Quem procure por David de Souza na Internet vai deparar com um fotógrafo brasileiro e com mais não sei quantas personalidades importantíssimas de apelido Desouza mas a biografia do nosso compositor prima pela ausência. Fora ele espanhol e não haveria terrinha andaluza ou estremenha que não lhe pusesse nome em rua…
Mas nós somos assim: ingratos; não queremos saber dos nossos ilustres.
Seremos isso?
Não! Somos apenas ignorantes!
Então, quem foi o nosso David de Souza?
Foi um compositor de música erudita. Se fosse pimba ou de rock…
Nascido em 6 de Maio de 1880 na Figueira da Foz, realizou os seus estudos musicais no Conservatório Nacional de Lisboa onde frequentou as classes de violoncelo e de teoria musical; em 1901, bolseiro do Estado, foi estudar violoncelo para o Conservatório de Leipzig; em 1913 estreou-se como chefe de orquestra em Portugal num concerto no Teatro Nacional e passou logo de seguida a Maestro Titular da recém-constituída Orquestra Sinfónica de Lisboa; em 1916 passou também a exercer o cargo de professor das disciplinas de violoncelo e de regência de orquestra no Conservatório Nacional. Faleceu na Figueira da Foz em 1918 vitimado pela gripe pneumónica.
Na sua obra, eminentemente nacionalista, figuram composições para piano, canto e piano, violino e piano e violoncelo e piano para além de um bom número de obras para grande orquestra, nomeadamente a “Rapsódia Eslava” e o Poema Sinfónico “Babilónia”; ainda hoje se encontra inédita a sua ópera “Inês de Castro”.
Pois é! David de Souza foi um compositor brilhante que nos deixou músicas muito agradáveis de ouvir e que depois de um longuíssimo silêncio, volta agora a poder ser escutado pois o Maestro António Ferreira foi desencantar as partituras que deviam estar fechadas a sete chaves nalgum baú esquecido numa cave escura.
Então, acompanhem-me primeiro ao YouTube: é lá que encontramos várias peças deste Autor em gravações actuais, todas interpretadas pelo Maestro António Ferreira ao piano, pela soprano Ana Leonor Pereira e pelo violoncelista Pedro Neves. Concentrem-se nas melodias para ficarem com uma ideia da qualidade do Autor. Tenho a certeza de que me vão dar razão quando digo que se trata de um conjunto de músicas que se ouvem com muito agrado. De seguida façam justiça aos intérpretes reconhecendo que merecem o nosso aplauso.
Mas se quiserem ter uma ideia mais precisa da qualidade do compositor e dos intérpretes, então acompanhem-me ouvindo o CD que a Câmara Municipal e o Casino da Figueira da Foz patrocinaram homenageando David de Souza. Obtive-o há menos de 24 horas e já o ouvi 4 vezes. De cada vez gostei mais do que na anterior e vou continuar… No CD, a qualidade da gravação ultrapassa largamente o som permitido pelo YouTube pelo que acabamos percebendo detalhes que nos vídeos não notamos. E aqui já podemos apreciar melhor o trabalho dos intérpretes. Veludo, é a ideia que me ocorre. Ana Leonor Pereira tem sublimes agudos em pianíssimo e Pedro Neves delicia-nos com o violoncelo que pertenceu ao compositor. E por mais que me digam que o piano apenas acompanhou, todos sabemos que as mãos são as do Maestro que tudo produziu. Fico sem saber se dar os parabéns aos intérpretes e patrocinadores ou se lhes agradecer com um sincero obrigado. Faço as duas coisas: PARABÉNS e OBRIGADO!
Entretanto escreveu-me um leitor, interessado em saber por que razão, parecendo serem os vários investimentos aqui sugeridos muito interessantes, particularmente na presente conjuntura de tanta carência de postos de trabalho, eles não se concretizam.
Esta dúvida é muito pertinente e duplamente oportuna.
Primeiro porque por um lado existe a necessidade absoluta da criação de postos de trabalho, única forma prática de diminuir a tremenda taxa de desemprego, e por outro a igualmente importante tarefa de melhorar o nível do nosso produto turístico de forma a aumentar as receitas desta actividade altamente exportadora e diminuir a taxa de sazonalidade, quando eficazmente praticada.
Depois porque está em curso uma acção concreta de grande profundidade e ambição que poderá permitir a expansão da nossa ZEE que é agora 1 683 000km2 para mais 2 150 000 km2 o que nos dará enormes potenciais em riquezas naturais mas também enormes responsabilidades de as conseguirmos explorar, para que se não repitam os erros cometidos nos finais do século XIX no tristemente célebre caso do mapa cor de rosa.
Ora para que tudo isto seja realizável o Governo actual tem desenvolvido várias acções internas e externas de forma a concretizar este programa de desenvolvimento essencial para o futuro do País.
Como é sabido nas últimas três décadas a componente civil da nossa Marinha tem vindo a apresentar sintomas de grande decadência em virtude do desinteresse por estas actividades por parte dos poderes político e empresarial, particularmente no período 85-95 em que tanto a Marinha Mercante como as Pescas foram altamente prejudicadas e a de recreio esquecida.
