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A bem da Nação

QUAL É A MELHOR RELIGIÃO?

 

 
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No intervalo de uma mesa-redonda sobre religião e paz entre os povos, na qual ambos (eu e o Dalai Lama) participávamos, eu, maliciosamente, mas também com interesse teológico, lhe perguntei em meu inglês capenga:
- Santidade, qual é a melhor religião? (Your holiness, what`s the best religion?)
Esperava que ele dissesse:  "É o budismo tibetano" ou "São as religiões orientais, muito mais antigas do que o cristianismo."
O Dalai Lama fez uma pequena pausa, deu um sorriso, me olhou bem nos olhos – o que me desconcertou um pouco, porque eu sabia da malícia contida na pergunta – e afirmou:
- A melhor religião é a que mais te aproxima de Deus, do Infinito. É aquela que te faz melhor.
Para sair da perplexidade diante de tão sábia resposta, voltei a perguntar:
- O que me faz melhor?
Respondeu ele:
- Aquilo que te faz mais compassivo (e aí senti a ressonância tibetana, budista, taoista de sua resposta), aquilo que te faz mais sensível, mais desapegado, mais amoroso, mais humanitário, mais responsável... Mais ético... A religião que conseguir fazer isso de ti é a melhor religião...
Calei, maravilhado, e até os dias de hoje estou ruminando sua resposta sábia e irrefutável...
 
 Leonardo Boff

in «Conselhos Espirituais»,  Verus Editora, Brasil

A APROPRIAÇÃO AFRICANA DOS MEIOS DE IMPLEMENTAÇÃO DA PAZ – 3

 


