Quando a "cidade" era só a parte baixa, em 1876 Com o Forte, a casa do Governador, a Alfândega, as fortificações de defesa, a Igreja, o Cemitério e o canal de drenagem
Gravura de época, mostrando a chegada de António Ennes a LM em 1894, vendo-se a Fortaleza, mais tarde quase no meio da Praça 7 de Março
O "Cinematographo", em 1898 (Não tinha ar condicionado!)
A famosa Rua Araujo. À direita é o lugar onde mais tarde foi o BCCI (Banco de Crédito Comercial e Industrial)
Foi neste local que esteve o BCCI
Os "Automóveis de Praça", em 1930 Ao fundo o Bazar ABC, na Praça 7 de Março
Em 1902. Refugiados boers da Segunda Guerra do Transvaal, aguardam no Cais o embarque para Lisboa
Rio de Janeiro, 14 de Julho de 2010
Francisco Gomes de Amorim
Nota: todas as fotografias foram tiradas do belo livro "LOURENÇO MARQUES, XILUNGUÍNE", do Dr. Monteiro Lobato, editado em Lisboa em 1970
Creio que a maioria das pessoas ainda não percebeu bem esta crise – e os economistas não estão a saber explicá-la com clareza.
É verdade, como se tem dito, que há uma ‘crise nacional’ e uma ‘crise internacional’.
Mas, depois desta evidência, a confusão que por aí vai é enorme.
Comecemos pela crise portuguesa.
Trata-se de uma crise profundíssima, potenciada por três factos capitais:
- o fim do Império;
- a passagem da ditadura à democracia;
- a entrada na União Europeia.
Tudo isso, que se pensava vir a ter um efeito benéfico na economia, produziu de facto consequências devastadoras.
O fim do Império limitou-nos o espaço vital, cerceou-nos matérias-primas e mercados, diminuiu-nos política e psicologicamente.
A passagem da ditadura à democracia (com o seu rosário de greves, nacionalizações, perseguições, saneamentos, reivindicações laborais insustentáveis, etc.) destruiu boa parte do nosso tecido económico.
A entrada na União Europeia e a abolição das fronteiras pôs-nos em confronto com economias muito mais avançadas, acabando de liquidar o que restava da nossa débil capacidade produtiva.
A crise internacional é de outra natureza.
Ela decorre da globalização e tem duas vertentes.
Por um lado, os produtos feitos no Ocidente começam a não ter condições para competir a nível global com outros produzidos em países (China, Índia, Coreia, etc.) onde os salários e as regalias laborais são muitíssimo inferiores.
Por outro lado, as empresas tendem a transferir cada vez mais as suas fábricas e serviços de Ocidente para Oriente – o que significa que no Ocidente vai aumentar o desemprego e no Oriente vai acentuar-se a procura de mão-de-obra.
E, em consequência disso, no Ocidente baixarão os salários, acabarão muitas regalias sociais, numa palavra, será posto radicalmente em causa o tipo de vida que se fez nos últimos 50 anos.
No Oriente, pelo contrário, os salários tenderão a subir e o nível de vida crescerá.
Assim, a crise que hoje se vive no Ocidente é de natureza diferente das anteriores.
Antes, eram crises de crescimento do capitalismo dentro da sua área geográfica; agora, a crise tem a ver com a globalização do capitalismo.
Repare-se que grande parte do planeta, que até há pouco vivia fora do sistema capitalista, aderiu à sociedade de mercado: basta pensar nas adesões quase simultâneas da Rússia e da China para se ter uma ideia do abrupto alargamento da área do capitalismo nos últimos anos.
Os grandes grupos multinacionais, que antes estavam limitados a um determinado espaço territorial, hoje têm o planeta inteiro para instalar os seus centros de produção – podendo procurar os salários mais baixos, as melhores ofertas de mão-de-obra, as menores regalias dos trabalhadores.
O planeta tornou-se um sistema de vasos comunicantes – onde, para uns viverem melhor, outros vão ter de viver pior.
Para certas regiões subirem o nível de vida, outras vão necessariamente perder privilégios.
Perante isto, perguntará o leitor: o que poderemos fazer para inverter o estado das coisas?
Basicamente, não há nada a fazer.
Os factores que potenciaram a crise nacional são irreversíveis – e a globalização não vai andar para trás.
Assim, vamos ter de nos adaptar à nova situação, o que significa de uma maneira simples trabalhar mais e ganhar menos.
