Há quem tenha dúvidas sobre a viabilidade da economia portuguesa colocando a questão com urgência a fim de se apurar se temos hipótese de sobrevivência como Estado Soberano.
A resposta é bem simples: se não se mexer no actual «modelo de desenvolvimento», a economia portuguesa não é viável e, consequentemente, Portugal não poderá manter a sua plena soberania.
Há quem afirme que as medidas «negociadas» com a troika mais não são do que um balão de oxigénio destinado a garantir os capitais dos nossos grandes credores e que, desse modo, apenas servem de antipirético, nada tendo de terapêutico; também nada está garantido quanto à contenção da pressão especulativa contra Portugal e nada se refere no dito «Acordo» (seja qual for a versão considerada) quanto a políticas que garantam o desenvolvimento sustentável. Há igualmente quem afirme que o Programa do novo Governo está todo feito pela troika.
Parece, contudo, óbvio que esta última afirmação não corresponde à verdade: basta conhecer o documento para se tornar evidente que estão por definir todas as políticas de reformulação do nosso modelo de desenvolvimento. E sem que este seja refeito, nada de positivo pode acontecer.
Ou seja, temos as obrigações definidas mas cumpre ao novo Governo inventar o modo pelo qual as conseguiremos cumprir. O primado da desregulamentação em conjunto com o menosprezo pela ética só poderia resultar em descontrolo e essa foi a génese tanto do descalabro americano como da chegada da troika a Portugal. O mesmo se diga relativamente à Grécia e, logicamente, como será em breve noutros países em que esses dois destabilizadores se impuseram. A construção de políticas tomando como base modelos teóricos (econométricos) que afinal nada têm a ver com a realidade, mostrou à saciedade que basta uma variável repentista entrar no cenário para que a desorientação dos Governos se manifeste clamorosamente. Também todos somos testemunhas de que as previsões económicas – para além de erróneas – mais têm servido de instrumento dos manipuladores e menos dos especuladores.
A industrialização da mercadoria «notícia» conjugada com a impunidade noticiosa não ajuda à transparência dos mercados nem à serenidade com que os povos ambicionam viver. Ou seja, urge no mundo ocidental – e, portanto, em Portugal também – substituir a mentira, a ocultação, a grosseria, o compadrio, a manipulação, a discricionariedade, a ilusão e o autoritarismo pela verdade, justiça, honestidade e rigor. Se queremos cumprir o Acordo, não poderemos ser os últimos a enveredar por essas mudanças. E para que possamos cumpri-lo, temos que regressar à produção de bens e serviços transaccionáveis pois o endividamento externo do nosso sistema bancário se encarregará de impossibilitar a continuação da importação da grande parte dos nossos consumos correntes e duradouros. Sob pena de ruptura nos abastecimentos e por muito que isso possa ser considerado fora de moda, temos que regressar a alguma fisiocracia e a uma política de substituição de importações, mais ainda do que ao incentivo das exportações.
Resta saber se o quadro jurídico e regulamentar nacional facilita a transparência dos mercados, a lógica do método de formação dos preços e permite a competitividade global da logística interna.
A economia portuguesa será viável se não continuar submetida à opacidade dos mercados, a uma fiscalidade que incentiva a clandestinidade, a uma política de crédito que se preocupa de menos com o investimento, a uma Justiça entorpecedora, a uma desconfiança pública sistémica da intenção empresarial.
A língua portuguesa é europeia e latina, como se sabe. Contudo, tem características que a tornam inconfundível. Uma dessas características é o infinito pessoal dos verbos. Exemplo: falar, falares, falar, falarmos, falardes, falarem.
Outra característica é os nomes dos dias da semana: segunda-feira, terça-feira, etc. Suponho que não há outra língua europeia que designe os dias da semana desta maneira. Há na língua russa uma certa semelhança, quando diz: vtórnik (de vtorói = segundo), designando a terça-feira; tchetverg (de tchetviórtii = quarto), designando a quinta-feira; e piátnitza (de piátyi = quinto), designando a sexta-feira. Julgo que as restantes línguas eslavas não andarão longe deste esquema, como é o caso do servo-croata. As línguas germânicas seguem o sistema mitológico pagão: alemão: Monntag, Dienstag, Mittwoch, Donnerstag, Freitag, Samstag, Sonntag, do mesmo modo que as línguas latinas, em geral: italiano: lunedì, martedì, mercredì, giovedì, venerdì, sabato, domenica.
Donde vêm os nomes portugueses? Que eu saiba, se é que sei, vêm do árabe: iaum al-aHad (dia um) = domingo (de aaHad = um); iaum al-ithnaiin (dia dois) = 2ª-feira (de ithnaan = dois); iaum al-thalaath (dia três) = 3ª-feira; iaum al-arba:aa (dia quatro) = 4ª-feira; iaum al-khamiss (dia cinco) = 5ª-feira. Já sexta-feira é o dia da união, o dia principal da semana para os muçulmanos, como é o sábado para os judeus e domingo, o dia do Senhor, para os católicos. Em russo, o nome de domingo é "Ressurreição".
Também em grego, os nomes dosm dia da semana são semelhantes aos portugueses: devtéra = 2ª-feira; tríti = 3ª-feira; tetárti = 4ª-feira; péndi = 5ª-feira; e domingo diz-se kyriakí (o dia do Senhor - i méra tou Kyriou).
Mas há outras particularidades do Português.
'Salsa' em castelhano diz-se perejil, em catalão julivert, em italiano prezzemolo, em francês persil, em inglês parsley, em alemão Petersilie, em russo petrushka, em grego maidanós.
Por outro lado: 'Môlho' em castelhano diz-se salsa, em italiano salsa, em francês sauce, em inglês sauce, em grego saltsa, em alemão Sauce.
Ora digam-me lá: "Que fazemos nós, intrusos, na União Europeia?"
Falou-se do seu discurso bem talhado, tal como era “bem talhada” a donzelinha da cantiga paralelística do poeta Afonso Sanches, filho bastardo de D. Dinis, a qual “estava d’amor ferida” porque “o que bem queria” não lhe aparecia, fazendo-a dirigir-se em refrão a Nosso Senhor para que lhe valesse: “Ai Deus, val!”, coitadinha, embora ela só se denunciasse como “coitada”: Com’estou d’amor coitada”, ou seja a sofrer da coita de amor por quem lhe faltava aos encontros, apesar de tão “fremosinha”.