2. O desenvolvimento de ferramentas para a apropriação africana dos meios de implementação da paz
a)      O papel da União Africana (UA) na promoção da paz e da segurança do continente
O continente Africano tem sido desde há muito um continente dilacerado por muitos conflitos de natureza diversa (interestaduais ou internos, com causas étnicas, económicas ou religiosas). Nos 75 a 80 conflitos identificados desde 1945, há cerca de quarenta guerras civis. Entre 1963 e 1998, nada menos de 26 conflitos armados eclodiram em África, afectando 474 milhões de pessoas, ou 61% da população do continente[1] e a situação é ainda hoje marcada por catástrofes humanitárias, como no Darfur ou na República Democrática do Congo que continua ser o palco de incessantes guerras civis.
Nestas condições, África ainda constitui o terreno de predilecção das operações de manutenção da paz das Nações Unidas. Em 17 operações deste tipo, oito são implementadas em África e responsáveis por quase metade do orçamento da Organização das Nações Unidas dedicado à preservação da paz no mundo (cerca de 3,3 bilhões de dólares num total de 6,8 mil milhões de dólares).
Apesar desta vulnerabilidade à violência armada, progressos significativos na prevenção e gestão de conflitos são levados a cabo pelos próprios africanos, e foi através do envolvimento das organizações regionais e sub-regionais que África fez progressos significativos na resolução de conflitos através do diálogo, nomeadamente através do desenvolvimento da mediação africana.
Um dos principais desenvolvimentos neste domínio desde o início da década 2000 é a crescente afirmação do papel da União Africana, que sucedeu em 2002 à Organização da Unidade Africana (OUA), criada em 1963. Desde a sua criação, o campo de actuação da organização pan-africana foi inscrito principalmente no domínio da promoção da paz e da segurança, uma vez que pretende estabelecer-se como um fórum para a resolução de crises em África.
Esta ambição, em termos de paz e de segurança, levou à adopção, na Cimeira de Durban de 2002, de uma " arquitectura Africana de paz e segurança"[2], que combina prevenção e gestão de crises. A nova arquitectura é baseada em acções do Conselho de Paz e de Segurança", que adquiriu, ao longo dos meses, uma verdadeira autoridade, como o comprovaram as missões do presidente sul-africano Thabo Mbeki no conflito da Costa do Marfim no final de 2004 e no início de 2008, ou aquela do ex-secretário Geral das Nações Unidas, Kofi Annan no Quénia, após as eleições presidenciais de Dezembro de 2007. O mandato do Conselho é definir uma estratégia Africana comum de defesa e de segurança, prevenir e gerir conflitos, mas também propor uma mediação através de um "grupo consultivo", criado em Dezembro de 2007, a fim de facilitar a resolução de crises. A gestão de crises, a paz e a segurança terão como base, no futuro, a “African Standby Force” (FAA), constituída por cinco brigadas regionais[3], que em princípio deverá estar operacional em 2010. Em termos de prevenção e de planeamento, um "sistema continental de monitorização e de alerta precoce" foi estabelecido.
Apesar dos progressos da União Africana, permanecem dúvidas sobre o futuro da instituição. Um primeiro problema é que a União Africana não dispõe de meios para alcançar as suas ambições: os seus recursos são insuficientes ou mal geridos, especialmente no domínio dos recursos humanos, e a sua capacidade técnica e administrativa continua a ser fraca. Estes problemas de gestão prejudicam as suas actividades e comprometem a sua credibilidade.
Estas dificuldades e dúvidas não devem levar a negligenciar o papel desempenhado pela UA desde a sua criação. Os seus esforços na resolução de crises atestam, de facto, uma vontade de encontrar soluções e adoptar medidas firmes de controlo do destino do continente Africano, que se traduzem também nas iniciativas de desenvolvimento de organizações de integração económica.
b)      A apropriação africana dos mecanismos de segurança colectiva: o exemplo do conceito francês RECAMP
No fim dos anos 1990, e quase trinta intervenções militares francesas em África depois das independências, foram tiradas algumas conclusões que preconizaram uma mudança. Em primeiro lugar, chegou-se à conclusão que uma intervenção militar não resolve duravelmente um conflito. Em segundo lugar, o contexto africano foi também marcado por uma mudança de geração no seio das populações, da qual se destaca a preponderância da juventude. Traduz-se frequentemente em caso de crise pela rejeição maciça das intervenções exteriores e particularmente das ocidentais, entendidas como os instrumentos de uma nova colonização, sendo mesmo a ONU alvo dessas críticas. Em terceiro lugar, o custo de uma intervenção exterior é sempre elevado[4], consequência dos meios materiais e humanos que requer. Em consequência, o investimento no reforço dos instrumentos de segurança locais tornou-se relevante. A procura de uma mutualização dos custos foi assim um outro eixo da mudança.
O conceito RECAMP foi fundado em 1997 e proposto ao conjunto dos parceiros africanos da França durante a cimeira franco-africana de 1998 no Louvres. Consiste num apoio à formação e ao treino e, se for necessário, a empenhamentos operacionais. Cada dois anos, um exercício maior, simulando operações de manutenção da paz, permite treinar as cadeias de decisão e de comando. Conclui um ciclo em benefício das organizações sub-regionais, como a CEDEAO, a IGAD, a CEAAC ou a SADC. São ainda organizados exercícios pontuais, num segundo ciclo intermediário, em direcção de cada uma das outras organizações. Cinco ciclos foram implementados[5].
            A implementação do conceito RECAMP foi acompanhada de uma renovação da cooperação militar, sendo a prioridade dada à formação. A partir de 1997, a formação dos quadros africanos em França diminuiu em benefício da criação das academias nacionais com vocação regional (ENVR). A rede das ENVR foi criada em 1997 para dispensar a formação na África, acessível e mais barata a um número de estagiários maior, com condições de ensino mais adaptadas que as academias de formação em França. Essas academias acolhem estagiários de fora do país de implantação: de 1 198 lugares em 2005, 811 respeitavam estagiários estrangeiros ao país de formação (Rapport Sénat 2006, p. 12). A rede abrange 14 academias repartidas em 8 países da África central e do Oeste. França consagrou 11,4 milhões de euros nesta rede em 2005, tomando em conta os ordenados do pessoal de enquadramento, um apoio material (logística e infra-estruturas), e mesmo os custos de formação e de transporte dos estagiários.
c)      A aposta ambiciosa da apropriação africana dos mecanismos de paz e de segurança
Fruto da sua experiência nas intervenções e na cooperação militar em África, França associou a UE no seu dispositivo RECAMP[6]. Efectivamente, o ciclo RECAMP 6, em implementação desde o dia 28 de Novembro de 2008, vai pela primeira vez ser colocado sobre o controlo político da UE. Desenvolve-se na escala do continente africano e tem com objectivo validar a “African Standby Force”, normalmente operacional em 2010. RECAMP 6 apresenta-se como um instrumento da Política Europeia de Segurança e de Defesa (PESD) ao serviço da África, e foi chamado neste sentido EURORECAMP. Através do exercício AMANI ÁFRICA, o objectivo é treinar os dirigentes africanos na realização de um planeamento decisivo de gestão de crises a nível do continente. Concretamente, traduz-se pelo reforço das capacidades político-estratégicas do Departamento de Apoio às Operações de paz (PSOD) da UA, implementando procedimentos que incluem a tomada de decisões políticas e o empenhamento de forças. Abrange a cadeia de comando entre a UA e as sub-regiões, contribuindo para o treino do pessoal dessas instituições. Assim, o ciclo 6 associará a UE, a ONU e os EUA, que participarão no exercício AMANI AFRICA, em complemento do seu programa ACOTA que aponta os aspectos logísticos e tácticos da “African Standby Force”.
Esses esforços de apoio as iniciativas africanas de apropriar-se os meios de implementação da paz e da segurança correspondem ao desencadeamento das primeiras operações militares africanas, algumas das quais puseram em acção o conceito RECAMP. Assim, em Abril de 2003, a UA desdobrou a sua primeira força de manutenção da paz no Burundi (AMIB). Este destacamento realizou-se com atraso e parcialmente (2 500 homens sob os 3 500 previstos). Em Junho de 2004, a ONU reassumiu esta operação que se tornou posteriormente a ONUB. Desde Abril de 2004, a UE tomou também a iniciativa de conduzir ao mesmo tempo um processo político e uma operação militar no Darfur, implicando-se numa crise onde a mobilização concreta da comunidade internacional fazia falta. Com 7 000 soldados destacados, a missão AMIS (African Mission in Soudan), para a monitorização do cessar-fogo e cujos maiores contribuidores são a Nigéria, o Ruanda e o Senegal, é a maior até agora.
 
