Romena de origem, costumava aparecer à mesa da esplanada, para vender os produtos da sua sobrevivência: canetas, calendários, Bordas d’Água, isqueiros de cozinha... Era alegre e simpática, e quando não lhe comprava nada, geralmente contribuía para a sua sobrevivência com a esmola da minha desistência, convicta da Inutilidade dos considerandos acerca da dignidade humana. Disse-me que se chamava Bianca, mais tarde vim a saber, quando lhe fiz o contrato para o subsídio, que o nome real era Mariana, mudara-o quando veio para Portugal.
Num dia de cansaço maior, a minha filha sugeriu-me que a contratasse para umas horas semanais nos trabalhos da casa. A Bianca veio um dia por semana para as limpezas em maior escala. Mas era nova, 23 anos, não sabia trabalhar bem, voluntariosa e rebelde a ensinamentos. Cinco euros por hora, durante um ano e meio, forneci-lhe talheres e louças, as panelas necessárias, alguma roupa de bragal, para pôr casa com o seu rapaz romeno. E antes de lhe nascer a filha, esperta no seu saber de convívio com as conterrâneas, pediu-me o contrato que lhe daria direito ao subsídio. Mas um dia, exasperada por tanta moleza e rebeldia, despedi-a. Não se importou muito, porque tinha o subsídio.
Largos meses passaram, encontrei-a várias vezes a vender os calendários da sua opção. Mas não lhe comprei nenhum, nem lhe dei mais as esmolas das minhas dúvidas sociológicas.
Soube que a minha Mãe partira uma perna e perguntou se não podia voltar. O esgotamento levou-me a aceitá-la três horas por dia. Verifiquei que a Bianca crescera. Tomou conta da casa, assumiu as suas limpezas com mais rigor, participa na ajuda à minha Mãe, alegre e terna, merece o prémio de mais um euro por hora.
Lembro-me de que, logo após o 25 de Abril, para se justificarem os nossos insucessos no desporto olímpico ou outro qualquer, corria o slogan do “perder ou ganhar tudo é desporto” e bravos éramos nós, que concorríamos sempre sem glória. Carlos Lopes, Rosa Mota, outros nomes foram surgindo a valorizar a nossa participação desde sempre deficitária e a encher-nos de brios, contribuindo o sucesso para se alargar o leque das disciplinas desportivas para competições. Afinal, os prémios são extremamente estimulantes, daí que apoiemos os que poderão projectar-nos exteriormente, mesmo que só a pontapear.
Mas o negócio vem a par do êxito, e a tal educação do corpo, apanágio dos jogos gregos de outrora, deixou de ter sentido. Hoje joga-se para arrancar dinheiro, como se estuda no mesmo sentido. A última foi o prémio em dinheiro aos alunos brilhantes de escolas portuguesas, sem conhecermos os critérios que levaram à atribuição de tal brilhantismo. Uma política da actual Educação, para atrair a simpatia para o Governo que a defende e assim justifica, com um meio de corrupção nos jovens, a corrupção actual dos adultos.
Dantes, havia quadros de honra para os alunos que os mereciam e que estudavam por gosto, estimulados, é certo, talvez, também nas suas vaidades ou desejos de saliência. Mas tudo isso era positivo, porque a ambição e o brio pessoal são qualidades positivas quando levam ao desejo de aquisição de competências. O 25 de Abril aboliu os quadros de honra, na sua pseudo-bondade para com os menos favorecidos pela inteligência ou outras capacidades. Creio até que as propostas dos democratas de simplificação de competências visava a sua própria projecção, ultrapassando, com as suas novas leis massificadoras, outros a quem o estudo favorecera gradualmente. E assim os capitães se alcandoraram nos postos superiores, sem terem que seguir os estudos sempre massacrantes para quem não gosta de estudar.
Parece que o quadro de honra se instalou novamente nas escolas. Não é do meu tempo de docência. Mas o dinheiro, mola real do progresso, é actualmente também atribuído aos melhores da nação, tal como ao melhor professor, ao melhor dos melhores de qualquer coisa. Dão-se prémios aos melhores. Nas empresas, nos bancos. É estimulante.
Já não se fazem, é certo, concursos, as empresas vão buscar os melhores alunos às escolas, talvez lhes paguem melhor do que aos outros trabalhadores, que ao longo da sua vida de trabalho apenas se limitaram a cumprir com mais ou menos brio, dependendo este do profissionalismo de cada um, sabendo, de antemão, que o seu trabalho jamais seria valorizado. Eram bons profissionais por dignidade pessoal, por amor à camisola, por competência própria.
Mas os prémios de remuneração dos melhores são excessivos entre os que dirigem – os bancos, as empresas, os donos do capital, afinal, que o obtiveram, tantas vezes, por meios iníquos.
Premiar um juiz para não ser corrupto? Premiar um banqueiro, um gerente de uma empresa para o mesmo efeito? Afinal, é o Estado que paga a esses, quando há derrapagens, os contribuintes é que pagam, os donos dos capitais mal ganhos repoltreiam-se nesses fundos das suas glórias, e cá por baixo o povo vai gemendo sob as políticas dos governantes que não pedem contas, não castigam, não exigem reposição dos tais prémios astronómicos. Para não serem corruptos, mas sendo-o com mais gana ainda. Que o dinheiro sem critério os corrompeu mais e mais. Entretanto, vão distribuindo uns premiozitos aos alunos mais competentes, provavelmente arbitrariamente mais competentes, ou ao professor que assim se revelou, provavelmente também arbitrariamente, a este ou àquele da sua definição de valor, mais ou menos arbitrária. Porque fruto de acefalia, de absurdo interesse, de egoísmo, de mentira, de desprezo pela nação que só prezam nas eleições.
O povo paga sempre, e vai pagar por tudo isso, não sendo aumentado nos tempos mais próximos. Só a gasolina. E o arroz. Para o enriquecimento dos gerentes dos bancos e dos donos das empresas que os vendem. O prémio é desses. Os outros premiozitos servem para corromper, para disfarçar, para seduzir.
O prémio de um euro a mais por hora à Bianca é real, pese embora a dificuldade em o conceder. Depende do seu mérito actual, honestamente reconhecido. Por isso, estimulante. Mas o afirmá-lo é risível, eu sei.
