A história sobre um escandaloso erro judicial foi há dias contada na SIC pelo juiz Orlando Afonso, prestigiado membro do Supremo Tribunal de Portugal.
In illo temporae, um padeiro foi acusado, julgado e condenado pelo assassinato de alguém e terá morrido no cárcere antes do cumprimento integral da pena. Muitos anos mais tarde, morreu um outro personagem – que nunca fora tido nem achado no processo judicial que vitimou o padeiro – e qual não foi o espanto quando, ao abrirem-lhe o testamento, depararam com a confissão do assassinato de que o padeiro fora inculpado.
O escândalo foi tal que os juízes mandaram tingir de preto as becas que até então eram encarnadas e durante muitos anos, sempre que um Tribunal reunia, alguém proferia em voz alta na sala de audiências a frase «LEMBREM-SE DO POBRE PADEIRO!»
Aqui fica a sugestão a todos os profissionais da política portuguesa: lembrem-se hoje do justo padeiro medieval que pagou pelo pecador.
Extracto de carta datada de 25 de Agosto de 1950 de Marcello Caetano, então Presidente da Câmara Corporativa, para Salazar, Presidente do Conselho de Ministros:
(…)
A política ou, melhor ainda, o aspecto grosseiro do Poder, constitui uma singular atracção para os paranóicos e para os que trazem na alma uma dose bem pesada de sentimentos recalcados. Ai de nós se essas pessoas chegassem a dominar!
(…)
(*)
As coisas que então se diziam…
Novembro de 2010
Henrique Salles da Fonseca
BIBLIOGRAFIA: Freire Antunes, José – SALAZAR – CAETANO, CARTAS SECRETAS, 1932-1968, Círculo dos Leitores, Ed. de Novembro de 1993, pág. 268
Depois de mais dois meses de clandestinidade, o Governo actuou. Tarde, mas actuou.
Ontem veio o tsunami que todos temíamos. Os cortes desta vez parecem ser a valer. Depois de mais dois meses de clandestinidade, o Governo actuou. Tarde, mas actuou.
Vale a pena fazer o filme da crise financeira e orçamental. No início de 2008 o Governo entrou em campanha eleitoral: despediu Correia de Campos, desceu o IVA para 20%, pôs na gaveta umas quantas reformas. Com a crise internacional a agudizar-se em finais de 2008 e com as eleições à porta, foi o descontrolo absoluto das contas públicas. Mas ganha as eleições, embora com maioria relativa. Chegamos a Janeiro passado com um défice incompreensível de 9,3% do Produto para 2009. Porque poderíamos vir a ter eleições antecipadas, o Governo cede aos interesses mais variados, volta atrás com muita coisa, nomeadamente na Educação. O orçamento para 2010 é pouco ambicioso e os mercados penalizam o país. O PEC, que se viria a revelar ser apenas o primeiro, é apenas pouco melhor que o orçamento. Os mercados voltam a penalizar o país e o Governo entra na clandestinidade, ninguém está lá para defender o rigor nas contas públicas. As agências especializadas, em Abril, baixam drasticamente o rating da República e os investidores desfazem-se da dívida pública nacional com perdas (ou seja, os juros a longo prazo batem recordes). O Governo sabe (espero) que vai demorar anos a reverter a situação e com custos brutais para a população. O silêncio do Governo é total.
No entanto, nesse período de silêncio e de óbvio descalabro, não deixa de assinar contratos para mais uma auto-estrada que custará quase um por cento do PIB, nem se esquecerá de assinar o contrato do TGV Poceirão-Caia. Infelizmente tudo isto depois da quebra dramática no rating, o que acentua o sentimento de que o Governo está "em estado de negação" (a expressão não é minha).
No dia seguinte ao contrato do TGV, é anunciado mais um pacote (o chamado indevidamente PEC-2) pela mão da sr.ª Merkel, mais tarde detalhado e acordado com o PSD. Os mercados parecem melhorar ligeiramente, mas por pouco tempo. Estamos em meados de Maio.