Os salários vão baixar (lenta ou abruptamente) entre 10 e 30%, os horários de trabalho vão aumentar (com a abolição total das horas extraordinárias), o 13.º e 14.º meses vão ficar em causa, a idade da reforma também vai ser ampliada (para perto dos 70 anos), o rendimento mínimo garantido vai regredir drasticamente, o subsídio de desemprego também vai diminuir, a acumulação de reformas vai ser limitadíssima.
Muitas ‘conquistas dos trabalhadores’ na Europa, obtidas no pós-guerra, vão regredir.
As leis laborais vão ter de ser flexibilizadas.
O sistema de saúde não vai poder continuar a gastar o que tem gasto.
Preparem-se, porque não vale a pena protestar. O que não tem remédio, remediado está.
Dizia há dias, com graça, Ernâni Lopes, a propósito do subsídio de férias: «Se dissessem a um americano: ‘Para o mês que vem não trabalhas e ganhas dois ordenados’, ele não acreditava». Pois há muitos anos é esta a situação: não trabalhamos nas férias e recebemos o dobro.
A maior desgraça de uma nação pobre é que em vez de produzir riqueza, produz ricos. Mas ricos sem riqueza.
Na realidade, melhor seria chamá-los não de ricos mas de endinheirados.
Rico é quem possui meios de produção. Rico é quem gera dinheiro e dá emprego.
Endinheirado é quem simplesmente tem dinheiro, ou que pensa que tem. Porque, na realidade, o dinheiro é que o tem a ele.
A verdade é esta: são demasiados pobres os nossos "ricos". Aquilo que têm, não detêm. Pior: aquilo que exibem como seu, é propriedade de outros. É produto de roubo e de negociatas.
Não podem, porém, estes nossos endinheirados usufruir em tranquilidade de tudo quanto roubaram. Vivem na obsessão de poderem ser roubados. Necessitavam de forças policiais à altura. Mas forças policiais à altura acabariam por lançá-los a eles próprios na cadeia. Necessitavam de uma ordem social em que houvesse poucas razões para a criminalidade.
Mas se eles enriqueceram foi graças a essa mesma desordem...
O país anda preocupado porque se obrigou a não ultrapassar uma certa quota de CO2 e parece não conseguir ficar abaixo desse limite.
Não sei como são feitas as medições nem que nível de precisão têm. Mas sei que os fogos florestais (hoje, em Portugal, mais do que noutros locais e do que eram antigamente) lançam na atmosfera quantidades astronómicas de CO2. E ainda há a acrescentar, especialmente para certas espécies de resinosas, mais uns quantos produtos nocivos.
Os nossos fogos florestais afectam o problema do CO2 de duas formas diferentes: uma é o CO2 lançado directamente na atmosfera, durante a queima das árvores; a outra é a quantidade, igualmente astronómica, de CO2 que deixa de ser absorvido da atmosfera pela floresta que ardeu e que só voltará a recuperar esse nível daí a vários anos quando (e se) estiver reconstituída.
É possível que estes factos estejam a ser considerados mas não me lembro de os ter visto referidos, quantificados e... corrigidos os erros! Pelo contrário, o que vejo é continuarem a ser cometidos os mesmos erros (de vez em quando ampliados), em vez de se fazer o que é elementar, como já chamei a atenção.
O caso dos fogos florestais é da competência do Ministério da Agricultura e não do da Administração Interna. Mas em Portugal, em que o Ministério da Agricultura anda há várias décadas a destruir a actividade que, por definição, devia desenvolver – até muita gente leiga detecta a diferença entre Portugal e a Espanha! – é possível que os fogos florestais façam parte desse programa de destruição, cada vez mais acelerado.
E nem o grave problema do CO2 – tanto o que é lançado na atmosfera durante o fogo, como o que não é absorvido nos anos seguintes porque a floresta foi destruída – chega para o Ministério da Agricultura e até o Primeiro Ministro – que certamente vai sofrer nas urnas as consequências da brutal redução que já causou no nível de vida da grande massa dos portugueses – perceberem os clamorosos erros que têm estado a cometer.
Portugal, com toda a área florestal que tem e mais toda aquela que devia ter – não me canso de chamar a atenção para a urgência de florestar a serra do Algarve – talvez fosse um dos bons contribuintes para a absorção do CO2 e se não acordasse tão tarde e tão incompletamente para as energias renováveis, em que é tão rico, talvez até estivesse em boas condições para “vender” quotas de CO2. Que tristeza pensar no que Portugal podia e devia ser e ver o estado em que o têm estado a pôr!
