Entretanto quando regressei em 1978 fui convidado para participar na secção de estudos de transportes marítimos do PSD e assim aconteceu, mas nunca houve qualquer atividade desta secção e finalmente em finais de 1980, antes da morte de Sá Carneiro, fui convidado para Secretário de Estado das Pescas, o que se verificou em 9 de Janeiro de 1981.
Tive assim oportunidade de constatar que este partido, bem como todos os outros, não tinham qualquer interesse real em gerir os transportes e outras atividades marítimas como seria desejável, para não dizer indispensável para um país como Portugal, totalmente dependente destas atividades para poder manter a sua independência, aliás como a História demonstra fartamente, mas os nossos responsáveis continuavam a não entender em como de facto isso se deve fazer.
Quando cheguei à S.E. tinha um gabinete sem um único documento, mas em compensação tive a sorte de ter uma equipa de Directores Gerais de ótima qualidade, e recordo-me de alguns dias após a posse ter sido visitado pelo prof. Ernani Lopes, que era então o responsável pela preparação para entrarmos na CE que, durante essa visita me deu uma lista de assuntos e recomendações de forma a podermos preparar as nossas Pescas para melhor tirarmos partido desta adesão.
Assim se produziu um Plano Nacional de Pescas, sem recorrer a consultores exteriores como parece se ter tornado habitual mais tarde, onde se previa a reestruturação, em particular da pesca da sardinha, onde as perdas eram enormes, e da primeira venda, em que os intermediários estavam altamente beneficiados, mas com prejuízos elevados para os pescadores e para os consumidores finais, além de muitos outros assuntos de maior ou menos peso que requeriam melhorias de forma a tornar esta atividade mais competitiva.
Este Plano acabou por ser recusado pelo Conselho de Ministros de então, isto é, na realidade pelo 1º Ministro e pelo Ministro das Finanças por razões difíceis de entender ou melhor, impossíveis de aceitar.
Esta recusa mais o tratamento indevido das negociações com a Espanha quanto aos acordos bilaterais de pesca provocaram uma reacção pessoal minha, algo áspera e pública, donde resultou a minha saída do Governo de forma não propriamente pacífica.
Curiosamente até hoje julgo ainda não terem sido resolvidas estas questões, com elevados prejuízos para o país conforme as estatísticas das pescas demonstram claramente, embora se ouçam com frequência críticas a Bruxelas, que parece ser uma desculpa usual para as más práticas dos nossos políticos de serviço.
O caso do Creoula
Assim que tomei posse de Secretário de Estado da Pescas falou-me o Eng Guimarães Lobato, que eu já conhecia há muito tempo, a chamar-me a atenção para o caso do Creoula.
Que era simples: este navio tinha sido comprado pela S. E. das Pescas e havia uma resolução do Conselho de Ministros que previa a construção de uma doca seca onde ele deveria ficar para exposição, mas que seria melhor se ele pudesse ser um navio escola.
Assim no dia seguinte mandei fazer um estudo da viabilidade de esta utilização, aliás bastante mais interessante que a que estava autorizada, e uma vez concluído positivamente, foi proposto ao Conselho a alteração da decisão e a utilização da verba prevista para a sua preparação para navio escola.
Surgiu entretanto um problema operacional que era a sua tripulação ter que obedecer às leis de contratação então em vigor, o que originava custos incomportáveis para a Aporvela o que obrigou a fazer um contrato de comodato com a Armada, ficando esta a operá-lo. Diga-se de passagem com excelentes resultados.
v Os principais Bancos portugueses fecharam o exercício findo com prejuízos que absorvem praticamente a totalidade dos seus Resultados Líquidos nos dois anos imediatamente anteriores.
v “Foi esta maldita crise”, ouve-se dizer a torto e a direito, com aquele ar fatalista que é tão nosso (sim, por cá, o que corre mal nunca, por nunca ser, é obra humana – antes, fruto do insondável destino).
v Peço vénia para discordar: Não, não foi! Foi, sim, em larguíssima medida, o resultado inevitável, e há muito esperado, de uma complacência de décadas em sede de regulação e supervisão (leia-se: BdP).
v Que a crise das Dívidas Soberanas europeias tenha apanhado todos de surpresa, concedo. Ainda que, desde o instante em que França e Alemanha violaram ostensivamente (e impunemente) as regras de Maastricht, os deficits gémeos (da BTC e do Orçamento) em muitos países comunitários (e não só os PIIGS) apontassem para desequilíbrios estruturais que ninguém queria ver.
v As próprias regras de Maastricht também não ajudavam. Segundo elas, a virtude estaria toda no equilíbrio orçamental e numa Dívida Pública estabilizada. O resto não interessava. E esse resto poderia ser, por exemplo, uma estratégia de política monetária que, ao premiar o endividamento e a apetência pelo risco, e ao penalizar o aforro, empolava as receitas fiscais e desequilibrava as contas externas.
v O que esta crise veio tornar evidente é que há mais perigos para lá dos deficits orçamentais. Há, por exemplo, os deficits da BTC, a Dívida Externa (sobretudo, o peso do serviço da Dívida Externa no PIB), o facto de só se poder pagar os juros e encargos que se vencem com mais empréstimos - ou a ideia tonta de que numa união monetária tudo se financia.
v Poder-se-ia ter visto à distância como se agravava o risco nalgumas Dívidas Soberanas? Poderia. Mas convém não perder de vista também que:
- Em retrospectiva, quase tudo é óbvio – o difícil é perceber o que o futuro reserva, antecipar;
- O quadro prudencial dos Bancos (Acordo de 1988, primeiro, Basileia 2, mais recentemente, as próprias Directivas comunitárias) não exigia que fossem afectados Capitais Próprios aos investimentos feitos em Dívida Soberana europeia - tornando-os, assim, numa espécie de “almoços grátis”;
- Muito frequentemente, as legislações nacionais impunham (e ainda impõem) percentagens mínimas de Dívida Pública a Instituições Financeiras que aí operem (por exemplo, Seguradoras).
v Quanto às menos valias na Dívida Soberana, estamos conversados: foi o que o destino quis, ponto final. Destino a que o BST (uma Filial) escapou. Por mérito próprio? Talvez. Mas também porque os Bancos com melhor percepção do risco há muito sabem que o mercado das Dívidas Soberanas é cada vez mais volátil (ou especulativo; explicar porquê fica para melhor oportunidade) – e, por isso, gerem-no a partir das “Casas Mães”, não deixando que as Filiais ponham a mão naquela massa.
v Destino cuja força não seria, porém, suficiente para impor os prejuízos que os Bancos de cá registaram.
v Uma outra causa de tão grandes prejuízos foi a transferência dos Fundos de Pensões dos Bancos para a Segurança Social. Escapou a CGD (cujo Fundo de Pensões já tinha levado o mesmo caminho anos atrás, numa operação rodeada de polémica), mas não escapou o lado Santander do BST (o lado Totta esteve sempre integrado na Segurança Social).