Pierre Terrail, Senhor de Bayard, mais conhecido por Chevalier Bayard (1473 – 1524) foi um militar francês, herói na Guerra Italiana de 1521-1526[1], considerado o ideal do cavaleiro, dele se diz ser "chevalier sans peur et sans reproche".
Descendente de família nobre, serviu como pajem desde Carlos I de Sabóia até Carlos VIII de França que em 1487 o promoveu a membro da Corte como Senhor de Ligny.
Em 1494 acompanhou Carlos VIII a Itália sendo feito cavaleiro após a batalha de Fornovo. Logo depois, entrando em Milão perseguindo os inimigos, foi feito prisioneiro mas acabou por ser libertado sem pagamento de resgate.
Bayard foi mortalmente ferido na batalha de Sesia ao cobrir a retirada das tropas francesas de Milanesado. Prostrado, dele se aproxima então o vitorioso Condestável de Bourbon[2] (que havia mudado de lado e passado a combater o exército de que fora comandante-em-chefe) e lhe diz:
- Eh! Monsieur de Bayard, que j'ai grande pitié de vous
voir en cet état, vous qui fûtes si vertueux chevalier…
Com enorme dificuldade, Bayard ainda consegue arranjar forças para responder:
- Monseigneur, je vous remercie; il n'y a point de pitié en moi, qui meurs en homme de bien, servant mon roi. Il faut avoir pitié de vous qui portez les armes contre votre prince, votre patrie et votre serment.
E morreu…
Sit tibi terra levis
No actual post-modernismo podemos perfeitamente prescindir das batalhas e das mortes mas não nos faria qualquer mal se tomássemos como exemplo o carácter do Senhor de Bayard.
Março de 2010
Henrique Salles da Fonseca
BIBLIOGRAFIA:
Wikipedia
[1] - Guerra italiana (1521 – 1526), nela lutaram Francisco I de França e a República de Veneza, de um lado, contra Carlos I de Espanha (Imperador do Sacro Império Romano-Germânico), Henrique VIII de Inglaterra e os Estados Pontifícios, do outro lado. Entre as causas do conflito estavam a eleição de Carlos I como Imperador do Sacro Império Romano e a necessidade do Papa Leão X de se lhe aliar para combater as ideias da Reforma Luterana
O conflito eclodiu em 1521 quando França invadiu os Países Baixos e ajudou o rei Henrique II de Navarra a recuperar o seu reino. As forças de Carlos I repeliram a invasão e atacaram o norte da França mas foram rechaçadas. Então o Imperador, o Papa e Henrique VIII firmaram uma aliança formal contra França e as hostilidades começaram no norte de Itália. Na batalha de Bicocca os exércitos imperiais e do papado derrotaram as tropas francesas que foram expulsas do Milanesado. Depois da batalha, a luta voltou novamente para solo francês, enquanto Veneza assinava a paz em separado. O exército inglês invadiu França em 1523 enquanto Carlos de Bourbon, Condestável francês (contrariado pela ameaça de Francisco I exercer o direito de preferência sobre a herança que o Condestável considerava sua) se aliava ao invasor. Em 1524 falha a tentativa francesa de recuperar o Ducado Milanês dando a Bourbon a oportunidade de invadir a Provença à frente dum exército espanhol.
[2] - Carlos de Montpensier, (1490 - 1527), nobre francês, filho de Gilberto de Montpensier habitualmente chamado Condestável de Bourbon por ser Comandante-em-Chefe de Exército de Francisco I, com quem se incompatibilizou. Por isso mudou de lado durante a Guerra Italiana de 1521-1526.
vNuma primeira leitura, fica-se com a ideia de que Governo e BdP coincidiam totalmente, já sobre o que se passava no BPP, já sobre as causas de um desequilíbrio financeiro que não mais podia ser camuflado. Contudo, uma leitura mais atenta, que coteje Despacho (do Governo) e Acta (do BdP), revela divergências inesperadas.
vPara o Governo (e o Comunicado do BdP ia no mesmo sentido) era manifesto que o perigo residia nas responsabilidades que o BPP contraíra junto de “Instituições Financeiras depositantes” e que não estava em condições de solver (as tais “dificuldades de liquidez”). Bancos portugueses metidos ao barulho? Eis a grande dúvida que o Despacho não esclarecia.
vDaí o empréstimo avalizado pelo Estado e a necessidade, sentida pelo Governo, de sublinhar, algo a despropósito, que esse dinheiro não poderia ser usado para liquidar outra coisa qualquer - responsabilidades extra-patrimoniais, por exemplo (aquelas que, por definição, podem vir a ser, ou não, exigidas em data futura, consoante se verificar, ou não, uma determinada condição).
vComo responsabilidades extra-patrimoniais (ou seja, “fora do Balanço”) vencidas é uma contradição nos próprios termos (posto que, estando vencidas e sendo exigíveis, devem ser contabilizadas “no Balanço”), as responsabilidades extra-patrimoniais que o Governo tinha em mente só poderiam ser aquelas ainda vincendas (embora esta expressão não seja de todo correcta) e que ninguém, à data de 01/12/2008, saberia dizer se, alguma vez, viriam a ser exigidas (por ficarem “in-the-money”, no linguarejar dos financeiros), ou se se extinguiriam sem valor (expirando “out-of-the-money”, idem).
vE se, por mera hipótese, o Governo, no seu arbítrio, entendesse que as dívidas firmes com origem em responsabilidades extra-patrimoniais entretanto tornadas exigíveis não deveriam ser pagas em pé de igualdade com o restante Passivo do BPP, estaria:
-Ou a privilegiar credores (o que, no contexto de devedores em crise, nem sequer é muito bem visto pela Lei Penal);
-Ou a substituir-se aos Tribunais Cíveis no reconhecimento e graduação de créditos reclamáveis.
vForçoso é concluir que, para o Governo (e o Comunicado do BdP com ele), o reequilíbrio financeiro do BPP não passava pelas “responsabilidades extra-patrimoniais ou outras decorrentes de outras actividades ou serviços financeiros prestados, directa ou indirectamente, pelo BPP” (perdoe-se-me o português, mas é assim mesmo que vem escrito no Despacho), ainda inexigíveis (logo, “fora do Balanço”) – o que até nem era descabido. A não ser assim, o empréstimo nunca poderia resolver de vez o problema, e as intenções que animavam o Governo nem chegariam sequer a levantar voo.
