Em 16 de Novembro de 1936, completaram-se agora 75 anos, foi criada pelo Decreto- Lei Nº 27.207 a Estação Agronómica Nacional (EAN). Não foi um acontecimento vulgar mas sim uma mudança, para melhor, na investigação científica e na agricultura, em Portugal. Até essa data, só havia, fora das universidades, algumas unidades de pequena amplitude e de escassa produção científica, tanto em organismos oficiais como em reduzido número de privados. Também com ela e para ela foi criada a carreira de investigador científico, paralela da carreira docente universitária.
A EAN, além de ser, fora das universidades, a primeira instituição de investigação científica moderna e de razoável dimensão, foi o modelo adoptado por todos os que vieram depois, dela decalcados. O primeiro, nascido dez anos mais tarde, foi o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), que conseguiu não sofrer de algumas limitações impostas à EAN.
Instalada provisoriamente nos Jerónimos, foi em 1941 transferida para uma propriedade e um edifício construído de novo, em Sacavém. Quando a companhia SACOR necessitou de se expandir para esses terrenos, adquiriu a propriedade e a Estação comprou a parte Norte da Quinta do Marquês, em Oeiras, onde construiu novos edifícios. O primeiro foi o do Departamento de Genética, terminado em 1961. O edifício principal, onde está a Direcção e alguns Departamentos, foi inaugurado pelo Presidente da República em 1966.
A partir de 1974, a EAN começou a sofrer toda a espécie de limitações, dentro da dupla destruição, da agricultura e de toda a investigação que não seja das universidades. Essa destruição, lenta no início mas depois acelerada, principalmente a partir de 2005, culminou com a vergonhosa legislação dos fins de 2007, que decretou a sua extinção e a de mais outros organismos, como a Estação Nacional de Melhoramento de Plantas, em Elvas, criada em 1942 e que tanto já tinha dado à agricultura e, portanto, à economia de Portugal.
Remando contra a maré e contra todos os obstáculos que se iam levantando, um punhado de investigadores do que resta da EAN, conseguiu, no dia 16 de Novembro de 2011, celebrar os 75 anos da sua oficialmente extinta instituição. A comemoração desse 75º aniversário constou duma Sessão Solene e da publicação dum livro - editado pela Imprensa Nacional - em que se encontram relatos do que foi a actividade dos seus diversos departamentos.
A abertura da Sessão Solene foi presidida pelo Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural, Eng.º Agrónomo Daniel Campelo. Segundo me informaram, a Sr.ª Ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território gostaria de estar presente, o que não foi possível por o governo estar nesses dias a apresentar na Assembleia da República o Orçamento para 2012. De mais pormenores da Sessão falarei num segundo artigo.
Miguel Mota
Publicado no Linhas de Elvas de 24 de Novembro de 2011
Défice orçamental português em percentagem do PIB, 1977-2010
(*)
Cessada a compra de votos pela prática demagógica, está Portugal pela primeira vez na sua História a reequilibrar as contas públicas sem solução na continuidade democrática. O facto só pode resultar da consciência pesada que todos e cada um dos cidadãos já tinha ao saber-se beneficiário de créditos para cujo financiamento escassamente contribuíra. E se há quem se admire com a calma generalizada perante os apelos à revolta, sugere-se a explicação de que isso se deve à expectativa de que a ultrapassagem da crise individual a que muitos foram conduzidos possa ocorrer pelo recurso a soluções típicas do famoso improviso nacional. Demorará tempo a trazer de volta à fiscalidade a economia paralela assim gerada mas valerá sobretudo que se impeça desse modo a ruptura social.
A política de restrição orçamental em curso era a única solução para reduzir o consumo numa economia cuja balança de transacções correntes apresenta crónicos e vultosos défices (Portugal deve ser actualmente o país europeu com maior propensão marginal à importação), para abrandar a saída de divisas e, concomitantemente, recuperar alguma credibilidade externa ao sistema bancário nacional.