 
 
                A ambição da UA no Darfur foi particularmente difícil, em particular com a ausência de mecanismos de sanções no caso de violação do cessar-fogo. A missão no Sudão sofreu de um défice nas capacidades de planeamento, de comando, de comunicação e de transporte. O efectivo, o treino e a protecção das tropas destacadas revelaram-se insuficientes e a força suportou perdas, nomeadamente do lado nigeriano. O seu financiamento ficou tributário dos doadores (EUA e UE) que redimensionaram o seu apoio, relutantes a uma subida em importância da AMIS, cujos resultados não eram encorajantes. A força não conseguiu nem implementar o cessar-fogo, nem assegurar a protecção das populações civis, nem impedir a extensão da crise no leste do Chade. O balanço da AMIS é então claramente fraco. Só conseguiu diferir o empenhamento mais resoluto da comunidade internacional.
No mesmo espírito, o conceito RECAMP conheceu duas aplicações concretas. O envio de uma força da CEDEAO, a ECOMOG, composta de contingentes originários do Togo, Benim e Níger, para a Guiné Bissau em 1999, não foi verdadeiramente conclusivo. Na Costa de Marfim, o apoio ao destacamento das forças africanas da ONUCI em 2002 para constituir a força, completar o seu equipamento e assegurar a sua prontidão revelou progressos, mas também necessárias adaptações.
(continua)
 François Escarras


[2] http://www.africa-union.org/About_AU/fmacteconstitutif.htm
[3] http://www.africa-union.org/root/AU/AUC/Departments/PSC/Asf/asf.htm
[4] As OMP custaram a França 908,20 milhões de euros em 2008, contra 678 milhões em 2007 e 513 milhões em 2006. http://secretdefense.blogs.liberation.fr/defense/2008/05/le-cot-des-opex.html (09.05.2008)
[5] Ver anexo B.
[6] http://www.amaniafricacycle.org/

OS PASTORES

 Pastores beduinos

 
          Neste mundo o que é preciso é saber impor-nos. Tenho reparado – mas de facto não cheguei sozinha a essa conclusão, discuto-a muitas vezes com a minha amiga Helena – que as pessoas de menos valia moral ou mental atingem mais facilmente os altos postos. E isso devem-no a estarem de bem com Deus. Alcançados os altos postos, as tais pessoas – os condutores do rebanho – tornam-se frequentemente menos cordiais para os subordinados. É vê-las em atitudes menos elegantes, até mesmo grosseiras, esforçando-se por ferir sobretudo aqueles em quem possivelmente reconhecem qualquer outra superioridade humilhante para elas, apesar do alto posto.
 
