Para De Gaulle, “a velhice é um naufrágio”. Para Anselm Grün “a velhice é a libertação” (da pressão dos outros). Finalmente, para Carl Gustav Jung, velhice deveria ser renovação mediante regresso à natureza: - “um idoso que não é capaz de escutar o murmúrio do riacho que corre da montanha até ao vale, o sussurro da brisa na folhagem do arvoredo, de cheirar o rasto da raposa que por ali passou, de se deleitar com o canto da toutinegra e o arrolar das rolas é um tolo, uma múmia espiritual congelada no passado. Repete tudo maquinalmente até à mais ínfima banalidade”.
Quem tem razão?
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Receitas de felicidade
O frade beneditino disse: - “Feliz é aquele que acredita no que faz”. O sábio pós-modernista diria: - aquele que de si troça é o único que consegue libertar-se do peso avassalador do ego e assim tornar-se livre e feliz como uma gaivota.
Nesta matéria, eu sou pós-modernista.
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Remorsos imperiais
Mais um livro – o de João José Brandão Ferreira, Portugal, o Ultramar e a Guerra Justa – em que autor e prefaciadores atribuem responsabilidades – colectivas e individuais - pela queda do Império lusitano. Mordem neste ou naquele, disparam para aqui e para acolá. É próprio da sua natureza.
E isto tudo para quê? Não vale a pena chorar sobre o Ultramar “derramado”. O império não volta. Nunca mais! Mas ficou lá alguma coisa. Os africanos precisam de nós e mais agora do que dantes. Será talvez aí que valeria a pena assentar os caboucos de um projecto nobre.
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Franco, o invasor
O historiador espanhol Manuel Ros Agudo escreveu um livro e pronunciou uma conferência revelando ao mundo a sua "descoberta" do plano militar que Franco teria encomendado para invadir Portugal, em finais de 1940. Segundo Ros, Franco queria apossar-se da Gibraltar e do Marrocos. A Espanha já detinha, sob Protectorado, 1/3 do Marrocos e ele ambicionava deitar mão aos restantes 2/3, então sob Protectorado da França. No caminho, ocuparia Portugal a fim de evitar que os ingleses usassem a nossa costa para atacar a Espanha. Para tal, segundo Ros, teria encarregado alguns generais de estudar o plano de invasão. Ora planos para conquistar Portugal não constituía novidade no tempo. Era habitual nos altos comandos do exército espanhol estudar planos de invasão de Portugal. O próprio Franco tinha defendido um projecto desses no seu exame para general, 15 anos antes. Sabe-se que Franco pediu a Hitler ajuda para invadir o Marrocos. Portugal ficaria por conta do Exército alemão. Levou resposta negativa em Hendaya (Junho 1940). Podia ter-se dado o caso de Franco se ter convencido posteriormente de que a Alemanha iria tentar a invasão da Inglaterra. Se isso acontecesse, ele ficaria com as mãos livres para deitar mão a Portugal, Marrocos e Gibraltar. Tirou-se pois dos seus cuidados e mandou preparar o plano. Talvez, mas a verdade é que nenhuma medida foi tomada para dar execução ao mesmo: - não houve mobilização, concentração de tropas na fronteira, aumento de produção na indústria de armamentos, e outras manifestações típicas em tais circunstâncias. O investigador Ros precisará descobrir mais coisas para provar a sua teoria.
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Caim & Abel
O padre que foi à televisão corrigir um escritor que recentemente
tratou em livro este tema bíblico precisaria – ele também – ser corrigido. Caim e Abel não representam, como ele disse, a luta entre o rural e o urbano – problema que não se punha no tempo – mas entre o nómada e o sedentário. O sedentário matou o nómada e assim aconteceu por toda a parte, excepto em Espanha, onde a transumância de alguns impediu o cultivo das terras para o bem de todos. Há cerca de 100 anos, Tomás da Fonseca, no alto do Caramulo, procedeu de modo original. Mostrou aos pastores locais – nómadas – que o pinheiro rendia mais do que a ovelha. Gradualmente, os pastores passaram a plantadores; no processo, deixou de haver fogos por aquelas serranias.