Em simultâneo, o crescimento da dívida pública (ao ritmo vertiginoso de 2 milhões de Euros à hora) tinha que ser drasticamente reduzido sob pena de implosão do Estado segundo o modelo por que o conhecemos.
Quando a restrição orçamental interna coincide no tempo com a restrição monetária vigente no espaço euro, é imperioso que se assumam com frontalidade as mudanças estruturais no «modelo de desenvolvimento» que levou Portugal ao colapso económico.
Mas se todo o processo de restrição da despesa é imprescindível, o relançamento da actividade terá que ser a outra face da mesma moeda a que poderemos chamar de «remodelação económica de Portugal».
E se neste início de ano de tanto pugnarmos por certas ideias que sucessivos Governos ignoraram já descremos de alguma vez lhes vermos a vida, isso não obsta a que nos mantenhamos firmes na convicção de que é urgente voltarmos a produzir o que consumimos e, de preferência, exportarmos o que nos sobre. E, contudo, poucas seriam as medidas de política necessárias.
Mas prevalecem graves custos de contexto nomeadamente na inoperância da Justiça que no século XXI se rege por processos algo arcaicos face ao estilo da vida actual, nomeadamente a sua rapidez. Urge acelerar a Justiça pois quando o tempo faz Lei através da prescrição e da usucapião, bem podem os prevaricadores abdicar do temor e os lesados desanimar; essas são evidentemente figuras legais mas o que por certo não são é morais.
Mas mantenhamos uma atitude positiva pois vai entrar 2012 que é o primeiro ano do resto das nossas vidas...
Têm sido muito comentadas as consequências funestas para a economia deste país as várias PPP (Parcerias, Público-Privadas) que foram criadas para se conseguirem realizar projectos, muitos deles de utilidade duvidosa, fugindo ao controle que deveria haver mais eficiente, e garantindo aos nossos filhos e netos uma sobrecarga de dívidas para muitos anos, além da contribuição para o desequilíbrio actual...
Foram de facto péssimas as decisões que tornaram reais estas situações, mas deve perguntar-se: quem as tomou?
Ora ainda há dias na comunicação social aparecia a informação de que cerca de 78% da despesa total do nosso Estado é constituída por pensões e custos de pessoal dele dependente, razão pela qual o actual Governo, para atingir os valores que permitirão termos acesso ao crédito, que é essencial para sobrevivermos, se viu forçado aos cortes que até alguns partidos políticos, com enorme responsabilidade nesta situação, tanto criticam.
É preciso não esquecer que para lhes pagar é indispensável cobrar mais impostos o que significa tornar menos competitivos aqueles que produzem e criam riqueza (e que são poucos) o que nos faz cair numa espiral de perda crescente, como se pode verificar pelo valor enorme das dívidas acumuladas.
Voltando à pergunta formulada dois parágrafos atrás: quem as tomou?
E já agora mais outra pergunta: e quem constitui a parcela não produtiva da nossa população que provoca todo este desequilíbrio?
A resposta a ambas é: os PPP. Ou seja: os Partidos Políticos e os Parasitas.
Os primeiros porque em democracia, que todos tanto apregoam, devem ser eles a preparar pessoas competentes e honestas para ocuparem os cargos inerentes ao exercício do poder, sempre devendo ter como objectivo essencial o bem do país e não apenas o bem do partido ou de alguns dos seus membros, poder esse obviamente conseguido em eleições, em que seria desejável toda a gente participar.
Porque não o fazer, isto é abster-se, é próprio de regimes ditatoriais. Ou então consequência de falta de aproximação dos partidos à população e sinal de baixa eficiência dos responsáveis por esses partidos.
(*)
Da mesma forma que a dificuldade de os partidos em apresentarem candidatos com o nível de qualidade correspondente á importância dos cargos a preencher também resulta de falha gravíssima desses mesmos responsáveis.
Curiosamente sempre que há eleições e se verifica a enorme abstenção, os políticos aparecem a lamentar-se, e até por vezes a acusar os eleitores de falta de civismo, mas os responsáveis são eles e mais ninguém.