v Como assim? Perguntará o Leitor. Simples. O BdP tolerava que os patrimónios dos Fundos de Pensões dos Bancos fossem inferiores ao valor actuarial das pensões de reforma e sobrevivência que eles, Bancos, se tinham obrigado a pagar. E alguns desses Fundos nunca conheceram, mesmo, outra situação.
v Dito de outro modo, também aqui havia deficits – e deficits que deixavam intactos Balanços e Contas de Resultados, com o consentimento do BdP (que, como bom pater famílias, protegia os seus filhotes, os Bancos supervisionados), aplauso dos accionistas (que recebiam dividendos empolados) e do Fisco (que cobrava uns impostos mais).
v Certamente por isso, os Bancos, de tempos a tempos traziam à baila o tema da integração dos seus Fundos de Pensões na Segurança Social - mas, naturalmente, não nos termos em que viram, agora, os seus desejos tornar-se realidade.
v Para que a operação de cosmética não agravasse o deficit orçamental, o valor (a preços de mercado) dos patrimónios a transferir para o Estado (e que este se apressou a contabilizar como receita) não poderia ser inferior ao valor actuarial das responsabilidades indeclináveis (perante os pensionistas de hoje e os pensionistas de amanhã) que o mesmo Estado estava a assumir em contrapartida.
v E lá tiveram os Bancos (excepto a CGD) de entrar, de uma só vez, com o dinheiro necessário para cobrir a diferença que, até essa data, nunca tinha afligido o BdP – e de levar o desembolso a Resultados, como custo. Diferença que, afinal, não era tão pequenina assim.
v Mas a maior perda estava guardada para o valor realizável das Carteiras de Crédito Bancário. Desde tempos imemoriais que os Bancos se iludem relativamente às perdas potenciais nos empréstimos que ainda se não venceram. E o BdP, a quem compete vigiar pela solidez do sistema bancário, lá vai comungando, de ânimo leve, da mesma ilusão.
v Eu explico. Por tradição, os Bancos, seguindo instruções do BdP, consideram:
(1) que os empréstimos vencidos e não pagos são acasos que não reflectem o risco de crédito a que se encontram efectivamente expostos;
(2) que, no máximo, 1% da Carteira de Crédito Bancário cairá em incumprimento, não importa o que a dura realidade esteja a mostrar;
(3) que, provisões, só para os empréstimos vencidos e não pagos. E, vários deles, nem mesmo estes mínimos tinham provisionado.
v Não é só o facto de não relacionarem o crédito que cai em malparado com os empréstimos ainda por se vencer, como se todos eles não saíssem da mesma realidade económica. É, também, o modo como medem a sinistralidade de crédito que estão a registar: o rácio “Crédito Vencido/Crédito Total”.
v Não repara o BdP, e fingem não reparar os Bancos:
(1) que o Crédito Vencido é o acumulado de valores passados da Carteira de Crédito Bancário, diminuído por utilização de provisões (uma espécie de subsidiação cruzada entre os diversos negócios a que os Bancos se dedicam);
(2) que o saldo da Carteira é o resultado da política comercial seguida e da conjuntura económica recente.
v Quer dizer, quando a Carteira cresce aceleradamente (como aconteceu por cá até 2009), só esse facto é suficiente para que um Banco que não cometa loucuras apresente um rácio da ordem dos 2%, ou menos, subestimando a sinistralidade realmente registada e a perda potencial nos empréstimos ainda em Carteira. E lá se felicitam os Bancos, Relatório após Relatório, pela prudência com que desenvolvem os seus negócios e gerem o risco de crédito.
v Quando a Carteira se contrai por efeito de uma conjuntura recessiva, aquele rácio quase que “explode”, sobrestimando a real sinistralidade – que, como é de prever, aumenta. Nisto estamos (para sua referência, Leitor, a perda esperada nos empréstimos do tipo Banca de Retalho - que predominam nos “nossos” Bancos - rondará os 4%; por cá oscilava, de facto, entre os 3% e os 7-8%, até 2008).
v Graças à troika, BdP e Bancos viram, por fim, a luz:
(1) a exposição ao risco de crédito mede-se pelo peso dos empréstimos que, num dado período, ficaram por pagar no total dos empréstimos que deveriam ter sido pagos, nesse período;
(2) esse peso (ou rácio) pode, mesmo, ser ajustado em função do ciclo económico;
(3) constituir provisões burocraticamente, como quem preenche formulários, raramente dá bons resultados.
v Alto lá! Então os Bancos, durante todos estes anos, apresentaram lucros excessivos, não porque fossem obscenamente rentáveis, como tantos clamaram, mas porque, mais prosaicamente, não financiaram adequadamente os seus Fundos de Pensões nem provisionaram suficientemente as perdas potenciais nas suas Carteiras. Pois é! A realidade tem destas ironias.
O trabalho a realizar era manter os serviços a funcionar e fazer o mais rapidamente possível a adaptação de todos os regulamentos para a nova situação e estou convencido que se conseguiu cumprir os objetivos pretendidos, principalmente porque o pessoal e em particular os Diretores e o pessoal técnico dos vários serviços foram quase todos excelentes, apenas havendo de início duas pequenas dificuldades logo colmatadas.
Episódio do Oneto
Vou agora contar-vos um episódio que à primeira vista poderia parecer nada a ter com a Marinha, mas que na verdade julgo que pode ajudar a compreender a estrutura cultural da revolução de 74 e daí abrir a possibilidade de se entender a aversão à Marinha que veio a verificar-se logo nos primeiros tempos e que atingiu o máximo na década de oitenta.
Havia um membro, se não me falha a memória das Brigadas Marxistas Leninistas, chamado Fernando Oneto, que eu conhecia por ter sido colega do meu irmão no Liceu Pedro Nunes, que era então membro da Comissão de Extinção da Pide-DGS e que de vez em quando me visitava no gabinete no Terreiro do Paço, de passagem para casa, algures na Graça.
Uma vez, lá para Setembro de 74, trazia de baixo do braço um "dossier" com uma lombada de cerca de um cm, portanto bastante volumoso, que era um relatório da Pide para o Presidente do Conselho de Ministros, Prof. Marcelo Caetano, onde estava descrito quem conspirava, onde se reuniam, quem eram entre eles os informadores da Pide, etc, etc. Tudo o que era necessário e suficiente para eliminar qualquer conspiração até porque havia alguns dias de avanço em relação a 25 de Abril.
Mas o que é muito interessante é o despacho do Professor exarado no topo do ofício que capeava a informação e que era qualquer coisa como "isto não tem importância, prestem atenção ao General Kaúlza de Arriaga".
1ª conclusão: os estrategas tão auto avaliados mais tarde, só tiveram sucesso porque Marcelo Caetano assim o quis, o que confirma o facto de esta revolução, tal como todas as anteriores, com excepção das de 1383 e de 1640, foram mais perdidas pelos detentores do poder que vencidas pelos revoltosos. O que significou sempre vencedores fragilizados e pouco competentes em governação.