(Lisboa 1906 - Lisboa 1997) Poeta, professor e historiador da ciência portuguesa. António Gedeão, pseudónimo de Rómulo de Carvalho, concluiu, no Porto, o curso de Ciências Físico-Químicas, exercendo depois a actividade de docente. Teve um papel importante na divulgação de temas científicos, colaborando em revistas da especialidade e organizando obras no campo da história das ciências e das instituições, como A Actividade Pedagógica da Academia das Ciências de Lisboa nos Séculos XVIII e XIX. Publicou ainda outros estudos, como História da Fundação do Colégio Real dos Nobres de Lisboa (1959), O Sentido Científico em Bocage (1965) e Relações entre Portugal e a Rússia no Século XVIII (1979).
Revelou-se como poeta apenas em 1956, com a obra Movimento Perpétuo. A esta viriam juntar-se outras obras, como Teatro do Mundo (1958), Máquina de Fogo (1961), Poema para Galileu (1964), Linhas de Força (1967) e ainda Poemas Póstumos (1983) e Novos Poemas Póstumos (1990). Na sua poesia, reunida também em Poesias Completas (1964), as fontes de inspiração são heterogéneas e equilibradas de modo original pelo homem que, com um rigor científico, nos comunica o sofrimento alheio, ou a constatação da solidão humana, muitas vezes com surpreendente ironia. Alguns dos seus textos poéticos foram aproveitados para músicas de intervenção.
Em 1963 publicou a peça de teatro RTX 78/24 (1963) e dez anos depois a sua primeira obra de ficção, A Poltrona e Outras Novelas (1973). Na data do seu nonagésimo aniversário, António Gedeão foi alvo de uma homenagem nacional, tendo sido condecorado com a Grã-Cruz da Ordem de Sant'iago de Espada.
Apesar de funcionar junto da Assembleia da República, o CNECV é um órgão independente.
Por essa razão, os seus membros gozam de inteira liberdade de opinião ao emitirem as suas reflexões. Não representam as entidades que os designaram nem recebem delas quaisquer instruções.
A eventual extinção ou modificação do órgão designante ou mudança do respectivo titular não têm qualquer reflexo na manutenção da personalidade designada como presidente ou membro do CNECV até ao fim do respectivo mandato.
Relacionado com o carácter de independente está o facto de o CNECV ter uma função meramente consultiva, sem qualquer poder decisório. Os seus Pareceres não têm carácter vinculativo. Este facto afasta vantajosamente toda a tentação de poder. Uma bioeticocracia tiraria à bioética a independência que lhe é indispensável como expressão de uma consciência pública. O poder dos Pareceres do CNECV reside apenas na força da razão de que porventura disponham.
Nesse sentido, é encorajador verificar que muitos dos Pareceres do CNECV foram já tomados em consideração pelo legislador, pelo menos parcialmente, permitindo sair de alguns impasses ou colmatando lacunas existentes.
Conforme os casos, a influência dos Pareceres do CNECV deu-se antes, durante ou depois da elaboração de processos legislativos, isto é, como impulso para que eles se iniciassem, como contribuição durante a sua feitura, ou como apreciação crítica de legislação entretanto aprovada.
Transdisciplinar e independente, o CNECV esforçou-se por exprimir a consciência pública da nossa sociedade — e certamente que neste novo mandato o conseguirá ainda melhor — de modo a descortinar e propor, em cada nova encruzilhada que a biologia abre à humanidade, caminhos que conduzam à sobrevivência da nossa espécie, assim como à felicidade genuína e sustentável de toda a pessoa humana.
Licenciou-se em Ciências Biológicas na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto com a mais alta classificação em todas as licenciaturas e ficou como professor assistente.
Depois da formação científica “apaixonou-se por Deus” e entrou na Companhia de Jesus licenciando-se em Filosofia na Universidade de Braga a que se seguiram quatro anos na Alemanha onde se licenciou em Teologia.
Aos 33 anos foi ordenado na catedral de Frankfurt.
Em 1964, com 38 anos, ingressa como estudante livre na Universidade de Georgetown, Washington DC, EUA. Bioquímica e genética molecular foram as cadeiras escolhidas.
Doutorado, lançou a nova Genética em Portugal nas áreas da investigação, mas também nas Universidades. Durante a década de 70, difunde as informações sobre genética em aulas leccionadas através da televisão.