Para ilustrar esta deficiência dos partidos basta recordar a ausência total de vontade política, isto é, dos políticos que estão na Assembleia da República, de legalizar o combate à corrupção começando por estabelecer as regras que devem gerir os conflitos de interesses, e de garantir a eficiência dos órgãos de controle, como por exemplo o Tribunal de Contas, de forma a reduzir, ou eliminar se possível, os casos que se têm verificado com tantos prejuízos para o País.
Além disto verifica-se também que os mesmos partidos, que tanto contribuíram para a situação actual de quase bancarrota do nosso país, e que quando podiam ter alterado o rumo de colisão nada fizeram de positivo, antes pelo contrário ainda agravaram mais os erros e desmandos, agora aparecem na rua a protestar como se estivéssemos outra vez em tempo de ditadura.
De facto na ditadura foi preciso ir para a rua para mudar para a democracia, mas agora não seria preferível os partidos conseguirem ser mais eficientes e mais conscienciosos e resolverem os problemas do País nas eleições e no Parlamento?
E darem provas de que o seu objetivo é melhorar a gestão do País e não apenas a obtenção de benefícios insustentáveis e a satisfação momentânea dos responsáveis das suas organizações corporativas?
Ficam para o fim os Parasitas. Isto é: aqueles que recebem salários ou pensões mas não contribuíram ou contribuem com qualquer actividade que justifique esse pagamento.
Aqueles que estando ainda no efectivo, e que é a maior parcela, mas em nada contribuem para a riqueza do país, dividem-se em dois grupos: os que não têm qualquer responsabilidade por se encontrarem em tal situação e para quem há que encontrar outras funções úteis e os que por razões de compadrio político ou outro se instalaram nessa situação, para os quais a solução é demiti-los.
Estão espalhados por serviços dos ministérios mas também muitos nos municípios, que já deviam ter iniciado por sua iniciativa própria a remodelação indispensável, aproveitando as oportunidades que existem, tanto na agricultura como no turismo e outras atividades, aliás muitas delas dependentes de decisões dos próprios municípios.
Além de muitos outros em empresas e fundações públicas que usufruem de condições excepcionais mas que não contribuem de forma a corresponder pelo serviço prestado ao que recebem.
Quanto aos pensionistas também existem entre eles, os que recebem pensões para as quais não contribuíram, e que parecem ser as mais elevadas, devendo pois serem devidamente reduzidos às dimensões equivalentes às normais.
Conclusão: Pior que as PPP só mesmo os PPP, até porque são eles que as fizeram e ainda não corrigiram os erros que praticaram e nos conduziram à situação atual.
Creio que foi Swedenborg, um místico sueco, que afirmou que todas as pessoas que querem ir para o Céu, vão mesmo para o Céu depois de mortas. É a democracia celeste. S. Pedro escancara as Portas do Paraíso a todo o bicho careta, como fazem agora os políticos da UE. Mas – espantoso! - a grande maioria dos supostos afortunados falecidos, ao fim de pouco tempo (se é que no Céu há tempo), deixam o Céu, porque o Paraíso é muito chato, e o Inferno, esse sim, é muito divertido, tem TV, fogo de artifício, guerras animadas que enviam quantidades enormes de pecadores para o território infinito do Diabo, e múltiplas outras diversões, como a corrupção, a luxúria, a ladroeira, etc., etc.
Este palavreado vem a propósito do canal TV, Nuur-Sat (nuur, em árabe quer dizer "luz"), católico, maronita, libanês de Beirute, a que eu recorro quando estou farto dos outros canais. O português só fala da Crise, de Cozinha e do Fado; os italianos, ou falam da Grande Guerra, ou noticiam as enormes desordens contra os políticos italianos, dentro e fora da Assembleia Republicana. Um pavor! (Excepção: o filme "Preferisco il Paradiso").
Sinto que o Nuur-Sat é chato para muita gente: missas em árabe, cantorias em árabe, padres falando árabe. Mas eu gosto, em primeiro lugar porque não percebo o árabe e gosto de ver as legendas árabes correrem da esquerda para a direita. Em segundo lugar há muito poucas notícias como as nossas, e se há outras (muito poucas) não as entendo. Depois há muitos corais religiosos e eu gosto de ouvi-los. Depois irradia daquele canal uma serenidade e uma paz que me reconstituem.