A minha amiga apreciou, pois, o discurso oratório bem talhado do nosso ex P.M., e eu, cautelosamente, não o depreciei, pois até gosto de admirar nos outros uma arte que em mim falha, além de outros dados negativos dos meus falhanços biográficos que não vêm ao caso, mas sempre fui lembrando o cansaço do repetitivo, do “déjà vu”, do muito gasto, no seu poder comunicativo, vibrando ora em insolências ofensivas aos adversários políticos, ora em requebros de vitimização, ora - como anteontem, dia da sua derrota eleitoral – em argúcias sentimentais, de renúncia a cargos e promessa de exemplaridade familiar, sempre de muito efeito na nossa população de pendor virtuoso e até melodramático, como o provam o nosso fado e os heróis de vida errante que tanto prezamos, do tipo Zé do Telhado, com quem em tempos se comparara o nosso ex P.M., só por aquele ser - ao que se diz, por influência das memórias analistas do cárcere do nosso romântico Camilo – uma alma caritativa e não só em proveito próprio, pois muito repartiu pelos pobrezinhos, depois de ter extraído as economias, geralmente pela força, aos mais abastados.
Aliás, também se falara no Robin dos Bosques, pela mesma altura, como paralelo de muito maior distinção tanto para o nosso P.M. como para nós, seu povo extremoso. Ultimamente, porém, não se falou mais em paralelos enaltecedores da caridade ministerial, por outros percalços do seu arrojo governativo. E hoje ele assumiu a responsabilidade da derrota do PS face ao PSD e foi bonito de ouvir, fez parte da sua arte comunicativa, devidamente posta em relevo pelos seus adeptos comovidos.
Mas, de facto, o que a minha amiga acentuou foi a oportunidade que o nosso ex P.M. teve de se safar em boa altura, com a carne que recolhera fartamente, e deixando os ossos duros de roer para os que não se poderão furtar a roê-los, se tiverem dentes para isso.
- Ele saiu na hora H, disse ela. Saiu contente, sem pesos na consciência, segundo informou. Mas imediatamente lembrou que não podia alargar-se neste tipo de comentário, receando que um céu sinistro lhe caísse em cima da cabeça, tal como Abracourcix receava, e devemos prever todas as possibilidades do destino e acreditar no previdente chefe gaulês dos queridos Uderzo e Goscinny, que preencheram de encanto as adolescências dos nossos filhos, e as nossas idades adultas por arrastamento.
Por isso, escrupulosamente, a minha amiga mudou de assunto. E eu mudei com ela, que também às vezes jogo à defesa, não a cantar o fado, como fazia o Carlos Ramos com a sua linda voz, quando a tristeza o invadia. Preferimos rir.
Em jeito de auto-estima, enquanto não chegam mais ossos descarnados às nossas vidas e às dos que amamos.
Primavera de 1221. Frei António, doente, tem que regressar a Portugal, mas levado por um violento temporal, vai dar às costas da Sicilia, onde nas imediações da cidade de Messina, encontra abrigo num humilde conventinho de frades menores. Está quase com 31 anos. Um erudito teólogo, profundo conhecedor das coisas da Igreja, da Bíblia, dos Santos Doutores e de tudo quanto os muitos anos de estudo em Coimbra lhe proporcionaram. Até ali tinha sido um estudioso, mas o exemplo dos frades menores, franciscanos, com toda a sua humildade, pobreza e vocação missionária, o levam a ingressar nesta Ordem fundada por Francisco de Assis em 1209.
No final de Maio de 1221 realiza-se em Assis um Capítulo Geral, que ficou conhecido na história como o Capítulo das Esteiras, porque a multidão de frades era tal que a grande maioria teve que dormir no chão! Lá vai o nosso Frei António, desejoso de encontrar o Fundador da Ordem, Frei Francisco de Assis. Ali aprendeu ao vivo o que deve ser o verdadeiro frade menor. Levado para o eremitério de Montepaolo, na Romagna, onde fica mais de um ano a celebrar missa, ajudar nos trabalhos domésticos, e a vida activa com que sonhara em Coimbra converte-se em contemplativa.
Em finais de Setembro de 1222 há ordenações sacras na vizinha cidade de Forli e o nosso Frei António ali vai. No momento próprio o superior da comunidade dos franciscanos pede aos dominicanos que tinham comparecido à cerimônia, para pronunciarem algumas palavras de circunstância. Perante a escusa destes, manda então a Frei António que anuncie a palavra de Deus. E acontece o inesperado: a revelação. Todos ficam rendidos à sua simplicidade e bom senso, à sua palavra leve e profunda. Frei António revela ser não só um frade santo, pronto a lavar panelas de cozinha, como um sacerdote de vastíssima cultura e brilhante arte da oratória. Aos sacerdotes mais dotados nomeavam pregadores. Em pouco tempo o Provincial de São Miguel foi informado do que acontecera e “Frei António obrigado a deixar o seu silêncio e sair a público, encarregado do ofício de pregador, o que o fez percorrer cidades, aldeias, castelos e casais espalhando a semente da vida com tanta abundância como fervor”.
A sua doutrina e santidade começou a brilhar em muitos lugares do Norte da Itália. Em 1220 Frei João Strachia organizara uma casa de estudos em Bolonha, e Francisco de Assis ao se aperceber que ela se destinava a “poctius doctos quam piuos”, formar mais doutores do que frades piedosos, acaba com ela. Mas em Bolonha será por fim a primeira casa de formação intelectual da Ordem.
São Francisco viu em António que estudo e piedade podiam não só conviver perfeitamente, como influenciar-se positivamente, e expede o seguinte bilhete:
“A Frei António, meu Bispo, Frei Francisco envia saudações. Apraz-me que ensines Teologia aos frades, contanto que para tal estudo não extingas o espíritoda oração e devoção, como está contido na regra.”
Santo António e São Francisco
Em 1224 é mandado a França onde a sua santidade de vida e a sua pregação foi de tal forma eficiente, que lhe chamaram “martelo dos hereges”; aproveita o tempo e ensina nas escolas conventuais de Toulouse e Montpellier.
Em 3 de Outubro de 1226 morre Frei Francisco de Assis. Para escolher o seu sucessor são os frades convocados a Capítulo, em começo de 1227, onde Frei António é nomeado Provincial da Itália do Norte, e já não regressa a França.