2ª conclusão: a esquerda organizada pôde tomar conta da revolução com facilidade e controlar corporações que destruíram algumas empresas essenciais para a independência do País entre elas, as do âmbito da Marinha, o que explica em parte a primeira fase da sua destruição.
Em finais de Outubro ou princípio de Novembro desloquei-me a Angola e Moçambique na tentativa de combinar um acordo com os respetivos governos provisórios de forma a manter ligações com estes novos Estados em formação que nos permitissem colaborar com eles para o desenvolvimento das suas marinhas e manter algumas das linhas com navios nossos particularmente onde tínhamos posição como terceira bandeira.
Mas nada se conseguiu pois o General Costa Gomes já tinha tomado a posição de a nossa Marinha ficar totalmente fora de qualquer ligação.
Foi a primeira manifestação, a nível de topo, dum complexo que julgo veio a ser muito influente na futura evolução da nossa Marinha e que consistia em conjugar o facto dela, até então gerida pela Armada, ter sido a base do nosso colonialismo, o que constituía um pecado político terrível. A que ninguém queria estar ligado.
Quem viveu esses tempos recorda-se certamente do antagonismo dos partidos de esquerda, que dominavam a nossa vida política, em relação a tudo o que dissesse respeito às antigas colónias, não sendo reconhecida qualquer acção positiva que por nós tivesse sido realizada nas antigas colónias. E que foram muitas, embora naturalmente também houvesse outras más ou menos boas como aconteceu com todos os países que alguma vez se expandiram e tiveram colónias.
Estou mesmo convencido que a esquerda portuguesa tomou muitas decisões, como estas atrás indicadas, muito mais influenciada pelo ódio à ditadura salazarista que por amor ao País.
Infelizmente esta atitude acabou por contagiar a maioria das nossas elites de que resultou o estado actual de termos uma população maioritariamente de costas para a Marinha.
E digo assim porque muitos gostam do mar, mas da mesma maneira que o político atrás mencionado, apenas acrescentando umas idas à praia.
Por outro lado a marinha de recreio era considerada uma actividade fascista de tal forma que eu próprio fui várias vezes assim apelidado quando me dirigia com a família, nos fins de semana, com um atrelado onde transportava um bote com 3,9m e dois "kayaks" para a Lagoa de Albufeira.
Recordo-me de, já no final desta fase que coincidiu quase com o fim do ano, de chegar à conclusão de que após as adaptações feitas, estávamos então preparadíssimos para refazer e melhorar toda a regulamentação, muita dela necessitando ser modernizada, mas os tempos eram tempestuosos e em 11 de Março de 1975 terminou esta minha etapa político-marítima.
4-Período exterior e retorno
Passado algum tempo desta data iniciei uma fase de atividade no estrangeiro: primeiro em Angola em duas empresas de pesca mas em Agosto seguinte tive que me retirar daí por razões de segurança, e fui trabalhar no Brasil onde, além de outras atividades como ser Professor numa Universidade no Rio de Janeiro, durante ano e meio estive como responsável por uma agência de navegação em Santos.
Foi uma experiência muito interessante e se eu me orientasse prioritariamente pelo lucro nunca mais teria voltado.
O Brasil é outra dimensão, como aliás já dizia D. Pedro quando queria colocar a capital de Portugal no Rio de Janeiro.
O regresso a Portugal quase permitiria voltar à minha atividade preferida que era dirigir uma empresa de navegação mas as condições foram algo mal tratadas pelos responsáveis e por isso acabei por trabalhar durante cerca de dois anos em indústrias química e metalo-mecânica.
Facilitismo ocidental é mau exemplo para países no vigor da sua juventude
“É proibido proibir”,” tudo é relativo!”, “quem manda nos substratos inferiores é a opinião”! Defendem os novos profetas da política, da psicologia e da sociologia, oriundos de povos desenvolvidos mas já virados para o pôr-do-sol da civilização. Nações jovens deixam-se combalir por ideias e práticas de declínio, válidas talvez para civilizações decadentes mas não para nações ou culturas ascendentes à tribuna do desenvolvimento…
Uma rede de elites, a nível internacional, une-se para, do alto do seu mirante, ditar as suas sentenças e impedir o desenvolvimento dos biótopos culturais, tal como fez, na paisagem, uma economia que devastou as florestas naturais.Ao colonialismo económico parece seguir-se o colonialismo cultural. Esta parte de areais cerebrais aparentemente anónimos e ávidos de poder! As nações abdicam de si mesmas para estarem atentas aos deuses do Olimpo no seu arrastar das cadeiras. Aqui troveja o deus da sociologia, acolá pontifica o deus da moda, mais além ribomba um deus da universidade com outros deuses da hierarquia. E ao povo, mesmo culto, resta-lhes levantar a cabeça e cacarejar como habitantes dum galinheiro.
Enquanto nações culturalmente conscientes se preocupam em fomentar a qualidade do ensino, observa-se, em certas nações, a tentação de educar para o facilitismo. Em nome duma socialização do ensino, baixam-se os critérios de qualidade e as exigências na maioria dos estabelecimentos de ensino estatal.
Por outro lado as classes dominantes, conscientes da importância da qualidade do ensino ministrado inscrevem seus filhos em escolas de qualidade (longe das favelas) ou no ensino privado, vocacionado para a qualidade.
Uma ideologia da igualdade momentânea exige: todo o aluno tem de passar de ano automaticamente, num sistema de ensino indiferenciado. Isto é fraude às classes sociais precárias e menos atentas. Estas só descobrem o dolo e o tempo perdido ao chegarem ao mercado de trabalho.
A Divisão do País começa com a Divisão da Língua!
O MEC (Ministério da Educação e Cultura do Brasil) distribuiu um livro por 4.236 escolas para quase meio milhão de alunos que estabiliza barbaridades do discurso popular falado, como estas: "Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado", "Você pode estar se perguntando: “Mas eu posso falar os livro?”, “nós vai”. Naturalmente que é dever da escola pegar no aluno, com respeito por ele, no estádio onde se encontra, independentemente do nível da linguagem, mais ou menos adequada, por ele usada. É natural que na perspectiva do meio popular a criança ao dizer “nós vai „não comete erro porque seguia o padrão social ambiental. Onde não há ciência não se pode culpar a consciência.
Apesar dos reparos ao livro distribuído, por cientistas da língua, para o MEC, ele corresponde aos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) --normas a serem seguidas por todas as escolas e livros didácticos.
O MEC argumenta: "A escola precisa livrar-se de alguns mitos: o de que existe uma única forma 'certa' de falar, a que parece com a escrita; e o de que a escrita é o espelho da fala", afirma o texto dos PCNs.