Hoje, vi e ouvi um coro de maronitas laicos andarem na via pública de Beirute a cantarem canções do Natal, em árabe, em francês (o Líbano sofreu uma grande influência francesa), em alemão (Stille Nacht, heilige Nacht) e em latim (Adeste fideles...= a bela composição que uns dizem ser de autor anónimo, outros do nosso D. João IV). E ainda um padre cantando em árabe diante dum presépio: ليلة الميلاد = Noite de Natal... lailat almiilaad...
Eu julgo que se entrar no Paraíso, segundo a teoria de Swedenborg, não o acharei chato e lá me deixarei ficar, porque estou farto, fartíssimo, deste inferno terrestre.
Segui o conselho que me foi dado por pura brincadeira,
Para de Animais falar, à minha irónica maneira.
Chamei o meu anjo das metáforas, musas da minha eleição,
Para evitar provocar outra indigestão de psitacídeos,
E, por me preocupar, em geral, qualquer indigestão.
Também, por não sofrer de doentios distúrbios verborreicos,
Prometo não ser demasiado exaustivo e longo,
Para não atropelar, nem confundir as minhas palavras nos conceitos.
Rir das adversidades é aceite como prova de maturidade intelectual,
E é isto a razão de aceitar tão honroso e oportuno convite.
Por isso, aqui vou direito ao zoológico etéreo, espacial,
Munido das contestadas teorias de Darwin
E encontrar-me com fabulistas como La Fontaine, Esopo e Phaedrus,
Para combater o stress e com estes, sobre animais aprender,
Visitando capoeiras, aviários, coelheiras e outros salões muito in,
Sem esquecer aquários, cheios de chernes e tubarões,
Deste zoológico, sedeado na terráquea humanidade.
Por cá, descalços se caminha, sem se ver, qual rei, que vão nus,
Mas, crendo-se superiores, na concertada arte de bem dizer,
Apesar de a superioridade, ser apenas um simples ditongo.
Nesta raça que povoa o meu imaginário de duvidosa sanidade,
Pululam espécies curiosas, desde o homo intelectus ab incunabulis,
Até aos recentes homo oryctolagus cuniculos da família europeia.
Viveremos uma tempestiva, fantástica e original epopeia,
Que tem de tudo um pouco e muitas são as suspeitas
De estarmos a ser levados na conversa das Hymenopteras,
Trabalhadoras da família das formicidae bancárias,
Nós as grandes e conhecidas alimárias,
Do grupo dos asininos, entre os quais os burros, bestas e jumentos,
Que suportamos algumas duvidosas e ininteligíveis receitas
De sofrimentos mil e variados condimentos.
Futuramente, falarei de histórias do coelhinho branquinho
E da formiga rabiga, (**)
Mas, tal como afirmou a escritora Alice Vieira:
"Publicar um livro, por si só, não faz de ninguém um escritor",
Também eu, por escrever fabulando, não serei fabulista,
Jogando com as palavras, em jeito de seriíssima brincadeira,
É arriscado, por isso, perdoem alguma burrice, por favor.
Avançarei por este território inóspito, sem fadiga,
Devagarinho, de mansinho…
Comecemos, então, esta fabulística abordagem,
A imitar o documentário da BBC: "Vida Selvagem"…
Luís Santiago
(*) Conto alegórico sobre a luta pela sobrevivência de um grupo de coelhos selvagens que, perante aquilo que julgam ser uma ameaça, abandonam o local onde viviam, para construírem, noutro local, uma sociedade mais segura, onde possam viver em paz.
(**) "O Coelhinho Branquinho e a Formiga Rabiga", De Alice Vieira, Editorial Caminho, 1994
Personagem da criação de Thomas Mann, o poeta Daniel zur Höhe escreveu as suas Proclamações pelos finais da Primeira Grande Guerra concluindo-as com a exclamação «Soldados! Confio-vos a pilhagem do mundo!».