Em 1228 vai a Roma e prega na Igreja de São João de Latrão, diante do Papa Gregório IX, cardeais e muito povo. O Papa tão impressionado ficou que o chamou de “Arca do Testamento”.
Dois anos depois é-lhe dada a carta geral de pregador e libertado do cargo de Provincial. Decide então retirar-se para a sua querida cidade de Pádua, para ali continuar a sua missão de pregador e escritor. Aí Santo António, como já era conhecido por todo o norte da Itália, escreve uma série de textos, tentando levar a paz onde reinava o ódio, sobretudo em Florença entre os guelfos e os gibelinos, a libertar os presos por dívidas, o que levou a um estatuto publicado pela edilidade de Pádua em 1231, luta contra as usuras e bens obtidos pela violência, procura afastar as prostitutas da sua degradante vida, e até se esforça para convencer os ladrões profissionais a não tocarem no alheio e a trabalharem honestamente. Escreve entretanto muita coisa mais, e também os seus famosos “Sermões”.
Com quarenta anos, sente-se cansado e vai descansar uns dias em Camposampiero, perto de Pádua. Durante a refeição do meio dia, 13 de Junho de 1231 sente-se desfalecer. Vendo-o tão mal levam-no para a casa dos Frades de Arcella, onde recebe os últimos sacramentos. Já com o Senhor à vista, disse aos que o assistiam: “Video Dominum meo!” e entregou a alma a Deus.
E apesar do silêncio guardado pelos Frades, logo correu a notícia pelo povo: “Morreu o padre santo” Morreu o Santo António!”
Em 17 de Junho foi sepultado em Pádua. Nem um ano era passado era canonizado pelo Papa Gregório IX.
Em 1934 foi declarado Padroeiro de Portugal.
E finalmente em 16 de Janeiro de 1946 o Papa Pio XII, em sua Carta Apostólica, que começa
Exulta Lusitania Felix,
o Felix Padua gaude
declara Santo António Doutor da Igreja, Doutor Evangélico.
Lisboa tem imensos ciúmes de Padua, que guarda lá os ossos do Santo, e nem se atreve a, alguma vez, dizer que o Santo é de Lisboa.
Com estes breves textos se pode ver que enquanto em Portugal, Santo António foi um frade desconhecido, mas onde estudou e se “encheu” de toda a bagagem que o tornaria famoso em Itália. Foi aqui que pregou, ensinou aos frades, pode considerar-se o primeiro lente franciscano, e ainda em vida já era chamado de santo. Preparou-se em Portugal e revelou-se na Itália.
Deve ser o único Santo da igreja que tem dois nomes!
Para este ilustre historiador e economista [Alberto Sampaio], amigo de Oliveira Martins, cujos preconceitos tanto mal nos causaram, se Portugal não voltou à sua antiga pátria[Galiza], isso deve-se a um aventureiro feliz, acentua, cujo triunfo resultou principalmente da adesão "de uma cidade do norte - do Porto, que se separou do sentimento comum dos homens da sua raça, dos seus irmãos e compatriotas". Ora eu não posso admitir, de modo nenhum, estas ideias, porque elas brigam com a verdade histórica e com o nosso brio patriótico.
Ao terminar a primeira dinastia, não víamos, é verdade, dentro da Península, para onde nos expandirmos, mas os portugueses, apertados nos limites da estreita faixa do seu território, tinham realizado uma obra imponente, que denunciava a existência de um povo com caracteres bem definidos: lançaram-se bases sólidas para o desenvolvimento da indústria agrícola e do comércio; organizou-se a justiça; deu-se um impulso grande à instrução, e a língua portuguesa, mercê do génio de homens como D. Dinis, mostrou-se capaz de servir de instrumento a todos os géneros da literatura ...
Antes da expansão, Portugal já tinha Fernão Lopes, o maior prosador do seu tempo, o cronista de D. Pedro, de D. Fernando e de D. João I, e cuja obra não podia explicar-se se não tivesse havido já precursores, que ele aliás cita de vez em quando.
Mas, mesmo que admitíssemos a estranha teoria de Oliveira Martins e de Alberto Sampaio [de que a elite tinha saudades de regressar à pátria-mãe, a Galiza], a pergunta do cancioneiro galego ["Portugués, e rebelludo, fillo de tan mala lei: que che custaba decir: Viva, viva o nosso rei?"] só pode explicar-se pela ignorância e ingenuidade do cantor anónimo.
É que, depois da primeira dinastia, nós conquistámos Ceuta e outras praças do norte de África, devassámos os mares, percorremos os sertões e os desertos, esculpimos a cruz e as quinas em padrões que ficaram espalhados por todas as costas, a assinalar a nossa passagem, como assinalavam as gotas do nosso sangue, que caíam em toda a parte.
Em muitas lendas do ciclo de Nossa Senhora aparece Ela por vezes a deixar na terra os vestígios das suas pegadas santas.
Pois bem: nas nossas viagens quase lendárias, além de erguermos a cruz por toda a parte, também imprimimos as nossas pegadas pelas terras descobertas; a nossa língua, em 1580, já era falada na América, na África, nas ilhas do Atlântico e do Índico, nas costas da Arábia e da Índia, na China e no Japão.
Nas próprias terras que nos tinham sido arrebatadas ela lá estava, e ainda hoje está, a atestar a existência de uma das nações mais perfeitas dos tempos modernos.
Tinham surgido poetas como Gil Vicente e Bernardino Ribeiro; historiadores como João de Barros e Castanheda; moralistas como Sá de Miranda; místicos como Frei Tomé de Jesus; as Relações simples, mas eloquentíssimas, que haviam de constituir a História Trágico-Marítima...
Mas, sobretudo, todas as energias da raça portuguesa - o concurso humilde mas eloquente das tradições populares e o esforço poderosíssimo de tantas camadas de escritores eruditos - cristalizaram num Homem, que representa para nós a segurança mais firme no meio destes tempos revoltos.
Os Lusíadas foram uma arma poderosa manejada desde 1580 a 1640 e constituem o nosso melhor escudo contra as tentativas de usurpação.
A obra lírica e épica de Luís de Camões, onde a língua portuguesa atingiu o máximo do seu esplendor, impõe-nos obrigações, sim, e é preciso que a mocidade de hoje as compreenda bem; mas concede-nos direitos, que não devem, nem podem ser esmagados, sejam quais forem as crises deste mundo doente.