Actualmente há determinações ao mais alto nível para se inverter esta situação pois parece haver a consciência de que se assim não for feito os resultados serão uma vez mais um novo desastre cor de rosa.
Acontece porém que a nossa estrutura governativa é algo complexa pois de assuntos relativos ao Mar há 14 tutelas e embora haja uma Secretaria de Estado cujo título indica Assuntos do Mar ela não tem poderes efectivos que lhe permitam resolver todas as dificuldades que atrasam as decisões que são precisas para se progredir em tempo útil, isto é, agora!
Uma vez mais o exemplo do nosso passado marítimo vem ao de cima: no século XV em que os portugueses ligaram todo o mundo com os seus navios pouco ou nada se escrevia, mas muito se fazia.
Agora muito se escreve, mas muito pouco se faz.
Existe é certo um organismo criado para dinamizar estes projectos mas estes têm que ser iniciados localmente e simultaneamente existem trabalhos em curso, aliás centralizados talvez demais se tivermos em conta a realidade e os esforços frequentemente explicitados pelo poder político no sentido de aumentar a descentralização.
No entanto uma coisa parece ser certa: os poderes locais, isto é, as Autarquias interessadas em projectos náuticos importantes, como são os casos de Tavira, Castro Marim e Vila Real de Santo António, como exemplos paradigmáticos desta actualidade em conjunto com os responsáveis locais principalmente do IPTM, da Ria Formosa e da Direcção de Ordenamento deveriam iniciar as acções tendentes a cumprir as determinações do Governo e os interesses da região.
Não inclui Olhão por que este município já iniciou este desenvolvimento, embora ainda tenha também muito para fazer.
Parece haver investidores privados interessados mas nenhum poderá concretizar este interesse se tiver como perspectiva esperar dez ou mais anos por uma decisão.
Portanto a questão põe-se assim: existem sugestões concretas para vários projectos que modificariam, para melhor, a vida destes municípios e dos seus habitantes mas é forçoso que as forças vivas civis e os responsáveis da Administração Pública atrás indicados se sintonizem e cumpram o seu dever de promover o progresso desta região.
Só depois se poderá responsabilizar o Governo Central pelos atrasos em curso.
Eu continuo sem compreender a miopia dos nossos dirigentes e particularmente dos economistas que persistem em continuar a, deliberadamente, não verem algo que é bastante evidente.
Porque continuam a insistir no que considero um clamoroso erro, sinto-me justificado ao tornar a escrever sobre o que reputo de grande importância para Portugal.
No "Público" de 1-12-2010, em título de letras gordas, diz-se que "Exportações surgem como "receita única" para medida anticrise". (As aspas em "receita única" são do jornal).
Uma outra receita que já tenho referido várias vezes (corrigindo algumas pessoas que também consideram a exportação a única receita, uma das quais até disse "Não vejo outra solução que não seja aumentar o conteúdo tecnológico das exportações portuguesas") é não ter de importar muito do que temos obrigação de aqui produzir em boas condições. É algo que só depende de nós, enquanto para exportar é necessário que haja quem queira comprar os nossos produtos. Não sei dizer o que se pode fazer em todos os sectores, embora estranhe o que se passa nalguns casos. Nas pescas, por exemplo, tendo nós uma enorme Área Económica Exclusiva, bem maior do que a da Espanha... compramos peixe aos espanhóis!
Mas na agricultura tenho, ao longo de várias décadas, mostrado o que é preciso fazer para não termos de importar as quantidades astronómicas de produtos agrícolas que enchem os nossos supermercados e que, além de reduzir o desequilíbrio da nossa balança comercial, teria efeitos benéficos no PIB, na inflação, no desemprego e até na indústria e no comércio, a montante e a jusante. Apenas seriam prejudicados os importadores de produtos agrícolas, que têm tido bons lucros à custa da nossa economia.
Dum escrito antigo transcrevo; "É lógico ter de importar bananas ou mangas. Mas encontrar os supermercados a abarrotar de batatas, cebolas, cenouras, alhos, alfaces, tomates, pimentos, feijão verde, melões, melancias, laranjas, limões, ameixas, pêssegos, nêsperas, maçãs, peras, uvas, morangos, etc. etc. etc. vindos, às vezes, de bem distantes terras, é uma das causas do desequilíbrio “das nossas contas externas”. É um erro bem mais fácil de corrigir do que aumentar as exportações. E, aliás, uma Agricultura eficiente também aumentaria muito as actuais exportações de produtos agrícolas".
Em vez de desenvolverem a agricultura (e tenho publicado dúzias de artigos a dizer como), os governos das últimas décadas têm procedido a uma enorme destruição, que atingiu o máximo de intensidade com o Ministro da Agricultura Jaime Silva e a sua vergonhosa legislação de 2007. O actual ministro travou um tanto essa destruição mas muito pouco ou nada fez para recuperar as alavancas necessárias ao progresso da agricultura, mesmo dentro do actual orçamento.