Às vezes falamos dos programas televisivos, mas eu deixo escapar muitos de diversão. que a minha amiga descreve com a volubilidade e o visualismo suficientes para deles ficar inteirada. O meu estado de espírito de pânico e stress fazem-me optar por programas mais elucidativos sobre a evolução do nosso mundo em que a ameaça do aquecimento não é a menos despicienda neste afundamento gradual.
Mais uma vez, a Quadratura do Círculo – um programa de gente portuguesa que nos enche as medidas, por ser erudito e com a malícia educada de quem sabe escutar, embora discorde, por motivos ideológicos, partidários, ou de sensibilidade. Pacheco Pereira inegavelmente o mais letrado, fundamentando as suas asserções com um rigor não isento de subjectividade, num pensamento cujo desenvolvimento escorre maravilhando os leigos, mas cujas capciosidades não escapam à argúcia dos companheiros, como, aliás, sucede com cada um dos intervenientes aquando da sua própria participação, em que são habilmente interpretados e por vezes desmascarados pelos opositores. Lobo Xavier encanta, pela justeza de princípios aliada a uma experiência de vida em que são perceptíveis o estudo e o trabalho. Também António Costa se revela como uma personalidade firme e enérgica, a quem os anos de acção governativa contribuíram para um saber de dificuldades e de impasses, mantendo uma estimável lealdade pelo antigo chefe de fila. Três bons argumentadores, numa hora de antologia que nos eleva o sentimento pátrio, num programa perfeitamente moderado por Carlos Andrade, que nele se apaga para fazer sobressair os seus três comentadores, sem, contudo, deixar de intervir com o propósito pertinente das suas questões.
Também escutamos O Eixo do Mal, um programa arejado pela graça e irreverência, embora por vezes nos deixe um amargo de boca pela parcialidade nítida dos intelectuais de esquerda nos seus pontos de vista agressivos, um Pedro Marques Lopes balançando-se incomodamente entre a pretensão de defender o partido governativo e a de seguir subservientemente os seus parceiros intelectuais, Luís Pedro Nunes o único que parece isento, mau grado a desconexão dos seus comentários jocosos que o tornam o bufão da corte, mas o de sentimentos mais justos e adequados à tragédia destes tempos, considerando o aperto de um governo que se vê forçado a propor reformas de escândalo por motivos óbvios de uma conjuntura por outros criada, o que os comparsas intelectuais preferem ignorar. Uma mulher nele sobressai – Clara Ferreira Alves - pela manipulação elegante do discurso sábio e aparentemente sensível, mas prejudicado pela demasiada presunção, no seu pedestal de unilateral desdém.
Outros programas políticos nos acodem, de Marcelo Rebelo de Sousa, programa corrido, de quem tem sempre a última palavra, uma palavra chã, simpática e sem contestatários, o de Nuno Rogeiro querendo brilhar nas entrevistas a personalidades gradas do mundo, outros sobre as políticas económicas com comentaristas manipulando os seus discursos de acordo com as suas ideologias políticas ou as suas sensibilidades, que nos fazem aderir ou repudiar, estes últimos quando soam a disco partido de pseudo defesa dos desprotegidos, quais cavaleiros andantes, sem os ademanes aristocráticos, contudo, dos Dom Quixotes de antanho, porque seguidores virtuosos das democracias igualitárias.
São personagens que nos acompanham, que merecem que os evoquemos no réveillon que se aproxima, pelos esclarecimentos que transmitem, companheiros do dia-a-dia das angústias que vamos vivendo, como nunca sonháramos possível.
Mas também queremos acreditar num Governo que parece sério e trabalhador. E nas suas promessas de solução do pesadelo. Assim o quisessem todos e não trabalhassem insensatamente para a completa paralisia.
Falta-nos uma “Edelweiss” simbólica que nos despertasse cada dia para o pensamento de uma alma pátria forever. Entre nós, já nem o rosmaninho abunda, destruído pela auto-estrada.
