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A bem da Nação

PENSEMOS...

 (*)

 

 

O universalismo dos valores acaba por se esboroar diante da lógica amoral da globalização.

 

Por mais «canibalesco» que tenha sido o humanismo ocidental das Luzes, com o seu etnocentrismo e os seus missionários calçados com botas, acabaremos quase por ter saudades dele. As injustiças da ordem antiga, como o colonialismo e o imperialismo, ainda se encontravam à escala humana; podiam ser denunciadas e combatidas. Tudo isto se torna muito mais difícil num sistema que funciona graças à cumplicidade de todos.

 

 Serge Latouche

 

In «QUE ÉTICA E ECONOMIA MUNDIAIS – justiça sem limites», ed, Instituto Piaget, pág. 111 e seg.

 

(*)http://www.google.pt/imgres?q=globalization&um=1&hl=pt-PT&sa=N&tbm=isch&tbnid=8pkmTmfPMdSDzM:&imgrefurl=http://www.shutterstock.com/pic-17021728/stock-vector-vector-illustration-of-a-grunge-world-map-splatter-with-gunshot-wounds-globalization-business-or.html&docid=wVvD4dUiI0P12M&w=450&h=339&ei=JHRsTuW2Fcbesgb108joBA&zoom=1&iact=hc&vpx=165&vpy=406&dur=54&hovh=140&hovw=186&tx=95&ty=93&page=12&tbnh=114&tbnw=151&start=224&ndsp=20&ved=1t:429,r:0,s:224&biw=1024&bih=753

A GANÂNCIA E O “SOPHOS”

 (*)

 

 

Diz a Bíblia que Deus, no fim de fazer uma porção de coisas, aliás tudo quanto existe, fez o homem, e depois descansou.

 

Por muito respeito que tenha por Deus, por Deus... não é difícil imaginar o quanto Ele devia estar estafado para ter feito coisa assim ruim, mal acabada, sabendo, com a Sua omnisciência, que esse novo, último, bichinho, ia pôr tudo a perder. E pior, descrente até de quem o criou.

 

Mas Deus, sabia o que estava a fazer. Esta última criatura estava fadada a escolhera sua vida, o seu ambiente e, sobretudo, o seu futuro! Fez o homem de matéria e espírito, embalagem reciclável e conteúdo etéreo, carne e alma, Deus e Demónio, o ego. O EGO!

 

 

E porquê? Uma vez que lhe deu essa embalagem reciclável – “tu és pó e ao pó voltarás” – de duração pouco mais do que instantânea, e assim algo sem futuro, soprou-lhe o tal Sophos, o espírito, a alma, a consciência, para lhe dar a escolher entre esta vida que são uns escassos átimos no Cosmos, e o seu verdadeiro Futuro.

 

Mas deixou-lhe o Ego (a embalagem, o Diabo) à ilharga, e esse não descansa nem no sétimo dia! Nunca. Porque ganhar o Espírito Eterno sem combater, só é próprio dos irracionais ou dos vegetais. Estes vivem de forma pacífica, não são invejosos nem vaidosos, e tudo quanto fazem é unicamente pela preservação da espécie.

 

Desde há muito que os homens pensam que com orações, peregrinações, doações, sacrifícios físicos, promessas e outras atitudes semelhantes podem livrar-se do seu Ego e assim substitui-lo pela verdadeira Vida, a do Espírito. Quanto engano. Como os homens se enganam a si próprios tão facilmente! Aliás, fingem que enganam!

 

É evidente que orar é bom, importante, mas muito mais eficaz serão os momentos de silêncio e meditação, do conhecimento do seu interior, da “discussão” da escolha, da procura do “conhece-te a ti mesmo”, da luta pela escolha do caminho que, logo, logo, o pode levar a uma vida melhor!

 

Que “silêncio” “vemos” hoje? O som das bombas, o estampido das balas, os pregões de bolsas de valores falsos, os berros para comprar ou vender o que não se tem, os sons das boates cheias de gente inútil, os discursos acintosos de total mentira a ecoar por todas as assembleias do mundo, um enriquecimento cada vez mais ostensivo, e do outro lado o verdadeiro silêncio de milhares, milhões, centenas de milhões, que não têm mais força para pedir um pouco de comida ou um golo de água, a tristeza de milhares de trabalhadores que todos os dias perdem os seus empregos não só em África, mas na Europa orgulhosamente falida ou nos EUA orgulhosamente fortes pelo seu incomensurável armamento, mas também doente.