O MEC parece considerar o ensino um acto colonizador sentindo-se mais propenso a incrementar um analfabetismo funcional. A eterna questão entre educar e instruir!
A escola não pode querer a bagunça da língua nem pode esgotar-se no combate ao “preconceito linguístico”. A vida social, com as injustiças sociais a ela inerentes, só se melhora ajudando os alunos a estarem preparados para enfrentarem a vida social e profissional com dignidade. A fonte do “preconceito” está na injustiça da desigualdade de oportunidades e esta começa pela língua. Quem vai para a escola acredita na ascensão social. Também é natural que qualquer variedade da língua se adequa a uma situação.O aluno deve ser especialmente preparado para se desembaraçar nas situações mais exigentes. A má consciência duma sociedade que discrimina à nascença não remedia a situação recorrendo apenas a eufemismos de linguagem. Apenas se desobriga sociológica e psicologicamente. Facto é que o emprego duma linguagem inadequada pode constituir um erro para a vida pretendida.
Sem esforço não se avança. A água não sobe pelos rios. Para subir tem de se “espiritualizar” em vapor. O mesmo se diga duma pessoa, dum povo ou duma cultura. Criar a impressão que o progresso se alcança sem disciplina (regras gerais), sem vontade de subir, sem liberdade criativa é discriminar pela negativa. Para baixo anda a chuva! Pensar faz doer, o ensino pressupõe uma pedagogia desadaptada da sociedade dominante. Doutro modo como aprenderão os alunos, em tempo útil, a “levar a água ao seu moinho”?
Para andarmos na estrada precisamos de regras (código ou regras de trânsito); para circularmos na sociedade precisamos de conhecer as regras da língua (a gramática). Doutro modo, passaremos a vida a andar por carreiros ou por estradas camarárias sem termos a possibilidade de entrar nas auto-estradas da vida social.
As elites hodiernas, sem conteúdos nem ideias humanos, optam pelo simplismo. Para oferecerem aos distraídos da vida têm sexo, diversão e opinião! Isto é de graça para todos; o poder e o melhor pão, esses são para os que se empenharam na sua formação.
No mundo da opinião toda a gente tem razão. Só que a língua é anterior à filosofia e para se” ter razão” não chega a opinião, é precisa a razão que advém da sua fundamentação. No mundo do dogma da verdade da opinião preparam-se as pessoas a ter opinião sem razão e assim a aceitarem a opinião sem destrinça. Nisto está interessado um globalismo que pretende reservar para poucos a capacidade de pensar e vê na formação séria da maioria um impedimento às suas arbitrariedades. Manter um povo na incapacidade de se expressar é o melhor pressuposto para uma ditadura consistente e para impedir a concorrência de possíveis competidores treinados.
A defesa e empenhamento pelo proletariado não podem abdicar da qualidade; não chega o “para quem é, bacalhau basta”.
O Homem define-se e desenvolve-se pela Língua
Na capacidade de diferenciações dentro duma língua, podemos observar a maior ou menor capacidade de expressão dum povo. Ela é como que a sua matriz e dá testemunho do seu maior ou menor grau de desenvolvimento intelectual. A língua é ao mesmo tempo a minha casa e a minha Ágora. Ela é não só abrigo mas também expressão de relação.Para se abrigar, tanto chega uma palhota, uma favela, como um palácio. Como vivemos num mundo do “homo homini lupus” temos porém que preparar o aluno/a com instrumentos adequados. Antigamente dizia-se: “pela aragem se vê quem vai na carruagem”.
Um espírito decadente e uma proletarização da cultura estão cada vez mais na moda.
Quem defende a proletarização da língua, ao orientar-se por um padrão minimalista e miserabilista, atraiçoa o interesse do proletariado. Este tem de exercitar o seu intelecto e aprender formas mais complicadas de entender uma realidade complexa. A cúpula da pirâmide não desce à base proletária; esta é que tem de se preparar e consciencializar da subida. “Para cima só os anjos ajudam; para baixo todos os diabos empurram!”
Em geral reconhece-se que a matemática e o latim são grandes meios auxiliares de estruturação do cérebro e do pensamento.
O ensino sério duma gramática coerente é certamente o primeiro instrumento de organização e ordenação mental que não deve ser recusado ao povo, seja ele o mais pobre e alheio à cultura oficial! Regras não inibem a criatividade. São pelo contrário o seu pressuposto. A criatividade ordena o caos. Pressupõe inteligência e esforço!
Países que ainda não atingiram o apogeu do seu desenvolvimento não se devem deixar orientar pelo relativismo decadente vigente nos povos ocidentais interessados em não caírem sozinhos.
Um país como o Brasil, para assumir a liderança do continente sul-americano tem que arrogar-se responsabilidade apostando sobretudo na formação do povo. O relativismo decadente assumido em política de língua pode ser um sinal de que o Brasil não se quer preparar para assumir tal posição! O país não se pode perder em repetir experiências de povos decadentes. Deve ter a coragem de errar por si para aprender; tem de crer para poder!
Desenvolver a criatividade no sentido da lusofonia.
" Mesmo o mais corajoso entre nós só raramente tem coragem para aquilo que ele realmente conhece", Nietzsche (citado em JORNAL DE OLEIROS).
Comecei a trabalhar na Insulana como funcionário da Sociedade Financeira, primeiro como Director até à Assembleia Geral realizada em Março onde fui eleito para o Conselho de Administração.
Sociedade Financeira essa que tinha acabado de comprar uma posição dominante na primeira através de negociações intermédias com o tenente coronel António Figueiredo e com o Sr. Jorg Scheder, negociações estas que teriam levantado algumas dúvidas, originando uma investigação ordenada pelo então Ministro da Marinha e realizada pelo Alm.te Alfredo de Oliveira, que esclareceu aquele membro do Governo e assim se encerrou o assunto. Pela minha parte de interesse neste assunto, só mais tarde quando era SE tive oportunidade de consultar o processo respetivo e ficar a compreender melhor o que tinha sucedido.
A Insulana estava, antes desta mudança, numa situação difícil principalmente pelos elevados prejuízos causados pelo transporte de passageiros, ou melhor da ausência de passageiros, uma vez que o desenvolvimento do transporte aéreo eliminou este transporte marítimo, mas a entrada da Sociedade Financeira no seu capital e principalmente a concessão de participar no tráfego africano, em particular Angola e Moçambique, proporcionou-lhe a capacidade de se reestruturar, incluindo a fusão com a empresa Carregadores Açoreanos.
Com esta fusão foi possível realizar esta reestruturação em poucos meses, aproveitando o pessoal técnico das duas empresas e assim constituindo uma equipa com excelente nível e elevada motivação.
Para dar uma ideia recordo-me de só no primeiro ano a empresa adquiriu 14 navios, alguns novos, outros em segunda mão.
Os navios de passageiros mais antigos tinham entretanto sido progressivamente abatidos restando no final o Angra do Heroísmo e o Funchal mas havia informações de que algumas empresas estrangeiras tinham transformado os seus paquetes em navios de cruzeiros.