Alphonse Daudet incluiu nos Contes de Lundi um conto impressionante -- La Dernière Classe : imagina um professor alsaciano a dar a sua última lição de francês aos alunos, porque chegara ordem de Berlim para se ensinar nas escolas apenas o alemão.
M. Hamel, dirigindo-se aos discípulos, ergue um hino à língua francesa, e pede-lhes que a não esqueçam, pois, enquanto um povo conserva a sua língua, é como se tivesse na mão a chave do cárcere.
Era a paráfrase do pensamento de Mistral, o poeta da Provença:
"S'il tient sa langue. -- il tient la clé qui de ses chaines le délivre".
Pois cultivemos a nossa língua, defendamo-la contra todos os ataques dos inimigos externos e internos, aprendamos a venerá-la como instrumento de que se serviu o nosso primeiro Poeta.
Ela é a espada mais poderosa com que devemos ferir os nossos inimigos, o escudo mais firme contra os ataques injustos e traiçoeiros... e seria num dia a chave mais segura para nos abrir a porta do cativeiro se um inimigo conseguisse infiltrar-se no País - perigo que Deus afaste.
Para nos mantermos à superfície, para resistirmos à corrente impetuosa, não esqueçamos o falar da nossa terra, e agasalhemos bem, bem aconchegados junto dos corações os Lusíadas - a obra maravilhosa em que a nossa língua se firmou para todo o sempre."
(Extracto da Introdução de "El-Rei Seleuco" de Luís de Camões, escrito por Augusto C. Pires de Lima, Ed. Domingos Barreira, Porto, s/d.)
Acabaram as desculpas, indecisões, adiamentos: agora só nos resta aplicar o plano de emergência. Não será fácil, mas por acaso até somos especialistas no tema. Este é já o terceiro acordo que assinamos com o FMI. Será que os outros dois nos ensinam alguma coisa?
Existem semelhanças evidentes nos três casos: as dificuldades seguiram-se sempre a fortes crises internacionais. Desta vez foi o colapso global após a falência do Lehman Brothers, nas anteriores os choques do petróleo de 1973 e 1979. Mas, além do impacto externo, a verdadeira causa esteve sempre em enormes erros nacionais.
Antes do primeiro acordo, assinado a 8 de Maio de 1978, foram os excessos revolucionários que arruinaram empresas com reinvindicações insustentáveis: em 1975 os salários reais cresceram 9,4% enquanto o produto caiu 5,1%. Mas, temos de o dizer, no meio da euforia e tumulto as tolices eram inevitáveis. Assim os disparates que forçaram o segundo e terceiro acordos são menos aceitáveis.
Os dois governos Balsemão, de Janeiro de 1981 a Junho de 1983, ignoraram o choque do petróleo e enveredaram por políticas expansionistas precisamente quando o mundo apertava o cinto. O resultado foi um espantoso défice corrente de 13% do PIB que forçou o acordo de 9 de Setembro de 1983.
Passados 25 anos, repetiu-se a proeza, com um acrescento. A balança externa já andava com défices acima dos 9% desde 2005 mas, começada a crise financeira global, o nosso foi o único governo do planeta a ignorar essa situação. Um descarado populismo eleitoral, sem paralelo na história portuguesa, levou a uma subida de salários reais de 5,2% no próprio ano em que a economia contraiu 2,7%, loucura só comparável aos excessos de 1975. Assim José Sócrates conseguiu combinar os erros dos dois buracos anteriores.
Existem porém diferenças importantes. Nos três casos o primeiro-ministro era socialista, mas os acordos iniciais foram solicitados e assinados por governos maioritários de coligação, o primeiro do PS e CDS, o segundo do PS e PSD. Desta terceira vez foi um governo minoritário, para mais demissionário, que o pediu e assumiu.
Mais relevante é a aplicação dos programas, e aí as experiências foram bastante distintas. Muitos dizem hoje que é importante o próximo governo ser de maioria. Essa foi a situação no segundo acordo, em que o bloco central, que assinou o compromisso, aplicou-o durante dois anos até Novembro de 1985. Mas o caso anterior foi muito diferente. Os ministros que se comprometeram com o FMI em 1978 caíram menos de três meses após a assinatura. A execução das medidas ficou a cargo de três breves governos de iniciativa presidencial até Janeiro de 1980, seguidos de um ano da primeira maioria AD. Isto mostra que a imposição externa tem uma dinâmica própria, que ultrapassa a fragilidade dos líderes do momento.
Será o problema actual semelhante aos anteriores ou toda esta comparação é inválida? Existem diferenças importantes. Primeiro no grau de endividamento. Em ambos os primeiros casos a recuperação era de quatro anos de défices. Desta vez são quinze. A consequência é que a dívida externa bruta total, que em 1978 estava em 41% do PIB e em 1983 em 90%, agora anda pelos 238%. Além disso a economia, que apesar dos choques nos anos 1970s e 1980s, tinha alto crescimento potencial, está estagnada há dez anos. Por isso é que o programa de 2011 é muito mais vasto e abrangente, lidando não apenas com pagamentos, mas com a liberalização e reestruturação do tecido produtivo.
Dois factos ainda merecem referência. Primeiro, ao contrário de antes, Portugal é hoje um país rico. Há 25 anos o nível de vida era menos de metade do actual. Isto não significa que não existam pobres e grave sofrimento na austeridade, mas que a sociedade reage de forma diferente. Também por isso demorámos tanto tempo a actuar e a dívida subiu tanto mais, porque os credores confiavam em nós.
Finalmente é importante dizer que os dois programas foram êxitos estrondosos, dos melhores da história do FMI. Cabe-nos manter a tradição.
“Uma mentira repetida mil vezes, passa a ser verdade” Lenine
A Comissão Promotora do Encontro Nacional dos Combatentes, organiza uma “romagem” anual de homenagem aos Combatentes do Ultramar, junto ao respectivo monumento, em Belém, no dia de Portugal. Este ano promoveu, também, uma conferência sob o tema “A Presença de Portugal em África”, ao longo dos séculos, que teve lugar na véspera, na Fundação Gulbenkian.