E em pleno Verão as coisas começam mais uma vez a piorar: a despesa pública não parece estar controlada; os bancos, em consequência da baixa do rating nacional, têm dificuldades de financiamento; o crédito para as empresas escasseia e é caro; a dívida pública emitida tem custos elevadíssimos; os spreads batem recordes. O Governo passa, mais uma vez, para a clandestinidade. Num magnífico artigo, José Manuel Fernandes descreveu como o primeiro-ministro apareceu todos os dias nas notícias para inaugurar o Liceu Pedro Nunes ou falar da banda larga, mas manteve um silêncio comprometedor sobre o descalabro que nos batia e bate à porta.
O mundo deixava de acreditar em nós e no nosso Governo, voltava o espectro do FMI com o silêncio absoluto das autoridades sobre aspectos orçamentais. O PSD recusa partilhar responsabilidades ou colaborar com o Governo (ou vice-versa). A possibilidade de uma crise político-governamental, a adicionar à outra, parecia clara. E não foi por falta de alertas, durante todo este período de mais de dois anos houve muitas mensagens públicas de desespero: reavaliar as grandes obras públicas; actuar quanto antes; quanto mais tarde, maiores custos terá. Esse momento tardou, mas chegou.
Chegou ontem e brutalmente, como todos sabemos, o chamado PEC-3. Haveria alternativas? Alternativas havia há dois anos, há um ano, há seis meses, mas cada vez mais duras. O tempo passava e a gangrena alastrava. Espanha, de facto España es diferente, fez o trabalho atempadamente e os mercados deixaram de a apoquentar: subiu muito menos os impostos, os cortes na despesa foram menos dolorosos e os resultados são já visíveis este ano.
Hoje, na actual situação do país, neste momento, dificilmente encontraríamos outras vias. Ou melhor, as outras vias seriam igualmente brutais e dolorosas. O Governo não liderou, apenas seguiu as pressões externas, não agiu, apenas reagiu à situação dos mercados, tanto em Maio como agora em Setembro. E o PSD? O PSD, penso, tem de viabilizar o orçamento que aí vier. Não vejo alternativa para o país. Honra seja feita que Cavaco Silva pareceu até ontem a única pessoa ciente da situação. Apenas Cavaco Silva se mostrava preocupado com as contas públicas, como se a ele coubessem as responsabilidades de elaborar, apresentar e aprovar o Orçamento do Estado. Mais nada poderia fazer, para além do que fez. E fez bem. O problema é que com três PEC"s num ano, sempre anunciados como sendo o último, o definitivo, o que tudo resolveria, fica em todos a dúvida: será? É que, penso, este resolve a questão para 2011 e tapa o buraco de 2010 com o fundo de pensões da PT (espero que o dito fundo seja transferido devidamente capitalizado, veremos). Mas para 2012 a situação poderá voltar a colocar-se, em particular se o crescimento for muito abalado com mais este PEC-3. E pouco depois aparecem as facturas das PPP"s, concessões, etc. Infelizmente o sarilho orçamental veio para ficar. Os culpados são fáceis de reconhecer: quem governou o país, digamos, desde 2001, com graus de responsabilidade crescentes até ao presente. O ponto de não retorno foi em Abril com a queda do rating, pelo menos para muitos anos. Nessa altura confessava que daqui para a frente só nos restava rezar. Um jornal alemão fez deste meu desabafo primeira página: vã glória. O leite estava definitivamente derramado e voltar a pô-lo no copo não é, nem será, tarefa fácil.
Do pacote anunciado há ainda muitas zonas de penumbra. Desde logo, o corte no investimento público inclui os grandes projectos? Avançar com auto-estradas, TGV, ponte sobre o Tejo, aeroporto, implica não haver recursos para tapar um buraco numa estrada secundária, reparar uma ponte, manter um monumento ou fazer um jardim. E estas pequenas obras têm grande impacto no nosso bem-estar e são criadoras de muito emprego. Se fosse líder de um partido, propunha exactamente isso como objectivo nacional: fazer de Portugal um país mais bonito e mais agradável para se viver. Fazer o jardim, requalificar os centros das grandes cidades, manter o património, construir o património cultural do futuro, arranjar as pequenas vias de comunicação, reparar as pontes, medidas que fariam de Portugal um país mais agradável para se viver e visitar. E, acima de tudo, criariam muito emprego, viabilizariam muitas pequenas empresas (com concursos transparentes) e não implicariam a paralisia do país.