A análise das causas que nos trouxeram à situação actual mostra o que há a fazer:
- Atenuar as consequências de uma “bolha” de crédito bancário que implodiu;
- Desmobilizar as actividades que só prosperariam enquanto perdurassem a “bolha” de crédito bancário e o desgoverno da Despesa Pública;
- Promover a transição para o modelo económico centrado na satisfação da procura externa – do modo mais suave possível, mas que será sempre penoso.
E tudo isto tendo como pano de fundo:
- A redução da Dívida Externa (do Estado e dos Bancos de cá, mais destes que daquele) em valores absolutos;
- A obtenção de excedentes orçamentais primários (isto é, antes dos encargos financeiros com a Dívida Pública) não inferiores a 4% do PIB.
Destaco as seguintes medidas (sem a preocupação de ordenar por grau de prioridade, muito menos de ser exaustivo):
- Instituir uma Bolsa para o retalho (isto é, a negociação de pequenos lotes) dos títulos de Dívida Pública, com custos de transacção simbólicos – para dinamizar o interesse dos pequenos investidores residentes.
- Colocar a Dívida Pública por leilão competitivo (como hoje acontece), mas evitando a “maldição do vencedor” (ou seja, fixando a taxa de juro da emissão na taxa mais alta pedida e que seja satisfeita) – para aumentar a liquidez e reduzir o custo dos capitais oferecidos (por estranho que pareça).
- Traçar um novo quadro jurídico para a insolvência das empresas:
(1) que não presuma, à partida, a culpa do empresário – para motivar a iniciativa empresarial consciente e honesta;
(2) que evite que os bens físicos da massa insolvente se degradem até se tornarem lixo – para não transformar uma questão meramente jurídica numa perda de riqueza (a redução do produto potencial);
(3) cujos trâmites processuais sejam expeditos – para reforçar a segurança jurídica da actividade económica.
- Uma nova Lei do Arrendamento – para facilitar a mobilidade geográfica sem a qual o novo modelo económico (com ou sem FMI/FEEF) nunca sairá do papel.
- Instituir Bolsas Municipais de Imóveis, quer para venda, quer para arrendamento – a fim de:
(1) dar transparência a um mercado que continuará a ter um peso importante na economia;
(2) apoiar os Bancos de cá na gestão das suas carteiras de créditos hipotecários numa conjuntura de crise profunda;
(3) potenciar os efeitos anti-cíclicos da política fiscal.
- Promover activamente a ocupação harmoniosa do território nacional – para evitar os sobrecustos da concentração urbana e a desertificação do interior (reduzindo, assim, alguns dos mais pesados “custos de contexto”).
- Organizar mercados de 1ª transacção de bens alimentares - para que, ao cabo de oito séculos, o risco de mercado deixe de recair por inteiro sobre os produtores.
- Acabar com o prémio fiscal ao endividamento das empresas e, paralelamente, reduzir a taxa de IRC para 10% / 12.5% (as contas são fáceis de fazer) – para:
(1) atrair, de forma selectiva, IDE;
(2) desincentivar o sobre-endividamento crónico das empresas portuguesas;
(3) reduzir o risco implícito na economia portuguesa (e, por arrastamento, ajudar os Bancos de cá a sobreviver ao período de transição).
- Converter o IRC em “imposto de actividade”, com colecta mínima e uma base tributável diferente – para que passe a ser considerado pelas empresas como um custo recorrente e previsível, em razão do ambiente de segurança jurídica que lhes é proporcionado.
- Liquidar o IRS classe de rendimento a classe de rendimento, e não com base no rendimento global – para:
(1) eliminar a exorbitância de algumas taxas de tributação marginais (quando o rendimento colectável muda de classe);
(2) contrariar a “greve do contribuinte” (quando este renuncia a um maior rendimento nominal para não ser atingido por uma taxa de imposto mais elevada).
- Instituir um imposto nivelador (em que a taxa do imposto é igual à diferença, se positiva, entre uma taxa nominal de referência e a taxa efectiva da operação em causa) sobre os fundos tomados pelos Bancos nos mercados interbancários – para:
(1) evitar, ab ovo, novas “bolhas” de crédito bancário;
(2) gerar receitas fiscais “virtuosas”.