vAgora, o BdP. Em Acta, o BdP acolheu também a tese das “dificuldades de liquidez” e do “grave desequilíbrio financeiro”. Mas foi mais longe, e diagnosticou “riscos de contágio”, o que deixava entrever que, em sua opinião, os problemas de liquidez com que o BPP se debatia teriam origem, pelo menos em parte, na tomada de fundos junto de outros Bancos cá da terra – uma vez que não há notícia de uma corrida aos depósitos no BPP (ou em qualquer outro Banco), por esses dias.
vAqui chegado, porém, o BdP muda subitamente de rumo. Segundo ele, os referidos problemas de liquidez teriam origem, também, na actividade de gestão de patrimónios (ainda que, por definição, esta actividade corra em nome e por conta dos Clientes/Investidores, sem que o gestor fiduciário seja chamado a pôr um cêntimo).
vSó assim se explica que o BdP tenha suspendido a exigibilidade de obrigações (aquelas que decorriam linearmente dos mandatos de gestãofiduciária) que, em condições normais, proporcionam nada mais que proveitos (comissões) aos Bancos que a elas se dedicam, sem lhe exigir Capitais Próprios em contrapartida - para supino conforto dos seus “depositantes e credores”.
vOu não seria assim? E não sendo assim, dar-se-ia o caso de os contratos de gestão fiduciária dissimularem puros actos de intermediação financeira – apesar da contabilização que o BPP praticava havia anos, sem reparo conhecido do Supervisor (BdP)?
vSendo o exposto tudo o que Governo e BdP se dignaram dar a conhecer, havia que procurar nas Demonstrações Financeiras (DF) publicadas pelo BPP ao longo dos últimos anos a explicação para tanta aflição:
-Desequilíbrio financeiro? Como se manifestava?
-Impossibilidade de reembolsar os fundos obtidos junto de outros Bancos? Mas em qual ou quais mercados interbancários? E em que montantes?
-Impossibilidade de cumprir perante depositantes e credores, com especial acuidade para os Clientes de gestão fiduciária de carteiras? Mas, quanto a estes últimos, cumprir o quê, exactamente?
vNão existem!
vÉ isso, Leitor: o BPP não tem DF publicadas, sejam elas individuais, sejam elas consolidadas. Nem as que deveriam ter sido reportadas à data de 24/11/2008 (para que se pudesse apreciar o destino dado ao empréstimo que o Estado avalizara). Nem as do exercício findo (ainda é cedo, bem sei). Nem as do exercício de 2008. Nem as de qualquer ano para trás. Nada.
vConhecem-se, sim, as DF Consolidadas do Grupo Privado Holding (onde as contas do BPP aparecem diluídas) e as DF Individuais da Privado Holding, SGPS (a sociedade holding do Grupo) até 2007 (inclusive). De 2005 em diante, o documento indica na capa que se trata, também, da prestação de contas do BPP. Em 2004, mais prosaicamente, a publicação limitava-se a anotar, na 2ª folha, que a actividade da Privado Holding, SGPS, se identificava com a actividade do BPP (muito embora os números no interior não confirmassem exactamente essa declaração).
vPobres dos nossos preclaros Supervisores. De tão assoberbados, nem atentavam nas capas dos documentos que deviam examinar, ou nos cabeçalhos que, do alto de cada folha, sorrateiramente, lá iam revelando a entidade cuja informação financeira estava a ser divulgada. Nem tempo tinham para recordar que os Bancos, mesmo quando integrados num Grupo, devem publicar DF Individuais e Consolidadas ao seu nível (segundo as recomendações do Comité de Basileia).
vE assim o BPP (ou o Grupo?) lá ia singrando quase sem deixar rasto.
De vez em quando anuncia-se que vai haver (novamente!) avaliações dos Laboratórios de Investigação pertencentes ao Estado, em diferentes ministérios.
A investigação científica é algo relativamente fácil de avaliar, seja ao nível dum grande laboratório, ou dum departamento ou dum simples investigador. Uma instituição de investigação é uma “fábrica” de ciência. Basta olhar para o “produto”, que no caso vertente são os escritos científicos (designados na gíria internacional por “papers”) e, às vezes, algo material que, no entanto, também deverá ter o “paper” que o descreve. Se a instituição, ou o departamento ou o investigador apresentam numerosos “papers”, em revistas de categoria, não precisamos dum “avaliador externo” para nos dizer que a investigação é boa. O segundo elemento de avaliação – também internacionalmente reconhecido – é a repercussão desses escritos na ciência mundial, medida pelas citações que deles aparecem nas revistas de bom nível e, mais ainda, nos livros texto da especialidade.
Se há poucos desses elementos de avaliação também não precisamos que um estrangeiro nos venha dizer que a investigação é má. Poderá ser conveniente encontrar as causas, muitas vezes com origem no nível governamental. Como já escrevi algures,
“Quando a Laboratórios do Estado, com grande curriculum científico e grandes contribuições para o progresso do País, se reduz o seu pessoal; se lhes cortam os meios de trabalho (chegando ao cúmulo dos cúmulos de suprimir a assinatura de quase todas as revistas científicas!); quando se nomeiam chefias de escassos curricula e capacidades ou que para ali vão para que a instituição não progrida, numa espantosa inversão de valores; quando os Ministros e Secretários de Estado que os tutelam (de várias cores políticas) ostensivamente fazem por "esquecer" que eles existem; quando se desviam verbas avultadas a eles em princípio destinadas, para fazer outros laboratórios a quem se dá tudo e mais alguma coisa e depois se entregam, em comodato, a outro ministério; quando avaliações externas, encomendadas pelos governos, denunciam erros (aliás elementares!) e esses mesmo governos, em vez de os corrigirem, os agravam enormemente...”,
temos aí a causa primeira da sua fraca produção científica. Com esses males perfeitamente identificados, alguns descaradamente denunciadores do propósito de destruir tais laboratórios, com enormes danos para a ciência e a economia do Pais, é legítimo perguntar se se deseja uma avaliação para corrigir os males (aliás já sobejamente identificados...) ou apenas para fingir. Justifico esta dúvida com o que já sucedeu no passado.
Em 1986, com um governo PSD, foi mandado avaliar um desses laboratórios. O relatório foi arrasador e identificou uma série de males, praticamente todos da responsabilidade do mais alto nível, nomeadamente o governo. Nada foi corrigido e vários males agravados.