Com a sua formação em filosofia e em biologia entrou na área da Bioética. Escreveu artigos, integrou e chefiou comissões e foi eleito presidente da Comissão da Ética para as Ciências da Vida.
Frederickensdal e não Frederikensdale e isto significa o "vale de Frederico" mas este Frederico é o IV, (rei da Dinamarca no século XVII) e não o VI (do século XIX). O IV fez ali uma solar que depois deu ao seu primeiro ministro e ainda hoje o domínio pertence à família deste. Por isso, embora perto de Copenhaga, escapou à urbanização.É um pequeno paraíso. Como curiosidade, as duas esculturas são em granito português e isso está lá indicado.
Depois de transcorridos 55 anos, tudo me vem à memória de uma forma indefinida, mais focada nos sentidos que visualizada. Mas da minha rica infância, vivida nas ilhas do Faial e do Pico, o que mais me marcou foram as visões do mar, dos caminhos, o carinho de uma grande família.
Na quinta da minha avó materna, as canadas pedregosas, bordadas por canteiros de floridos morangueiros, ofereciam vermelhos e suculentos frutos à gula especulativa da criançada. Vovô seguia atrás, meus primos, minha irmã e eu, à frente em alvoroçada correria. Catávamos os morangos o máximo que podíamos. Depois, com as mãos cheias, levávamos à boca, sem lavar, um a um, avidamente, o espólio da conquista. De volta a casa, após o banho morno em tina de tábuas de madeira, vovó nos alimentava com um nutritivo prato de papas.
Era um tempo de inconsequências e alegrias. Pescarias com papai na Ponta da Doca, passeios na avenida beira-mar, o primeiro sorvete (gelado) na antiga Praça do Infante, que perdeu a expressiva estátua do eminente vulto da nossa história não sei para aonde..., piqueniques na estrada para Castelo Branco. Colher frutas nas Quintas e quintais, se arranhar nos silvados ao apanhar amoras. Depois das brincadeiras, comer as sopas de vinho, de leite, o peixinho da época, as batatas, as couves e os legumes, era preciso ficar “perfeita” (gordinha, com as faces coradas), dizia minha mãezinha. Mas bom mesmo era “limpar” com os dedos o tacho das geleias de maçãs com tomate, de nêsperas, de peras, de ameixas, que meus pais faziam para esperar a carestia frutífera do Inverno. À noite, espreitar os jogos de hóquei sobre patins do Sporting Clube da Horta, encarapitada no muro da casa da minha amiguinha, Líbia Maria, ou assistir a garbosa filarmónica tocar, na Praça da República.
Aos Domingos, banhos de mar e de sol nas areias negras da Praia do Almoxarife. À tarde, visitas à casa do tio padre, irmão corvino da minha avó paterna, que ficava ao lado da Igreja da Graça, aonde era o pároco. Enquanto os adultos discutiam assuntos familiares, minhas tias ofereciam deliciosos biscoitos de nata com chávenas de chá com leite para os pequenos que, após comer e beber, se entretinham na janela da sala olhando pela luneta os navios e barcos aventureiros que navegavam na rota que ia do Continente para a América.
Nos dias bons, de mar calmo e ar sereno, atravessávamos o Canal, e no Pico íamos com meus tios às vindimas. Chupava-se uvas a arrebentar, ou até dar dor de barriga... Quando a lua chegava, voltava-se para casa aos acordes de algum bandolim, ou em cantoria...
No Faial, após a colheita e secagem do milho, no final da outonal estação, havia os tão esperados serões na loja que ficava no andar térreo da Casa do Leão, Alto da Vista Alegre, na Horta, onde meus pais moravam, no inicio da década de 50.
Após o trabalho de cada um, à noite, a família reunida descascava e debulhava o milho colhido, enquanto minha bisavó, uma picarota baixinha, roliça, de óculos de aro de tartaruga, sempre vestida de preto, com lenço na cabeça, amarrado sob o queixo, lia para o grupo debulhador e atento " As Pupilas do Senhor Reitor", "A Toutinegra do Moinho", "A Dama das Camélias", "Os três Mosqueteiros", e outros sucessos literários daquele tempo. O que me intrigava era que ela apesar de ler com perfeição, como se estivesse vivendo o conto, não sabia escrever! Talvez porque no século em que ela nasceu (1880) o papel e lápis fossem materiais raros, difíceis de naquelas ilhas obter.