Estamos hoje diante de Ti para pedir perdão, para buscar a Tua direcção e liderança. Sabemos que a Tua palavra diz «cuidado com aqueles que ao mal chamam bem» mas isso é exactamente o que temos feito. Perdemos o nosso equilíbrio espiritual e invertemos os nossos valores: - Exploramos os pobres e chamamos-lhe sorte; - Recompensamos a preguiça e chamamos-lhe bem-estar; - Cometemos aborto e chamamos-lhe escolha; - Matamos os que são a favor do aborto e achamos issojustificável;
- Negligenciamos a disciplina dos nossos filhos e chamamos-lhe construção de auto-estima; - Abusamos do poder e chamamos-lhe política; - Invejamos as coisas dos outros e chamamos-lhe ambição; - Poluímos o ar com vulgaridades e pornografia e chamamos-lheliberdade de expressão; - Ridicularizamos os valores dos nossos antepassados e chamamos-lhe iluminismo. Olha por nós, Oh Deus, conhece os nossos corações hoje: limpa-nos de todo o pecado e liberta-nos.
Veio muito triste hoje, a Marta. Deram à família ordem de despejo e em troca da casita e do terreno que era deles, necessário, ao que parece, para a construção de uma escola, ofereceram-lhe outro terreno lá muito longe, na Machava, e mais cento e cinquenta escudos por conta do caniço.
O caso não se passava só com ela. A mesma ordem fora dada a uma série de famílias do bairro do caniço, obrigadas a agarrar nas trouxas e abalar.
A Marta vive com os pais e dois irmãos e como todos trabalham fora, excepto a mãe, conseguiram comprar um terreno distante ainda do aeroporto, mas em todo o caso num local mais próximo da cidade do que aquele para onde os queriam expatriar, absolutamente incompatível com os seus horários de trabalho e com a despesa (e escassez) de transporte que tão grande dist\ância implica.
Mas se a Marta pôde comprar o seu terreno, o mesmo se não dará com outros, certamente, menos abonados e que terão mesmo que partir para tão longe – mudar de terra, afinal.
Esta imposição pouco honesta, porque de modo algum compensadora, sugere-nos reflexão melancólica sobre o “bicho da terra vil e tão pequeno” que não só o destino mas o próprio homem, mais cruel do que aquele, se esmeram em reduzir ainda mais.
Para fazerem as suas casas, aqueles negros trabalharam, talvez, bastante, a fim de obterem a quantia que lho permitisse.
Não compreendemos como se pode, tão cavilosamente, despojá-los do que é seu, embarcando-os para longe sem sequer os indemnizar devidamente e sem se atender aos seus interesses e necessidades.
Obrigará o progresso a ser-se menos justo com os seus semelhantes? Concordamos que se torne necessário tal êxodo, necessidade que já vem nos livros, do Júlio Dinis pelo menos, onde o velho herbanário foi sacrificado no mesmo objectivo de desenvolvimento, já que era também o mais débil, quer economicamente, quer politicamente, ou socialmente.
Com o que não concordamos é com o logro, sobretudo quando os logrados são os tais seres inferiores que se não podem defender e nem sequer podem pagar ao advogado que os defenda, o que lhes sairia, evidentemente, bastante mais caro do que aquilo que perdem pela casa de que, friamente, os despojaram.
Conclusão Desde o início da crise financeira em Setembro de 2008, os líderes das grandes potências económicas mundiais não pararam de fazer compromissos para lutar contra o proteccionismo. Eles não querem saber que o proteccionismo dos anos 30 incidia principalmente sobre as matérias-prima e era brutal: um muro, não uma comporta.Deveriam, no entanto, olhar para a realidade: não interessa a ninguém o actual desequilíbrio em que os consumidores estão no Norte e os investidores do Sul; onde o dumping social e salarial da China representa para as classes baixas e médias uma ameaça estrutural do seu futuro quando elas são, obviamente, a base social das democracias.
O modo pelo qual se está a tentar reduzir a crise é singular: faz-se o re-endividamento do Norte – Estados e não pessoas, neste momento (mas a dívida pública não é melhor do que a dívida privada quando é excessiva) – para que as pessoas possam continuar a consumir os produtos que já não produzem e são fabricados no Sul, para o deleite de uma emergente nova elite económica que não reconhece a insustentabilidade do sistema.
E pouco ou nada se faz para incentivar o consumo das classes média e trabalhadora do Sul. Por exemplo, incentivando a criação de um verdadeiro sistema de solidariedade social e geracional nos países emergentes mais integrados na globalização.
Na Europa chegou a hora de tomar consciência da situação a que se chegou: em plena depressão mundial, quando a Europa procura desesperadamente um caminho, a crise actual pode ser a oportunidade de afirmação como espaço político de solidariedade. Aparentemente, estamos longe; na realidade, talvez menos: é preciso confiar na lucidez da opinião pública que exige a regulação do comércio. A opinião pública é frequentemente mais perspicaz do que os políticos.