Dez anos depois, em 1996, com um governo PS, foi o mesmo laboratório avaliado e da comissão avaliadora faziam parte alguns elementos da anterior, um deles estrangeiro. Novamente o relatório foi arrasador, encontrando agravados muitos dos males elementares já anteriormente denunciados, da responsabilidade do governo, assim colocando em muito má posição os governantes responsáveis. E com isto se gastou dinheiro, que não deve ter sido pouco e que bem podia ser usado a colmatar as deficiências que tanto entravam o trabalho.
*
Qualquer avaliação, para ser correcta, não pode ignorar os meios de trabalho (normalmente verbas...) postos à disposição dos investigadores. Já em tempos propus a criação dum “coeficiente” de forma que, ao avaliar uma instituição, um departamento ou um investigador, se entre em linha de conta com o dinheiro de que ele pôde dispor. É óbvio que, se ao longo de cinco, dez ou vinte anos pôde dispor de abundantes meios de trabalho, tem obrigação de ter produzido muito mais do que aqueles que viveram com imensas limitações. Claro que ter cientistas, que já deram provas de serem capazes de produzir boa ciência, a trabalhar em condições de penúria é um dos mais elementares erros de gestão de ciência. E esses casos abundam no nosso Pais.
São erros tão primários que é ridículo mandar “avaliar” e, particularmente, por estrangeiros. Provavelmente irão para os seus países dizer quão primitivos são os governantes que precisam de pedir a estrangeiros para lá irem avaliar esses casos, que eles não são capazes de detectar e corrigir. E digo os dirigentes porque, nos seus contactos com os cientistas portugueses, eles bem se aperceberam que, a par duns quantos incapazes, por vezes em posições de mando, encontraram cientistas perfeitamente qualificados que só não produziam mais ciência pelas deficientes condições em que eram obrigados a trabalhar.
Não me esqueço, entre outras acções ridículas, do caso que se passou quando recebi a visita dum importante comité científico internacional ao Departamento que eu então dirigia. Pois um senhor, em altas funções, o que queria à força é que eu fosse mostrar o microscópio electrónico. E por mais que eu lhe dissesse que aqueles senhores estavam fartos de ver microscópios electrónicos e que o que lhes interessava era ver os trabalhos realizados e que eu estava a mostrar, insistia, com muita pena que os estrangeiros não vissem um aparelho tão bonito... para mostrar às visitas!
vA revisão em baixa da notação de risco atribuída por uma Agência de Rating ao BPP (em 13/11/2008) lançou todos numa lufa-lufa [Atenção, Leitor! em assuntos de finança as datas são, quase sempre, a chave do enigma]:
-Os Clientes a levantarem depósitos e a resgatarem investimentos (desde meados de Novembro de 2008);
-A Administração do BPP a pedir ajuda ao Governo e ao BdP (em 24/11/200);
-O BdP a exigir do BPP um plano de saneamento e recuperação (em 25/11/2008);
-O Conselho de Administração (CA) do BdP a reunir-se, a desoras, extraordinariamente, para elaborar o parecer solicitado pelo Governo, para dar ao BPP uma nova Administração e para pôr cá fora um Comunicado (em 01/12/2009);
-O Governo a despachar (em 01/12/2009);
-E um Secretário de Estado a responder às perguntas ansiosas de uns quantos deputados na Assembleia da República (em 02/12/2008).
vPropunha-se o Governo conceder o aval do Estado a um empréstimo de € 450 Milhões destinado a reforçar a tesouraria do BPP e fixar o destino que deveria ser dado a esse empréstimo (“fazer face a responsabilidades (...) registadas no Balanço do BPP à data de 24/11/2008”).
vIsto no final de longos considerandos de índole geral sobre: “uma crise de confiança que impede o funcionamento do mercado interbancário”, “a necessidade de salvaguardar a estabilidade do sistema financeiro nacional” e “a manutenção da credibilidade do sistema bancário português no contexto internacional”. Nem sequer a Constituição foi esquecida, ao serem invocados os “fins do sistema financeiro nacional” (para memória futura: a formação, a captação e a segurança das poupanças, etc.).
vMais relevantes para o caso são as referências aí feitas: ao “cumprimento (num período intercalar) das responsabilidades do passivo [uma redundância, sinal evidente de que o Despacho foi redigido um tanto à pressa, pois o que se queria visar eram, tão-somente, as dívidas firmes contabilizadas “no Balanço”] do BPP para com os respectivos depositantes e outros credores”; à “protecção dos depositantes e outros credores”; e ao facto de as “responsabilidades extra-patrimoniais ou outras decorrentes de outras actividades ou serviços financeiros prestados, directa ouindirectamente, pelo BPP” ficarem excluídas do uso a dar ao empréstimo que o Estado estava a garantir. [As responsabilidades extra-patrimoniais também são designadas frequentemente por responsabilidades “fora do Balanço”, ou “extra-Balanço”; ao tempo, eram responsabilidades “fora do Balanço” as fianças prestadas, mas ainda não reclamadas, as contas a prestar por mandatário, etc.].
vAo mencionar expressamente que “entre os clientes de depósito do BPP se encontra um conjunto alargado de clientes institucionais do sector financeiro” o Despacho governamental, por um lado, não prenunciava nada de bom para os restantes depositantes, mas, por outro, tornava mais difícil perceber como é que a situação em que o BPP se encontrava, e as tais “outras actividades” a que se dedicava, tinham passado despercebidas aos Supervisores (CMVM e BdP), pelos vistos apanhados de surpresa.
vPor seu turno, o próprio texto deste Despacho, em vez de cultivar uma clareza meridiana (como a gravidade do caso, aliás, impunha) era algo ambíguo:
-Ao taxativo e abrangente “(fazer face) às responsabilidades” preferiu o indefinido “a responsabilidades” - o que, de algum modo, tirava força e alcance ao tom peremptório dos considerandos, dando a quem tivesse de o executar margem de manobra suficiente, e protecção bastante contra eventuais alegações de arbitrariedade;
-Em vez de “(responsabilidades) exigíveis à data de 24/11/2008” (só essas deveriam ser, ou estar pagas na referida data), optou por “registadas no Balanço à data de 24/11/2008” - o que afastava, desde logo, tanto as responsabilidades que decorressem da gestão fiduciária de carteiras (entre outras situações), como todas as dívidas firmes (por exemplo, depósitos, mas não só) que, por lapso, conflito pendente ou simples atraso na contabilização o BPP, à data, ainda não tinha lançado nos seus livros (o que, a acontecer, não deixaria de ser causa de impugnação por parte de quem se visse prejudicado por umas circunstâncias a que era, de todo, alheio).