Enquanto os adultos trabalhavam ouvindo os romances que estimulavam a imaginação e consolavam a alma com palavras de amor, suspense e drama, as desassossegadas crianças subiam e desciam as montanhas de maçarocas de milho. Vez por outra, alguém gritava, achei o “milho rei” (aquele que tinha grãos vermelhos). Havia um prémio ou castigo, não sei; dar ou receber um beijinho de alguém querido. Depois de debulhado e ensacado, o milho era vendido ou ia para o moinho.
Quando o Inverno chegava, na época da matança dos porcos, eu me escondia assustada e tampava os ouvidos penalizada com os gritos dos animais que, sangrados até a morte, iriam nos dar com o seu sacrifício a banha, as morcelas, as linguiças, os toucinhos e carnes que nos sustentariam no frio.
A casa do tio Padre Avelar, na Praia do Almoxarife
Natais de pinheiros gigantes, enfeitados com nozes revestidas de papel prateado, presépios ornados de brancas camélias e perfumadas laranjas, castanhas torradas, inhames e ervilhas, vinhos de cheiro, massa cevada, chicharro frito, batata doce cozida, lapas, polvo, bolos de milho... Meu passado açoriano é um imenso e saudoso canteiro de sabores, odores e cores onde sentimentos felizes povoam até hoje a minha memória.
Na ditadura partidocrática que nos impuseram sem referendo, os eleitores não podem escolher livremente os seus dirigentes. Para a Assembleia da República – as eleições mais importantes - só podem votar em partidos, ou seja, em listas, por ordem fixa, feitas ditatorialmente por meia dúzia de pessoas. Isto é baseado na falsíssima ideia de que cada partido representa uma ideologia, diferente das dos outros e que se exprime nos dizeres (falsos) de que as pessoas não interessam e o que vale são as ideias.
As eleições autárquicas de 2009 forneceram mais uma excelente demonstração da falsidade daquelas afirmações e bom seria que os portugueses acordassem e exigissem a alteração da Constituição que permitisse eleições livres, já que apenas o é a eleição do Presidente da República: é candidato quem o deseja ser e é apresentado com o apoio dum certo número de eleitores, no caso cerca de 0,1 a 0,2% dos eleitores.
Os partidos, que têm toda a razão de existirem como associações de cidadãos com o mesmo credo político mas nunca como "órgãos de poder" e muito menos como "órgãos de poder ditatorial", limitam-se a apoiar o candidato que entenderem.
A demonstração do que afirmei no início foi dada pelas eleições autárquicas de Faro e Tavira. Na grande maioria dos casos os Presidentes das Câmaras Municipais foram reeleitos e é bem evidente que se Macário Correia quisesse continuar a presidir à Câmara Municipal de Tavira também seria reeleito. Confiado na sua boa capacidade como autarca, resolveu candidatar-se a Faro, a capital do Distrito e, portanto, com mais alargadas responsabilidades. Era uma candidatura arriscada porque, dentro da regra da reeleição dos Presidentes, teria de ganhar a José Apolinário e até lutar contra a imensa propaganda socialista, ajudada por uma boa parte da comunicação social.
Macário Correia (PSD) ganhou a José Apolinário (PS) porque os farenses resolveram preferir a Social-democracia ao Socialismo, se os nomes dos partidos tivessem alguma validade?
Certamente que não. Apenas consideraram que Macário lhes dá mais esperanças de fazer melhor que Apolinário.
Em Tavira – onde certamente Macário (PSD) seria eleito se se tivesse candidatado – foi eleito Jorge Botelho (PS). Porque os tavirenses decidiram preferir o Socialismo à Social-democracia?
Certamente que não. A razão óbvia é que, não podendo ter Macário, o candidato que lhes pareceu melhor foi Jorge Botelho que, por acaso, até era dum partido diferente.
No Fórum TSF Rádio, na manhã de 12 de Outubro, um interveniente perguntou ao PCP se pensava que os 38% que elegeram Maria Emília de Sousa Presidente da Câmara Municipal de Almada eram todos comunistas. Recordo-me que Abílio Fernandes (membro do PCP) foi várias vezes reeleito Presidente da Câmara Municipal de Évora com muitos votos de não comunistas. E lembro que nenhum Presidente de Câmara comunista se lembrou, alguma vez, de estabelecer o comunismo no seu Concelho.
Não compreendo é como os portugueses que, legitimamente se queixavam de não poderem eleger livremente os seus deputados, agora, que também não podem e têm tido que sofrer como seus "representantes" aqueles que lhes impuseram, acham que têm "eleições livres" e chamam ao sistema, erradamente, "democracia".