 

Assistimos à Grécia a não dar um passo para sair da desgraça que está a acabar com o país,aos ditadores a matarem milhares do seu próprio povo, como fizeram Stalin ou Mao, para segurarem o seu asqueroso ego e as suas fortunas incalculáveis.

 

E ao negócio de armas, drogas e medicamentos a extorquirem o quanto podem à custa de tantas vidas!

 

Todos os dias as notícias que ganham as manchetes dos jornais ou os destaques das televisões, nos mostram o contínuo roubo, a guerra, o descalabro, o desequilíbrio, mostrando que se vendem cada dia mais e mais objectos de luxo, como iates de mais de centena de milhões, relógios de ouro com diamantes. A especulação está completamente louca.

 

Ali mesmo, ao lado desta vida escabrosa... a miséria.

 

Vai durar ainda quanto tempo isto? Não pode durar muito, no entanto o suficiente para matar mais uma quantidade inconcebível de excluídos.

 

Quem pára para um profundo exame de consciência? Quem luta, sem tiros, para levar um pouco de conforto, seja ele qual for, aos excluídos do mundo? Meia dúzia! Heróis que partem para a sua batalha sabendo-a perdida, e assim mesmo não desistem!

 

Meia dúzia perdidos no meio dos sete biliões de habitantes deste planeta que também agoniza!

 

Resta-nos a vida do Espírito.

 

E quem não cuidar dela agora, e sempre, impossível que não venha a pagar. Será tarde.

 

 

Rio de Janeiro, 07/09/2011

 

 Francisco Gomes de Amorim

 

(*)http://www.google.pt/imgres?q=memento%2Bhomo&um=1&hl=pt-PT&sa=G&tbm=isch&tbnid=mqk5TX2EAPTflM:&imgrefurl=http://www.zazzle.com/memento_homo_lent_cap_cappello_quaresimale_embroidered_hat-233919969297655001&docid=dl9z-jAYjS-5kM&w=400&h=400&ei=PRZrTrDDCfT64QSn0tHQBA&zoom=1&iact=hc&vpx=299&vpy=391&dur=5874&hovh=225&hovw=225&tx=127&ty=101&page=1&tbnh=148&tbnw=148&start=0&ndsp=20&ved=1t:429,r:11,s:0&biw=1024&bih=753

O ESTADO DA NAÇÃO EM 2011

 (*)

À espera de melhores ventos...

 

 

 

http://www.youtube.com/watch?v=ORQCquie4cA 

(Evolução do PIB e da Dívida Pública)

 

http://youtu.be/9UcM_-5y6Qc

(Parcerias Publico Privadas)

 

http://youtu.be/WKLPu1w852k

(Evolução da Dívida Pública 1850 - 2010)

 

 

(*)http://www.google.pt/imgres?q=BANDEIRA%2BPORTUGUESA%2BPENDENTE&um=1&hl=pt-PT&sa=N&tbm=isch&tbnid=K29eIEMPiQa-RM:&imgrefurl=http://embaixada-portugal-brasil.blogspot.com/2010_06_13_archive.html&docid=fspNYAzXnL2iwM&w=200&h=230&ei=IDRqTsmXGJDGswaXs6y1BA&zoom=1&iact=rc&dur=377&page=1&tbnh=140&tbnw=130&start=0&ndsp=18&ved=1t:429,r:0,s:0&tx=82&ty=44&biw=1024&bih=753

Meus caros conterrâneos, mninas mnines d’Soncent

 

 

“A Praia de Bote, no genuíno coração do Mindelo, é de facto a praia da cidade, onde no entanto poucos tomam banho. Sítio de catraeiros, lojas de aprestos marítimos (em desaparição), vendedeiras de fruta e legumes, botequins com cheiro a grogue, mancarra e tabaco americano, pescadores e seus botes, plurim d’pêxe, contrabandos vários, patifes de navalha afiada e também gente boa… Começa na velha Alfândega (hoje Centro cultural do Mindelo) e acaba na Torre de Belém (ou ao contrário…). É dela, da cidade e da ilha onde se situa que o Blogue PRAIA DE BOTE trata.”