vHá que sublinhar, porém, a rapidez imprimida a todo este processo: o parecer do BdP estava pronto às 23h30 do dia 01/12/2008 (a hora a que a reunião do CA terminou, segundo a respectiva acta que foi aprovada em minuta), ainda a tempo de o Despacho governamental ser assinado e datado desse mesmo dia (foi publicado a 04/12/2008).
vEstranhamente, nem o Comunicado do BdP, nem o Despacho governamental, nem as declarações do governante fazem a menor referência à decisão que mais polémica viria a causar daí em diante. Refiro-me, como é bem de ver, à “dispensa temporária do cumprimento pontual (pelo BPP) das obrigações anteriormente contraídas” (na linguagem arrevesada dos nossos legisladores) – vulgo, congelamento de contas (mas que pode não ficar pelas contas de depósito).
vE a omissão é tanto mais estranha quanto: a ajuizar pela acta aprovada em minuta, essa decisão teria sido tomada também na referida reunião; o BdP, dias mais tarde, veio considerar que a citada dispensa vigorava desde 01/12/2008; enfim, por se tratar de um acto administrativo que, pelo facto de atingir imediatamente direitos de terceiros, teria de ser publicado antes de entrar em vigor (ainda que a lei que rege as Instituições Financeiras seja omissa quanto aos deveres de publicação que impendem sobre o Supervisor; em linguagem simples, o BdP, enquanto Supervisor, não tem de “dar cavaco” a ninguém daquilo que faz, ou que deixa de fazer).
vE é mais estranha ainda porque o BdP faz exarar em acta a sua especial preocupação com as actividades de gestão fiduciária a que o BPP se dedicava: por um lado, atribui à novel Administração do BPP a incumbência de “analisar cuidadosamente o exacto alcance das obrigações assumidas pelo Banco” no âmbito da gestão de patrimónios (leia-se: gestão fiduciária de carteiras de valores); por outro, dá grande ênfase à dispensa do cumprimento, pelo BPP, dessas tais obrigações.
vMas a estranheza superlativa vai para a contradição de, na mesma reunião, se decidir:
-Suspender, com efeitos à primeira vista imediatos (isto é, a partir de 01/12/2008), o cumprimento, pelo BPP, das obrigações a que estava sujeito (o que só pode significar obrigações “perante depositantes e demais credores”, já vencidas ou à medida que se fossem vencendo); e
-Dar parecer favorável sobre o aval do Estado a um empréstimo destinado, precisamente, a permitir que o BPP honrasse essas mesmas obrigações cuja suspensão se decretava (conforme se lê nos considerandos do Despacho governamental e em parágrafos soltos daquela minuta de acta).
vPelo que se ouve, os € 450 Milhões não chegaram para saldar todas as dívidas exigíveis à data de 24/11/2008. E, perante a força dos factos, a Administração do BPP, em vez de ratear, decidiu privilegiar uns [depositantes? credores preferenciais? credores comuns? não se sabe], pagando-lhes por inteiro - e ignorar todos os demais. Ainda hoje não é público: qual era o total das dívidas vencidas naquela data; quem foram os credores brindados e quanto receberam; quem foram os credores preteridos e quanto ficou por lhes pagar; que critérios inspiraram a Administração do BPP para privilegiar uns e ignorar outros.
vÉ no que dão as pressas. Mas o certo é que, primeiro, pagou-se a uns quantos e, só depois, se fez entrar em vigor a dita “dispensa”. Tudo no mesmo dia (01/12/2008) – melhor, noite dentro. É obra! (cont.)
Fonte:: Revista Veja, 13 de Janeiro de 2010 (pg58)
Le monde bouge, dizia a velha senhora dominicana e amiga, Soeur Marie Rose, quando se inteirava dos factos que abalavam a tranquilidade da Terra.
Talvez porque as noticias cheguem com velocidade recorde, atravessando o globo, via satélite; talvez porque o Homem esteja colhendo o que plantou através de séculos de agressão ao meio ambiente, agravando e acelerando as naturais mudanças terrestres, o facto é que o mundo está em convulsões mais evidentes.
Os noticiários anunciam catástrofes todos os dias, em todos os continentes. Terramotos, alterando o eixo da terra, tsunamis, enchentes, dilúvios urbanos, gases tóxicos saindo do fundo do oceano em quantidade preocupante, massas geladas gigantescas se desprendendo da calote polar, calor e frio excessivos matando animais e gente.
Aqui, na nossa região tropical, no Brasil Central, onde a placa tectónica terrestre Sul Americana nos dá uma relativa tranquilidade quanto aos grandes abalos sísmicos (não sentidos), sofremos com a Dengue e a Febre Amarela, endemias que nos chegam periodicamente com as chuvas e o calor do Verão, cada vez mais agressivas. No Inverno são as gripes (a Suína principalmente), que assombram a população. Quando chove por mais de duas horas, a cidade inunda. O lixo da falta de visão do cidadão e de uma governança inoperante ou displicente entope os bueiros, as ruas viram rios, acontecem as enchentes. Nos dias seguintes a preocupação é com a leptospirose, quando se vê ratos mortos em algum logradouro público ou habitação. E o homem continua adentrando a mata, valorizando a extensão do espaço, menosprezando a qualidade do manejo, desequilibrando o ecossistema, trazendo vírus e vectores silvestres para a cidade, tudo em nome da economia e da produção de alimentos. Doenças conhecidas de longa data, largamente difundidas nos países de clima tropical, apesar da tecnologia e do combate ao mosquito, continuam se alastrando pelo território brasileiro matando gente.
O homem evoluiu, fez escolhas, de nómada tomou hábitos sedentários, plantou, domesticou e criou animais para seu sustento. Mas tudo isso teve um preço, modificou o meio ambiente, se ganhou mais alimentos também adquiriu mais doenças.
A evolução trouxe mais necessidades, mais desafios, maiores conquistas. A população humana vingou, cresceu.
Mas a vida para existir precisa de equilíbrio. Se o aumento da população garantiu a presença do homem no planeta, também trouxe mais proximidade, mais contágio, mais poluição, mais disseminação de doenças.
