VAMOS TOMAR CHÁ?
Não sou crente incondicional do aforismo "da discussão nasce a luz". Tenho visto que da discussão tanto pode nascer a luz como a teimosia. Teimosia é escuridão. Prefiro o diálogo sereno, sobretudo se acompanhado de uma chávena de chá. Melhor ainda, se este for de cidreira.
O meu interlocutor, cronista de profissão, ia dizendo: - Os piores vícios (refracções da realidade) na avaliação da presente crise são de duas ordens:
- (1) Sonhar com (e insistir em) soluções ideológicas e utópicas e
- (2) Enveredar pela xenofobia populista.
A isto contrapus: - O pior vício de pensamento na situação actual é o localismo.
O cronista voltou à sua: - Precisamos de alguém que ensine os alemães a viver na Europa e os restantes europeus a viver com os alemães.
- Você é um optimista, disse eu. Precisamos muito mais do que isso. Precisamos de alguém que nos ensine (a todos) a viver no mundo global, com regras globais. Regiões são coisas do passado. Veja: - a notícia de uma greve numa fábrica chinesa de automóveis é uma boa notícia; boa notícia também – embora infelizmente dolorosa – é a da revolta "encarnada" na Tailândia. Má notícia é a manifestação de trabalhadores em Lisboa. Exercício em inutilidade produto do localismo. Lisboa nada pode fazer para resolver os problemas que afligem os trabalhadores portugueses. Mas, se o respeito pelos direitos dos trabalhadores chegar às bordas do Pacífico – ou seja, se os salários de lá se nivelarem pelos de cá –, os problemas para que os portugueses procuram solução desaparecem.
O cronista fez um ar enfastiado, torceu-se na cadeira, sorveu mais um trago da infusão e, quase entre dentes, resmungou: - Ora, ora. Já de há muito se sabe que a teoria da revolução universal permanente é totalmente utópica. O possível só o é dentro de determinadas fronteiras territoriais e culturais.
- Isso pensam os políticos, mas os poetas sabem mais. E o poeta afirmou:
- "Deus quis que a Terra fosse toda uma;
que o mar unisse e já não separasse ...
E viu-se a terra inteira, de repente,
surgir redonda, do azul profundo"
Caímos no silêncio.
Voltámos ao chá e ficámos a mirar as nuvens do céu do Estoril que faziam jus à sua fama de mais bonitas do mundo.
Estoril, 1 de Junho de 2010
Luís Soares de Oliveira