Em poucas mas sugestivas palavras, é esta a linha editorial do blogue PRAIA DE BOTE. Iniciado a 7 de Fevereiro de 2011, o seu proprietário é Joaquim Saial (mestre em História de Arte pela Universidade Nova de Lisboa). É português e reside em Almada, mas é cabo-verdiano de coração dos mais autênticos que conheço. Viveu quase 3 anos da sua adolescência em S. Vicente, filho do patrão-mor da Capitania dos Portos, tendo frequentado a admissão aos liceus e 2 anos lectivos no Gil Eanes, tempo suficiente para aprender a falar crioulo com toda a fluência e tornar-se um genuíno mindelense. Tanto que captou e assimilou a alma da cidade e esta nunca mais dele se desapossou, antes pelo contrário, ela “cangou” o seu espírito pela vida fora. A ponto de o Joaquim a manter intacta e sempre presente no seu quotidiano, e de a redescobrir a par e passo, como poucos cabo-verdianos de nascimento o fazem.

Através do PRAIA DE BOTE, o Joaquim, carinhosamente alcunhado de “Djack de Capitania” pelos antigos colegas, tem dado à estampa muitos e interessantes factos e figuras da história da ilha de S. Vicente, alguns pouco conhecidos ou divulgados, graças ao seu interesse, empenho e constante trabalho de pesquisa. No meu caso pessoal, muita coisa sobre a minha ilha natal só passei a conhecer por intermédio do PRAIA DE BOTE.

No entanto, apesar das visitas ao Blogue serem bastantes, poucos são os comentadores. Muito poucos mesmo. Mais comentadores iriam certamente acrescentar interesse e valor ao Blogue.

Por isso, apelo aos mindelenses a quem envio este mail que venham espairecer no PRAIA DE BOTE, para ajudar a dimensionar o Blogue e torná-lo um espaço partilhado por mais malta.

 

Um grande abraço

Adriano Miranda Lima

LAMENTÁVEL É A INGRATIDÃO

(*)


A guerra colonial começou há 50 anos. Não é do meu tempo. Só não tem o significado da guerra do Peloponeso, porque, digamos, foi uma guerra que envolveu Portugal, e Portugal sempre é o país onde nascemos. É difícil falar dela sem ceder às brigadas do politicamente correcto. Não foi o caso do Presidente da República que, numa cerimónia de homenagem aos antigos combatentes, invocou o exemplo da "coragem" e do "desprendimento com que os jovens de há 50 anos assumiram a sua participação na guerra do Ultramar".

Isto, que em qualquer democracia digna não mereceria mais do que uma nota de pé de página; no nosso Portugalinho ainda não se pode dizer. O policiamento a que somos invariavelmente sujeitos deprime. A terreiro tinha logo de vir o Danton do burgo, Francisco Louçã, criticar Cavaco por "reescrever a História" e "distinguir a intervenção militar". E acrescentou a seguir o líder do Bloco de Esquerda: "Cavaco Silva está em guerra com o passado. Só assim se compreende comparar as "Forças Armadas de hoje com as da ditadura e do colonialismo."

Nunca me ocorreu fazer o mais leve reparo sobre aqueles que, tendo sido forçados pelo regime a combater uma guerra de que discordavam frontalmente, resolveram desertar, fugir ou exilar-se. (Recordo que essa infâmia foi arremessada contra Manuel Alegre nas últimas presidenciais.) Não é só por falta de legitimidade histórica ou política. Por uma questão básica de respeito: eles tinham convicções e se há exercício que testa genuinamente a consciência liberal de uma pessoa é esse. Nenhum Estado, nem mesmo numa democracia quanto mais numa ditadura, pode dispor em absoluto das convicções de consciência de uma pessoa. E não preciso dizer que muitos são credores do nosso agradecimento: lutaram por uma democracia que, apesar de ter chegado a este estado doentio, será sempre superior às alternativas.

