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A bem da Nação

A nova equipa na Agricultura – 6

 

Joaquim Vieira Natividade (1899-1968)

Engº Agrónomo e Silvicultor, distinguiu-se no campo da arboricultura

 e silvicultura como técnico e investigador, tendo ao longo da sua excepcional

carreira publicado mais de 300 trabalhos

 

 

Portugal tem alguns casos pontuais de elevado nível em matéria de extensão rural. Podemos considerar, em tempos muito antigos, que a acção dos monges de Cister, no Mosteiro de Alcobaça foi um trabalho de extensão rural. A sua acção de desenvolvimento da agricultura da região foi magistralmente descrita por esse grande agrónomo e silvicultor que foi Joaquim Vieira Natividade, que lhes chamou "os monges agrónomos do mosteiro de Alcobaça" e bem demonstrou a importância da sua missão, terminando uma conferência sobre esse tema com uma famosa frase: "E eu, que tão bem conheço as agruras da profissão, ainda hoje não sei se eles eram santos por serem agrónomos, ou se eram agrónomos por serem santos...".

 

Já no século XX tivemos a acção dum outro agrónomo ilustre, João da Mota Prego, que entre a literatura que nos deixou se encontra a "Biblioteca dos meus Filhos" uma série de 7 livrinhos (um outro nunca chegou a ser editado), com magníficos ensinamentos, em forma romanceada, em estilo que tem sido correctamente comparado ao de Júlio Dinis, e em que os protagonistas são sempre jovens que na agricultura atingem bons níveis de êxito. Dele disse um dia o Professor de Agronomia Sertório de Monte Pereira: "Mota Prego é uma medida de fomento. Mandá-lo para um sítio é desenvolver a faculdade económica da região". Não conheço melhor forma de definir o agrónomo da extensão.

 

Alguns outros casos pontuais, como o do Eng.º José Mira Galvão, que durante muitos anos dirigiu a Brigada Técnica de Beja, que nos deixou uma série de folhetos de divulgação e cujo prestígio na região era muito grande. Alguns outros casos existiram ou existem, mas o Ministério nunca teve esse serviço organizado e com a amplitude que considero necessária. Depois do 25 de Abril até foi criada uma Direcção-Geral de Extensão, mas... não era para fazer extensão, pois isso era tarefa de outros serviços!

 

Não conheço qualquer descrição do valor monetário consequente desses trabalhos. O único caso de extensão rural, bem documentado e quantificado de que disponho ocorreu entre 1958 e 1971. À semelhança do que já tinha feito em França e em Itália, a companhia Shell contratou um engenheiro agrónomo e colocou-o num concelho, para o caso Sever do Vouga, não para vender os produtos da Shell, mas para fazer extensão rural, embora nunca usasse esse termo, provavelmente para não criar problemas com os serviços oficiais. O técnico escolhido foi o Eng.º Reinaldo Jorge Vital Rodrigues, meu colega de curso, um agrónomo de elevada competência e rigor, que aliava a uma boa clínica geral, uma especialização em economia agrária, pois tinha trabalhado algum tempo no grupo do Prof. Henrique de Barros.

 

Começou a sua actividade realizando uma detalhada monografia do concelho de Sever do Vouga, uma zona de extremo minifúndio, com explorações de muito pequena dimensão e muitas delas compostas por várias parcelas de pequena área, raramente adjacentes. Isso tornava o trabalho muito difícil porque, além do baixo nível de escolaridade da maioria dos agricultores, quando o Eng.º Vital Rodrigues convencia um a agricultor a alterar a técnica usada, passando a usar uma mais rendosa, isso era aplicável a uma área pequena, frequentemente uma fracção de hectare. A sua acção junto dos agricultores foi tendo cada vez mais aceitação e, naturalmente, cada vez mais agricultores seguiam as suas indicações e ia crescendo, a cada ano que passava, o valor acrescentado no total da agricultura do concelho.

 

Anualmente, era publicado um Relatório desse trabalho em que eram relatadas as melhorias obtidas, a área a que tinha sido aplicada e o valor em escudos das melhorias conseguidas nesse ano. A análise desses resultados terá de ficar para um próximo artigo.

 

 Miguel Mota

Publicado no Linhas de Elvas de 7 de Julho de 2011 a 15 de Setembro de 2011

“O SOLDADO PRÁTICO”

 

RETRATO DAS NOSSAS PRÁTICAS

 

Já o Soldado de “O Soldado Práticode Diogo de Couto se queixava de desmandos que aconteciam no Reino e na Índia, tal como os militares de hoje, que fizeram o 25 de Abril, se queixam dos desmandos que neste Reino lhes acontecem, ignorados os seus feitos
de defesa territorial anterior. De modo que podemos dizer que sempre o nosso país foi palco de queixas, de furtos, de sonegações, e que sempre existiu cá quem apontasse isso.

 

O próprio original de “O Soldado Práticode Diogo de Couto lhe fora furtado e, por cópias que dele tinha, pôde refazê-lo, por alturas de 1610.