Destas duas iniciativas quase não houve eco na comunicação social. Compreende-se: tratava-se de um debate elevado sobre um tema relevante; no dia seguinte lidámos com uma cerimónia eminentemente patriótica, oriunda da sociedade civil, de amor a Portugal e recordando todos aqueles que disseram “presente” quando foi necessário defender pelas armas os nossos territórios e populações, e não virou a cara aos perigos e canseiras. Sobretudo homenageando quem, no cumprimento dessa nobre missão, perdeu a vida ou ficou ferido na carne ou no espírito. Tratava-se, por isso, de uma coisa menor… Não se jogou futebol ou se fez chicana política; não se cortou a linha de caminho de ferro; não houve ameaças de greve ou quaisquer reivindicações; nem se proferiram ofensas a ninguém, tal não mobiliza, obviamente, os auto-apelidados “quarto
Correu tudo bem, Deus seja louvado! E louvados devem ser também – pois é de justiça – as equipas que organizaram os eventos capitaneados, respectivamente, pelos generais Jesus Bispo e Vizela Cardoso.
Relativamente à conferência, que foi presidida pelo Professor Adriano Moreira, gostaríamos de prolongar o debate, tendo em conta algumas ideias nela expandidas.
Lá ouvimos atacar, uma vez, o nosso Rei D. Sebastião, que de “Desejado”, como ficou para a História, passou a ser considerado por muitos como o símbolo do erro e da leviandade. O que nos parece ser… uma leviandade.
Sobre a subversão e a guerrilha com que nos defrontámos em África, entre 1961 e 1974/5, lá se ouviram as mesmas frases recorrentes, na esteira do ensinamento leninista. Estas ideias, além de constituírem mitos, funcionam como uma espécie de auto justificação psicológica e tranquilizadora de consciências, para quem contribuiu, não se opôs ou se acomodou, à vergonhosa retirada de “pé descalço”, com que terminou a nossa centenária permanência naquele continente (e em Timor). Vamoanalisar quatro frases feitas.
“Uma guerra subversiva não pode ser ganha”; é mentira, os ingleses ganharam na Malásia e no Quénia; as guerrilhas lançadas por Castro e Guevara, nas Américas Central e Sul, foram quase todas derrotadas; até os EUA teriam ganho a guerra do Vietname se tivessem tido a coragem e o discernimento de impor a censura nos “média”. Nós já tínhamos subjugado a guerrilha em Angola e estávamos muito longe de a perder na Guiné e Moçambique.
“Não entendemos/reagimos aos “ventos da História”; os ditos ventos são sempre soprados por quem tem poder em cada época e fartaram-se de soprar contra nós, durante séculos. O ataque, em 1961, foi apenas mais um. Temos, de facto, que estar sempre atentos a tais ventos e responder em função dos nossos interesses, não dos outros. E isso quer dizer agir e lutar dentro das nossas possibilidades e em todos os tabuleiros. Para isso necessitamos ter Poder. A alternativa a isto é sermos escravos e bananas.
“Os militares garantiram ao poder político o tempo necessário para estes encontrarem uma solução para o conflito”. Este argumento afigura-se-me tosco e tem uma lógica invertida.
Juro que não entendo como isto se faz: os chefes militares (quando? todos ou alguns?), vão ter com o governo e dão-lhe um prazo? E como se calcula o tempo considerado suficiente? Dois anos? Cinco anos?; Treze anos de guerra em África é muito mas os 80 anos que durou a guerra com os holandeses, são aceitáveis? A Guerra da Restauração durou 28 anos, o que teria acontecido se nos tivéssemos cansado ao fim de treze? Isto tem alguma lógica ou aceitabilidade? Quando vão tropas, hoje para o Afeganistão, ou outro lugar qualquer, o CEMGFA tem uma conversa prévia com o MDN e dá-lhe um prazo?
Vejamos outro ponto: uma guerra implica um esforço global que é decomposto em económico, financeiro, diplomático, psicológico, etc., e militar. Todas estas áreas são importantes não é só a militar. Sendo assim, quer dizer que não seriam só os militares a dar “tempo”aos políticos, seriam todos os outros também. Bela
Ou não será antes correcto que seja o poder político, definidos os objectivos, a proporcionar os meios necessários ou possíveis, a todas as áreas, para que todas possam, entrosadamente, cumprir as suas missões e tarefas em prol da vitória?
Uma guerra é, sobretudo, uma luta de vontades; o tempo é apenas um recurso, como muitos outros.
A um oficial ou sargento do quadro permanente, não ficará muito mal, estar a “queixar-se” do tempo que dura um conflito? Ele escolheu a profissão e pode ter que combater desde que se forma até que se reforma!
Finalmente, a cereja em cima do bolo: “a solução para a guerra era política e não militar”. Confesso que entendo este argumento como o mais mirabolante de todos.
Vejamos se entendi bem: sendo a guerra, na máxima clausewitiana, a continuação da política por outros meios, pretenderiam os autores da frase a continuação da guerra através da política?
O mais curioso de tudo é que a maioria dos autores deste portento, di-lo com o ar mais sério do mundo e, a seguir, cala-se, como que aliviado depois de ter proferido uma sentença absoluta! Mas, no fundo, o que querem dizer? Que propostas apresentam? E como equacioná-las?
Pois é, afirmar que a solução é política e não militar que dizer tudo e não quer dizer nada…
Por definição entrar-se numa guerra ou colocar-lhe um fim, é essencialmente uma decisão política – e, neste particular, anunciar que a decisão da guerra é política e não militar, transforma-se num pleonasmo…
Como não temos espaço para abordar o problema em todas a s suas vertentes, vamos apenas chamar a atenção para que a decisão política sobre um conflito deve ser feita tendo em conta os nossos interesses, não os do inimigo; e que, sendo comum aceitar-se ser a guerra uma coisa má, existe uma pior, que é, justamente, perdê-la.
Disse ainda o Prof. A. Moreira (e tem-no repetido amiúde), que os portugueses, desde Afonso Henriques, funcionaram sempre “em cadeia de comando”e isso explica que o povo fosse sempre cumprindo os desígnios nacionais. Eu julgo entender o que o ilustre professor quer dizer (embora nunca o explicite), mas penso que não é a verdade toda. A verdade toda é que essa cadeia de comando foi interrompida, em 1820,para só voltar a ser reposta em 1926 (melhor dizendo, em 1932), tendo-se perdido, novamente, em 1974.