Assim fizemos um estudo de como gerir um hotel flutuante e que transformações seriam necessárias, bem como os custos e os benefícios prováveis, donde se ter concluído ambos serem aproveitáveis.
Obviamente era uma operação arriscada uma vez que não havia entre nós essa experiência, mas por outro lado tínhamos a consciência de que era o caminho certo para desenvolvermos uma atividade muito ligada ao turismo que se posicionava como essencial para o nosso país, e se outros a tinham realizado com sucesso não havia razão maior para não tentarmos.
Mas o Conselho de Administração não esteve de acordo e o Angra do Heroísmo foi vendido a uma empresa… que o utilizou em cruzeiros. Quanto ao Funchal teve o mesmo tratamento negativo mas quando se requereu ao Ministro da Marinha o seu abate, o então Presidente da República Alte Américo Tomás opôs-se, argumentando que a empresa agora tinha meios para evitar esse abate, e o Conselho aceitou o risco.
Para reduzir os custos de operação e de manutenção mudou-se a máquina de turbinas para motores diesel e alterou-se a estrutura dos camarotes, dos restaurantes e dos espaços de entretenimento para se adaptar a este novo serviço, o que foi realizado num estaleiro holandês em cerca de quatro meses, porque nenhum estaleiro nacional o poderia fazer.
Esta aposta veio a revelar-se correta pois os primeiros resultados foram muito positivos operando durante o período primavera/verão na Europa e no Outono/inverno no Brasil.
O ano 1974 começou com algumas perturbações causadas pelas pressões políticas para se proceder à fusão da Insulana com a Colonial, na minha opinião para salvar esta última da falência, fusão essa que veio a realizar-se, formando-se a CTM e passando eu para a Gerência de uma empresa que detinha as oficinas da Colonial, onde estava quando chegou o dia 25 de Abril de 1974.
Durante cerca de um mês ou mais, já não me recordo com exatidão destas datas, houve várias confusões, de que não conheci pormenores, das quais resultou o Presidente da CTM, Engº Oliveira Martins ter pedido a demissão e saído do país.
Para o substituir, convidaram-me então para ocupar esse lugar, o que viria a verificar-se ser por muito pouco tempo e portanto sem nada para contar.
Até ao princípios de Julho, altura em que caiu o Governo do Prof. Palma Carlos e foi substituído pelo Brigadeiro Vasco Gonçalves e em que foi nomeado Ministro do Equipamento Social e Transportes o tenente-coronel José Augusto Fernandes.
Isto aconteceu numa 5ª ou 6ª feira e na semana seguinte, quando estava no meu gabinete da CTM na rua de S. Julião, recebi um telefonema do Ministro que queria falar comigo. De seguida atravessei a rua e fui ao seu gabinete no Terreiro do Paço.
A conversa foi rápida: disse-me que tinha sido criada uma Secretaria de Estado da Marinha Mercante, que deixava assim de depender do Ministro da Marinha que desapareceu, e para tal cargo havia uma lista de candidatos da qual eu estava à cabeça.
Aí a resposta foi igualmente curta: se pergunta se quero, digo que não, se manda, diga lá a que horas.
E assim começou a minha primeira experiência política de governação.
A vida para os portugueses, depois de terem chegado à Índia, pela primeira vez em 1498, não foi um jardim de rosas. Não existiam pompas de recepção pelos nativos ou bem-vindos pelos mercadores "mouros" que compravam as especiarias para depois as enviarem para os mercados tradicionais da Europa: Veneza, Piza e Génova. Os portugueses eram tomados como novos concorrentes e mal vistos.
Pedro Álvares Cabral na expedição à Índia em 1502, logo após ter descoberto o Brasil, foi muito mal acolhido em Calecut. Os mouros atacaram-no ficando assim desencorajado de assentar arraiais.
Seguiu os conselhos de Gaspar da Índia para navegar mais para Sul. Cabral pensando que em Cochim lhe fosse acontecer o mesmo que em Calecut, não se aventurou atracar os seus barcos junto à costa. Durante a curta estadia em Calecut, frei Henrique Coimbra, conseguiu converter um nativo e baptizou-o com o nome de Miguel.
O novo cristão foi enviado a terra para colher informações e saber se Cabral poderia ser recebido. Miguel regressa com a boa nova: os galeões podem ancorar no porto, permutar e carregar os porões de especiarias.
Desde logo, o Rei de Cochim autoriza Cabral a construir uma feitoria e fica a cargo dela um fidalgo de confiança, Gonçalo Gil Barbosa. Foi assinado um Tratado de Comércio, Navegação e Amizade. As Naus regressam a Lisboa carregadas de pimenta e Cabral faz o convite ao Rei de Cochim que mande um Embaixador, homem de sua credibilidade para ir com ele até Portugal. Fica, com isto, criada a estabilização para uma base de consolidação dos desejos dos portugueses para a futura expansão no Oriente.
O que vou apresentar não é um trabalho de história, pois não sou historiador. É apenas um testemunho das minhas vivências e experiências relacionadas com a Marinha Portuguesa desde 1974 até agora, finais de 2011.
1-Introdução
Desde há alguns anos tem vindo a aumentar o interesse pelo MAR resultando grande movimento de reuniões, seminários, congressos e natural produção de comunicações e até cursos. Incluindo a formação da Estrutura de Missão para os assuntos do Mar que tem tido ação muito efetiva no tratamento da nossa zona atlântica, mas sempre deixando para trás a MARINHA.
Aliás este assunto das riquezas potenciais dos fundos do oceano já vinha a ser tratado há bastante tempo, como por exemplo aconteceu aqui na Sociedade de Geografia com uma sessão em 1976 onde colaboraram o Alm.te Barahona Fernandes, o Dr. João Telo Pacheco e o Com.te Serra Brandão mas as autoridades políticas só mais tarde concretizaram as ações a desenvolver.
E Mar sem Marinha é pouco mais que paisagem.
Sem Marinha, Portugal é um país europeu periférico
Com Marinha, Portugal já foi um país central
E quando alguém afirma que não temos Marinha porque somos pobres, é porque está navegando com rumo errado a 180º, pois a realidade é que somos pobres porque deixámos de ter Marinha.
Até tivemos um Ministro nesta área cujo interesse pelo mar era olhar para ele no paredão e almoçar contemplando-o, o que pode ser poético e gastronómico, mas pouco eficiente para o País.
Dadas as dificuldades que o País enfrenta no fim do período contemplado neste trabalho, provavelmente poucas vezes, ou até talvez nunca, foi tão importante observar o passado a pensar no futuro, pois só corrigindo os erros cometidos no passado, poderemos sobreviver com independência e melhorar o nosso nível de vida, de forma sustentada.
E esta realidade foi uma das razões que me trouxeram aqui e roubar-vos estes minutos. Além de que tenho a consciência de que a minha carreira já vai longa e tudo o que é humano é transitório.