Para além do caso da agricultura, há variados outros sectores em que não vejo acção que muito ajudaria a melhorar a situação das nossas finanças. Em 2002, quando o défice orçamental já tinha atingido um valor alto, embora menor que o actual, publiquei um artigo a que, imodestamente, dei o título de "Considerações sobre o défice orçamental e a forma de o anular" (Jornal dos Reformados nº 318, Outubro/Novembro 2002). Quase nada do que ali se sugere foi realizado e são variados e elementares os casos apontados. Um deles são as dívidas ao Estado que, pelos vistos continuam em grande. O "Expresso" de 30-12-2010 dá para essas dívidas um valor de "€12,8 mil milhões por cobrar" e considera que "davam para pagar défice deste ano". Que é que faltou para cobrar essa monumental dívida? O grande volume total dessa dívida sugere que, pelo menos muitas dívidas que para ele contribuem, são de valor elevado. Qual a razão porque não foram feitas penhoras a esses faltosos importantes? É tanto mais estranho porque vemos nos jornais páginas e páginas com os anúncios de penhoras, algumas de valor tão escasso que fica a dúvida de saber se o dinheiro apurado não será menos do que o complicado e caro "processo de cobrança".
Entretanto, vemos que numerosos cidadãos levam para casa, em dinheiro e em género, quantias avultadas, de que pagam poucos ou nenhuns impostos (ver o artigo de 2002 acima citado). Ao mesmo tempo corta-se o abono de família (criado no tempo de Salazar...) a muita gente de modestos ordenados e até muitas famílias que já viviam com extrema dificuldade são sobrecarregadas com mais impostos, privadas de alguns benefícios (onde estarão os antigamente sagrados "direitos adquiridos"?), aumentando custos da saúde (descaradamente anticonstitucionais, o que os nossos constitucionalistas, deputados e mais politólogos mostram ignorar), num constante alargamento do fosso entre pobres e ricos, acções de direita e de extrema-direita, feitas por um governo que tem o descaramento de se dizer "socialista" e "de esquerda". Sem poder escolher livremente os seus deputados e o governo, sujeitos a uma ditadura partidocrática feroz, os cidadãos portugueses mostram uma apatia enorme, que leva muitos a dizerem que "o povo, assim, tem o que merece".
E, infelizmente, é capaz de vir a ter ainda pior.
Miguel Mota
Publicado no Linhas de Elvas de 6 de Janeiro de 2011
Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui para diante vai ser diferente.
[Para o homem primitivo] (…) não há desejo que não seja desejo de algo. (…) o desejo põe o seu objecto como independente de si mesmo; o nosso sujeito primitivo deu (…) um passo na direcção da concepção de um outro e, portanto, na direcção de uma concepção de si mesmo como algo diferenciado desse outro. A sua «simplicidade absoluta» está à beira de se cindir. Contudo, a consciência não é ainda um agente: não possui qualquer concepção da sua própria natureza ou do valor do seu desejo primitivo. Permanece como escrava do apetite e do impulso. Este, grosseiramente, é o estado da consciência animal que explora o mundo puramente como objecto do apetite e que, não sendo nada para si mesma, é desprovida de uma vontade genuína. Neste estádio, o objecto do desejo é apenas concebido como uma falta, sendo que o próprio desejo destrói ou consome a coisa desejada.
Segue-se um «momento» peculiar na consciência da subjectividade primitiva. Trata-se do momento da oposição. O mundo não se limita a não cooperar com as exigências do apetite: ele resiste-lhes activamente. A alteridade do meu mundo constitui-se ela própria como oposição. Parece remover o objecto do meu desejo, lutar por ele, procurando a minha destruição enquanto adversário.
Nesta altura, o eu «encontrou a sua contraparte», seguindo-se daqui (…) a «luta de vida ou morte com o outro», na qual o eu começa a conhecer-se a si mesmo como vontade, como poder, confrontado com outras vontades e outros poderes. A completa autoconsciência não resulta disto pois a luta (…) surge do apetite, não trazendo qualquer concepção do valor daquilo que é desejado. Por isso, não cria a consciência do eu numa relação definida com o mundo, realizada por algumas coisas e negada por outras. (…) ela não gera o conceito do ser na sua liberdade. Pelo contrário, o resultado desta luta é o domínio de uma parte pela outra. O conflito é resolvido unicamente pela relação instável do Senhor e do escravo.
(…) [Esta] exposição (…) foi destinada a exercer (…) influência sobre a filosofia ética e política (…).
InScruton, Roger – BREVE HISTÓRIA DA FILOSOFIA MODERNA (pág., 227 e seg.); ed. Guerra e Paz, Editores S.A., Lisboa,; 1ª edição, Junho de 2010
(*)
Georg Wilhelm Friedrich Hegel (Estugarda, 27 de Agosto de 1770 — Berlim, 14 de Novembro de 1831) recebeu formação no Tübinger Stift (seminário da Igreja Luterana em Württemberg).
Fascinado pelas obras de Espinosa, Kant e Rousseau, assim como pela Revolução Francesa, muitos consideram-no o ápice do idealismo alemão do século XIX.