Pelas mesmas razões, tenhamos a coragem de "vestir a pele" dos muitos portugueses nascidos na década de 30-40 que tomaram a decisão precisamente contrária. Melhor, que não tomaram qualquer decisão, porque encararam a participação na guerra como um facto inevitável. Foram muitos. Entenderam que o seu dever era estar ali. Fizeram-no pagando um preço pessoal elevado. Para a maioria, presumo, não era Salazar nem Caetano. Eram eles próprios, era o sentido do dever, da dignidade e da sobrevivência. Muitos eram milicianos, não eram bem-nascidos nas burguesias de Lisboa como o próprio Louçã e outros, não tinham tempo para pensar em política. E o que tem Louçã para dizer a esses portugueses: que estavam enganados, que todo aquele empenho, coragem e honra não merecem nenhum respeito, reverência ou admiração. Que eles não são, nem podem ser exemplo para ninguém. É isto que a cabeça totalitária de Francisco Louçã tem para lhes dizer.

Pois, como outros dizem, não apaguem a memória. Os antigos combatentes são mesmo um exemplo. E isto, repito, não é reescrever a História. A História está escrita. Tem sido escrita. Não pode é ser a História contada pelos que dela se apropriaram.

Se Louçã percebesse, já não digo valorizasse, um mínimo da ética militar, um mínimo da continuidade de valores que deve animar um país, não diria que existiam umas Forças Armadas da "ditadura e do colonialismo" e outras da democracia. Existia um regime da ditadura, tal como existe outro regime da democracia. Sim, não são iguais. Mas o dever militar, que, entre outras coisas, requer obediência e prontidão, esse tem de ser o mesmo. A culpa e a responsabilidade pertencem aos políticos. Os portugueses impreparados que irresponsavelmente partiram para a Flandres em 1918 sabiam disso.

Louçã e companhia, na sua falta de gratidão e respeito pelo passado, gostariam de esconder os antigos combatentes, fechá-los num armário para que eles não apareçam, porque são a memória de um tempo iníquo. E dizem-se eles democratas e liberais. Não vejo onde.

 

 

  Pedro Lomba

Jurista

 

Público, 17 de Março de 2011

(*)http://www.google.pt/imgres?q=monumento%2Bcombatentes%2BLisboa&um=1&hl=pt-PT&sa=N&tbm=isch&tbnid=o7JYO9_rddxQvM:&imgrefurl=http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_Colonial_Portuguesa&docid=vYWVL27Kx3OAEM&w=250&h=167&ei=HixnTrCDCI-58gOQ5fTYCw&zoom=1&iact=hc&vpx=167&vpy=112&dur=96&hovh=133&hovw=200&tx=84&ty=52&page=1&tbnh=118&tbnw=169&start=0&ndsp=17&ved=1t:429,r:0,s:0&biw=1140&bih=562

Uma polícia do pensamento?

 

Abri o meu email e não queria acreditar: estava positivamente inundado de correspondência enviada por pessoas que eu não conhecia, insultando-me pela crónica «Dois Maridos», publicada neste espaço (no semanário «Sol») há 15 dias. (...)

 

Percebi, entretanto, que uma comunidade gay tinha feito circular o texto entre os seus membros, com o pedido expresso de enviarem ao autor um email ofensivo. (...)

 

Ora qual  fora o meu crime, para suscitar tamanho repúdio e ataques tão violentos e grosseiros? Basicamente, manifestar-me contra o casamento gay. (...)

 

Não percebo por que razão a homossexualidade tende a tornar-se um tema tabu, que não pode ser discutido e sobre o qual não é permitido opinar.

 

Não percebo – e não aceito.

 

Nunca me verguei às conveniências e ao politicamente correcto – e não seria agora que o começaria a fazer.

 

Sou totalmente contra o casamento gay, já expliquei detalhadamente porquê e reivindico o direito de ter opinião sobre este assunto e de a expressar.

 

Será que alguns querem instituir uma nova Polícia do Pensamento? Querem reacender-se as fogueiras da Inquisição?

 

Hoje, em Portugal, escreve-se sobre tudo: sobre a liberalização de todas as drogas, sobre a eutanásia, sobre as vantagens das centrais nucleares, sobre a legitimidade do aborto, até sobre a reposição da pena de morte – e não se pode contestar o casamento gay? Porquê? Com base em quê? (...)

 

Uma reflexão, para finalizar.

 

Na nossa Civilização, a palavra ‘casamento’ tinha um significado preciso.

Por que se insistiu em estendê-la a outro tipo de relações? Eu digo: por razões ideológicas. Exactamente para significar que as uniões homossexuais são exactamente iguais às uniões heterossexuais.