Como disse Fernando Pessoa:
Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.
Devo dizer-vos que várias vezes em que tive oportunidade de apresentar comunicações na Academia de Marinha, afirmei ser a Armada o último reduto da resistência à onda de destruição da Marinha, que assolou este País nestas últimas décadas, e acrescento agora, pela influência de três is nefastos: ignorância, inércia, inveja. E que tanta influência tiveram na génese da atual situação que atravessamos.
Mas antes de iniciar devo explicar o que entendo por Marinha Portuguesa pois se alguém consultar a "net" vai ter acesso apenas à Armada, o que tem alguma razão de ser, pois a nossa Marinha Mercante atual é quase nada, a Marinha de Pesca tem vindo a diminuir e a de Recreio está a 20% do que devia e continua a ser muito mal compreendida e mal tratada.
Por que razão ou razões passámos da situação, na minha opinião invejável, de termos um "cluster" da Marinha, entendido e praticado como o conjunto das várias Marinhas civis e a Marinha de Guerra, ou seja, a Armada, há séculos e com provas dadas, e de repente, tudo é apagado e rapidamente desaparece?
A Marinha, nesta definição antiga, sofreu as consequências do nosso atraso científico, tecnológico e industrial que se verificou no século XVIII e se arrastou ao longo do século XIX, atraso este que só começou a ser recuperado após as primeiras décadas do século XX, com o início do desenvolvimento do ensino técnico de que o Instituto Superior Técnico (1911) é provavelmente o melhor exemplo.
Assim, como consequência natural deste atraso, a nossa Marinha arrastou-se penosamente até à segunda guerra mundial – de 1939 a 1945- em que as suas fraquezas provocaram uma reação do Governo, expresso na formação de empresas nacionais no ramo energético e ao célebre despacho 100, do então Ministro da Marinha Américo Tomás, que foi a base da nossa nova Marinha Mercante, a qual em 1974 ocupava lugar significativo no transporte Marítimo mundial e estava em progresso como terceira bandeira, em particular nos casos da E. Nacional de Navegação, da Insulana e da Soponata.
Aqui ainda há mais uma explicação para uma pequena discrepância entre o título e o texto, pois no primeiro está a data 1974, em que se verificou a mais profunda alteração da estrutura da nossa Marinha, e no segundo verifica-se o seu início em 1971 que corresponde à data em que eu iniciei a minha atividade profissional nela e que julguei indispensável para se compreender a minha posição em 1974 e no que se seguiu.
Ainda os restos da armada de Pedro Alvares Cabral não haviam regressado a Portugal e já uma terceira armada saíra de Lisboa com destino ao Oriente. Comandava-a João da Nova, alcaide pequeno da cidade de Lisboa, homem de grande linhagem e esforçado como asseguram os cronistas, velho lutador nas lides do mar, em prémio de cujos trabalhos havia recebido a alcaidaria pequena da Capital, apesar de ter nascido na Galiza.
Na sua armada de quatro naus seguem já algumas enviadas por mercadores, com fazenda própria para as trocas nos portos da África Oriental e Índia, uma das quais pertencia a Diogo Barbosa e outra ao fíorentino Bartolomeu Marchioni.
D. Jerónimo Osório assegura que o número das naus era apenas de três, discordando assim dos outros cronistas. Parece não ter razão, pois se dois dos navios pertenciam a particulares, o comandante capitaneava uma nau e seguia Álvaro de Braga para com o seu navio ficar em Sofala, o número total não podia ser de três, mas de quatro.
A armada partiu de Lisboa a 5 de Março de 1501. Navegando com tempo favorável, a «oito graus além da linha equinocial contra o sul acharam uma ilha, a que puseram nome da Conceição» (1).
Dali se dirigiram directamente à aguada já conhecida da primeira viagem — a aguada de S. Brás, a Mossel Bay de hoje —, onde chegaram aos 7 de Julho. Aqui se deu, nesta ocasião, um dos muitos episódios curiosos das temerárias viagens dos portugueses, um dos que revela espírito de iniciativa coroada de êxito.
Ao desembarcarem, viram um sapato velho dependurado de uma árvore. Intrigados com o estranho achado, subiram à árvore e desataram-no. Tinha dentro uma carta escrita em português. João da Nova leu-a: era de Pêro de Ataíde, um dos capitães da armada de Pedro Alvares Cabral, a avisar os navegantes de Portugal que por ali passassem dos últimos acontecimentos passados na Índia. Avisava os capitães que deviam aportar a Cochim, onde seriam bem recebidos, evitando Calecute, «o porto cujo rei era mui cruel e malvado homem, que maquinava com insídias, de primeiro, contra os portugueses e, depois, com força declarada a sua perdição».
Tais notícias vieram modificar o curso dos acontecimentos.Oscapitães da armada reuniram-se em conselho e deliberaram, perante a incerteza das coisas da Índia, não deixar em Sofala a Álvaro de Braga com o seu navio, «e por lhes ficar mui pouca gente». E resolveram partir dali para Quíloa.
NOVAS NOTÍCIAS
Passaram por Moçambique, nos primeiros de Agosto, com pouca demora, donde seguiram para Quíloa. Ali os esperava alvoroçado um coração português, a palpitar de ansiedade no corpo de um degredado, um dos muitos humildes cuja história se não escreveu, ficando nas entrelinhas dos cronistas — António Fernandes. Mais tarde o veremos como figura central de um destes «Quadros da História de Moçambique».
Viera na armada de Cabral, como assegura João de Barros, e ali foi deixado para colher notícias da terra ou, como a tantos sucedeu, para morrer às mãos de inimigos.
A alta influência de um mouro da cidade chamado Mafamede Anconi salvou-o de morte certa e lá foi encontrado por João da Nova, que dele recebeu uma carta de Pedro Alvares Cabral escrita no regresso da Índia, em Moçambique, e enviada a António Fernandes por um zambuco. As notícias recebidas eram idênticas às de Pêro de Ataíde, já achadas na aguada de S. Brás.
De Quíloa a Melinde e daqui para as Índias foi João da Nova escrevendo páginas, a juntar à epopeia portuguesa do Oriente. Vitorioso, iniciou a viagem da volta, fez aguada em Moçambique e, passado o Cabo da Boa Esperança, «teve outra boa fortuna que lhe deparou Deus»: descobriu a ilha de Santa Helena.
Assim no-la descreveu a prosa elegante de D. Jerónimo Osório:
«... ilha tão grande, mas que parece depositada ali naqueles mares por determinação divina, para refeição dos mareantes portugueses, que trabalhados vêm da Índia e suas tormentas, faltos (como é de crer em navegações prolixas) de todo o provimento. Contém ela rios perenais de águas mui frescas, matas e florestas mui espessas, e ares que dão saúde.»