Filósofo da totalidade, do saber absoluto, do fim da história, da dedução de toda a realidade a partir do conceito, da identidade que não concebe espaço para o contingente, para a diferença; filósofo do estado prussiano, que hipostasiou o Estado – todas essas são algumas das recepções da filosofia de Hegel na contemporaneidade.
As suas obras Hegel possuem a fama de serem difíceis, devido à amplitude dos temas que pretendem abarcar. Hegel era crítico das filosofias claras e distintas, uma vez que, para ele, o negativo era constitutivo da ontologia. Neste sentido, a clareza não seria adequada para conceituar o objecto. Introduziu um sistema para compreender a história da filosofia e do mundo mesmo, chamado geralmente dialéctica: uma progressão na qual cada movimento sucessivo surge como solução das contradições inerentes ao movimento anterior. Por exemplo, a Revolução Francesa constitui a introdução da verdadeira liberdade nas sociedades ocidentais pela primeira vez na história escrita. No entanto, pela sua novidade absoluta, é também absolutamente radical: por um lado, o aumento abrupto da violência que fez falta para realizar a revolução, não pode deixar de ser o que é, e, por outro lado, já consumiu o seu opositor. A revolução, por conseguinte, já não pode voltar-se para nada além de seu resultado: a liberdade conquistada com tantas penúrias é consumida por um brutal Reinado do Terror. A história, não obstante, progride aprendendo com os seus próprios erros: somente depois desta experiência, e precisamente por causa dela, se pode postular a existência de um Estado constitucional de cidadãos livres que consagra tanto o poder organizador benévolo (supostamente) do governo racional e os ideais revolucionários da liberdade e da igualdade.
Segundo Umberto Padovani e Luis Castagnola, em "A história da Filosofia": "A Lógica tradicional afirma que o ser é idêntico a si mesmo e exclui o seu oposto (principio da identidade e de contradição); ao passo que a lógica hegeliana sustenta que a realidade é essencialmente mudança, devir, passagem de um elemento ao seu oposto."
Título: Quando a China dominar o Mundo: O Final do Mundo Ocidental e o Advento de uma Nova Ordem Global
Autor: Jacques Martin
Editor: The Penguin Press, New York, 2009.
Escrito em Inglaterra e fortemente apoiada em realidades geopolíticas, Jacques Martin lançou um desafio. Todos os que pretenderem contestar a tese deste livro, de que o título e subtítulo são resumos eloquentes, deverão munir-se de provas e argumentos ainda mais convincentes do que os do autor.
Em resumo, ele afirma que o domínio do Ocidente, liderado nos tempos mais recentes pelos Estados Unidos, será em breve substituído pela influência insinuante da China. O autor está ciente da controversa e, para muitos, assustadora natureza das suas afirmações, pelo que procura apoiá-las num impressionante conjunto acontecimentos históricos, económicos e factos da actualidade.
O autor começa por anunciar o fim da ordem mundial ocidental - ou pelo menos da sua predominância ao longo dos últimos duzentos anos. Para ele, a crise financeira em 2008, marcou uma viragem decisiva na história mundial. Não foram só os triliões de dólares varridos dos livros contabilísticos dos investidores, mas a falência de todo o sistema que ficou publicamente exposto. O autor realça o facto de que o relatório do Conselho da Segurança Nacional dos EUA para 2009 "represente uma mudança de 180 graus" em relação aos anos anteriores, prevendo um mundo em que a América passará a ser apenas mais um dos vários parceiros importantes.
De facto, o declínio dos Estados Unidos, baseado na sua debilidade económica, dá corpo a uma das faces importantes da tese do autor. A China encontra em expansão exatamente quando a influência da América no mundo entra em declínio. A presente Crise Financeira não tem fim à vista. A crise da dívida soberana que nos últimos meses assolou quase toda a Europa e que muitos analistas preveem poder vir a engolfar também os EUA, apenas confirma e reforça o ponto de vista do autor, uma vez que, inversamente, a situação financeira da China se encontra basicamente saudável.
E quanto à China? Será que ela realmente virá a "dominar" o mundo? Aqui, o título é um pouco enganador, uma vez que o autor não prevê que as tropas chinesas venham a ocupar as cidades de um império mundial, como as legiões romanas, ou o exército britânico ou os soldados russos fizeram no passado. Ele nem sequer prevê uma proliferação de bases militares chinesas, em lugares remotos, para substituir as dos Estados Unidos.
Não, ele refere-se a um domínio global que rivalizará e até mesmo ultrapassará o do outrora todo-poderoso Ocidente, no auge do seu poder. O crescimento económico da China constitui o núcleo da sua força e da tese do autor. Dada a sua enorme população e a sua enorme extensão geográfica, a China tornar-se-á o parceiro mais importante e indispensável da economia mundial. Produtores, compradores e vendedores terão que tomar muitas, senão a maioria, das suas decisões em função da China, assim como dezenas de nações têm feito em relação aos Estados Unidos nas últimas décadas.
