A minha Mãe estava no seu quarto do Hospital à espera de ser operada hoje ao colo do fémur que partiu. Neste momento está a ser operada e escrevo isto para lhe transmitir “in mente” a minha mensagem de que tem de ultrapassar a barreira.
Pareceu-me que rezava e aproximei o ouvido. Estava em conciliábulo com o Pai do Céu – devoção que pratica habitualmente, sobretudo quando sente alguém ao pé, que a minha Mãe gosta de fazer show. Explicava ao Senhor que nunca tinha ofendido ninguém por palavras – creio que nem por obras, embora não garanta os pensamentos, que a minha mãe é um portento de força anímica.
Garantia ela que só uma vez é que cometera o tal pecado da ofensa verbal e fora quando chamou “ventas de caneco” a um rapaz do seu tempo que estava a regar a terra dele com a água que pertencia à terra da minha mãe.
...regar a horta com água alheia
Por que motivo lembrou o caso tão recuado não sei. Agora lembra mais os casos recuados, é quando se sente feliz, revivendo-os, com os seus quase 103 anos. Creio que desejou limpar a alma, pedindo perdão dos seus pecados a Deus, mas pelos vistos não se achava detentora de muitos, ao considerar o “ventas de caneco” o mais grave de todos. Nesta coisa dos pecados, convém restringirmo-nos ao elementar, quando são os nossos, para não sobrecarregarmos a sacola que Júpiter nos colocou às costas.
Percebi o seu medo da operação mas mandei um “Deixa-te disso, Mamã!”, e partiu dali para avivar outros dados ligados aos sabores antigos das figueiras e pereiras do seu Carregal da infância.
A senhora da cama ao lado garantiu que a minha mãe era muito lúcida e tive ocasião de lhe ouvir palavras de calibre técnico, como “rumo”.
Aproveito para desejar à minha Mãe a continuação do seu “rumo” por muitos anos ainda, embora a próxima fase do seu recomeçar a andar se apresente baça.
Mas baço é também o rumo do nosso País, com esta contínua troca de acusações, no nosso à deriva económico, com greves e buzinões populares ajudando ao estardalhaço parlamentar, ninguém sabendo que rumo tomar, porque rumo certo não há, só o do despenhadeiro, com ressalva para a reconstrução na Madeira, feita ao modo decidido de Jardim que é dos que não se coibiria de usar a expressão que a minha Mãe empregou em rapariga: “Ventas de caneco”.
Mas canecos já não deve haver para a água, que a maioria das casas a têm encanada, além de que Alberto João Jardim não deve conhecer a expressão antiga, jovem que é.
Entretanto, soube, telefonicamente, que a operação da minha Mãe foi bem sucedida.
Assim se resolvesse o rumo do nosso País, “c’um caneco!”.
As sugestões que apresento em relação a computadores talvez sejam supérfluas para os muito jovens. Assim como trazem, à nascença, instalados vários "programas" (como, por exemplo, "saberem" que devem logo mamar no seio da mãe, para se alimentarem), também trazem, agora, o da utilização de computadores e outros aparelhos modernos como telemóveis, telecomandos, etc. Mas para os mais velhos, que ainda não trazem instalados esses programas e são obrigados a uma penosa aprendizagem, os livros de instruções são frequentemente tão difíceis de compreender como os antigos oráculos.
Por esse motivo, encontrar qualquer procedimento que desejam, nesse imensíssimo universo de informação que hoje é normal existir nos computadores, constitui uma trabalhosa e por vezes frustrante experiência. Aquilo que constitui problema difícil, qualquer criancinha de dez anos (nascida, portanto, com esses programas instalados no seu disco rígido, perdão, no seu cérebro) num instante lhe mostra como é tão simples. Essa a razão porque me atrevo a sugerir algumas ideias que talvez ajudem esses pobres e limitados seres a usarem com menos problemas os seus computadores.
A principal é apresentarem, como aditamento às inteligentíssimas instruções actuais, uma série de simples "cábulas" que permitam aos tais limitados seres, mesmo sem o inteligente raciocínio (que geralmente está fora do seu alcance), resolver muitos problemas com que se debatem.
Ao abrir o computador, há uma série de elementos que estão ao seu alcance. O ideal é ter no desktop (a que alguns chamam "ambiente de trabalho", embora isso nada tenha a haver com a pureza do ar ou a beleza da iluminação e seja apenas o écran que está na frente) o ícone com o nome que o indica. Vejamos alguns exemplos.
Para abrir o programa Word (às vezes com um muito sofisticado W), já sabemos que basta clicar (também já sabemos o que isso é) duas vezes. (Porque será que, nalguns casos, para abrir se clica duas vezes e noutras só uma?).
Aberto o Word, tem no alto uma série de nomes, a barra de menus, cada nome com uma lista de nomes, alguns deles ainda subdivididos. Por baixo da barra dos menus há uma ou mais barras de ícones que até, misericordiosamente, quando colocamos lá o cursor (sem clicar) nos dizem o que significam e de forma que frequentemente (mas nem sempre) se compreende o que fazem.
A sugestão é que o tal "Aditamento" às instruções apresente a sequência de procedimentos a efectuar. Por exemplo, se desejar numerar as páginas:
Insert (em inglês) / Page numbers / (aparece um quadro com indicações) Escolher a "posição", com as setas para baixo ou para cima: "top", "center" ou "bottom" e o "alinhamento" (também com as setas para baixo ou para cima) "left", "center" ou "right" / OK
Assim, os tais utilizadores limitados talvez encontrassem, na lista das cábulas, aquela que desejam.
Uma outra sugestão é que, para todos os casos em que se deseje colocar o "default" (ou "por omissão"), essa palavra apareça explícita, para evitar a enorme trabalheira de correr tudo à sua procura e... que nem sempre se encontra!
Daqui a uns vinte anos estas elementares instruções já não serão necessárias pois todos os utilizadores já as trazem de nascença instaladas no seu disco rígido, perdão, no seu cérebro. Mas é provável que, ainda durante uns vinte anos, elas possam ser úteis aos utilizadores limitados, justificando o trabalho dos que terão de descer a tão mesquinhas instruções.
Miguel Mota
Publicado no "Jornal de Sintra" de 8 de Fevereiro de 2008 e no "Jornal de Oeiras" de 13 de Maio de 2008