Da ilha de Santa Helena partiu a armada para Lisboa, onde chegou a 11 de Setembro de 1502 «com sumo contentamento que de tão venturosa chegada coube não só a el-rei mas também à cidade toda».
Três anos tinham decorrido sobre o famoso feito da descoberta do caminho marítimo para a índia. A África Oriental nos seus portos conhecidos não conheceu ainda feitoria estável. São apenas pontos de aguada, nas diferentes passagens das armadas, a Ilha de Moçambique e os portos mais ao norte.
O ouro de Sofala vive, porém, de imaginações. Ele vai ser muito em breve o centro de atracção dos portugueses, o ponto de partida para o interior, onde lentamente se irão desvendando os segredos desta África misteriosa.
Francisco Gomes de Amorim
(1) - Hoje conhecida com Ascensão.
(Faltava só descobrir as ilhas de Tristão da Cunha que este navegador encontrou em 1506.)
In “Quadros da História de Moçambique”, 1947, pelo Dr. Alcântara Guerreiro. Publicado em “Moçambique” – Documentário Trimestral – nr. 59 – Julho – Agosto – Setembro - 1949
Foi na minha juventude que "The power and the glory" me chegou numa tradução francesa que me não deu o prazer por que eu esperava. Vou ter que o reler no original ou numa tradução portuguesa; os tradutores portugueses têm tido um trabalho notável.
Diz-se que, de toda a língua inglesa, é o romance mais lido no século XX mas diz-se tanta coisa...
Sei que tudo resultou de uma viagem que Graham Greene fez ao México – a Tabasco e Chiapas – para conhecer a perseguição religiosa que por ali acontecera nos anos vinte por ordem de Plutarco Callas.
Lembro-me que o enredo se refere aos dramas de um padre católico que continuava na região. Perseguido pela polícia, não era herói nem santo e vivia na clandestinidade com a certeza de ser um pecador por ter uma filha mas, destruído pela bebida, perseguido e fraco, para ele a fé era uma certeza que não se deixava limitar pelas misérias do mundo e que conduzia o crente ao poder e à glória.
A matéria histórica de Tabasco e Chiapas está pormenorizadamente relatada por vários sítios e para a conhecer não é hoje necessário sair de casa pois a Internet dá-nos informação de sobra. E fá-lo em todas as perspectivas – a dos perseguidores e a dos perseguidos – o que nos permite imaginar as «coisas» pelos vários lados.
Não é, pois, para conhecer a História que vou reler o livro; é para ter o prazer literário que me lembro não ter tido com a tradução francesa.
Mas é também para me aproximar da questão psicológica da figura central do enredo para quem todas as misérias mundanas são afinal ultrapassadas pela fé. E a questão vai ser a de saber se por causa da fé aquele farrapo conseguia continuar no vício ou se só a fé o fazia transportar a cenários virtuais de poder e de glória que, na realidade, não possuía. Vícios apesar da fé ou vícios por causa da fé?
Mas, para já, dá para imaginar a desgraça de quem tem vícios e não tem fé.
Mais um texto que me chegou por via Internet sobre o Acordo da nossa discordância derrotada. O colocá-lo no meu blogue (http://poramaisb.blogspot.com/) serve apenas para me regozijar, na constatação de que há cidadãos que, mau grado os ventos adversos, insistem em soltar o seu grito de um “Ipiranga” nacional de independência linguística relativamente aos poderosos Brasis amordaçantes, merecendo o respeito e a gratidão de quem ama deveras o seu país, no desejo de o ver sair da lama em que chafurda.
Mas não posso deixar de referir mais um absurdo proporcionado por um Acordo que, mal interiorizado pelos que o desejam expandir na RTP, permitem um programa de interrogatório às populações sobre a ortografia das palavras, com explicações de autêntica baboseira, sem que ninguém mais grado intervenha, talvez por vergonha de dar a cara ao disparate, ou por ainda desconhecer a regra. É o programa “Assim se escreve embom Português”: Há dias, a pergunta foi sobre a grafia da palavra adoptar, se se escrevia com p ou sem p. Houve quem dissesse que era sem p, já que tal letra se não pronunciava. Conclusão da gentil entrevistadora, no quadro escrito para ela: As duas grafias são permitidas – adoptar e adotar - sem explicar porquê, o que não parece certo, dentro da regra do A.O. que elimina da grafia os fonemas não pronunciáveis, proporcionando, aquela ilação, um verdadeiro caos ao nível da justificação com pretensa base científica que, suponho, os linguistas do Acordo não deixarão de impor dentro dos seus parâmetros, a menos que a arbitrariedade de escrita se instale neste país, sujeito a tantas mais arbitrariedades.
Um país que se permite tais disparates, para além da falta de qualidade ortográfica nas traduções de filmes, etc., etc., não vai certamente comover-se com o rigor dos que mostram quanto é erróneo o Acordo, e mau grado a recusa do governo angolano de o assinar.
Mas aqui fica o texto recebido, como demonstração de algumas forças de bom senso que se não calaram no país.
Berta Brás
«Cidadãos usam argumentos jurídicos contra novas regras de ortografia. Já há uma queixa na Provedoria de Justiça, um pai que quer proibir a escola de ensinar as novas regras à filha e há uma petição para levar o assunto ao Parlamento. Margarida Davim - margarida.davim@sol.pt
A PROVEDORIA de Justiça está a analisar uma queixa que pretende travar o Acordo Ortográfico (AO). Trata-se de um pedido de revisão da constitucionalidade do Acordo, feito por Ivo Miguel Barroso, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, que garante que as novas regras de escrita são inconstitucionais. Ao mesmo tempo, um grupo de cidadãos está a recolher assinaturas para entregar na Assembleia da República e tentar travar o Acordo e vários escritores como Miguel Sousa Tavares e Vasco Graça Moura recusam escrever com a nova grafia. E há até pais que estão a pedir às escolas para que os filhos não aprendam as novas regras (ver texto ao lado).
«A nossa Constituição é rígida», explica Ivo Barroso, sublinhando que «nenhum tratado internacional – como o Acordo Ortográfico – ou recomendação da Assembleia da República podem mudar o que está na lei fundamental do país».
Ou seja, não é por haver um acordo entre os países de Língua Portuguesa que se pode mudar a ortografia que foi usada para escrever a Constituição. Mas esta não é, segundo o especialista, a única inconstitucionalidade do AO. «Há uma violação grave da identidade nacional e estão em causa direitos fundamentais como o direito à Língua».
Ivo Miguel Barroso defende que «a Língua não se muda por decreto». Lembra que no passado houve «reformas ortográficas», mas nota que «nunca as alterações foram tão profundas como se propõe agora».
Contactada pelo SOL, a Provedoria de Justiça adianta apenas que a queixa «está a ser analisada».
Acordo não está em vigor. Mas esta não é uma tentativa isolada para travar a aplicação das novas regras ortográficas. O tradutor João Roque Dias tem usado a internet para divulgar o que considera serem as «aberrações» do AO. E assegura que não há nada que obrigue a usar a nova ortografia, porque «o Acordo não está em vigor».