Filipa de Lencastre
Fonte: Wikipédia, Internet
Vieram as grandes pestes que se propagaram com a inquietação, com a migração humana. Assim é que na Europa dos descobrimentos (séculos XV e XVI), enquanto os portugueses se aventuravam no mar e tomavam Ceuta, a rainha de Portugal, D. Filipa, morria em Lisboa de peste negra (bubónica). Um terço da população do mundo civilizado sucumbiu, os sobreviventes criaram imunologicamente resistência, passaram-na para os seus descendentes.
Os migrantes e conquistadores tomaram contacto com outros povos e ambientes. Novas trocas de doenças, novas vitimas, novas resistências. É a natureza procurando o equilíbrio para garantir o ciclo da vida no planeta. E os humanos com toda a inteligência, que ambiciona ser maior que a do seu Criador, impotentes perante a sua força, dependem dela para sobreviver.
vA causa maior do aperto em que nos encontramos é, sem sombra de dúvida, o modo galhofeiro e despreocupado como nos fomos endividando a partir de 1998 (quando a entrada de Portugal na zona Euro era já certa - o que, de uma penada, afastava o risco cambial que, até então, mantinha os mercados financeiros internacionais a uma prudente distância).
vEndividava-se o povo junto dos Bancos para concretizar devaneios de consumidor compulsivo; endividavam-se as empresas, porque ninguém, nem os próprios patrões, arriscava mais de um chavo nos seus negócios; endividavam-se os Bancos junto de outros Bancos no estrangeiro para não perderem a febre consumista, nem quota de mercado; endividavam-se os Governos em nome e por conta dos contribuintes, para manterem a ilusão de que a “terra de leite e mel” (isto é: serviços gratuitos, subsídios garantidos, reformas asseguradas e uns dinheiritos por fora) estava ali ao alcance de quem quisesse; e só não se endividava o BdP porque a participação na zona Euro o privara desse prazer.
vE todos viviam iludidos: o povo, crente de que seria sempre possível pagar dívida com mais dívida; as empresas, idem, idem; os Bancos, tornados peritos no roll over, igual; os Governos, outros que tais, sem se aperceberem de que, ao ritmo a que gastavam, o endividamento público só não era maior porque as receitas fiscais estavam, também elas, inflacionadas pela bolha do crédito bancário; e o BdP a assistir, ano após ano, a deficits na BTC nunca inferiores a 8% do PIB, sem querer ver que o desequilíbrio externo fragilizava cada vez mais os Bancos.
vA pouca credibilidade de que a economia portuguesa hoje goza é, assim, fruto tanto de sucessivos Governos em desgoverno financeiro, como de Bancos que se endividaram lá fora sem medida, para emprestar cá dentro quase ao desbarato.
vEstamos, assim, mergulhados não em uma, mas em duas crises:
-O desequilíbrio orçamental – que, por se arrastar há anos a fio, atirou a Dívida Pública para níveis difíceis de sustentar;
-A fragilidade dos Bancos – dada a dívida de curto prazo ao exterior que eles foram acumulando e que não podem deixar de renovar continuamente (sob pena de entrarem em colapso e, com eles, o sistema de pagamentos que faz funcionar a economia).
vNoutros tempos, a solução para isto resumia-se a três palavras mágicas: desvalorização (que reequilibrava a BTC e dava por uns tempos novo fôlego à competitividade externa); inflação (que diluía o peso das dívidas nos rendimentos nominais, o que tornava mais fácil pagá-las); tributação (que gerava saldosprimários positivos, os quais serviam para amortizar a Dívida Pública). Mais recentemente, juntou-se-lhes uma quarta: privatizações (para baixar a Dívida Pública de supetão). E sempre a esperança de que uma tal mistura de medidas contraditórias não rasteirasse o crescimento económico – que só ele, em boa verdade, conseguiria afastar para longe a crise.
vMas isso era no tempo em que tínhamos o Escudo e em que os Bancos mal conseguiam sacar uns magros tostões aos seus Correspondentes no exterior. Hoje, tudo é diferente: desvalorizar não está mais ao nosso alcance; inflação que dilua as dívidas sem rebentar com a BTC, só se for importada; e o total das dívidas de curto prazo da Banca junto de uma meia dúzia de Bancos no estrangeiro rivaliza com o stock da Dívida Pública Externa.
vEquilibrar o orçamento num lapso de tempo muito curto só com uma redução drástica dos rendimentos disponíveis (mais rigorosamente, do poder de compra). Mas isso fragilizará ainda mais os Bancos por duas vias: faz disparar o crédito malparado e reduz-lhes os proveitos recorrentes. Para aguentarem sem tremer, durante largo tempo, esta conjugação de malparado em crescendo e quebra acentuada da margem bruta, os Bancos têm de estar fortemente capitalizados (e possuir estruturas leves) – o que, hélàs! não é o caso, entre nós.
vConferir solidez a um sistema bancário exige, desde logo, gestão prudente. Mas exige também uma economia em expansão – desde que na base dessa expansão não esteja justamente uma bolha de crédito bancário. Sem estímulos bastantes vindos do exterior (isto é, sem um aumento significativo da procura externa e das exportações de bens e serviços), uma tal expansão só poderá ser desencadeada por via orçamental (o que é dizer, por políticas keynesianas) – e será impossível escapar a orçamentos crescentemente deficitários durante grande parte do ciclo económico (deficits que terão de ser financiados necessariamente através de mais Dívida Pública).
vÉ este o dilema que o PEC teria de desfazer. Em vez disso, o Governo optou por “esconder a nudez crua da verdade sob um manto diáfano de fantasia”. Quando a questão até se põe em termos simples, que todos certamente compreendem, ainda que preferissem não ter de ouvir. Que queremos nós?
-Pagar mais impostos ao Estado (seja por aumento das taxas de imposto, seja por alargamento da base tributária, seja ainda por redução de benefícios fiscais, deduções, etc.)?
Ou pagar mais juros aos investidores estrangeiros (de entre os quais, os Bancos que têm estado a financiar generosamente a Banca cá do sítio)?
-Reduzir espontaneamente os rendimentos brutos, através de um corte profundo na remuneração do trabalho e nos lucros distribuídos (sempre que os resultados retidos sejam usados para aumentar o Capital Social e/ou reduzir o endividamento bancário, obviamente)?
Ou ver o financiamento externo à economia (precisamente, aquilo que a tem sustentado todos estes anos) contrair-se numa medida que escapa, de todo em todo, ao nosso controlo?