Os investimentos que a China tem efetuado nas economias da África e da América Latina, e a dependência de estados a Ásia Oriental ao mercado chinês para as suas exportações, permitir-lhe-ão uma presença e poder que nem mesmo os Estados Unidos da América possuíam. Os prognósticos que o autor faz sobre a China conquistar maior voz e votos em instituições como o FMI e o Banco Mundial tornaram-se realidade nos últimos meses, assim como a sua convicção de a China forjar alianças com as outras nações do BRIC e laços monetários e económicos bilaterais com os principais parceiros comerciais. O autor prevê ou o fim do atual sistema de Bretton Woods ou a criação de um sistema paralelo que em breve passaria a ser muito mais importante. Parece que o foco da sua atenção está sendo confirmado, quase todas as semanas. O declínio do dólar e do euro (cuja própria sobrevivência está em causa) irá fazer aumentar o valor do yuan, que pode até tornar-se numa - ou mesmo - na moeda de reserva de eleição.
Aliado ao poder económico, outras formas de poder virão. O poder militar da China, diz ele, poderá vir a ganhar supremacia no teatro do Extremo Oriente, do Sueste da Ásia e talvez até no sul da Ásia, com a Índia cercada por clientes e bases chineses. A sua influência diplomática só vai crescer e a posição da China como membro do Conselho de Segurança será reforçada através de uma crescente influência junto às capitais de todo o mundo, assim como em organismos internacionais como a OMS e a OMC.
Com base na sua longa história e rica cultura, a influência da China estender-se-á às artes visuais, cinema, desportos (veja o que aconteceu com os Jogos Olímpicos de 2008) e a língua. Apesar da sua notória dificuldade, milhões de estudantes estão a procurar aprender o mandarim como uma ferramenta essencial para o sucesso. As universidades chinesas já atraem quase cem mil estudantes estrangeiros todos os anos e estão prestes a juntar-se ao clube das instituições de ensino superior mais bem reputadas do mundo. Nas ciências e tecnologias, o avanço da China tem sido igualmente dramático e o aperfeiçoamento da qualidade dos seus cientistas e engenheiros poderá em breve fazer com que o seu número impressionante se transforme numa força avassaladora no mundo da investigação, onde as suas publicações já são impressionantes.
A comida chinesa, já quase omnipresente, e a medicina tradicional chinesa ir-se-ão impondo cada vez mais no quotidiano das populações mundiais. Os turistas chineses, cheios de dinheiro e ansiosos para viajar, já estão a superlotar os destinos mais famosos da Ásia e podem, em breve, ter o mesmo impacto na Europa e nas Américas, enquanto a Grande Muralha e outros locais transformarão a China no país mais visitado da terra.
"A parte fulcral do livro é a afirmação de que, longe de haver uma única modernidade, haverá, de facto, muitas”. Noutras palavras, a "modernização" não significará "ocidentalização", como muitos acreditavam após a queda do império soviético em 1989. Como Singapura e o Japão demonstraram, um país pode ser bastante moderno, sem perder a sua cultura tradicional ou transformar-se numa democracia do estilo ocidental (o autor adora fazer ressaltar que o Japão só parece ser uma democracia plena).
Prevendo, naturalmente, uma forte oposição ao seu argumento, Jacques constrói o seu caso ao longo de centenas de páginas cuidadosamente arquitetadas e bem documentadas. No entanto, alguns leitores poderão ter reservas, pelo menos pelas seguintes razões:
Embora ele refira que um abrandamento do crescimento económico, ou um incremento de manifestações violentas, que tanto preocupa Pequim, poderia causar sérios problemas ao Partido Comunista e que está ciente de que o problema da corrupção "continua a ser substancial e intrincado, pois as suas causas estão profundamente enraizadas no próprio Partido e na miríade de conexões guanxi ", o autor, ainda assim, afirma que os atuais líderes se manterão firmemente no controlo do poder por décadas. Dos vários cenários possíveis que o autor examina, o que lhe parece mais provável é uma transição muito lenta para um sistema semelhante ao de Singapura.
Outros não estão tão otimistas quanto ao futuro do partido. E se houver outro surto do gás SARS, ou equivalente? Ou outro grande terremoto? E se a Crise Financeira se aprofundar e as exportações da China diminuírem para um nível abaixo do nível necessário para manter um crescimento sustentado? O que acontecerá se a situação na península coreana detonar numa guerra aberta, arrastando consigo os Estados Unidos?
A renúncia do governo atual à política económica de mercado livre, apesar de ter sido altamente eficaz até agora, apresentou deslocamentos característicos das economias planificadas. O historial do socialismo não recomenda que todos se sintam otimistas quanto ao crescimento continuado da economia chinesa. Muitos estão já pedindo a explosão da "bolha" da China, enquanto outros lamentam a perda de eficiência característica de economias estatais.