- Eliminar, de vez, a tradicional cumplicidade Supervisor/Supervisionado no sistema bancário e aplicar rigorosamente os princípios prudenciais que Basileia 2 veio consagrar – para que os Bancos de cá sejam, de novo, sólidos, financeiramente estáveis e fiáveis.
- Instituir um esquema de seguro de créditos à exportação que funcione – para que as actividades exportadoras possam competir de igual para igual nos mercados externos.
- Substituir o “Estado produtor” de serviços de interesse público (como os cuidados de saúde e a educação) pelo “Estado financiador e regulador” – para libertar o Governo do fardo que é gerir a oferta (e os asfixiantes problemas de pessoal) e centrá-lo na regulação e na disciplina da procura (não esquecer que se trata de serviços gratuitos, ou com preços simbólicos).
- Atribuir a qualidade jurídica de “funcionário público”, apenas, às tradicionais funções de Soberania, com a restante Administração Pública abrangida pela lei geral – para que, por fim, o contribuinte deixe de ser refém de uma multiplicidade de interesses particulares e corporativos.
- Tornar o aparelho judicial mais eficiente na resolução de conflitos cíveis – para reduzir alguns outros “custos de contexto” que também pesam.
- Mais do que uma revisão profunda das leis laborais, um outro modo de conceber o contrato de trabalho (tema para um próximo escrito, numa outra colecção, “Heresias”);
Infelizmente, não tenho muitas sugestões quanto a actividades exportadoras, para lá de:
- Fazer dos portos marítimos (Sines, Aveiro, Leixões) verdadeiros hubs transoceânicos, com ligações ferroviárias rápidas ao hinterland ibérico e à Europa transpirenaica para o transporte de mercadorias;
NOTA 1: Por isso, o absurdo de um TGV cuja finalidade única é transportar pessoas, e não mercadorias, entre Lisboa e Madrid, estação terminal.
NOTA 2: O que nenhum Governo espanhol verá com bons olhos, pois tem projectos concorrentes para os portos de Cádis (linhas transatlânticas) e de Málaga (linhas Mediterrâneo/Suez).
- Iniciar (fundos marinhos) ou recuperar (pescas) a exploração económica da ZEE alargada (é para protegê-la que são indispensáveis os submarinos - e os actuais dois até são poucos para o efeito; cinco seria o ideal);
- Construir um hub de voos intercontinentais (o NAL, que uma “ponte-que-deveria-ser-túnel” derrotou), sem desactivar o Aeroporto da Portela (porque está orientado para segmentos diferentes da aviação comercial).
À memória da Dona Vitorina, minha Professora da Escola Primária.
Passeio entre sítios e blogs em viagem virtual numa tentativa de encontrar a informação, despejada em milhares de textos, que emergem ao segundo no ecrã. É a sublimação. Sublimação de quê? Não sei. Sinto-me sublime, por estar mais ilustrado. Sinto que passei do estado sólido ao estado gasoso e que flutuo. Inicio um voo cuja deslocação provoca um zumbido parecido com o do moscardo zzzzzzz...zzzzzzzz...zzzzzzzzz. Lembro-me do poderoso Rimsky Korsakov. E, num planar rasante, atravesso as sombras de um espaço mal iluminado e culmino em nova incursão internáutica no YouTube, para cair no fabuloso Apache dos Shadows.
O voo é baixo, mas, o meu sonho anda nas alturas e ao meu lado passam, em tela transparente, cenas da minha infância e recordo a escola primária. Vejo a Dona Vitorina, a minha professora até à quarta classe, a sorrir-me, (também levava com a palmatória de vez em quando...), e a criançada amiga a saltar e a correr ao meu lado. Sinto a pancada na perna (fui atropelado com oito anos) e vejo-me num bloco operatório do Hospital de São José. Estive um mês na enfermaria e outro na minha cama. A Dona Vitorina todas as tardes me entrava quarto dentro, depois das aulas, para me ensinar, preocupada com o exame da terceira classe que se aproximava. Fui fazer o exame da terceira classe de maca, transportado pelos bombeiros. A maca ficou no meio da sala e não fui ao quadro. Com a perna engessada...tive de fazer as contas de cabeça.
Tornei-me na estrela do dia, entre a rapaziada. E o voo continua, ao lado da tela invisível e eu presencio-me a ver o Summer Holidays do Cliff Richard.
