto por falta de homens de lavrarem as terras...
(Provisão de D. Fernando, dada em Santarém aos 26 de Junho de1375).”
Para a humanidade dividida em nações de interesses diferenciados e até opostos, há um princípio na política económica – o maior enriquecimento nacional– não pela acumulação de stocks monetários, mas pelo desenvolvimento das forças produtivas.
Com tantas leis e decretos sobre o trigo e farinhas, em Portugal, em 1914/15, efeito da guerra, o trânsito de farinhas e do trigo foi então enredado em exigências de justificações e guias. Reviveu a economia medieval.
E quanto mais apertadas foram as regulamentações e maior o número de imposições legais, mais a fraude alastrou e contaminou a tudo e a todos, frustrando os melhores intentos.
O primeiro passo de uma nação, para aproveitar suas vantagens, é conhecer perfeitamente as terras que habita, o que em si encerram, o que de si produzem, o que são capazes.
Abade Correia da Silva – 1750-1823.
(*)
No começo do século XIX já cientistas excluíam Portugal das zonas tipicamente cerealíferas, afirmando que a cultura dos cereais é contrariada pelo clima.
Andam os desviados da nossa missão agrícola de país hortícola e pomícola, admiravelmente dotado pela natureza para as culturas arbóreas e arbustivas.
Já não era pequeno mal que apoquentassem a lavoura, manietando-a a alta das rendas e, sobretudo, a falta de capital. Além da alta taxa de juros que absorve a grande parte dos proventos que a empresa poderia dar. Pode-se dizer que ainda hoje a usura tem nas suas mãos a sorte da agricultura portuguesa.
Além disso, não sabemos produzir, nem sabemos vender.
A consciência nítida do interesse geral encontra-se apenas nas sociedades bem constituídas e num grau de força e prosperidade tal que a consideração do bem público pode abafar os egoísmos que surgem.
Nos povos em decadência enfraquece o espírito nacional, o que quer dizer que a consciência dos laços de solidariedade se apaga ou desaparece, como se deixasse de existir o interesse comum.
A nação não existe já como um todo vivo, mas como uma soma inerte de elementos quase independentes.
Não havia decerto necessidade de provações tão duras como a desta guerra (e desta crise), para o convencimento da decadência portuguesa. Tornou-se infelizmente bem patente o relaxamento dos laços sociais.
É exactamente um tal estado que nos explica como neste povo em que subsistem os defeitos de uma organização comunitária no que respeita à falta de confiança e dependência do poder público para a solução de todos os problemas, o Estado de quem tudo se espera, é precisamente o menos apto a fazer alguma coisa.
Produz-se por interesse, não por patriotismo nem por filantropia.
- Terá ainda solução a crise?
Tem-se em geral uma impressão errada de resistência e vitalidade dos povos, quando estas se comparam à fraca resistência individual.
Há um tão natural e poderoso instinto de conservação e de vida no fundo das sociedades, quando porventura atacam pelo espírito as instituições vitais para qualquer povo. É afinal difícil desorganizar por completo; e pode um povo descer na escala dos povos fracos, improgressivos, até à ínfima miséria social, mas não ultrapassando um limite mínimo as suas condições de vida, porque é nela tenaz e poderosa a resistência a toda a dissolução.
Por outro lado, nestes termos, são escusados temores.
Mesmo abandonado a si próprio, às suas decisões tradicionais, aos seus hábitos inveterados, ao seu trabalho, à monotonia do seu viver diário, mesmo portanto sem ministros, sem sábios, sem legislações complicadas – o povo conseguiria viver.
- Terá ainda solução a crise?
O que pelo menos se pode desde já asseverar é que, pelo caminho que as coisas levam, e convertidos afinal em novas causas do mal, os remédios com que se tem procurado diminui-lo, tudo se irá agravando, porque certamente ainda há pior que o estado actual.
A nossa preparação para o futuro tem já neste momento todos os defeitos contrários ás qualidades exigidas.
Provavelmente nós sofreremos a guerra... quando começar a Paz.
(Texto retirado da “Questão cerealífera” e da “Crise das Subsistências” escritos por António de Oliveira Salazar em 1914 e 1918).
(resumo de acontecimentos de três anos: 2008-2011)
TOPONÍMIA EM PORTUGUÊS
A Câmara Municipal de Olivença decidiu começar a recuperar os antigos nomes em português das ruas da localidade.