-Que os Bancos continuem a financiar preferencialmente a oferta de bens não transaccionáveis (construção civil, obras públicas, distribuição) e a procura doméstica de bens transaccionáveis (sobretudo os bens de consumo duradouro importados)?
Ou que os Bancos, por mor de exigências de capital diferenciadas, privilegiem o financiamento da oferta de bens transaccionáveis (e a cobertura dos riscos associados às actividades exportadoras)?
-Estimular a poupança interna (por exemplo, aumentando significativamente as taxas de juro nominais nos Certificados de Aforro)?
Ou dizer adeus de vez às reservas de ouro (essa “pesada herança” que é, hoje, o que ainda nos vai “comprando” alguma boa vontade nos mercados financeiros internacionais), ficando tudo na mesma?
vPor mim, não tenho dúvidas: com este PEC, vamos ser governados nos próximos anos pelas Agências de Rating e por obscuros analistas a trabalhar para os grandes Bancos europeus. Não é nada bom para a nossa auto-estima. Mas, depois de tanta incompetência e de tanta mediocridade, talvez não seja tão mau assim experimentar. Para variar.
Gostava, antes de mais, esclarecer os objectivos que me levaram a escolher os temas dos dois PIs* anteriores (os 36º e 37º) e o método que adoptei para os expor que é, aliás, o meu método corrente.
Em primeira lugar, a situação semelhante ao desnorte da I República, que culminou no período de 1928-1974. A verdade é que o sentimento de angústia que actualmente sentimos em resultado do descrédito total das instituições, dos políticos e das entidades financeiras [1]; pelos sacrifícios que se têm pedido sempre aos mesmos [2] – também por serem em maior número - leva-nos a aceitar este descalabro com espírito resignado de messianismo sebastianista que se manifesta na obra de Fernando Pessoa [3]. Será que somos um Povo sujeito a esta fatalidade histórica recorrente? Será que somos um Povo que gosta de se sujeitar ao jugo da bota em cima do pescoço e do lápis azul da censura; e que aceitará, mais uma vez, um destino amordaçado?
Não sei a resposta, não tenho varinha mágica e tenho pena dos sinais evidentes de falta de coragem para lutar por um futuro melhor! Limitei-me nos Pis anteriores a apontar ideias gerais em prol desta manifesta preocupação.
Ao contrário de algumas observações que me fizeram, usei o pensamento geral, baseado na minha experiência profissional, na experiência de vida e no bom-senso; e, particularizei uma ou outra ideia mais evidentemente concretizável, porque para especificar as medidas que apontei uma a uma, seria o mesmo que apresentar um programa eleitoral ou de governo. Não tenho legitimidade, nem saber global para isso. Mas, tenho ideias e convicções e o dever cívico de as expor.
Ora, eu não fui Governo e acreditem-me que também não percebo aqueles que passaram pelos governos venham agora na qualidade de ex dizer mal de tudo, elevando o pessimismo reinante acima da cota em que deve manter-se para evitar o alarmismo e apresentando-se agora a público, tardiamente, sugerindo medidas que tiveram ocasião e oportunidade de pôr em prática quando estiveram no poder e, salvo uma ou outra rara e honrosa excepção, deixaram-se submergir no sistema reinante.
Estranho país este em que os ex-governantes vêm requerer fatias de protagonismo mediático para dizer o que as pessoas, neste contexto, querem ouvir e não agiram no momento e lugar próprios.
Esclareço pois, que, propondo medidas genéricas, sinto-me na obrigação de particularizar algumas para melhor compreensão de quem me lê, mas não sinto a exigência de pormenorizar todas elas.
No texto seguinte, o Pis 39º, abordarei o tema da regionalização, tentarei provar que, na minha opinião proposta não haverá intenção de aumentos de custos, esta é concretizável e ajudará a descentralização administrativa e a tão necessária e urgente interiorização do País, trazendo para o futuro a nossa riqueza do passado, voltando às origens e aos ensinamentos de trabalho dos nossos egrégios avós, recriando a riqueza que já tivemos.
O futuro está aí... mas, não podemos comprometê-lo com precipitações. Medidas enérgicas e de curto prazo, sim, como nos PIs anteriores já referi, mas com cuidado e coerência sistémica.
Luís Santiago
(*) Postais Ilustrados
[1] Para já não falar das vigarices que são públicas (das privadas se existem não sabemos), refiro tão somente que as instituições financeiras apresentaram lucros astronómicos não compatíveis com a crise, no ano económico de 2009. Dou-vos só um exemplo: Um Amigo meu tem uma conta poupança em nome do filho a ser remunerada a uma determinada taxa. Este mês, foi surpreendido com uma circular que informava que a taxa de juro, que remunerava o montante depositado, ia sofrer um “ajustamento”, para menos... Claro, devido à crise! Unilateralmente, por culpa da crise! É esta a genialidade do sistema financeiro português. O dinheiro por nós depositado não é nosso. Sobre os depósitos impendem uma série de decisões administrativas em que os “donos” do dinheiro não têm, contratualmente, qualquer palavra a dizer. O contrato de depósito tem a natureza de um contrato leonino que, curiosamente, é proibido por lei. São ou não são sempre os mais frágeis a custear as crises? Esta instituição apresentou lucros do exercício anterior de milhões de euros. Mantém as mordomias e vencimentos dos seus administradores. Onde está o Supervisor e onde estão as medidas de incentivo à poupança? Onde está o Governo a impor medidas por decreto para impedir estas situações?
[2] Não é só aos trabalhadores da função pública que devem ser aplicadas medidas restritivas; estas devem generalizar-se a todo o Estado, combatendo-se o desperdício financeiro, eliminando-se as verbas residuais do OE, evitando-se assim o sentimento de revolta que começa a crescer na população. Dou-vos exemplos de dotações que envolvem desperdício financeiro e de verbas residuais, tendo como fonte o Orçamento de Despesa da Assembleia da República/2010: Aquisição de Serviços com 20,300 milhões de €; Assistência técnica com 2,36 milhões de €; e Outros trabalhosespecializados com 3,59 milhões de € (esta última é claramente residual de apoio às duas anteriores). A célebre dotação provisional, com o mesmo fim, de 3 milhões de € e tantas outras que observadas por um rigoroso crivo financeiro, em todas as dotações do OE, emagreceriam significativamente o orçamento da despesa.