Veio o Liceu. Tive uma paixoneta assanhada pela Brigitte Bardot e fui vê-la ao Cinema Monumental, com colegas de turma que hoje vejo nos telejornais ou ouço nas rádios.
O voo acabou e o sonho também... subitamente. Voltei à verdade do silêncio que me rodeia. Caíram-me as asas e tudo voltou à semi-penumbra da sala donde vos escrevo. Tenho saudades do meu passado, da minha infância e da minha juventude e deixo-vos com este Soneto que me apeteceu escrever, porque o silêncio da noite e o recolhimento, isolaram-me da dura realidade que se vive, hoje, no meu País e neste mundo global onde a Palavra chega até nós, através de ecrãs iluminados. O Silêncio, o Recolhimento, a Saudade inspiraram-me:
O vento frio bate na janela.
E ouço-a, tremendo, a gemer.
A Luz invade-me, qual sentinela,
Para, em alerta, eu perceber.
Percebendo que os que são amados,
De quem Jesus fala nos Evangelhos,
As Crianças e os Pobres já Velhos,
São, no nosso tempo, abandonados.
São, em nome de um deus material,
Sacrificados a bem do progresso,
A bem do investimento cruel.
E eu, materialist' e venal,
"sonhador”, impotente me confesso
Não deixar de ser homem de papel.
Este texto, que pretende ser prosa poética, no lugar do prodigioso fantástico da minha imaginação, adornado com um Soneto, não é mais do que esta, (a minha imaginação), que luta por encontrar respostas. Imaginação que encontro, de quando em vez, na esquina do meu comodismo. O Soneto é a expressão da minha revolta por não poder fazer mais nada, para que as Crianças – a quem vai ser atribuído um número fiscal - e os Velhos do meus País, sejam poupados à crise provocada por incompetentes que não souberam acautelar a ganância insensível e descontrolada...
Verdade seja dita que o endividamento externo dos Bancos de cá começou muito antes de a Dívida Pública Externa ter disparado. E só foi possível chegar onde chegou porque:
- As economias fortes da Europa registavam excessos de liquidez - sem que o Resto do Mundo, devastado por sucessivas crises financeiras (América Latina, Tigres Asiáticos, Rússia), fosse, ao tempo, alternativa de investimento credível;
- Basileia 1 (o quadro prudencial prevalecente no sistema financeiro mundial até 2006) tratava com excepcional benevolência os empréstimos interbancários no seio da OCDE;
- A cultura burocrática do BdP impedia-o de ver que os Bancos de cá, nem estavam a gerir prudentemente os riscos a que se expunham, nem possuíam Capitais Próprios bastantes para o que andavam a fazer (escrevi sobre isto no jornal “Público”, em Janeiro de 2005);
- E, mais recentemente, o BdP pôs o ouro em cima da mesa para evitar o pior.
Quanto à Dívida Pública, ela cresceu entre 1985 e 2007 (a partir de 2000, o que mais crescia em proporção era a componente externa) - mas manteve-se dentro de limites geralmente tidos por razoáveis (abaixo de 60% do PIB).
Em meados de 2007, a crise financeira no Mundo Ocidental começa a desenhar-se (na realidade, começou em Outubro de 2006, quando o Banco HSBC anunciou que tinha levado a perdas milhares de milhões de USD de créditos hipotecários incobráveis). Pretexto para o Governo dar livre curso à sua pulsão gastadora – que justificava com os argumentos típicos de quem faz uma leitura apressada das teses keynesianas.
E ainda hoje não sabemos nós, contribuintes, nem sabem os investidores estrangeiros, onde tanto dinheiro (quase 30% do PIB) terá sido gasto – até porque a capitalização dos juros (contrair empréstimos para pagar os juros, entretanto, vencidos) não explica tudo.
Sem folga orçamental por causa de uma inoportuna descida nas taxas de alguns impostos, desmobilizada que estava a poupança doméstica por um longo rol de medidas igualmente insensatas, só restava ao Governo financiar-se no exterior – o que ele fez, com o à-vontade de grand seigneur. Como pagar esses empréstimos? Logo se veria.
Poderia ter sido tudo diferente? Poderia - mas não com os actores que o destino tinha posto em cena.