Lisboa, 13 de Junho. Feriado Municipal. Festa de Santo António... de Lisboa. O Casamenteiro.
Filho de Martinho de Bulhões e Maria Teresa Taveira, nasceu à volta de 1190, (15 de Agosto?) em Lisboa, um menino que foi baptizado com o nome de um tio, cónego, Fernando, Fernando Martins Bolhão, ou Bulhões.
“Seus pais moravam à beira da Sé, e eram gente limpa e remediada”! Talvez o pai fosse ourives, uma vez que o nome Bolhão significava “barra de prata, com liga de outros metais, boa para bular, amoedar”. Bular acabou significando “colocar o selo” em documentos de grande importância, a bula! Na Sé havia, ao tempo, aula de gramática e de artes, e, ali, Fernando, a partir dos sete anos, muito jovem, excepcional memória e invulgar inteligência, aprendeu as primeiras letras e os rudimentos de humanidades. Desde sempre mostrou uma profunda devoção e o começo de uma mística, profundas, apesar de andar com “amigos estróinas”, que o obrigaram a muito meditar sobre a sua vida.
Até aos 15 anos vive na casa dos pais, entra num período de vida libertina com os tais “amigos” e, para fugir aos chamados mundanos, decide entrar no mosteiro de São Vicente de Fora, dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, com a idade de 18 anos. Logo tomou o hábito da mão do Prior, e feito os votos possivelmente um ano depois. Aí fica dois anos na meditação e estudo e pede depois para ser transferido para o mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra, onde ficaria longe dos amigos que o assediavam para o mau caminho.
Santa Cruz, em Coimbra, junto à Corte, tinha uma rica biblioteca e alguns mestres já formados em diversas cidades da Europa, o que o tornava “uma pequena academia de sábios”. Em ambiente de estudo e oração permaneceu entre nove a onze anos. No entanto aquela vida de estudo e oração não o satisfazia. Fernando impressionava-se com a visita dos frades menores de Santo Antão dos Olivais, que de vez em quando iam ao mosteiro de Santa Cruz pedir esmola. Por este mosteiro devem ter passado os cinco frades menores que em Marrocos deram a vida pela fé cristã, em 16 de Julho de 1220, e cujos restos mortais foram recolhidos por D. Pedro, irmão do rei Afonso II, e entregues ao mosteiro de Santa Cruz para aí serem depositados.
“O exemplo destes humildes, pobres, alegres e ardorosos pela causa de Deus, como se mostram os franciscanos de Coimbra e, sobretudo, o magnífico exemplo dos mártires, levam-no a trocar o nome de baptismo por Frei António, e a cândida estamenha Agostinha pela estamenha parda dos frades menores, o rico e afamado mosteiro de Santa Cruz, pelo pobre e obscuro de Santo Antão dos Olivais, a vida sedentária de cónego, pela vida errante de frade mendicante e missionário.”
Santo António pintura do séc. XIII, da Pinacoteca de Perugia
Entregue à pobreza e à missionação, Frei António decide partir para Marrocos, onde os cinco mártires tinham sido degolados pelo Emir Amir al-Mu'minin, o Miramolim. Desta vez porém os muçulmanos deixam Frei António em paz, mas ao mesmo tempo uma doença pertinaz o obriga a voltar a Portugal.
O barco que havia de o levar sofre uma violenta tempestade, é desarvorado, e vai ter às costas da Sicília, onde, nas imediações da cidade de Messina encontra abrigo num pequeno convento de Frades Menores. E assim acaba a vida de Frei António em Portugal! E começa o Santo António de Pádua!
Num próximo texto continuaremos a seguir a sua vida. Hoje, deixamos um só dos seus sermões, que mesmo parecendo estranho pode ajudar muito a meditar:
Parábola do anel de Ouro
(Jesus tomou o saco das nossas misérias)
Lê-se no Passionário de São Sebastião que um rei possuía um anel de ouro ornado de uma jóia preciosa, que lhe era muito querido. Um dia caiu-lhe do dedo dentro de uma cloaca, o que muito o penalizou. E, não encontrando alguém que lhe pudesse tirar dali o anel, depondo os vestidos da dignidade real, desceu à cloaca vestido de saco, procurou o anel durante muito tempo, até que finalmente encontrou o que procurava e, alegre, trouxe para o palácio o achado. O Reino é o Filho de Deus; o anel, o género humano; a jóia do anel, a preciosa alma do homem. Este caiu no gozo do Paraíso, como do dedo de Deus, na cloaca do inferno. O Filho de Deus muito se doeu desta perda. Para recuperar o anel, procurou entre os anjos e os homens, e não o encontrou, porque ninguém foi capaz. Então, depôs os vestidos, aniquilou-se a si mesmo, tomou o saco da nossa miséria, procurou por trinta e três anos o anel; finalmente desceu aos infernos e aí encontrou Adão e toda a sua posteridade. Muito alegre, levou o achado consigo para a eternidade.”
Nada é novo. Nunca! Já lá estivemos, já o vivemos e já conhecemos. Uma crise financeira, a falência das contas públicas, a despesa pública e privada, ambas excessivas, o desequilíbrio da balança comercial, o descontrolo da actividade do Estado, o pedido de ajuda externa, a intervenção estrangeira, a crise política e a crispação estéril dos dirigentes partidários. Portugal já passou por isso tudo. E recuperou. O nosso país pode ultrapassar, mais uma vez, as dificuldades actuais. Não é seguro que o faça. Mas é possível.
Tudo é novo. Sempre! Uma crise internacional inédita, um mundo globalizado, uma moeda comum a várias nações, um assustador défice da produção nacional, um insuportável grau de endividamento e a mais elevada taxa de desemprego da história. São factos novos que, em simultâneo, tornam tudo mais difícil, mas também podem contribuir para novas soluções. Não é certo que o novo enquadramento internacional ajude a resolver as nossas insuficiências. Mas é possível.
Novo é também o facto de alguns políticos não terem dado o exemplo do sacrifício que impõem aos cidadãos. A indisponibilidade para falarem uns com os outros, para dialogar, para encontrar denominadores comuns e chegar a compromissos contrasta com a facilidade e o oportunismo com que pedem aos cidadãos esforços excepcionais e renúncias a que muitos se recusam. A crispação política é tal que se fica com a impressão de que há partidos intrusos, ideias subversivas e opiniões condenáveis. O nosso Estado democrático, tão pesado, mas ao mesmo tempo tão frágil, refém de interesses particulares, nomeadamente partidários, parece conviver mal com a liberdade. Ora, é bom recordar que, em geral, as democracias, não são derrotadas, destroem-se a si próprias!