 

Só que eu acho que não são. Que são diferentes – e portanto não deveriam usar a mesma palavra.

 

Ora, se os gays tiveram o direito de defender o seu ponto de vista,eu não terei o direito de discordar?  Ou a lei que legalizou os casamentos gay e ilegalizou simultaneamente as opiniões contrárias?

 

 

5 de Setembro, 2011

 

 

José António Saraiva

 

PICASSO DISSE QUE...

(*)... há pessoas que transformam o Sol numa simples mancha amarela mas há também as que fazem de uma simples mancha amarela o próprio Sol...

 

 Pablo Picasso

 

(*)http://www.google.pt/imgres?q=sol%2BPicasso&um=1&hl=pt-PT&sa=G&tbm=isch&tbnid=NOdJNQozUrUkVM:&imgrefurl=http://lauravive.blogspot.com/2010_02_01_archive.html&docid=arHEjrt9ErIG8M&w=320&h=233&ei=fWJmTvb4LYyE-waQvLynCg&zoom=1&iact=rc&dur=729&page=1&tbnh=119&tbnw=164&start=0&ndsp=18&ved=1t:429,r:11,s:0&tx=87&ty=64&biw=1140&bih=562

“OMENS” SEM “H”

 

 

Espantam-se?
Não se espantem. Lá chegaremos. No Brasil, pelo menos, já se escreve "umidade". Para facilitar? Não parece. A Bahia, felizmente, mantém orgulhosa o seu H (sem o qual seria uma baía qualquer), Itamar Assumpção ainda não perdeu o P e até Adriana Calcanhotto duplicou o T do nome porque fica bonito e porque sim.

Isto de tirar e pôr letras não é bem como fazer lego, embora pareça. Há uma poética na grafia que pode estragar-se com demasiadas lavagens a seco. Por exemplo: no Brasil há dois diários que ostentam no título esta antiguidade: Jornal do Commercio. Com duplo M, como o genial Drummond. Datam ambos dos anos 1820 e não actualizaram o nome até hoje. Comércio vem do latim commercium e na primeira vaga simplificadora perdeu, como se sabe, um M. Nivelando por baixo, temendo talvez que o povo ignaro não conseguisse nunca escrever como a minoria culta, a língua portuguesa foi perdendo parte das suas raízes latinas.

Outras línguas, obviamente atrasadas, viraram a cara à modernização. É por isso que, hoje em dia, idiomas tão medievais quanto o inglês ou o francês consagram pharmacy e pharmacie (do grego pharmakeia e do latim pharmacïa) em lugar de farmácia; ou commerce em vez de comércio. O português tem andado, assim, satisfeito, a "limpar" acentos e consoantes espúrias. Até à lavagem de 1990, a mais recente, que permite até ao mais analfabeto dos analfabetos escrever sem nenhum medo de errar. Até porque, felicidade suprema, pode errar que ninguém nota. "É positivo para as crianças", diz o iluminado Bechara, uma das inteligências que empunha, feliz, o facho do Acordo Ortográfico.

É verdade, as crianças, como ninguém se lembrou delas? O que passarão as pobres crianças inglesas, francesas, holandesas, alemãs, italianas, espanholas, em países onde há tantas consoantes duplas, tremas e hífens? A escrever summer, bibliographie, tappezzería, damnificar, mitteleuropäischen?

Já viram o que é ter de escrever Abschnitt für sonnenschirme nas praias em vez de "zona de chapéus de sol"? Por isso é que nesses países com línguas tão complicadas (já para não falar na China, no Japão ou nas Arábias, valha-nos Deus) as crianças sofrem tanto para escrever nas línguas maternas.

Portugal, lavador-mor de grafias antigas, dá agora primazia à fonética, pois, disse-o um dia outra das inteligências pró-Acordo, "a oralidade precede a escrita". Se é assim, tirem o H a homem ou a humanidade que não faz falta nenhuma. E escrevam Oliúde quando falarem de cinema. A etimologia foi uma invenção de loucos, tornemo-nos compulsivamente fonéticos.