Bastaria:
- Ter sabido ler os sinais de crise em diversas Dívidas Soberanas, ao longo do 2º semestre de 2009;
- Ter constituído uma “almofada” de liquidez, enquanto os mercados ainda tinham a nossa Dívida Soberana em boa conta;
- Ter percebido que crises de Dívida Externa só se resolvem com mudanças estruturais - ou com guerras;
- E, se o clima piorasse, como piorou, ter negociado o apoio de FMI/FEEF ainda no 1º semestre de 2010 - para estancar a drenagem inútil de encargos financeiros exorbitantes e evitar credores pouco recomendáveis.
Mas, para tal, teria de haver a percepção clara de que, com desequilíbrios persistentes na BTC e uma Dívida Externa de grandes proporções, o que estava em causa, mais do que a óbvia falta de liquidez (Euros Externos), era a própria solvência do País. Não havia.
Tudo aponta para que FMI/FEEF venham a ser chamados in extremis (quando o BCE perder a paciência, por exemplo) no preciso momento em que a Dívida Externa (a do Estado e a dos Bancos de cá) esteja completamente arredada dos mercados. Então, Governo, Bancos, “opinadores”, todos dirão à uma, com ar compungido: “Que fatalidade!”
E para atender a tamanha fatalidade, o “pacote financeiro” terá de dar:
(1) para preencher as necessidades de financiamento externo, e só essas, no período de transição para um modelo económico centrado nas exportações;
(2) e para aumentar substancialmente os Capitais Próprios dos Bancos de cá (em não menos de € 20 mM, pelas minhas contas). Tudo o resto, que não é pouco, terá de ser obtido internamente (parte em poupança espontânea, parte em poupança forçada).
Em aberto fica a questão de saber se a reestruturação da Dívida Pública Externa consistirá, apenas, em reescalonamento (extensão e/ou diferimento dos reembolsos), ou se envolverá forçosamente a penalização dos credores (mediante a redução das taxas de juro inicialmente convencionadas e/ou o perdão parcial - entre 10% e 20% - do capital a reembolsar). Eu, por mim, não sei.
Sei, sim, que a Dívida Externa dos Bancos de cá, ou é renegociada convencionalmente (sem esquecer o BCE), ou qualquer credor insatisfeito poderá requerer que este ou aquele seja declarado insolvente, mal o apoio do BCE se esfume.
A melhor maneira de afastar este cenário, bem mais perigoso do que o default da Dívida Soberana, será dotá-los de Capitais Próprios à primeira vista excessivos (entre 15% e 20% dos respectivos patrimónios ponderados pelo risco) - e quanto mais depressa, melhor.
Como? Por exemplo, utilizando uma fatia do “pacote financeiro” para resgatar os títulos de Dívida Pública (os de menor prazo remanescente) que se encontram na posse do BCE (e de outros “credores oficiais”) e, com esses títulos, reforçar o capital daqueles Bancos de cá que são as traves mestras do sistema de pagamentos. E “rolar” esses títulos, substituindo-os por novas emissões (conversão da Dívida Pública de Externa em Interna) até a situação económica estar estabilizada.
Uma re-estatização? Não necessariamente, se o grosso dessas entradas de capital corresponder a acções preferenciais (que perfilho), a empréstimos subordinados ou a outros quaisquer instrumentos de quase-capital que o Basileia 3 admitir. Mas reconheço que estou a fazer uma profissão de fé desmedida na proficiência dos Supervisores (leia-se: BdP).
Quando os Bancos de cá estivessem definitivamente sólidos (já com a crise superada):
(1) ou teriam Capitais Próprios em excesso – e as acções preferenciais iriam sendo amortizadas com títulos de Dívida Pública em carteira;
(2) ou não - e as acções preferenciais seriam convertidas em acções ordinárias e alienadas no mercado.
Restam as mudanças estruturais que conduzam ao novo modelo económico. Graças a Deus, para serem decididas a coberto da tal apólice de desresponsabilização brindada por FMI/FEEF ao Governo que seja chamado a governar.
O Dr. Vasco Pulido Valente, um conhecido anti-cavaquista que, de vez em quando, escreve crónicas em que mostra grande discernimento, escreveu no"Público" de 28-1-2011 uma crónica cuja lógica não consigo compreender.