Deviam exigir que, ao menos, se abra, para a Assembleia da República, uma "pequena janela democrática" (1) como se abriu, com bons resultados, para as autarquias.
Miguel Mota
(1) - Mota, Miguel – Uma pequena janela democrática, "Linhas de Elvas" de 6-10-2005
Publicado no "Linhas de Elvas" de 15 de Outubro de 2009
A propósito da crise financeira que se abateu sobre a Irlanda, o Financial Times atribui a um político irlandês a afirmação de que " Quem precisa ser reformado is not you but the EU". Ou seja, nada errado na atitude e cultura nacional; o erro está na instituição supranacional.
Ao ler tal notícia lembrei-me do que ocorreu na Dinamarca nos alvores do século XIX. A vida corria mal a Frederico VI, ao tempo rei absoluto dos Dinamarqueses. Receoso de Napoleão, aderiu ao Bloqueio Continental por este decretado e, em consequência, viu a sua capital bombardeada duas vezes pela esquadra de Nelson e, por fim, assistiu impotente, à apreensão pelos britânicos do que restava da sua frota naval (acto descrito como "confisco" na comunicação feita ao Parlamento britânico). Pelos Tratados de Paz com a Suécia e com a Alemanha, confirmados posteriormente pelo Congresso de Viena que pôs termo à aventura napoleónica, Frederico perdeu a Noruega que até aí pertencera ao seu reino e ainda um condado na Pomerânia trocado por um ducado (que um seu descendente viria a perder para Bismark). O domínio real dinamarquês, até aí considerável, ficou praticamente reduzido às duas ilhas do Báltico e à estreita península da Jutlândia, territórios sem outros recursos além dos florestais.
Frederico VI da Dinamarca, nascido em 1768 em Copenhague e falecido em 1839 na mesma localidade, foi rei da Dinamarca a partir de 1808 até à sua morte mas apenas até 1814 da Noruega
Se Frederico fosse irlandês teria dito que a culpa de tanto prejuízo cabia ao sistema internacional. Mas Frederico era de outra cultura. Lia Shakespeare e acreditava como Cláudio que "a culpa da nossa desgraça não está nos astros mas em nós mesmos". Enunciou então o seu famoso preceito: -"Somos fracos e pobres mas nada nos obriga a ser também estúpidos". E, com esta justificação, introduziu a escolaridade obrigatória. Isto passou-se em 1815. O rei não atribuiu a terceiros, nem a fatalidades geográficas ou de qualquer outra natureza, as culpas pela trágica condição a que ficara condenada a sua nação. Admitiu que o mal estava na incultura nacional e dispôs-se a fazer aquilo que os autocratas mais receiam: - educar o povo.
A atitude do rei galvanizou os espíritos. Ao longo do século XIX, os dinamarqueses, na sua totalidade, dedicaram-se a aprender e, no final do século, passaram a ensinar. Artistas, cientistas e letrados produziram aquilo que se chamou a Idade de Ouro da Dinamarca. Hans Christian Anderson tornou-se um dos escritores mais lidos em todo o mundo; Kierkegaard reviu a problemática do ser e do crer e lançou as bases do existencialismo cristão e, já no início do século XX, Niels Bohr formulou uma nova teoria sobre a constituição do átomo que representou um passo decisivo no conhecimento humano (e na história da humanidade). Enquanto isso, os artista plásticos criaram um estilo inconfundível e impuseram a simplicidade como requisito da elegância a uma Europa até aí intoxicada pela requintadamente elaborada e francesíssima "Arte Nova".
Ao longo de século e meio, a Dinamarca passou, sem sobressaltos, do absolutismo para o parlamentarismo. Desde 1920 que a Casa Real se mantém totalmente alheada da política. No processo, o país ganhou a amizade da Inglaterra, o que lhe permitiu quebrar o isolamento. A hostilidade alemã persistiu até ao final da II Guerra Mundial mas viria a resolver-se no seio da União Europeia.
No domínio da economia o êxito dificilmente poderia ser ultrapassado. Já antes da descoberta do petróleo no Mar do Norte, usufruía o povo dinamarquês de alto nível de vida e dispunha de um sistema escolar e um serviço de saúde que faziam inveja a qualquer outra nação. Hoje, a Dinamarca detém o mais alto rendimento per capita de todos os estados membros da União Europeia e também o mais elevado índice de homogeneidade na distribuição desse rendimento.
Perante isto digam-me: - de quem é a culpa das desgraças e atrasos nacionais?