          Sucede com os novos-ricos também. A profusa riqueza por estes alardeada deixa sempre entrever a ausência do requinte de origem.
 
          É tão constante esta regra do indivíduo trepador tornar-se em breve déspota ou apenas deselegante, esquecido do seu ponto de partida humilde (ou demasiado lembrado dele), embora pleno da protecção divina, que a ninguém ela espanta, embora a todos indigne.
 
          O porquê de uma sociedade constituída por espécimes assim, não o entendo eu e a minha amiga Helena tão-pouco, conhecedoras como somos de idênticas perplexidades num Eça ou num Camões.
 
          O facto é que os indivíduos superiores pela sua correcção e elevação de princípios, raramente se deixam seduzir pelos cargos superiores preferindo a placidez tranquila do «honesto estudo».
 
          Daí resulta que abundem cada vez mais destes pastores de varapau e apito e que o rebanho social se torne cada vez mais dócil…
 
Lourenço Marques, 1973
 
Berta Brás
 
In «PROSAS ALEGRES E NÃO», pág. 218 e seg.

A APROPRIAÇÃO AFRICANA DOS MEIOS DE IMPLEMENTAÇÃO DA PAZ – 2

 

 
1. Um contexto favorável que provocou quer o interesse da UE e dos EUA, quer a cobiça de novos actores económicos mundiais
a)      Uma nova relação UE – UA
Após um período de relativo afastamento, a UE estabeleceu-se recentemente como um dos principais actores de segurança em África. Neste contexto, o Conselho Europeu adoptou em Dezembro de 2005 a “Estratégia da União Europeia para África", baseada na ideia de que as questões africanas respeitam todos os países europeus e exigem uma resposta coordenada. O documento final aprovado pelo Conselho afirma que "esta estratégia está a atingir os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio e promove o desenvolvimento sustentável, a segurança e a boa governação em África"[1]. Esta visão global foi esclarecida durante a cimeira entre a UE e África, realizada em Lisboa nos dias 8 e 9 de Dezembro de 2007. Esta cimeira concluiu com a adopção de uma “Estratégia Conjunta UE - África" baseada num plano de acção para os anos 2008-2010 e cinco parcerias nas áreas de interesse comum: a energia, as alterações climáticas, migração, a mobilidade e o emprego, a governação democrática e, finalmente, a arquitectura política e institucional UE - África[2].
Assim, a UE envolveu-se profundamente nos últimos anos na resolução de conflitos africanos, como o ilustram as suas intervenções na República Democrática do Congo, no Chade e na República Centro Africana. O principal objectivo da União é apoiar o reforço das capacidades africanas para a gestão de crises, nomeadamente através da “Facilidade Europeia para a Paz em África ", criada em 2003 e dotada de mais de 300 milhões de euros (300 milhões de euros já foram atribuídos para o período 2008-2010)[3]. Este mecanismo é baseado no princípio da apropriação africana. Ele apoia as operações de manutenção da paz lideradas pelos países africanos, bem como o reforço das capacidades das emergentes estruturas de segurança da UA[4]. Mais de 435 milhões de euros foram assim dedicados às operações de manutenção da paz da UA no Darfur (Sudão).
Além disso, a UE assumiu novas responsabilidades para a segurança em África. Assim, em 2003 ela conduziu a sua primeira operação militar, a Operação Artemis, na República Democrática do Congo e, em 2006, interveio para apoiar o processo eleitoral no país (EUFOR RD Congo). Em Janeiro de 2008, a UE lançou, no âmbito da sua política de segurança e de defesa (PESD), a operação EUFOR Tchad / RCA, que foi implantada no leste do Chade e no nordeste da República Centro Africana. Esta operação tem como objectivo apoiar a presença da ONU na região. Ela tem por missão contribuir para proteger civis em perigo, particularmente os refugiados e os deslocados, e facilitar a entrega de assistência humanitária na melhoria da segurança na área das operações. Portanto, tendo ainda aumentando o número de actos de pirataria no corno de África, o Conselho Europeu adoptou no dia 10 de Novembro de 2008 uma acção comum que preparou o lançamento da operação EUNAVFOR Somália / Atalanta o dia 8 de Dezembro.
Em última instância, a UE reforçou gradualmente a dimensão política do diálogo que tem com África. Essa orientação, que acompanha os importantes meios que a UE dedica ao desenvolvimento de África, torna-a um actor maior a nível do continente na resolução dos conflitos.
b)      O regresso dos EUA a África
Após um afastamento do continente africano no final da Guerra Fria, os EUA mostram, nos últimos anos, um interesse renovado na África, que foi fortemente acentuado no rescaldo do 11 de Setembro 2001. Este renovado interesse é reflectido num reposicionamento estratégico no continente. A política dos EUA em África é caracterizada, hoje, pela primazia dos interesses de segurança, com um claro objectivo declarado de combater o terrorismo. É também marcada por uma forte preocupação de diversificar e assegurar o abastecimento energético dos Estados Unidos. Os EUA importaram, de facto, 14% do seu petróleo da África (Nigéria e Angola estão entre os dez maiores fornecedores) em 2005[5]. Esta política procura também promover a democracia e o desenvolvimento económico, dedicando ao mesmo tempo substanciais recursos para a educação e a saúde, nomeadamente na luta contra as pandemias.