Começa por declarar que Cavaco Silva "perdeu" as eleições do dia 23 de Janeiro de 2011. Como foi Cavaco Silva que, satisfazendo todas as condições que a lei exige (e, neste caso, com total liberdade, o que não sucede para a Assembleia da República, as mais importantes eleições) obteve uma maioria de votos válidos - os únicos que contam, pois se assim, não fosse ficaríamos num impasse - foi ele e nenhum dos outros candidatos quem, obviamente, ganhou e, por esse facto quem ocupará o cargo durante o novo mandato.
Baseou aquela afirmação no facto de o número de votos que recebeu não ser superior a 50% do número de portugueses eleitores, mostrando ignorar que a Constituição declara que "Será eleito Presidente da República o candidato que tiver mais de metade dos votos validamente expressos" (Artigo 126º). Mesmo que Pulido Valente já tivesse proposto outras regras para essa eleição - o que não me consta que tenha feito - de nada valiam, dado não terem sido incorporadas na Constituição, pelo que aquilo que escreveu é totalmente descabido, por não ser verdade. Por muito que lhe custe, Cavaco Silva "não perdeu" as eleições, ganhou-as.
Mas o Dr. Vasco Pulido Valente, um tão ilustre comentador político, mostra não saber que uma das regras fundamentais da democracia é o poder residir nos cidadãos maiores de 18 anos e não numa ou em meia dúzia de pessoas e, portanto, com a inerente liberdade de se poder candidatar ou delegar o seu poder em quem desejar e não apenas em quem um ou meia dúzia de ditadores lhe dão "licença".
Se as eleições para o Presidente da República são totalmente livres e democráticas - talvez porque os seus poderes são muito limitados... - para a Assembleia da República (donde emana o governo) toda a "liberdade" que os cidadãos têm é a possibilidade de escolher uma de meia dúzia de listas com ordem fixa, elaboradas ditatorialmente por outras tantas pessoas, chefes de partido. Mesmo que ninguém dessas listas seja a pessoa em que o eleitor desejasse confiar o seu poder - se estivesse em democracia - não lhe consentem alternativa. Como nessas listas considera alguns piores que outros, a única liberdade que tem é escolher aquela que lhe parece "menos pior". Mas Pulido Valente fala da "nossa democracia"!
Convém não perder de vista o essencial. E o essencial não é, certamente, saber se FMI/FEEF vão assentar arraiais por cá. Essa é, apenas, uma via para não sermos deixados ao abandono (o hospício) pelos mercados financeiros e pelos nossos parceiros na UEM - mal a máquina (leia-se: BCE) seja desligada. Que será fatalmente, mais dia, menos dia.
O que está verdadeiramente em causa é como reconduzir a Dívida Externa (do Estado e dos Bancos de cá) para níveis (em % do PIB) e montantes (em valor absoluto) que sejam financiáveis – e, de caminho, livrarmo-nos desta angústia diária: “Há quem financie? E quanto vai custar?”
Mais exactamente, importa ver se a estrutura actual da nossa economia é capaz de trazer a Dívida Externa Bruta para esses níveis e para esses montantes. Se sim - como? Se não – o que fazer? E, já agora, que níveis e montantes serão esses?
Tenho por evidente que a estrutura económica actual, orientada predominantemente para satisfazer a procura interna e a Despesa Pública (estimuladas ambas por uma enorme “bolha” de crédito bancário), é totalmente incapaz de gerar disponibilidades líquidas sobre o exterior (denominadas em Euros Externos) – ainda que a Dívida Externa fosse zero.
Para a resposta ser “sim” a economia portuguesa teria de:
(1) registar taxas de crescimento que pediriam “meças” às da China;
(2) converter, por inteiro, esse crescimento em superavits da BTC;
(3) gerar, na execução orçamental, saldos primários superiores aos juros e encargos com a Dívida Pública Externa.
Tudo isto continuadamente, sem recuos, durante mais de uma década – e desde que o BCE, entretanto, não se cansasse de ceder liquidez aos Bancos de cá, ou de adquirir a nossa Dívida Soberana nos mercados secundários.