[3] “Louco sim louco, porque quis grandeza” Fernando Pessoa: Mensagem-Brasão-Quinas-Quinta, D. Sebastião, Rei de Portugal
Há dias assim. Deu-me no goto a canção de Ricardo Martins. Nem esperei pelo final, e muito menos pelas restantes, para agarrar no telemóvel e enviar o meu voto: 760207004. Mas pouca gente concordou. Nem sei que lugar alcançou. Nem interessava, pois só convinha o primeiro, merecedor do destaque na Eurovisão.
“Caminheiro de mim”. Bonita letra, de uma imagística suave e simples e todavia com a dimensão de uma vida humana, nos seus sentimentos e anseios, casando-se com a universalidade dos elementos da natureza e da criação humana da sua metáfora. Uma toada condizente, não estridente, e necessariamente repetitiva nos seus grupos frásicos paralelos. “Venho (2)”, “trago (1)”, “sou (6)”, os verbos iniciais da sua ordem progressiva de pensamento – origem, acompanhamento, definição - daí os versos de “ser” abundarem, na procura de uma definição mais completa. A par disso, o acompanhamento ao piano pelo próprio autor e intérprete da canção, Ricardo Martins, o nosso Andrea Bocelli.
Não ganhou, a minha canção preferida, preterida por muitas outras, e sobretudo por uma retorcida “Há dias assim”.
Ouço-a pela Internet, donde tirei a letra. E aqui a apresento, em homenagem sentida a este jovem a quem auguro um excelente futuro na composição e interpretação musical portuguesa:
InEM BUSCA DE UM MUNDO MELHOR, Editorial Fragmentos, 3ª edição (Novembro de 1992), págs. 226 e seg.
Tudo isto pressupõe, no entanto, que o partido no poder e os seus líderes possam ser totalmente responsabilizados pelos seus actos. E isso pressupõe, por seu turno, que o Governo seja maioritário. No caso, pouco frequente, do Governo de um único partido detentor de uma maioria absoluta, mesmo se a maioria dos cidadãos desiludidos votarem contra ele, não podem facilmente ser afastados do poder. Na realidade, num sistema de representação proporcional, se esse partido no poder (podendo ser responsabilizado pelos seus actos) vier a perder a sua maioria, continuará a ser, muito provavelmente, o maior partido e, com a ajuda de um dos partidos mais pequenos, formará um governo de coligação. Assim, o líder censurado do partido maior continuará a liderar o Governo, contrariamente ao voto da maioria e com o auxílio de um dos pequenos partidos cuja política, em teoria, pode estar muito longe de «representar os anseios do povo».
É sabido que um partido pequeno pode derrubar um Governo mesmo sem necessidade de novas eleições e, sem um novo mandato dos eleitores, constituir um novo Governo com partidos da Oposição – numa violação grotesca do fundamento da representação proporcional: a ideia de que a influência de cada partido deve corresponder ao número de votos que conseguiu obter nas urnas.
Para tornar viável um governo de maioria, necessitamos de algo parecido com o sistema bi-partidário que existe na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. Mas a prática da representação proporcional torna-o difícil de conseguir.
No interesse da responsabilização parlamentar, defendo o sistema bi-partidário, ou pelo menos algo que se lhe aproxime. Um tal sistema garante a existência, nos dois partidos, de um processo contínuo de autocrítica.
Referir-me-ei agora a algumas das objecções mais correntes que se fazem ao sistema bi-partidário.
Primeira objecção: um tal sistema impede a formação de outros partidos.
Eu admito isso. Mas nós vemos mudanças consideráveis no interior dos dois maiores partidos ingleses e americanos. O impedimento ao aparecimento de novos partidos não significa, portanto, uma negação da flexibilidade.
O ponto é que, num sistema bi-partidário, o partido vencido tem que levar muito a sério a sua derrota eleitoral; pode procurar uma reforma interna dos seus objectivos, ou seja uma reforma ideológica. Se o partido sofre duas ou mesmo três derrotas sucessivas, a busca de novas ideias pode tornar-se frenética, o que obviamente, é uma consequência. E isto pode acontecer mesmo quando a perda de votos não tiver sido excessiva, mas apenas de uma pequena percentagem.
Mas num sistema com muitos partidos e com coligações tal não acontece. Uma pequena perda de votos, nomeadamente, não provoca quaisquer preocupações pois, não tendo os partidos responsabilidades bem claras, é tomada como fazendo parte das regras do jogo. As perdas diminutas não são encaradas a sério nem pelos chefes partidários nem pelo eleitorado: ninguém se alarma.
Mas uma democracia precisa de partidos que sejam mais sensíveis e, se possível, que vivam em clima de alerta permanente. Só dessa maneira podem ser levados a fazer a sua autocrítica. De resto, a tendência para a autocrítica depois de uma derrota eleitoral é muito mais pronunciada em países com sistemas bi-partidários do que em países onde existem diversos partidos. Assim, a minha resposta à primeira objecção é que, contrariamente ao que pode parecer à primeira vista, um sistema bi-partidário tende a ser mais flexível do que um sistema multipartidário.
A segunda objecção é a seguinte: a representação proporcional permite o aparecimento de novos partidos, possibilidade que, sem ela, fica muito diminuída; a simples existência de um terceiro partido pode melhorar grandemente a actuação dos dois grandes partidos.
A minha resposta: reconheço que pode muito bem ser assim. Mas o que acontece se aparecerem cinco ou seis desses novos partidos? Outra resposta é que se corre o risco de um pequeno partido ser investido num poder desproporcionado, se puder ele próprio decidir a qual dos dois grandes partidos se juntará para formar um Governo de coligação.
A terceira [objecção] que gostaria de discutir é a seguinte: o sistema bi-partidário é incompatível com a ideia da Sociedade Aberta – com a abertura a novas ideias e com a ideia de pluralismo.
A minha resposta é que tanto a Grã-Bretanha como os Estados Unidos são nações muito abertas; que uma abertura completa seria obviamente autodestrutiva, tal como o seria uma liberdade completa; que abertura cultural e abertura política são coisas diferentes; e que a atitude certa perante o Dia do Juízo político pode ter muito mais valor em política do que um debate sem fim – e certamente muito mais do que uma conferência sem fim!
Obrigado pela vossa atenção e agora fico à espera dos vossos severos ataques à minha argumentação.
FIM
Karl Popper
Tradução do inglês do Professor João Carlos Espada