O crescente lugar agora ocupado pela África na visão estratégica americana manifesta-se numa série de iniciativas para reforçar a luta contra o terrorismo como o Pan-Sahel Initiative (PSI), lançado em 2002, e mais, em 2005, o "Transaharan Counterterrorism Partnership”. Este programa de formação das forças militares de nove países[6], com 100 milhões de dólares de subsídio por ano até 2010, tem como objectivo melhorar a capacidade das forças de segurança interna para controlar as fronteiras e combater as actividades ilegais. Os Estados Unidos, além disso, estabeleceram uma base militar em Djibuti, lugar desde 2002 da “Combined Joint Task Force - Corno de África" que visa combater o terrorismo na região e melhorar a segurança nos países do Corno de África, do Mar Vermelho, do Golfo de Aden e do Oceano Índico. No mesmo espírito, um programa visando a África Oriental (East African Counter Terrorism Program) foi criado em 2003. Mas o sinal mais importante desse renovado interesse foi, sem dúvida, a criação pelo presidente George W. Bush no início de 2007 de um novo comando central dos Estados Unidos para a África, o AFRICOM. Com uma significativa componente civil, o AFRICOM tem por missão a manutenção da paz, o socorro durante catástrofes naturais e a ajuda humanitária.
Contudo, desde o fracasso da expedição na Somália (1992 - 1993), os americanos são, na verdade, relutantes em enviar forças para África e concentram-se em programas de assistência militar. O objectivo é limitar a intervenção directa, procurando soluções africanas na resolução dos conflitos africanos. Nesta perspectiva, um grande esforço para treinar os países Africanos na gestão militar de crises tem sido o alvo de actuação principal e desde 2005 este programa envolveu mais de 39 000 tropas africanas. No total, a política africana dos Estados Unidos pode ser resumida da seguinte forma: evitar conflitos, erradicar células terroristas, garantir a segurança das rotas marítimas (Golfo de Aden, Mar Vermelho, Golfo da Guine) e ter acesso a bases avançadas.
c)      A cobiça dos países emergentes
Fórum de Cooperação Sino-Africano, Cimeira Índia - África ou TICAD: os encontros de alto nível entre os dirigentes africanos e líderes políticos dos principais países emergentes (China, Índia, Brasil, Japão, etc.) têm aumentado constantemente nos últimos anos. Estes encontros revelam a crescente influência de novos actores do continente Africano.
Desde o final dos anos 1990, os dois gigantes asiáticos estão cada vez mais interessados com África, em especial nas matérias-primas (petróleo, ouro, cobalto, madeira, urânio) essenciais para apoiar o seu crescimento económico florescente. Actualmente, África representa 22%[7] das importações chinesas de petróleo (principalmente do Sudão, da Angola e da Nigéria) e 20% das importações de petróleo da Índia. É também uma importante fonte de abastecimento de minerais, bem como de produtos básicos, tais como madeira, cacau ou algodão. O continente Africano também é uma importante oportunidade de mercado para essas economias. No momento, a Ásia representa 27% das exportações africanas (três vezes mais do que em 1990), que é aproximadamente equivalente ao nível das exportações africanas para os seus dois parceiros de comércio tradicionais que são Europa (32%) e E.U.A. (29%). Entretanto, as exportações asiáticas para África aumentaram em 18% por ano.
Agentes económicos incontornáveis, os gigantes asiáticos também são parceiros na política da África como doadores. O sucesso da Cimeira de Chefes de Estado Sino-Africano reuniu em Pequim 41 chefes de Estado e de Governo, nos dias 4 e 5 de Novembro de 2006, e a sucessão de visitas de alto nível entre dirigentes chineses a África confirmou o interesse político ainda mais acentuado na China para o continente africano. O "Plano de Acção" de Beijing, lançado em Novembro de 2006, prevê uma duplicação do volume da ajuda chinesa para países do continente Africano até 2009 e ja alcançou 625 milhões de dólares em 2007. Índia também tem ambições políticas na África, como demonstrado pela primeira cimeira Índia - África, realizada em Nova Delhi, nos dias 8 e 9 de Abril de 2008. A Índia, que contribui activamente para as OMP da ONU, também desenvolve acções de cooperação através dos seus programas “Focus África, Team-9” e "Iniciativa Indiana de Desenvolvimento", que pretendem reforçar a ajuda através da contracção de empréstimos no mercado para conceder empréstimos a taxas de juro muito baixas.
 