Há momentos, na história de um país, em que se exige uma especial relação política e afectiva entre o povo e os seus dirigentes. Em que é indispensável uma particular sintonia entre os cidadãos e os seus governantes. Em que é fundamental que haja um entendimento de princípio entre trabalhadores e patrões. Sem esta comunidade de cooperação e sem esta consciência do interesse comum nada é possível, nem sequer a liberdade.
Vivemos um desses momentos. Tudo deve ser feito para que estas condições de sobrevivência, porque é disso que se trata, estejam ao nosso alcance. Sem encenação medíocre e vazia, os políticos têm de falar uns com os outros, como alguns já não o fazem há muito. Os políticos devem respeitar os empresários e os trabalhadores, o que muitos parecem ter esquecido há algum tempo. Os políticos devem exprimir-se com verdade, princípio moral fundador da liberdade, o que infelizmente tem sido pouco habitual. Os políticos devem dar provas de honestidade e de cordialidade, condições para uma sociedade decente.
Vivemos os resultados de uma grave crise internacional. Sem dúvida. O nosso povo sofre o que outros povos, quase todos, sofrem. Com a agravante de uma crise política e institucional europeia que fere mais os países mais frágeis, como o nosso. Sentimos também, indiscutivelmente, os efeitos de longos anos de vida despreocupada e ilusória. Pagamos a factura que a miragem da abundância nos legou. Amargamos as sequelas de erros antigos que tornaram a economia portuguesa pouco competitiva e escassamente inovadora. Mas também sofremos as consequências da imprevidência das autoridades. Eis por que o apuramento de responsabilidades é indispensável, a fim de evitar novos erros.
Ao longo dos últimos meses, vivemos acontecimentos extraordinários que deixaram na população marcas de ansiedade. Uma sucessão de factos e decisões criou uma vaga de perplexidade. Há poucos dias, o povo falou. Fez a sua parte. Aos políticos cabe agora fazer a sua. Compete-lhes interpretar, não aproveitar. Exige-se-lhes que interpretem não só a expressão eleitoral do nosso povo, mas também e sobretudo os seus sentimentos e as suas aspirações. Pede-se-lhes que sejam capazes, como não o foram até agora, de dialogar e discutir entre si e de informar a população com verdade. Compete-lhes estabelecer objectivos, firmar um pacto com a sociedade, estimular o reconhecimento dos cidadãos nos seus dirigentes e orientar as energias necessárias à recuperação económica e à saúde financeira. Espera-se deles que saibam traduzir em razões públicas e conhecidas os objectivos das suas políticas. Deseja-se que percebam que vivemos um desses raros momentos históricos de aflição e de ansiedade colectiva em que é preciso estabelecer uma relação especial entre cidadãos e governantes. Os Portugueses, idosos e jovens, homens e mulheres, ricos e pobres, merecem ser tratados como cidadãos livres. Não apenas como contribuintes inesgotáveis ou eleitores resignados. É muito difícil, ao mesmo tempo, sanear as contas públicas, investir na economia e salvaguardar o Estado de protecção social. É quase impossível. Mas é possível. É muito difícil, em momentos de penúria, acudir à prioridade nacional, a reorganização da Justiça, e fazer com que os Juízes julguem prontamente, com independência, mas em obediência ao povo soberano e no respeito pelos cidadãos. É difícil. Mas é possível.
O esforço que é hoje pedido aos Portugueses é talvez ímpar na nossa história, pelo menos no último século. Por isso são necessários meios excepcionais que permitam que os cidadãos, em liberdade, saibam para quê e para quem trabalham. Sem respeito pelos empresários e pelos trabalhadores, não há saída nem solução. E sem participação dos cidadãos, nomeadamente das gerações mais novas, o esforço da comunidade nacional será inútil.
É muito difícil atrair os jovens à participação cívica e à vida política. É quase impossível. Mas é possível. Se os mais velhos perceberem que de nada serve intoxicar a juventude com as cartilhas habituais, nem acreditar que a escola a mudará, nem ainda pensar que uma imaginária "reforma de mentalidades" se encarregará disso. Se os dirigentes nacionais perceberem que são eles que estão errados, não as jovens gerações, às quais faltam oportunidades e horizontes. Se entenderem que o seu sistema político é obsoleto, que o seu sistema eleitoral é absurdo e que os seus métodos de representação estão caducos.
Como disse um grande jurista, “cada geração tem o direito de rever a Constituição”. As jovens gerações têm esse direito. Não é verdade que tudo dependa da Constituição. Nem que a sua revisão seja solução para a maior parte das nossas dificuldades. Mas a adequação, à sociedade presente, desta Constituição anacrónica, barroca e excessivamente programática afigura-se indispensável. Se tantos a invocam, se tantos a ela se referem, se tantos dela se queixam, é porque realmente está desajustada e corre o risco de ser factor de afastamento e de divisão. Ou então é letra morta, triste consolação. Uma nova Constituição, ou uma Constituição renovada, implica um novo sistema eleitoral, com o qual se estabeleçam condições de confiança, de lealdade e de responsabilidade, hoje pouco frequentes na nossa vida política. Uma nova Constituição implica um reexame das relações entre os grandes órgãos de soberania, actualmente de muito confusa configuração. Uma Constituição renovada permitirá pôr termo à permanente ameaça de governos minoritários e de Parlamentos instáveis. Uma Constituição renovada será ainda, finalmente, o ponto de partida para uma profunda reforma da Justiça portuguesa, que é actualmente uma das fontes de perigos maiores para a democracia. A liberdade necessita de Justiça, tanto quanto de eleições. Pobre país moreno e emigrante, poderás sair desta crise se souberes exigir dos teus dirigentes que falem verdade ao povo, não escondam os factos e a realidade, cumpram a sua palavra e não se percam em demagogia!
País europeu e antiquíssimo, serás capaz de te organizar para o futuro se trabalhares e fizeres sacrifícios, mas só se exigires que os teus dirigentes políticos, sociais e económicos façam o mesmo, trabalhem para o bem comum, falem uns com os outros, se entendam sobre o essencial e não tenham sempre à cabeça das prioridades os seus grupos e os seus adeptos.