Embora não pretenda alvitrar em nome do autor, o meu palpite é que ele iria rebater essas questões com a reafirmação de sua tese geral, de que a continuação de algumas tendências parece quase inevitável. A fação de Xangai poderia voltar ao poder e pressionar no sentido de se caminhar para um menor controlo governamental da economia. Embora o autor não mencione tal cenário, mesmo que o partido seja derrubado por rejeição popular maciça contra a corrupção, outros têm avançado a hipótese de que o Exército poderia entrar em cena formando um "governo de salvação nacional" e restaurando a ordem. Um regime militar iria apenas intensificar as tensões distintamente nativistas da sociedade chinesa, que o autor considera fundamental para a sua tomada de atitude futura quer em relação a outros países quer ao seu próprio papel no mundo.
Muitos não aceitarão facilmente a ideia da gradual e dramática extinção da América, mas alguns acreditam que a sua despromoção da posição de superpotência mundial pode ser muito mais abrupta do que até mesmo aquilo que o autor refere, apesar de o seu livro conter advertências alarmantes relativas ao futuro próximo e a tempos traumáticos para os americanos que, refere ele, estão quase totalmente desprevenidos sobre o que lhes está para acontecer. A falência virtual do Ocidente, incluindo a dos Estados Unidos, pressagia uma perda enorme e potencialmente repentina de poder que poderia encurtar significativamente o cronograma que o autor propõe.
Embora ele reconheça a corrupção endémica que permeia a sociedade chinesa, o autor parece não entender os efeitos debilitantes que isso tem sobre o ânimo das pessoas, nem ele diz muito sobre o que os próprios chineses veem como a podridão moral corrosiva que corrói o âmago da civilização. Até que ponto um país nessas circunstâncias se pode tornar quase ingovernável?
O crescente papel dos líderes mais jovens que regressam do Ocidente, especialmente dos Estados Unidos Estados, com perceções e expectativas significativamente mudadas, parece não ter sido devidamente tomado em conta pelo autor.
Outro grande problema com este livro, em todo o resto tão poderoso, é a sua total focalização no aspeto secular. Como a maioria dos analistas, o autor ignora completamente o componente religioso da sociedade chinesa, embora repetidamente se refira à base moral confuciana. Para o autor, o crescimento impressionante do cristianismo, especialmente entre os empresários chinesas e os líderes intelectuais, não tem nenhuma importância, se é que ele está ao par desta tendência fundamental. No longo prazo, no entanto, ele poderá estar certo, mesmo neste ponto, pois noutras épocas anteriores e noutras áreas do mundo, o cristianismo não se tem distinguido por silenciar desejos nacionalistas e imperialistas. Uma igreja chinesa altamente cooperante poderia, de fato, fornecer combustível para o tipo de desígnio mundial que o autor anuncia, especialmente se alguns dos futuros chineses "Constantinos", fortemente pressionados para manter o seu império coeso, elejam inteligentemente uma igreja que possa ter o desejo ardente de "influenciar" o governo.
Isso leva-nos ao que parece ser o segundo ponto principal do autor, que em meu entender ele analisa com uma força quase que imparável: aconteça o que acontecer no futuro, a China não se tornará ocidentalizada, ou um país neoliberal, mas uma sociedade absolutamente chinesa, com determinadas características herdadas da sua longa e extremamente poderosa história e cultura.
Assim, ele conclui o livro com uma reafirmação das "diferenças que definem a China" e que em grande parte darão cor à sua futura posição num mundo cada vez mais sino-cêntrica:
1. A China não é um estado-nação no sentido moderno, mas um estado-civilização. Não encontra a sua identidade em fronteiras arbitrariamente definidas (embora estas sejam importantes), mas na sua cultura e história milenar. Irá "procurar alimento, inspiração e paralelos no seu passado, tanto nos “milénios de glória” como no "século de humilhação”. Como outrora, o Estado será "crucial na sociedade e será tão sacrossanta como era na época imperial."
2. "A China está cada vez mais inclinada a conceber as suas relações com a Ásia Oriental em termos de um sistema estado-tributário, ao invés de Estado-nação”, em que a profunda desigualdade de poder (com a China assumindo-se como o líder incontestável) traz estabilidade. Outros países, nomeadamente alguns da África, poderão ser tratados da mesma maneira, não como iguais, mas como inferiores reconhecendo a superioridade da China.
3. O povo chinês possui uma "atitude distintamente chinesa para com a raça e a etnia." Embora a história possa indicar o contrário, os chineses Han acreditam que todos eles são derivados de um antepassado comum; que a sua raça se desenvolveu em paralelo e não derivou de outras raças; e que eles são superiores a todos as outras raças. As acusações de racismo são veementemente negadas pelos próprios chineses, mas o autor acredita que ele tem a prova que demonstra que "isto está enraizado na psique chinesa”. A sua mentalidade de "império do centro" fará com que a China "permaneça distante, escondida numa nova hierarquia da humanidade, sendo o seu sentimento de superioridade baseado numa combinação de arrogância cultural e racial”.
4. A China vai continuar a operar a partir de uma "plataforma continental de dimensões bem diferentes das outras nações." É realmente uma combinação de vários, mesmo muitos países diferentes. "Este caráter singular da China permite a realização de experiências (como as reformas de mercado) numa determinada área sem necessariamente ter que aplicá-las noutro local.