Aquelas duas primeiras condições, assim, de um dia para o outro, só:
(1) se as actividades que hoje são competitivas no comércio internacional se expandissem, de golpe, por múltiplos;
(2) ou se muitas das actividades hoje totalmente orientadas para a procura interna se tornassem, num ápice, competitivas além fronteiras; (3) ou, ainda, se o IDE afluísse em catadupa, atraído pela certeza de que boa parte das encomendas que hoje rumam ao Leste Europeu, ao Norte de África e ao Extremo Oriente seriam por cá melhor servidas;
(4) ou, enfim, uma qualquer combinação verosímil dos três cenários anteriores.
Mais ainda. Como o busílis está na Dívida Externa do Estado e dos Bancos de cá, o rendimento nacional gerado por tão miraculoso ciclo de crescimento económico teria de ser:
(1) uma boa parte, apropriado, desde logo, pelo Estado (através de impostos) e pelos Bancos (mediante comissões e spreads);
(2) o restante, colocado também à disposição do Estado (sob a forma de Dívida Pública Interna para resgatar Dívida Pública Externa) e dos Bancos (sob a forma de Depósitos e outros Passivos, para tornar possíveis os reembolsos que o BCE, mais tarde ou mais cedo, lhes vai exigir).
Carga fiscal pesada e financiamento bancário caro não são propriamente os sabores que o IDE mais aprecia. E se, mesmo assim, ele viesse, formaria, provavelmente, o que a teoria designa por “ilhas de dualidade”:
(1) actividades locais financiadas inteiramente, ou quase, por Bancos no exterior, que também movimentam a correspondente liquidez;
(2) redução do valor acrescentado nacional ao mínimo (só os custos directos da produção local).
Em tais circunstâncias:
(1) os Bancos de cá pouco poderiam contar com o IDE para reduzirem a sua quota-parte na Dívida Externa (dos quais cerca € 84 mM - 50% do PIB – devidos ao BCE e a Bancos no exterior);
(2) ao OGE chegariam os impostos e outras contribuições sobre a massa salarial gerada pelo IDE, e pouco mais.
Por outras palavras:
(1) criaria emprego;
(2) reforçaria a curto prazo a Balança de Capitais não Monetários (mas daria lugar à exportação de capitais e rendimentos de capitais, no futuro);
(3) proporcionaria mais algumas receitas fiscais e parafiscais;
(4) diminuiria os Gastos Públicos (na exacta medida em que reduzisse o desemprego);
(5) mas, nem a sua contribuição para o equilíbrio da BTC, nem os Euros Externos que libertaria, atingiriam grande expressão.
Em vista disto, o IDE, sendo parte, e parte importante, da solução, nunca poderá ser “a” solução salvífica:
(1) não terá efeitos significativos no problema de fundo que nos aflige;
(2) não fará subir a economia portuguesa na escala de valor.
Resta confiar em novas iniciativas empresariais de raiz portuguesa, orientadas para a exportação – o que é dizer:
(1) inovação;
(2) forte capitalização;
(3) financiamento adequado às actividades exportadoras;
(4) carga fiscal, se não incentivadora, pelo menos neutra relativamente ao que se passar nas economias concorrentes;
(5) exposição a todos os riscos que pululam no comércio internacional;
(6) falhanço aqui, falhanço acolá;
(7) tempo, muito tempo para que todo este processo de transição estabilize.
Podendo contar limitadamente com a política fiscal e os Bancos de cá, as actividades exportadoras cedo se aperceberiam das virtudes do modelo de negócio “dual” que viam o IDE praticar ali ao lado. E os Bancos lá de fora não deixariam de as alertar para isso. A BTC acabaria por registar superavits inferiores aos esperados - e os Euros Externos não afluiriam com a abundância que o crescimento do PIB faria inicialmente prever.
Enquanto decorresse o período de transição para um novo modelo económico centrado nas actividades exportadoras e tendo por objectivo último o equilíbrio externo (admitindo que era financiável nas condições actuais), os encargos com a Dívida Pública Externa aproximar-se-iam passo a passo dos 6% do PIB - considerados a fronteira que separa:
(1) a dívida gerível da dívida ingerível;
(2) o exercício orçamental proficiente do colapso das finanças públicas;
(3) a carga fiscal suportável da evasão fiscal generalizada.
Acresce ainda que períodos de transição profunda arrastam invariavelmente grandes volumes de créditos incobráveis – perdas que os Capitais Próprios dos Bancos teriam de absorver, para não juntar, ao colapso das finanças públicas, o colapso do sistema bancário.