A iniciativa partiu, claro, da associação cultural “Além Guadiana” que apresentou à Câmara e aos diferentes representantes políticos de Olivença um projecto pormenorizado para a valorização da toponímia oliventina, com unânime aceitação.
O projecto, com início a 12 de Junho de 2010, e que prossegue, estando já quase confluído em Janeiro de 2011, contempla a adição dos antigos nomes das ruas aos actuais, mantendo a mesma tipologia e estética nas placas. Assim, resgatam-se as denominações das ruas, dos becos, das calçadas, etc., que configuram o conjunto histórico encerrado nas muralhas abaluartadas, com um total de 73 localizações.
Recorde-se que a maior parte da toponímia urbana de Olivença foi substituída ou modificada na primeira metade do século XX, embora quase todos os nomes continuassem a ser utilizados pela população apesar das alterações, como nos casos da rua da Rala, da rua da Pedra, da Carreira, etc.
A Associação "Além Guadiana", num comunicado, esclarecia: «os antigos nomes das ruas falam-nos do passado português da "Vila", como popularmente é conhecida a cidade, desvelando aspectos diversos, amiúde desconhecidos, da sua história. Estes remontam a séculos atrás, muitos deles à Idade Média, aludindo a pessoas ilustres da História, a antigos grémios de artesãos, a santos objecto da devoção popular ou à fisionomia das ruas, entre outros aspectos. "A rua das Atafonas, a Calçada Velha, o Terreiro Salgado e o beco de João da Gama" são alguns exemplos.»
Mais dizia a comunicado: «Com esta iniciativa pretende-se, enfim, realçar um interessante componente da rica herança cultural oliventina, a toponímia, contribuindo para testemunhar a história partilhada deste Concelho e para a tornar visível em cada recanto intramuros. Os nomes ancestrais dos espaços públicos conformam uma janela que convida a assomar-se e a explorar a apaixonante história de Olivença. Expressados na sua originária língua portuguesa, constituem o testemunho vivo de uma cidade onde se respiram duas culturas e são um veículo que encoraja os mais novos a manter a língua que ainda falam as pessoas mais velhas o município. Para a associação Além Guadiana, trata-se de uma iniciativa com fins didácticos, culturais e turísticos, com a qual se resgata para o presente uma parte do passado oliventino.»
O Governo não é dono disto. Apenas administra temporariamente a coisa pública em prol do bem comum. Em tempos de aperto toma naturalmente poderes de excepção. Mas mesmo na emergência deve ter consciência daquilo que não lhe compete. Não basta ter permissão e vantagem. É preciso bom senso para saber que há coisas que ultrapassam a conjuntura. Como os feriados.
O anterior Governo, aquele que levou o País à beira da ruína, achou-se com direito a mudar coisas básicas da sociedade, simplesmente por ter maioria ocasional. Enquanto tratava mal daquilo que lhe competia, atrevia-se a mexer no que tinha o dever de respeitar. Porque a definição de casamento e os limites da vida não podem estar ao sabor de coligações de momento.
O modelo original de núpcias da Lei n.º 9/2010 de 31 de Maio deve-se a um conjunto de deputados que achou que uma simples votação, sem referendo, quase sem consulta e discussão, pode alterar um dado básico da civilização. No caso do aborto (Lei 16/ /2007 de 17 de Abril) ao menos houve referendo, mas seguido de fraude.
Porque a pergunta a sufrágio era sobre a despenalização, mas o Governo sentiu-se com poder para estabelecer a liberalização e subsidiação do aborto.
Para perceber a diferença, era como se a descriminalização do consumo de drogas aprovada há 11 anos (Lei n.º 30/2000 de 29 Novembro) implicasse a distribuição de heroína barata pelo Estado. Espantoso que esta supina desonestidade política não só tenha vingado, mas seja a única coisa intocável pelos cortes na Saúde do actual Governo.
Os extremos a que chegou o Executivo Sócrates são difíceis de igualar, porque ainda seria preciso referir a promoção do divórcio (Lei n.º 61/2008 de 31 de Outubro), manipulação de embriões (Lei 32/06, de 26 de Julho), etc. Mas o actual Governo, no meio das medidas duras da troika, já exorbita das suas funções quando se pensa com direito a mexer nos feriados.