 

Trata-se de um diálogo entre um Soldado sexagenário, experiente, (como significado de “prático”), um Fidalgo, ex-governador da Índia e um Despachador, (ou secretário do Rei).

 

Segundo Rodrigo Lapa, “A experiência dos negócios, as amarguras pessoais, a visão pavorosa da decadência dão um calor, uma violência patética à narração”, tornando a obra “O Soldado Prático” “dos livros mais honrados da literatura portuguesa”.

 

Não sei se as reivindicações dos militares grevistas de hoje assentam em idênticas razões que as deste Soldado rezingão. Transcrevo alguns dos seus conceitos que apontam as particularidades milenares de um povo sôfrego mas espezinhado sempre nos seus direitos, e cujos responsáveis pela espantosa decadência do Império”, ainda segundo expressão de Rodrigues Lapa, têm à cabeça o próprio Rei.

 

É da Cena I da I Parte que extraio alguns passos:

Apresenta-se o Soldado diante do Fidalgo e do Despachador:

… “Sou tão só neste Reino que não tenho coisa a que me possa arrimar que a estes papéis que aqui trago dos muitos e muitos serviços que nas partes da Índia tenho feitos, ornamentados e esmaltados com o sangue deste corpo, que espargi pela lei e pelo rei, de que me
não tenho arrependido…”

 

O Fidalgo o acolhe com simpatia e promessas na boa vontade do Rei, o Desembargador o aponta como diferente de outros queixosos que “representam suas coisas com aquele ímpeto e furor, como se estivesse pelejando com os inimigos; e eu, em vez de os ouvir e responder, estou com os olhos buscando algum lugar onde me esconda de suas cóleras.”

 

Na realidade, o Soldado, com sendo crítico, não deixa de ser letrado, socorrendo-se mesmo de vastidão de autores clássicos para ilustrar as suas duras experiências, o que faz dele a voz do narrador Diogo de Couto, que foi companheiro e amigo de Camões nas suas
andanças pela Índia.

 

Trata-se, assim, de um livro – «Diálogo do Soldado Prático que trata dos enganos e desenganos da Índia» - dividido em três partes, cada uma seguida de um argumento em síntese, sobre a localização espácio-temporal dos diálogos entre os três intervenientes (casa do Despachador, três dias sucessivos) e com número variável de cenas, respectivamente 10, 6 e 4.

 

Conta o Soldado a sua revolta contra os despachadores, lentos nos despachos: “… Porque assaz de bem remediado parte um soldado da Índia, que pode sustentar-se nesta corte de umas naus a outras, para se poder tornar; e se vir que lhe respondem devagar, não sente mor desesperação que lembrar-se que está em terra onde não há remédio; e que o que ajuntou por seus amigos para vir requerer, parte se lhe foi na Casa da Índia, pelos excessos dos contratadores, que até das camisas que levam vestidas lhe tomam direitos…” “e que não vê donde se possa valer, e que ou será forçado morrer de fome neste Reino, ou deixar tudo e tornar-se para a Índia sem ser respondido: o que se tem por tamanha infâmia …..”

 

Hoje culpamos a burocracia como responsável por tantos desses atrasos na resolução dos despachos ou outros quaisquer ofícios, acrescentando-lhe a falta de competência, em paralelo, em certos casos, com o recurso à cunha e a luvas, que nos distinguem, na mediania das nossas aspirações e brio profissionais, no exercício das várias funções, condenando o país à ignomínia do seu contínuo atraso. Um olhar sobre os outros países europeus dá-nos uma constante imagem da nossa pobreza, que é sobretudo do foro espiritual.

 

Da ambição das riquezas – da Índia, neste caso – tão do nosso quotidiano, embora de diferente proveniência, dá igualmente conta o Soldado:

“… Estando eu um dia em um convento de religiosos, veio um fidalgo, que ia entrar em uma das melhores fortalezas da Índia, a despedir-se deles; e na conversação, em que eu me achei, lhe disse um religioso daqueles, estas palavras: -Senhor, lembre-vos que ides entrar na mercê que el-rei vos fez por vossos serviços, e que nela podeis ganhar o Céu, como eu neste hábito, com estas coisas. Contentai-vos com o que é vosso, deixai viver os pobres, e fazei justiça. Ao que lhe respondeu o fidalgo: -Padre meu, eu hei-de fazer o que os outros capitães fizeram; se eles foram ao Inferno, lá lhes hei-de ir ser companheiro; porque eu vou à minha fortaleza, senão para vir rico …”

 

Quando vemos a que subtileza de crimes pode conduzir a ambição nestes nossos tempos de escândalos contínuos, e quão longe se está igualmente hoje do receio do Inferno, só que com a exteriorização de uma virtude imaculada, só podemos admirar a argúcia de Diogo
de Couto no desvendar de caracteres de tão ampla projecção intemporal.

 

Também da Justiça nos dá um parecer de uma actualidade firme. Limito-me a esclarecer com esta simples frase da longa diatribe do Soldado:

“… Nunca se procede contra os criminosos, e sempre se livram, e Deus sabe como.”

 

Deus sabe como, mas a maioria de nós fica a ver navios, ainda que não da Índia.

 

 Berta Brás

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