 François Escarras


[4] Os meios dedicados pela França disponíveis no anexo J.
[6] Níger, Mali, Chade, Mauritânia, Nigéria, Argélia, Senegal, Marrocos e Tunísia
[7] Todos os dados deste parágrafo são disponíveis no relatório da OCDE de 2006 sobre as relações comerciais entre África, China e Índia, ver Bibliografia.

CELEBRAÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA

 

 
PORTUGAL AINDA À PROCURA DE SI MESMO
 
 
 
Se a comemoração nacional do dez de Junho se pode considerar uma festa de todos os portugueses já o mesmo não se poderá dizer do 5 de Outubro. Este é mais um feriado em que Portugal recalca o passado nacional *. A opinião pública e a escola passam sobre este capítulo como o gato sobre as brasas. Da implantação da República sabe-se a data e alguns botões de retórica oportuna, do Estado Novo conhece-se apenas a parte demoníaca de Salazar, e do 25 de Abril apenas a parte salvadora. Naturalmente que toda a realidade tem duas faces e cada um escolhe a que mais lhe serve! O problema coloca-se também para a esmagadora maioria dos que não podem escolher e para as vítimas da desinformação.
 
Festejos nacionais são geralmente brindes de revoluções resultantes de interesses duma parte da nação contra os interesses da outra parte, ordinariamente à margem da população. Na História vê-se sempre a mesma banda que passa, a dos que vivem à sombra do Estado com o povo sonhador a aplaudir.
 
A revolução de 5 de Outubro veio pôr fim à Monarquia e proclamou a República. Os ideais trazidos pelas invasões francesas frutificaram na classe dominante que atribuía os problemas de Portugal à Monarquia. Os governos democráticos formados depois da revolução, mais fruto da ideologia e de interesses particulares, trazendo embora a democracia, ainda aumentaram os problemas da Nação conduzindo-a à anarquia e à bancarrota.
 
A insegurança e insatisfação dos portugueses favoreceram a contra-revolução de 28 de Maio de 1928 chefiada pelo general Gomes da Costa que instalou a ditadura militar. Depois segue-se o regime do Estado Novo (1932).
 