5. A forma de governo da China continuará a ser distinta: o Estado nunca foi obrigado a "partilhar o poder com ninguém", ou “a prestar contas ao povo”. Tem sempre "presidido à sociedade, de forma suprema e incontestável”. Naturalmente que, a moral confuciana, que defende o Estado, com seu conceito do Mandato dos Céus, inclui um pacto implícito com o povo. Se o governo não conseguir prover ao sustento material essencial, ou permitir a continuação da corrupção desenfreada, pode perder a sua legitimidade e ser substituído.
6. A "Modernidade chinesa ... distingue-se pela velocidade de transformação do país." Por décadas, irá englobar as zonas urbanas modernizadas e as zonas rurais subdesenvolvidas. O passado e o presente serão justapostos, por um período longo, o que significa que a força da história e da tradição vai fazer sentir a sua influência por muito tempo.
7. O Partido Comunista tem governado a China desde 1949. Caracterizado pela flexibilidade e pragmatismo, reinventa-se a si próprio permanentemente e, portanto, a sua probabilidade de permanecer no poder é significativa.
8. Nas "próximas décadas a China combinará as características de um país desenvolvido com as de um país em desenvolvimento", e o sentimento de injustiça será compartilhado por todas as países ex-colonizados combinados com o poderio de um gigante independente.
Como resultado dessas "diferenças", o impacto que a China vai ter no mundo apresentará formas e maneiras inesperadas por grande parte dos pensadores ocidentais. A sua influência será exercida de forma mais maciça que a do Ocidente e assumirá uma forma singularmente chinesa.
"Como potência mundial, a maior preocupação com a China reside... [no] seu profundamente enraizado complexo de superioridade... Se o cartão de visitas do Ocidente foi, muitas vezes, a agressão e a conquista, o da China será o seu arrogante sentido de superioridade e o espírito de hierarquização que isso criou. “ (Neste ponto, recordamo-nos de Ozymandias de Shelley e, talvez ainda mais, das palavras de uma camponesa da Galileia referida em Lucas 1:51-52).
Aqui, de novo, a minha única questão importante tem a ver com o crescimento do cristianismo. Se esta fé se enraizar na cultura chinesa, o seu impacto poderá ser profundo ao fim de algumas gerações. Será que - talvez pela primeira vez na história da humanidade – isso seria suscetível de promover um espírito de humildade e concórdia nacional? Mas isso pertence ao futuro longínquo. Por agora, a nossa convicção é de que o autor produziu uma análise robusta.
12 Junho de 2010
Dr. G. Wright Doyle
Publicado em: “Sociedade e Política Chinesa, Críticas Literárias”
A recente morte de Álvaro Cunhal (texto escrito em Junho de 2005) trouxe a inesperada surpresa de um acontecimento levado ao mais alto nível da consagração nacional.
Compreende-se que o PCP e naturalmente os comunistas portugueses, lhe tenham dispensado as homenagens que a sua vida e o seu exemplo inteiramente consagrados à causa de que fez a razão da sua existência, mereciam. Como comunista e na posição cimeira da sua hierarquia, ele foi de facto um lutador incansável na busca obstinada dos objectivos que traçou. É justo reconhecer a coragem, a persistência e até o sacrifício com que se bateu denodadamente pela sua causa. Merece portanto a gratidão e o respeito dos comunistas.
O que não se entende porém, é a consagração a nível nacional que lhe foi exuberantemente prestada pelo Estado português através dos seus órgãos de soberania mais representativos, o Presidente da Republica, o Governo da nação e a Assembleia e ainda o coro de louvores e ladainhas da generalidade da comunicação social. Se é certo que na melhor tradição dos nossos brandos costumes, quando alguém morre é sempre promovido à respeitável condição de bom rapaz – morreu fulano, coitado era bom rapaz – também é verdade que na apreciação de uma figura pública, a análise da sua vida e principalmente da sua acção, naquilo em que ela condicionou a nossa existência colectiva, não pode ser feita com a mesma ligeireza e condescendente generosidade. Os seus actos e o seu papel na construção da História, devem ser tratados com verdade e isenção.