Argumentos jurídicos não lhe faltam. «Não há nada que revogue o decreto-lei de 1945, que define as regras da ortografia que usamos», explica lembrando que a legislação nacional que suporta o AO resume-se a uma resolução da Assembleia da República de 2008 e a uma resolução do Conselho de Ministros de 2011 – que obriga todos os documentos oficiais a usar o ‘novo’ Português a partir de l de Janeiro de 2012 -, «que juridicamente estão abaixo do decreto-lei e não o podem revogar».
António Emiliano, professor de Linguística da Universidade Nova de Lisboa, é da mesma opinião e lembra que até a forma como o Acordo foi feito na CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) é questionável. «Foi definido que se três países aceitassem o Acordo – neste caso Brasil, São Tomé e Cabo Verde – passaria a estar em vigor, quando a regra na CPLP é a aprovação por unanimidade».
Emiliano acredita, aliás, que a oposição de Angola e Moçambique – que não ratificaram o tratado – pode travar a nova ortografia. «Angola pode ter um papel determinante», diz.
O linguista critica ainda o facto de não haver qualquer estudo sobre os impactos das alterações introduzidas pela nova ortografia e alerta para as consequências económicas: «Ninguém sabe ao certo quanto será preciso gastar para adaptar ao Acordo os documentos oficiais e livros».
António Emiliano alerta, aliás, para o facto de a nova escrita mudar para sempre a forma como se pronunciam as palavras. «Na maior parte dos casos, as consoantes mudas servem para abrir as vogais», esclarece, dando um exemplo: «Podemos deixar de dizer ‘telespectadores’ para passar a ler ‘telespêtadores’».
E há ainda as confusões geradas pelo facto de se deixarem de escrever todas as consoantes que não se lêem sem ter em atenção as palavras que derivam umas das outras. «Há dias, a minha enteada de 15 anos não conseguia perceber a palavra ‘aspetual’ porque não viu que tinha relação com a palavra ‘aspecto’».
Razões suficientes para Emiliano considerar que o Acordo «é anti-linguístico e não tem respeito pelas regras da etimologia [a evolução das palavras]».
Cidadãos querem mudar a lei.
As razões invocadas por João Pedro Graça para ser contra o Acordo são semelhantes. A diferença é que decidiu usar um instrumento previsto na lei para ir à Assembleia da República travar o processo.
«Estamos a recolher assinaturas para fazer uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos (ILC)». João Pedro Graça não revela quantas assinaturas tem já,mas adianta que a tarefa de chegar às 35 mil que a lei obriga é umamissão quase impossível.
«Na internet é muito fácil. O pior é que os serviços da Assembleia exigem que as assinaturas sejam entregues em papel e com o número de eleitor e a referência do concelho e da freguesia», conta, explicando que por esse motivo já muitas das assinaturas que tinham sido recolhidas foram consideradas inválidas.
Ortografia oficial
{Desde Janeiro} A partir do primeiro dia do ano, todos os documentos oficiais passaram a obedecer ao Acordo. Exemplo disso, é a página oficial da Presidência da República, mas também o Diário da República e até as sentenças dos tribunais.
Escritores contra{Editoras aceitam} autores como Miguel Sousa Tavares e Vasco Graça Moura e cronistas como Pedro Mexia continuam a usar a grafia antiga, apenas com uma nota de aviso aos leitores. Todas as editoras estão a respeitar a decisão dos escritores.
Clássicos reeditados {Edições escolares} Eça de Queirós e Fernando Pessoa são autores que o Grupo Leya vai reeditar com a nova ortografia, por serem escritores estudados nas escolas – onde os alunos já aprendem segundo o Acordo.
Aliás, todos os manuais escolares já foram adaptados.
Jornais e televisões
{RTP e Lusa primeiro} O canal do Estado foi o primeiro a seguir as novas regras de escrita, a par da agência Lusa. TVI, Público e SOL são órgãos de comunicação que ainda não aderiram à nova forma de escrever Português.
Pai quer impedir nova ortografia
Já avisou na escola que não deixa a filha aprender as normas do Acordo Ortográfico. E acredita que a lei está do seu lado: UM PAI está a tentar impedir que a filha de oito anos aprenda Português com as novas regras do Acordo Ortográfico (AO). «Já falei com o professor e expliquei à directora que não aceito que ela seja ensinada assim», explicou ao SOL José Manuel Bom, que acredita que o AO não está em vigor.
«Nada revogou o decreto-lei de 1945 que define as regras da ortografia que usamos», defende o consultor, que ainda não obteve da escola qualquer reacção. «Até ao momento, ainda não tive resposta». De resto, o SOL tentou também sem sucesso ter uma resposta do Agrupamento de Escolas Eugénio dos Santos, em Lisboa, que não fez qualquer comentário.
Pais à procura de apoio jurídico
José Manuel Bom acredita, contudo, que não está sozinho. «Há na internet vários pais que anunciam em blogues que não querem os filhos a aprender regras absurdas», conta o encarregado de educação que se queixa de não perceber a forma como a filha pronuncia as palavras escritas com a nova ortografia. «Há palavras que ficam irreconhecíveis. Por exemplo: deixa de haver uma maneira de diferenciar ‘para’ e ‘pára’, porque o acento do verbo desaparece».
João Pedro Graça, um dos activistas anti-acordo, explica que há «muitos pais que querem evitar que os filhos aprendam segundo o AO». O problema, conta, é que quando procuram apoio no seu movimento Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo, este não pode fazer nada. «Não somos uma instituição. Não podemos dar apoio jurídico. Tem de ser cada um por si». Ainda na semana passada, num evento de recolha de assinaturas contra o AO, em Lisboa, foi esta a resposta que teve de dar a um pai «que queria saber como poderia travar o Acordo».
António Emiliano, professor de Linguística da Universidade Nova de Lisboa, acredita, porém, que o facto de haver pais a organizar-se pode fazer com que a resistência ao Acordo seja mais eficaz. «Foi o que aconteceu com a TLEBS, uma terminologia nova para a gramática que não fazia sentido nenhum», conta, lembrando que «o Governo acabou por recuar no essencial, graças à pressão das associações de pais».
Já a resistência por parte dos professores pode ser muito mais difícil. «Têm-me chegado denúncias de professores que anunciaram que não iriam aplicar o Acordo e que, por isso, começaram a ter as piores turmas e os piores horários e a ser alvo de verdadeiras perseguições por parte das direcções», revela João Pedro Graça.
O Ministério da Educação e Ciência (MEC) assegura, contudo, não ter conhecimento de qualquer situação em que pais se estejam a recusar a que os filhos estudem com a nova ortografia.
Margarida Davim
[Transcrição integral de peça jornalística da autoria de Margarida Davim publicada na edição em papel do semanário "Sol" de 27.01.2012.