As celebrações comunitárias que temos, com raízes culturais profundas, não são exageradas nem exigem reforma. Aliás o Governo não apresenta nenhuma razão específica para as alterações que pretende. Vai mudar os feriados, não por causa de problemas dos feriados, mas simplesmente para as pessoas trabalharem mais. Ora se a questão é laboral, lide-se com ela em termos laborais. Mexa-se no horário de trabalho ou cortem-se dias de férias, mas não se toque naquilo que recebemos em herança e que temos de deixar aos que nos sucederem. Será que também vamos cortar o hino para acelerar as cerimónias ou vender o Algarve para pagar dívida?
A culpa do exagero é nossa. Este tempo, que perdeu o sentido da ética, tradição e dignidade, atribui à lei e política responsabilidades que não lhes cabem, em substituição da honra e moral em que deixou de acreditar. Quando pedimos ao Estado que nos resolva todos os problemas ou, pior, se acusamos os políticos de tudo o que corre mal, não nos podemos admirar que eles tomem liberdades com coisas que não lhes competem.
As gerações futuras vão rir desta triste época em que as leis se medem em dúzias por semana e julgam regular tudo, da violência familiar às brincadeiras de crianças e qualidade do ar. A atitude de ingenuidade e arrogância que subjaz a esta inflação legislativa e paternalismo regulatório fará as delícias dos nossos sucessores, que entretanto terão aprendido as terríveis consequências deste dirigismo desabrido. Que, aliás, mostra evidentemente a sua ineficácia, porque apesar de todos os programas, estratégias e aparato político, continua a haver fogos florestais, acidentes rodoviários, crises económicas.
No meio da confusão é difícil aos ministros conhecer os seus limites. Não interessa se têm poder para o fazer. Evidentemente que no Governo há legitimidade legal e constitucional para alterar o que pretende. O que lhe falta é outra legitimidade mais profunda. Trata-se simplesmente de uma coisa que não lhe compete, porque aí falamos, não de legislatura, mas de séculos. Como no caso do casamento e da vida, a lei só vale no respeito da civilização.
(resumo de acontecimentos de três anos: 2008-2011)
A JORNADA DE FEVEREIRO DE 2008
Falou primeiro o Presidente da Junta da Extremadura espanhola, Guillermo Fernández Vara. Curiosamente, um oliventino. Foi comovente ouvi-lo confessar que, na sua casa paterna, o Português era a língua dos afectos.
O Presidente da Câmara de Olivença, Manuel Cayado, falou em seguida.
Joaquín Fuentes Becerra, presidente da Associação "Além Guadiana", destacou e insistiu no aspecto cultural da Jornada.
Juan Carrasco González, um conhecido catedrático, falou depois.
Seguiu-se Eduardo Ruíz Viéytez, Consultor do Conselho da Europa, que explicou as recomendações críticas deste, ao Estado Espanhol, em relação ao Português de Olivença.
Falou depois Lígia Freire Borges, do Instituto Camões, que destacou o papel da Língua Portuguesa no mundo.
Após o almoço, foi a vez de ouvir a voz de alguns oliventinos, em Português, bem alentejano no vocabulário e no sotaque, não faltando críticas e denúncias de situações de repressão linguística não muito longe no tempo.
Falaram depois Domingo Frade Gaspar (pela fala galega) e José Gargallo Gil (Línguas minoritárias).
Seguiu-se Manuela Barros Ferreira, da Universidade de Lisboa, que relatou a experiência significativa de recuperação do Mirandês.
Falou finalmente o Presidente da Câmara Municipal de Barrancos, a propósito dos projectos de salvaguardar o dialecto barranquenho.
No final, foi projectado um curto filme sobre o Português oliventino, realizado por Mila Gritos (Milagros Rodrígues Perez). Nele surgiam oliventinos a contar a história de cada um, sempre em Português.
Deu por encerrada a sessão Manuel de Jesus Sanchez Fernandez, da Associação Além-Guadiana.
Os assistentes e os promotores da Jornada abandonaram o local, já de noite, convictos de que tinham assistido a algo notável.
Estava dado um passo de gigante para a recuperação de cultura lusa em Olivença.
Cerca de um ano, um pouco mais, depois, nova surpresa!