Sou contra a tirania, qualquer que seja a sua fonte, de um, de alguns, ou da maioria reunida em colectivo
Tenho seguido com interesse o debate que este jornal [Público] tem promovido sobre os acontecimentos no mundo árabe. Hesito, no entanto, em intrometer-me.
Posso ser acusado de conflito de interesses. Em 1998, em Nova Deli, fui co-fundador do World Movement for Democracy, que ainda hoje existe, com sede em Washington. Dez anos mais tarde, em Haia, voltei a ser co-fundador da European Partnership for Democracy, que tem sede em Bruxelas. No ano passado, recebi com surpresa uma Medalha de Gratidão, atribuída pelo European Solidarity Center, com sede em Gdansk, pelo apoio que terei promovido ao Solidarnosc polaco, na década de 1980.
Por outras palavras, a minha posição é demasiado simples e cortante: sou contra a tirania, qualquer que seja a sua fonte, de um, de alguns, ou da maioria reunida em colectivo. E sou a favor da democracia liberal, em qualquer parte do planeta, qualquer que seja a cor da pele, a religião, ou outras particularidades da comunidade em questão. Logo, sou a favor da democracia também no mundo árabe.
Isto não significa, no entanto, que eu possa, ou sequer queira, garantir que os actuais movimentos populares no mundo árabe vão conduzir à democracia. Ninguém pode saber. Mas isto significa que é muito claro o que o Ocidente deve fazer (e, lamento ter de o dizer, já devia ter feito há muito tempo) no Médio Oriente: condenar as tiranias, incluindo as potenciais novas tiranias em preparação; e exercer com vigor a sua influência para viabilizar transições ordeiras e pacíficas para regimes constitucionais pluralistas – vulgo democracias liberais – na região.
Isto significa deixar muito claro que o Ocidente não deve pactuar com tentativas de manipulação autoritária dos movimentos populares actualmente em curso no mundo árabe. E que deve apoiar activamente lideranças locais que se identifiquem com os princípios do governo representativo limitado pela lei.
Foi isso que fizeram Ronald Reagan, João Paulo II e Margaret Thatcher na década de 1980, quando condenaram a tirania comunista – como muito bem explicou o meu amigo John O’Sullivan no excelente livro O Presidente, o Papa e a Primeira-Ministra (Aletheia, 2007). Foi isso que fez Winston Churchill desde 1917 até à sua morte, em 1965: condenou o comunismo soviético nascente, depois o nazismo, e de novo o comunismo, quando este já estava consolidado e fazia descer uma "cortina de ferro" sobre a Europa central e oriental. E o mesmo fez Edmund Burke na segunda metade do século XVIII. Condenou a violação britânica dos direitos dos católicos irlandeses, dos direitos dos súbditos indianos e dos direitos dos colonos americanos. Finalmente, denunciou a violação dos direitos dos franceses pelo autoritarismo, alegadamente progressista, da Revolução Francesa.
Não vejo porque não podemos fazer exactamente o mesmo no mundo árabe. Significa isto que queremos impor aos muçulmanos o modo de vida ocidental? De maneira nenhuma. Significa apenas que não reconhecemos o direito de alguns muçulmanos violarem os direitos humanos dos seus semelhantes. É esta uma visão exclusiva, ou exclusivista, do Ocidente? Não vejo porquê. É uma visão acessível a qualquer pessoa, independentemente da sua "raça", religião, ou outra característica particular. Milhões de "não ocidentais" emigram anualmente para o Ocidente em busca da liberdade e do seu fruto, a prosperidade. Apesar disso, o Ocidente não os obriga a abandonar a sua religião, nem os seus costumes peculiares, a menos que impliquem coerção intencional sobre terceiros.
Uma coisa é certa: o Ocidente não deve, nem pode, abandonar a defesa da liberdade, apenas porque algumas pessoas preferem impor a tirania. É assim, foi assim, e continuará a ser assim, desde a velha Atenas de Péricles e da Grande Geração, o berço marítimo da sociedade aberta, há 2500 anos. Eles deixaram-nos uma herança nobre que ainda perdura: chama-se liberdade.