Mas há mais: sabem que acabou o café-da-manhã? Agora é café da manhã. Pois é, as palavras compostas por justaposição (com hífens) são outro estorvo. Por isso os "acordistas" advogam cor de rosa (sem hífens) em vez de cor-de-rosa. Mas não pensaram, ó míseros, que há rosas de várias cores? Vermelhas? Amarelas? Brancas? Até cu-de-judas deixou, para eles, de ser lugar remoto para ser o cu do próprio Judas, com caixa alta, assim mesmo. Só omens sem H podem ter inventado isto, é garantido.

 Nuno Pacheco

Jornalista

 

in Público

MISSAL

 (*)

 

Foi a minha neta Ana que me ofereceu o livro pelos anos, com recomendações: era indispensável o conhecimento d’ Os Lusíadas, da Ilíada, Odisseia, Eneida, da Bíblia e do Santo Graal da busca de Deus, e mais uns quantos famosos, em que perpassava o Paraíso Perdido de Milton - que eu docilmente procurei na Internet - para se poder penetrar na floresta densa do livro e do seu autor, tão vastamente premiado e tão universalmente já traduzido.

 

Uma Viagem à Índia”, de Gonçalo M. Tavares, jovem de 41 anos, de admiráveis qualidades de pensamento, como fio condutor de uma intriga sem intriga, que vai ziguezagueando, em busca da Índia, ou do sentido da vida, ora em reflexão sardónica, ora em reflexão de uma sensibilidade vivida que nos deixam boquiabertos pela inteligência da percepção revelada, aparentemente incompatível com tão juvenil idade, lembrando Rimbaud, lembrando Mozart, o nosso Cesário, embora mais velho do que todos eles, provocador como eles, genial em destreza mental, implicando multiplicidade de leituras e de vivências.

 

“Uma Viagem à Índia”, um livro para ler e reler. Pela sabedoria que emana, os conceitos disseminados sem tréguas, da aventura simbólica, de uma simbólica personagem – Bloom – português de Lisboa, viajante de avião, por Londres, onde sofre uma aventura policial, Paris, onde Bloom “passeia e vê coisas que o fazem pensar noutras coisas” e onde pousa para contar a sua aventura a um Jean M., cuja identificação poderemos extrapolar, em confronto com “Os Lusíadas”, como sendo o Rei de Melinde, como narratário directo do Gama/Bloom, este, por seu turno, narratário muitas vezes do próprio narrador, num complexo entrecruzar de intervenientes directos e de pistas de acção ou de excursos.

 

Porque se trata de uma epopeia, arbitrariamente e ludicamente assim designada, estruturalmente imitando Os Lusíadas, em igual número de cantos, repartidos em igual número de estrofes, também arbitrariamente assim designadas, na sua sequência prosística ora narrativa ora conceptual, sem ritmo nem rima, quebra-cabeças de astúcia argumentativa, com imagens e paradoxos de uma extraordinária densidade e engenho criativo, caixinha de surpresas a cada passo revelada, lâmpada de Aladino ou “abre-te Sésamo” propiciadores de riquezas de maravilha, no emaranhado de informações da modernidade contemporânea, ocidental e indiana, em que, na concisão do pensamento, o elo de ligação preferencial da acção sem intriga, no simbolismo dos dados verbais, foram os dados narrativos d’ Os Lusíadas.

 

Mas, contrariamente ao sentido da epopeia clássica, que narra feitos de heróis individuais, ou da epopeia camoniana, que narra feitos heróicos de um povo - o Gama figurando como personagem sem mola interior, manipulada pelas intrigas dos deuses oponentes ou defensores da sua chegada à Índia - “Uma Viagem à Índia” apresenta antes, como personagem central, um ser comum (simbólico, embora), apanhado nas malhas da vida moderna, de sofisticação e corrupção e ansiedades e aspirações, em busca de um sentido existencial em que não crê, procurando uma Índia de fuga e esquecimento de um crime que aparentemente cometeu –

 

Tem agora pressa, um morto atrás de si

E na sua cabeça uma linha imaginária

Para a qual se deve dirigir.

Sabe que deve correr sempre, sem parar,

Mas não o suficiente para alcançar o objectivo.

Eis a história. Acabou.

(I-14).

 

A viagem marítima lusíada que se inicia “in media res” na estrofe 19 do canto I, -

 

Já no largo oceano navegavam

As inquietas ondas apartando;

Os ventos brandamente respiravam…

 

 - é referida, na estrofe 15 do livro de Gonçalo Tavares, em relação aos ventos:

 

Mas a natureza também aparece, e muito, nesta viagem.

