...era o brado que os alucinados alemães berravam quando estendiam o braço à passagem de Hitler.
E eu pergunto-me como foi possível uma Nação ter alinhado em tal «cogito exaltado» numa percentagem tão elevada. Quando sabemos que ainda por aí pululam nazis ou seus neófitos, dá para perguntar se o perigo alemão hoje é real ou se apenas fruto da nossa invejosa imaginação...
Desde que perdeu a guerra, a Alemanha viveu humilhada mais de meio século mas não se deixou acabrunhar. Há cerca de dois séculos que não há analfabetos adultos alemães; o sentido kantiano da ética do dever ganhou raízes fundas no espírito alemão e eu testemunhei logo da primeira vez que lá fui (em 1959) que os alemães vivem para trabalhar enquanto nós, latinos, trabalhamos para viver.
Depois da guerra que fizeram e perderam, tiveram perdões, tiveram ajudas? Sim, tiveram e apetece-nos blasfemar contra tudo isso.
E nós que de nada tivemos que ser perdoados, que fizemos entretanto? E para onde foram as ajudas que a CEE nos deu? Estas duas perguntas têm duas respostas que nos envergonham.
Nós, Grécia, Espanha e outros «Berlusconis que tais» temos andado a carnavalar e quem nos tem pago as mordomias a que nos habituámos fartou-se desse «pagantibus».
O «modelo de desenvolvimento» por que enveredámos em Portugal está errado desde o momento em que nasceu e devemos aproveitar este momento histórico para darmos a volta por cima. A despesa pública corrente tem que descer significativamente; urge regressarmos à produção de bens transaccionáveis, a começar pela agricultura e pelas pescas a fim de conseguirmos algum reequilíbrio na Balança Alimentar, reduzirmos o défice da Balança de Transacções Correntes e, por essa via, da de Pagamentos.
Pese embora o meu nacionalismo, continuo convencido de que os alemães não estão assim tão fora da razão como nos apetece agora dizer.
Os franceses? Também um bocado carnavaleiros, alinham com a Merkel porque lhes pareceria mal não fingirem que mandam na política europeia.
OK! A Merkel é uma mazona... mas nós não temos estado dentro da razão.
Os Nova-iorquinos não precisavam ler Dante para saberem como é o Inferno. Bastavas-lhe tomar um táxi ou ónibus destino Downtown que os fazia atravessar o Bowery, um bairro infernal.
O Bowery tinha aspecto de urbanização datada dos meados do século XIX, embora reze a História que os primeiros habitantes teriam sido escravos libertos no século XVII. A zona está encostada ao distrito financeiro (Wall Street) e teria conhecido um período respeitável quando ali se instalou o comércio citadino de produtos baratos. A seu tempo, atraiu os emigrantes europeus e serviu de cenário a horrorosas batalhas entre etnias europeias que ali assentavam arraiais à sua chegada à livre América. Os antigos - os donos - e os chegados posteriormente - os invasores - digladiavam-se cruelmente para impor a sua lei no território. Ali se terão esgotado muitos sonhos de liberdade e prosperidade.
No fins do século XIX, o Bowery perdeu a respeitabilidade e tornou-se zona de prostituição e jogo. Com a crise dos anos trinta do século XX, passou a habitat dos desesperados. Para ali se encaminhavam e por ali vagueavam os que decidiram renunciar à sua condição social para se entregarem ao esquecimento, ao ócio e à bebida. Viviam de esmolas, dormiam no vãos de escada e trajavam noite e dia a mesma roupa. Não praticavam a violência entre eles nem se tornavam incómodos para os transeuntes, desde que a esmola pedida - qualquer esmola - lhes não fosse recusada. A localização era adequada a este tipo de vida pois a Bowery representava o caminho mais curto para quem se dirigia a pé ou de automóvel ao centro financeiro de cidade. Ao instalarem-se ali, os fainéantsrevelaram sentido de oportunidade e capacidade organizacional. Isso tudo era compreensível. O que eu não compreendia era a razão pela qual as autoridades não removiam aquele chaga social de sítio tão relevante no tecido urbano e porque não cuidavam da sorte daquela desgraçada gente.
Explicaram-me um dia. O Bowery, com o seu cortejo de desgraças e sofrimentos expostos à vista do público, era útil à sociedade burguesa na medida em que ilustrava da forma irrefutável o que acontece aqueles que violam as regras inflexíveis por que se rege a burguesia, ou seja, os que não trabalham, os que não pagam créditos e impostos vencidos , os que não colaboram, os que não se associam, etc.. O Bowery era o "inferno" visível que dispensava imaginação para nos fazer desejar o "céu".
Dizem-me que as coisas mudaram. O Bowery que eu vi e inspirou o filme Sunshine Hotel sobrevive, mas com dificuldade. A burguesia já não precisa convencer ninguém e decidiu reconquistar tão precioso espaço.