João Carlos Espada
Director do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa; titular da cátedra European Parliament/Bronislaw Geremek in European Civilization no Colégio da Europa, Campus de Natolin, Varsóvia
Se houver alguém que não tenha memórias destas, não viveu em Portugal nos últimos 25 anos. Cresci num país em que a única televisão era a RTP e depois assisti à chegada das televisões privadas. Para muita gente a RTP era o único meio de comunicação massificada. Não culpo o mercado de nada. Há tantas áreas em que este país horrivelmente uniformizador tem mercado a menos. Mas, de facto, as televisões privadas, precisando das audiências e da publicidade e com a concorrência desleal da estação pública, criaram uma televisão muito diferente da RTP dos anos 80.
A RTP tinha muita parolice e inutilidade. Sabemos que tinha. Era e é uma empresa protegida, usada como arma de propaganda por cada governo. Mas, por exemplo, ainda me sinto em dívida quando lembro que, na faculdade, descobri na RTP2 aquele documentário de Martin Scorsese sobre o cinema americano que hoje existe em DVD. Graças a esse documentário soube de filmes que de outra maneira não teria visto. Podia dar outros exemplos. Não estarei sozinho.
A RTP é um Adamastor financeiro. Se as pessoas perdessem dois segundos a escrutinar os números da RTP, de certeza que iriam querer, e com absoluta razão, o mostrengo trancado num instante. A RTP tem acumulado passivos em série: 800 milhões de euros em 2009 (cito um livro instrutivo de Eduardo Cintra Torres, A Televisão e o Serviço Público, que merece leitura). Os milhões que chegaram à televisão pública por diversas vias e fontes de financiamento – incluindo uma incrível indemnização compensatória – não serviram de nada. A RTP é um monstro empresarial. Existe a RTP e o Império RTP, com os seus vários canais inúteis, da televisão e da rádio, impossíveis de sustentar. Um monstro que, para além de tudo, continua a oferecer prateleiras, sinecuras, vencimentos intoleráveis para uma empresa tecnicamente falida. A RTP nem faz serviço público. Podia fazer, mas prefere ser antes a televisão do pão e circo com o saco sem fundo dos nossos impostos.
O Adamastor precisa de uma grande volta. E há mesmo quem pergunte: para que serve? Por que não se entregam os dois canais, ou um, aos privados? Ou, em alternativa, por que não acabar em definitivo com a coisa, como muitos sugerem, saindo o Estado da actividade televisiva? Não é esse o seu lugar.
Permito-me chamar a atenção para isto: nós somos um país em que a esmagadora maioria de portugueses forma a sua opinião praticamente sobre tudo através da televisão. O português acorda e dorme a ver televisão. Não nos iludamos sobre o poder da televisão, do Estado e dos privados, para formatar o espaço público numa sociedade vulnerável. A televisão portuguesa é tão herdeira dos concursos de variedades, inofensivos, como de gente dos privados, convencida de que pode ser o nosso Citizen Kane.
Ora, existe propaganda pública e propaganda privada. Existe informação governamentalizada e informação ao serviço de interesses privados e grupos económicos. Estamos fartos de saber que é assim. Claro que a primeira pagamos, a segunda não. Mas também é verdade que na primeira dispomos de um sem-número de instrumentos de controlo político e democrático que podem e devem funcionar melhor. Quanto aos privados, são as empresas deles, o dinheiro deles e os segredos deles. Não é a mesma coisa e ainda bem.
Em suma, não recomendo um poder público sem uma televisão pública. E não é tanto por causa do mítico serviço público, entendido na dimensão cultural a que fiz referência. É porque acredito que, em certas situações, o governo pode precisar de um contrapeso para o poder potencialmente manipulador dos grupos privados de comunicação. A televisão é um assunto sério. A RTP deveria assumir esse papel, defendendo uma certa ideia de público e de equilíbrio contra a organização das facções. Acabem depressa com o Adamastor, mas preservem a RTP.