O vento, por exemplo, que poderá parecer elemento neutro,

Que distribui os ligeiros incómodos por ricos e pobres,

Mas na verdade é apenas hábil:

Nos fracos provoca frio e nos fortes é leve brisa que

Acalma o calor excessivo.

 

E, na estrofe 16:

 

Aos palácios chega pela ventoinha domesticada,

Enquanto sobre casas frágeis

Se abate robusto como a tempestade.

O vento (de certos países)

Maltrata a cabeça de quem acabou de cair e

Massaja os pezinhos de quem está no topo.

O vento, meu caro Bloom, não é um elemento da natureza
Em que possas sonhar.

 

Quanto à referência ao mar, eis a estrofe 20:

 

Atravessa as águas também, excelente amigo Bloom,

Quebra o mar em dois.

O mar é um mamífero,

O barco, o punhal do sacrifício.

Porque como todos os animais

O mar só é arrogante

Até encontrar o seu dono.

Falamos do mar, mas talvez

Seja a terra e o céu que exigem ser descritos.

Bloom, Bloom, Bloom.

 

E o consílio dos deuses das estrofes 20-41 é, em “Uma Viagem à Índia”, transposto para um discurso aparentemente corriqueiro, cheio de advertência política e cívica:

 

Poderás acusar os deuses de serem possuidores

De uma técnica de governo muito particular,

Que no fundo se poderá resumir dizendo:

Tudo deixa acontecer até ao fim.

Não poderás, pois, Bloom,

Atribuir demasiada complexidade a este modo alto

De fechar os olhos, baixar os braços

E repousar as pernas. São os deuses, Bloom,

Não são o teu assunto.

(estr., 21).

 

Os deuses actuam

Como se não existissem, e assim

Não existem de facto, com extrema eficácia.

É verdade que entre os deuses  

Existe uma hierarquia,

Exactamente como entre os brutos

Numa carpintaria

Ou entre os carregadores de mercadorias de certos portos da Europa,

(estr. 22)

 

E o mais forte de entre os deuses,

Sendo dextro, necessita pelo menos

Dessa mão livre para agir.

Hierarquias existem, pois, nas flores,

Nas ervas daninhas e no divino.

Da bondade ou da maldade poderás fazer

Gráficos de competência, atribuir medalhas;

Disparar mais balas a um que a outro.

(estr. 23)

 

“No fundo, a organização do universo

É um assunto de galões militares,

E o informe assusta (precisamente)

Porque não sabemos se havemos de lhe dar ordens

Ou obedecer.

Mas falemos ainda, Bloom, da ironia que muito

Aplicaremos.

De que forma a catástrofe

Traz perturbações ao velho método

De aplicar uma distância ao mundo?

(estr. 24) …

 

E a leitura prossegue, no espanto de uma sucessividade de conceitos, em que a ironia desmistificadora na aparente banalidade dos dizeres compactua com uma sabedoria que desliza do princípio ao fim, e os temas da viagem do Gama são “virados do avesso” de uma forma extremamente irreverente e original.

 

Dificilmente num texto que se pretende breve, caberiam mais amplas referências a um livro de tão grande riqueza conceptual.

 

Finalizamos com a tradução, no canto III d’ Os Lusíadas, da apresentação do Gama ao Rei de Melinde, do seu país, após o percurso europeu:

Eis aqui, quase cume da cabeça

Da Europa toda, o Reino Lusitano

Onde a terra se acaba e o mar começa 

E onde Febo repousa no Oceano

(III 20)

 … e

Esta é a ditosa pátria minha amada

À qual se o céu me dá que eu sem perigo

Torne, com esta empresa já acabada

Acabe-se esta luz ali comigo

(III, 21),

 

Estrofe 20:

Chego, pois, ou a minha voz em meu nome,

Chego, dizia, finalmente, ao sítio de onde parti:

Portugal, Lisboa, Rua Actor Isidoro, nº 31, 1º direito.

É um bairro simpático,

Com uma mercearia em cada esquina.

Mesmo estando no centro da cidade, barulhenta

E com fumos de carros,

Se tens maçãs e laranjas na tua rua

Então estás praticamente no campo.