Se este novo modelo (actividades exportadoras de raiz portuguesa + IDE) é, como parece ser, o único caminho que temos pela frente, então:
(1) há que lhe dar tempo (para a Grécia fala-se em 30 anos ou talvez mais; 20 anos, no mínimo, para a Irlanda);
(2) há que criar o “contexto” que lhe seja mais propício;
(3) há que financiá-lo (sem esquecer o reforço dos Capitais Próprios dos Bancos de cá);
(4) há que manter a fronteira dos 6% à distância.
É justamente para tudo isto que servem FMI/FEEF. Sem o apoio deles (e, se não for pedir de mais, das cláusulas de salvaguarda) não creio que a transição para o novo modelo económico possa sequer ter início. E, então, só o repúdio (default) da Dívida Externa poderá repor os equilíbrios na economia portuguesa – mas, então, com custos terríveis.
Suspeito que o “caso português” colocará o FMI perante situações com as quais ele nunca teve de lidar até ao momento. O que recomenda, desde logo, uma negociação cuidada, bem preparada e sem pressas – e não entradas de aflição.
Acontece, porém, que os créditos do FMI/FEEF (e de outros “credores oficiais”), por regra, se sobrepõem a todos os demais, e só muito excepcionalmente admitem o perdão parcial em processos de reestruturação de Dívidas Soberanas.
Daí decorrem duas consequências, qual delas a mais penalizadora:
(1) o custo da reestruturação da Dívida Soberana recai, por inteiro, sobre os restantes credores;
(2) quanto maior for o “pacote financeiro” (ou seja, quanto mais tarde o FMI/FEEF chegarem) maior será a perda que estes últimos vão sofrer - caso a reestruturação seja inevitável.
Por isso, os investidores “não oficiais” exigem yields (taxas de retorno) cada vez mais elevadas para ficarem expostos a um cenário provável onde terão tudo a perder: ainda não o do repúdio, mas o da entrada em cena de FMI/FEEF. Especuladores, eles?
Não! Especulador é quem arrasta a actual situação para lá do tolerável; quem finge forças onde todos só vêem fraquezas, quem não recua perante nada só para proteger (vãmente, diga-se) a imagem que faz de si próprio.
ESTAMOS À PROCURA DE PARCEIROS PARA O NOSSO PROJECTO !!
O Projecto Intercâmbio (PI) foi idealizado por crianças que frequentam o curso de Língua e Cultura Portuguesas (LCP) em Essen, Alemanha. O seu objectivo é conhecer e interagir com outras crianças portuguesas, luso-descendentes e lusófonas, que morem em outros países e partilhem interesses semelhantes...
M. Rugendas : Nègres à fond de cale d’un bateau d’desclaves.
Fonte: Wikipédia
Pela humanidade execrada, existente desde os primórdios das civilizações, com características inerentes à cultura e motivação dos povos que a exerceram, a escravidão foi um sistema socioeconómico coercivo que utilizava a competência física ou intelectual do homem cativo em guerras e assaltos, pelo seu dono ou senhor, para adquirir algum tipo de bem, seja financeiro ou de prestação de serviços.
Com a descoberta do Novo Mundo e a tentativa de fazê-lo economicamente viável, para os povos que tinham terras conquistadas e pouca gente para ocupá-las (portugueses, espanhóis, holandeses, franceses, ingleses) o emprego da escravidão foi a solução primitivamente encontrada. Assim começou a escravidão na América. O tráfico de escravos inicialmente com o monopólio português, logo foi superado pelos concorrentes. Até que os ingleses não o julgaram mais necessário, quando a economia inglesa tomou outros rumos mais eficientes e supostamente humanitários. Era a maquina tomando a vez do trabalho escravo, mas sempre precisando de gente para manipulá-la ou gerenciá-la. Com ela veio outro tipo de escravidão, a que a sociedade industrial desenvolveu.
Era basicamente através das Feitorias instaladas nas costas da África (Arguim e São Jorge da Mina), no escambo com os sobas, que os portugueses adquiriam escravos. Pervertidamente estimulados pelas ofertas portuguesas (protecção armada, panos, armas, açúcar, cachaça, enfeites,...), os reis africanos trocavam prisioneiros de guerras tribais ou das caçadas (às vezes ajudados pelos portugueses), pelos bens que aumentavam seu prestígio, vaidade e poder.