Álvaro Cunhal foi sem duvida um grande e convicto comunista subordinado ao espírito e tutela da União Soviética mas como cidadão português o que a História registará, passadas as emoções e paixões do tempo presente, é um comportamento merecedor do mais vivo repudio. A sua acção, que de facto foi decisiva na condução da revolução de Abril, foi feita ao arrepio dos seus melhores objectivos consagrados no manifesto do MFA e levou Portugal a uma situação de caos donde ainda não saiu completamente. Álvaro Cunhal intentou, sem olhar a meios nem contemplações, instaurar em Portugal um regime ditatorial pior do que o que acabara de ser banido. Nos alvores da revolução que se julgava redentora, foram libertados 32 cidadãos presos em Caxias por delito de consciência mas por acção directa do PCP de Álvaro Cunhal, aí foram encarcerados muitas centenas de outros cidadãos sem culpa formada, sem qualquer assistência jurídica e sem o mínimo respeito pelos princípios democráticos que a revolução anunciara. A sua profunda aversão ao sistema capitalista, bem dentro do ideário comunista, levou-o a forçar uma brutal nacionalização da economia com as trágicas consequências que então testemunhámos e também totalmente ao arrepio de uma das promessas do manifesto do MFA.O caos político e social que desabou sobre o país, mercê da sua influência na condução do processo revolucionário, levou à ameaça da guerra civil. A descolonização de que foi na realidade o maior mentor, conduziu a uma incomensurável tragédia humana nas antigas colónias portuguesas cujos efeitos, 30 anos decorridos, ainda hoje perduram. Prisões arbitrárias, saneamentos selvagens, crimes de sangue, perseguições a cidadãos inocentes, a destruição do tecido económico nacional e a indisciplina generalizada na sociedade portuguesa, foram a contribuição do PCP do Dr. Álvaro Cunhal para a revolução que se esperava honesta e libertadora.
Como se explica que um Estado que se diz democrático e apregoa as virtudes do sistema, se curve de forma tão veneranda e reverenciada perante a figura de um homem que procurou impor pela violência um modelo de sociedade que comprovadamente se opunha aos mais elementares princípios de uma democracia plena? Como foi possível incensar uma actuação que foi lesiva dos mais profundos interesses nacionais e dos mais elementares direitos dos cidadãos e que foi posta em prática pelo Dr. Álvaro Cunhal?
O branqueamento que agora se faz da sua acção, não tem sentido nem explicação face a uma realidade que marcou uma das épocas mais sombrias da nossa História recente e de que ele foi um dos principais responsáveis Por isso, a vassalagem que o Estado democrático prestou à sua memória, soa a hipocrisia. Para além do país destroçado e perdido na busca de um futuro incerto, que outro legado nos deixou Álvaro Cunhal quando finalmente em Novembro de 1975 se retirou de cena?
E também não deixam de ser repulsivas as hossanas que agora lhe entoam muitos dos que lhe sofreram as iras ,mas que hoje, bem instalados no sistema, se adaptaram aos seus apetecíveis favores e ás conveniências do politicamente correcto.
A memória dos homens é fraca mas não tanto. Apesar do seu indiscutível valor intelectual, da sua forte personalidade e do seu espírito determinado, qualidades que se reconhecem e respeitam, Álvaro Cunhal passou já à História de Portugal mas não certamente pelas melhores razões.
José Sardinha
(texto escrito em Junho de 2005 cuja publicação foi recusada pelo DN)
…o que não soubeste defender como homem – assim falou Aixa, mãe de Boabdil, o último Sultão de Granada. Fez hoje 519 anos que isso aconteceu: 3 de Janeiro de 1492. Na véspera, os Reis Católicos tinham tomado posse do Alhambra e das chaves da cidade.
Guerra de Granada, eis como ficou conhecido o conjunto de lutas militares entre cristãos e muçulmanos que ocorreram entre 1482 e 1492 no interior do reino de Granada.
Culminando com a rendição negociada mediante a capitulação de Boabdil – que ao longo da guerra tinha oscilado entre a aliança e o confronto aberto – os dez anos de guerra não foram um esforço contínuo pois esteve sujeito a numerosas vicissitudes: foram muitos os confrontos internos dentro da parte muçulmana e do lado cristão foi decisiva a capacidade de integração numa missão conjunta das cidades, da nobreza castelhana e do baixo clero em suporte da emergente Monarquia Católica. A participação da Coroa de Aragão foi de importância relativamente fraca pois que se limitou à presença do próprio rei Fernando, a alguma colaboração naval, ao apoio de artilheiros e a algum financiamento. Ou seja, era evidente a natureza da iniciativa castelhana pelo que decorreu com naturalidade a integração de Granada na Coroa de Castela.
Os diplomatas entregaram as chaves da cidade e o Alhambra no dia 2 de Janeiro de 1492, data comemorada anualmente com a merecida pompa. (*)
Se Aixa ficou na História como a grande personalidade muçulmana que fortemente criticou o fraco filho, também agora passava a ser Isabel a tomar as grandes decisões.
Foi a Isabel que Cristóvão Cólon apresentou o seu plano de descoberta do caminho para Índia navegando para ocidente; foi a Isabel que Dom Frei Tomás de Torquemada «fez a cabeça» para a instituição da Inquisição; foi Isabel que decidiu expulsar os judeus; foi a Isabel que deram a notícia da morte do nosso rei D. João II e foi ela que transmitiu a Fernando a notícia dizendo apenas «Se murió el Hombre».
Tanto trabalho teve que nunca arranjou tempo para se lavar e ficou com a fama da rainha mais mal cheirosa de toda a História espanhola.
Mas, passados 519 anos, a Espanha que hoje conhecemos foi a que ela imaginou, conquistou e cuja construção começou. Convenhamos que nem sempre tem sido fácil para os vizinhos mas temos que saudar a hispanidad com uma chapelada.