 

Estrofe 21:

Ausência de indústrias e de fábricas significativas,

Eis a higiene de um país como o nosso.

E quando não há chaminés importantes

Até o fumo do cigarro conta para efeitos estatísticos.

Não é grande nem é enorme mas é simpático, este país.

Dois lados dão para a terra, dois lados para o mar.

E a coisa assim quase dá certo.

 

Estrofe 22:

Gostava de um dia regressar a Lisboa, claro,

Mas já com a alegria reencontrada

E com uma mulher. (…).

 

Um amplo livro, espécie de missal que se pode ir estudando, vagarosamente, e saboreando, em cada partícula do seu discurso caricatural, dissonante, à maneira de certas composições musicais atonais contemporâneas, ou da própria pintura modernista de vários quadrantes - expressionismo, cubismo, simbolismo, o próprio impressionismo nele se impondo, na sua explosão de luz e cor.

 

 Berta Brás

 

(*)ttp://www.google.pt/imgres?q=Viagem%2B%C3%8Dndia%2BGon%C3%A7alo%2BM%2BTavares&um=1&hl=pt-PT&sa=N&biw=1140&bih=562&tbm=isch&tbnid=JsPCcgBoB27itM:&imgrefurl=http://entretenimento.uol.com.br/ultnot/livros/resenhas/epopeia-de-um-homem-comum-uma-viagem-a-india-retoma-o-modelo-de-os-lusiadas.jhtm&docid=pTD_HimcSyM5kM&w=200&h=285&ei=x0xiTrX-KILC8QO2y_T5CQ&zoom=1

OS EFEITOS COLATERAIS DA INTERNET

 (*)

 

Santo António de Lisboa, Florianópolis, Santa Catarina/ 2011

 

 

Resolvi tirar férias na geral.

 

Computador desligado, celular, só de uso estritamente necessário. Sem compromissos e horários, levantar só quando espontaneamente acordar. Caminhadas na praia, à beira-mar (se o tempo deixar), esquecer a dieta e comer pratos quentes, bem saborosos, para esquentar o estômago e satisfazer o paladar. Conhecer os novos parentes, visitar alguma cidadezinha pitoresca do interior do Estado. Bater um papo, jogar conversa fora, sem se preocupar com a crise económica mundial ou a violência que assola todos os lugares. Em algum canto quieto e confortável, ler aquele livro há muito tempo guardado, sem ninguém para interromper ou para atrapalhar. Eis o meu projecto de vida por quatro semanas. Decidi que faria tudo isso quando vi renomado escritor nacional se queixar que a INTERNET foi a causadora da sua baixa produtividade literária, de alguns anos para cá, e que também lhe roubou tempo de vida que deveria ser gasto com familiares e amigos. Disse o que a maioria das pessoas sabe:

 

São tantas as mensagens de e-mails que recebo que para abri-las despendo uma eternidade. Se por um lado o uso do computador informa, ajuda e agiliza o quotidiano contemporâneo, por outro lado pode provocar mania, ansiedade, LER (Lesão de esforço repetitivo), e outros problemas ortopédicos, além de facilitar o sedentarismo que tanto mal faz à sociedade moderna. Estamos sempre tentados a abri-lo para ver a correspondência e as novidades da mídia. Então, para as crianças, a Internet com suas páginas ilustradas, jogos e diversificadas informações, passa a ser um risco à formação intelectual e ao desenvolvimento físico, quando mal usada. Se a rapidez de comunicação virtual traz mais conhecimento, também pode trazer, paradoxalmente, dificuldade na selecção e interpretação de dados, nem sempre confiáveis. Qualquer um pode deixar lá, gravadas, suas impressões verdadeiras ou falsas. É preciso ter maturidade psíquica e cultural para bem avalia-las.

 

A Internet deve ser um instrumento virtual de apoio e ajuda, mas que também pode produzir efeitos colaterais maléficos. Como fonte de saber, não deve substituir os livros, jornais, revistas, objectos palpáveis, e sim divulga-los, populariza-los, faze-los seus aliados. Assim teremos a máquina ao serviço do homem, deixando-o mais conhecedor, mais antenado.

 

Uberaba, 29/08/11

 

 Maria Eduarda Fagundes

 

(*) Foto: Arquivo particular de Maria Eduarda Fagundes

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