País perene e errante, que viveste na Europa e fora dela, mas que à Europa regressaste, tens de te preparar para viver com metas difíceis de alcançar, apesar de assinadas pelo Estado e por três partidos, mas tens de evitar que a isso te obrigue um governo de fora.
País do Sol e do Sul, tens de aprender a trabalhar melhor e a pensar mais nos teus filhos.
País desigual e contraditório, tens diante de ti a mais difícil das tarefas, a de conciliar a eficiência com a equidade, sem o que perderás a tua humanidade. Tarefa difícil. Mas possível.
Castelo Branco, 10 de Junho de 2011
António Barreto
Presidente da Comissão das Comemorações do Dia de Portugal
O facto deste governo, por culpa do anterior, não ter dinheiro para fazer obras dá-lhe a possibilidade de fazer Obra
Qualquer governo, que tenha verdadeiras intenções de governar o país, confronta-se com o dilema da falta de recursos financeiros. O financiamento do Estado está dramaticamente limitado e condicionado. E o programa da troika é a política orçamental para os próximos três anos. Mas isto não são necessariamente más notícias, porque os grandes problemas do país resolvem-se sem dinheiro e os grandes projectos não passaram disso mesmo, grandes projectos de megalómano. Os problemas orçamentais advieram também de se lançar dinheiro sobre os verdadeiros problemas nacionais. E o dinheiro, só por si, não resolve nada. Só é necessário ter políticas e a cabeça arrumada e, assim sendo, podemos fazer omeletas sem ovos.
Há (muitas) grandes áreas onde tal é possível. Vejamos apenas a justiça e a burocracia.
Como as grandes empresas e o Estado não terão possibilidade de aumentar o emprego, restam as pequenas e médias empresas. E aí está o problema social e económico: o elevado desemprego e a vida infernal em que as PME têm vivido. Aqui reside o verdadeiro nó Górdio do crescimento da nossa economia. Tudo o resto é fumaça.
Basta falar com um pequeno empresário, seja das velhas ou das novas tecnologias, seja no Norte ou no Sul, para que ele conte centenas de pequenos entraves à sua actividade. Cada entrave leva semanas ou meses a resolver, o que representa semanas ou meses em que não se dedica àquilo que o empresário faz bem, que é gerir a empresa, fazer crescer a economia e o emprego. São as regras contabilísticas que foram pensadas para empresas com mil trabalhadores, ou são as leis dos impostos que são confusas, ou as da higiene na fábrica que pressupõem consultores e certificações de todo género. São as autorizações que nunca chegam, são as licenças que demoram anos, são as leis do trabalho inadequadas aos tempos de hoje e à pequena dimensão da exploração. E se a empresa for do sector agrícola ou agro-industrial então é o inferno no inferno.
Um amigo que tem, há vários anos, um excelente restaurante de grande sucesso, quis aumentar o negócio e trespassou outro, uns quarteirões mais abaixo na rua. Esteve só quatro anos a pagar renda antes de o conseguir abrir. Os organismos de fiscalização inventavam sempre que havia uma porta a abrir em sentido contrário para não dar a licença. E de cada vez que lá iam perdiam-se mais seis meses. Outro amigo resolveu comprar um prédio antigo para, com uns familiares, o irem reabilitar e habitar. Tudo legal e legítimo, e sem especulação imobiliária, como outros gostam de salientar. Há seis ou sete anos que está tudo parado. Arruinou-se financeiramente, tem a vida num pequeno inferno, tudo porque a câmara (não refiro qual) ainda não despachou o processo, porque o perdeu, porque o deixou caducar, porque não tem um parecer que já foi emitido por outras autoridades há anos... Os exemplos são de todos os dias. Outro empresário meu conhecido foi para tribunal, num caso de trabalho, que ele mesmo queria perder, para fazer jurisprudência numa interpretação absurda da lei: ganhou, para sua frustração. Continua o inferno dele e dos trabalhadores. É assim a vida dos cidadãos e dos pequenos empresários, mas serão eles os únicos a fazer crescer este país.
Mas há outro sector (entre vários outros) em que podemos fazer omeletas sem ovos, que é a Justiça. Todos sabemos sobre a Justiça duas coisas: que funciona mal e cada vez pior; e, segundo, que temos muitos recursos afectos ao sector, por qualquer comparação internacional. Ou seja, o problema é grave e nunca foi falta de recursos. Se assim for, porque não pôr a justiça a funcionar? Há uma miríade de problemas que têm sido diagnosticados por muitos e, em particular, por Nuno Garoupa. Desde a organização do sistema à feitura das leis propositadamente confusas para alimentar jurisconsultos, aos códigos que estão para revisão desde que foram revistos, tudo parece um sonho mau. E mais uma vez os problemas caem em cima das pequenas empresas que não têm recursos para terem avenças com grandes escritórios de advogados. E caem, e de que maneira, sobre o cidadão incauto que, pela mesma razão, tem dificuldade em se defender.
Além disso a justiça, em custas e quejandos, é já de si caríssima. Se tiver a desdita de ser conhecido ou ser conhecido de alguém conhecido, poderá ser linchado nos jornais e abrir as notícias na televisão dias a fio. Tudo em nome da liberdade, mas sem Justiça. Ainda não foi arguido, ainda nem foi acusado, e já foi julgado e condenado. E sem apelo.
Sem justiça a funcionar não há verdadeira cidadania e logo a liberdade é sempre condicionada. Sem libertar a pequena economia não haverá mais emprego, o que agravará o já grave problema social do desemprego.
O facto deste governo, por culpa do anterior (não esqueçamos nem perdoemos), não ter dinheiro para fazer obras, dá-lhe a possibilidade de fazer Obra. E esta, nos casos citados, não absorve recursos, pelo contrário. Liberta a economia e cria emprego. Liberta recursos do Estado e das empresas. Liberta o cidadão de problemas potencialmente mais graves que muitas faltas de saúde. Isto será realmente importante, não há tempo nem recursos para fazer coisas, mas há a oportunidade para fazer omeletas sem ovos. Será que necessitámos de uma boa crise para se sair dela mais forte, fazendo o que há anos era necessário e urgente? Assim queiram os deuses.