No Brasil, como a escravidão ameríndia não deu resultados (dificuldades na captura dos índios, alto índice de mortalidade, dificuldade de aculturação de uma sociedade indígena estruturada, protecção da Igreja) a solução portuguesa foi buscar na África material humano para o trabalho. Fisicamente mais resistentes, os africanos suportaram, apesar das muitas perdas de vida, as longas e insalubres travessias, os bárbaros castigos, as duríssimas condições de vida. Socialmente desterrados e desestruturados, pelo Vaticano ignorados como seres sem alma, e sem direito à liberdade, foi mais fácil para os colonos luso-brasileiros utilizá-los. A escravidão africana, no Brasil, propiciou a produtividade (mineração, plantação de cana de açúcar, algodão, tabaco, café, manuseio de gado) e desenvolvimento (mão de obra rural e urbana, serviços gerais), e foi elemento fundamental na formação genética e cultural do povo brasileiro.
A distinção sistemática entre as humanidades e as ciências naturais – sugerindo que as primeiras são exercícios alargados e trans-históricos da sabedoria a que habitualmente chamamos de senso comum – criou um fosso que importa conhecer. De facto, durante o século XX as «ciências humanas» entraram em crise porque as ciências naturais invadiram ostensivamente o seu território daí levando a que as pessoas atirassem fora os conceitos humanistas ao abrigo dos quais o senso comum é compreendido e organizado.
O humanismo foi, pois, despejado para a latrina como qualquer resíduo inútil típico duma cosmovisão desaparecida.
Como o senso comum cai por terra quando não apoiado pela reflexão, o resultado é a perda de significado; um vazio moral, para dentro do qual fomos levados logo que nos rendemos aos falsos deuses que são o dinheiro, o consumismo e a hiper-liberdade, ou seja, a libertinagem.
Lisboa, Fevereiro de 2011
Henrique Salles da Fonseca
BIBLIOGRAFIA:
Roger Scruton – BREVE HISTÓRIA DA FILOSOFIA MODERNA – Guerra e Paz Editores, SA, 1ª edição (Junho de 2010)
Foi noticiado há dias o aumento do preço dos transportes.
No que se refere aos transportes colectivos em Lisboa esta notícia merece alguns comentários porque de facto a sua eficiência é baixa em grande parte por causas de certa forma exteriores à gestão das empresas que prestam estes serviços.
Com efeito os autocarros não podem deslocar-se a velocidades médias mais altas porque as ruas por onde circulam estão frequentemente estranguladas por veículos mal estacionados e ainda mais por muitos veículos que circulam muitas vezes ocupados apenas por uma pessoa.
Esta situação poderia ser resolvida se for organizado um sistema constituído por parques de estacionamento em locais estrategicamente colocados fora da cidade de forma aos condutores aí deixarem os seus carros, deslocando-se para os seus destinos em autocarros ou comboio devidamente conjugados com o metropolitano e transportes fluviais.
Nos finais da década de 80 uma entidade denominada Federação Portuguesa de Transportes enviou aos vários Ministros que interferem nos transportes e a todas a Câmaras Municipais da área metropolitana de Lisboa uma sugestão para se organizar este sistema e assim, não só melhorar a eficiência da rede de transportes colectivos mas também diminuir o consumo de combustíveis e a poluição e aumentar o nível da qualidade de vida dos lisboetas, retirando alguns milhares de carros do centro da cidade.
Para isso ser possível haveria dois períodos por dia, no início da manhã e no fim da tarde, em que nas vias essenciais de acesso não poderiam circular carros particulares, respectivamente nas entradas e nas saídas.
Também teria que haver uma rede conjugada de linhas de deslocação com todos os meios incluídos, não esquecendo o importantíssimo meio que é o peão, aliás totalmente esquecido pelos decisores de serviço, de modo a que se maximize a capacidade de cada cidadão chegar ao seu destino em menos tempo e por menos gasto de dinheiro, simultaneamente poupando investimentos e consumos.
Só um dos Ministros respondeu e das Câmaras nem uma palavra.
Agora que estamos declaradamente em crise será obviamente oportuno levantar esta questão pois em vez da fatalidade do aumento do preço dos transportes sempre será desejável, porque não há maneira de ser obrigatório, realizar um acto de gestão correcto.