Os governos republicanos deram barraca e com eles a democracia foi sol de pouca dura. A capacidade democrática do povo foi seriamente posta à prova por representantes que não estavam à altura da democracia. Isto já o tinha previsto a opinião pública francesa que, aquando das sublevações republicanas em Portugal, nos seus jornais lamentava o assassínio do rei D. Carlos, “um dos reis mais cultos da Europa”, por revolucionários duvidosos.
 
As mesmas forças ideológicas que se aproveitaram do argumento ultramarino para assassinarem o rei D. Carlos e depois depor seu filho D. Manuel II e instaurar a República servem-se em 1974 do argumento das colónias para derrubar o regime do Estado Novo e implantar a democracia representativa, instalando-se também eles no aparelho do Estado. Um mal passa a justificar o outro mal.
 
Revoluções e revolucionários não são bons exemplos para cidadãos porque se levantam em nome do povo para depois ocuparem os mesmos postos e adquirirem as regalias dos precedentes que saneiam.
 
A falsidade de toda a revolução é inerente à dinâmica revolucionária atendendo a que a última revolução pressupõe a preparação da próxima. Ela não prevê uma evolução contínua popular mas apenas a oportunidade para os grupos de interesses mais fortes. O povo fica sempre reduzido a cenário! Por detrás das revoluções encontra-se o egoísmo de alguns e não a solidariedade social nem a liberdade do povo. Os slogans igualdade, fraternidade e liberdade, em termos revolucionários, não passam de tiros para o ar, para espantar os pardais da ceara.
 
Os feriados nacionais teriam sentido se fossem utilizados para fazer o facit do estado do país em comparação com os ideais que motivaram tal festejo. Seria a ocasião para uma discussão entre conservadores e progressistas, entre esquerda e direita, sobre o fundamento espiritual do Estado e o bem comum. Seria oportuna uma reflexão pública baseada no padrão cultural ocidental na implementação da dignidade humana e do cidadão adulto nesta sua parcela portuguesa. Uma discussão que reduz os conservadores a patriotas e os progressistas a antipatriotas minoriza o legado português. Haverá que desideologizar Portugal e abandonar uma política cultural e escolar meramente experimental; de trabalhar mais no sentido da homogeneidade nacional e não viver apenas de créditos artificiais duma memória colectiva negadora do passado. Da formação depende o destino da nação. Uma cultura dum Portugal adulto pressupõe um discurso, para além dos costumados diálogos de clientelas, subentende um discurso que redija de novo o passado não com os óculos ideológicos mas com os olhos da Nação. Nele estará presente a culpa interna do passado e do presente, terá de ser redigida a injustiça e as omissões do Estado para com o País.
 
Portugal ainda não se encontrou a si mesmo. Um povo com tantas qualidades mas sempre disposto a ouvir tem andado sempre a toque de caixa de personalidades estranhas. As suas pegadas no sentido francês e russo só tem adiado Portugal.
 
Torna-se óbvio adubar a própria modernidade e progresso no esterco do país, na própria tradição aberta, como é específico da tradição ocidental. O esterco estranho só parece fomentar franganitos de engorda à disposição de galos, mais que galantes, galadores.
 
O País precisa duma discussão séria na procura da verdade e da Nação, para lá das veleidades partidárias. Sem verdade não haverá reconciliação. Portugal não pode continuar a dar-se ao luxo de, por um lado viver uma paz de cemitério e por outro, de viver ao som do alarido do jardim infantil político. Economicamente sempre os países mais pobres da Europa, com uma economia de calças na mão à custa da emigração e dos dinheiros da UE. Para continuarem na pobreza outros países pobres não precisaram de revoluções!
 
Festejos de revoluções são sempre festas retrógradas! São as festas dos vencedores sobre os vencidos. Nelas falta a consciência de que o mesmo povo é, ao mesmo tempo, vencedor e vencido!
 
Facto é que o Sol português esteve e está sempre do lado dos seus representantes, quer sejam de direita ou de esquerda e o povo continua sempre na sombra de embondeiros, continua sempre cada vez mais na mesma!
 
 António da Cunha Duarte Justo   
* Dado a parte positiva das revoluções ser continuamente sobrelevada pelos que delas se aproveitam (os actores do correspondente regime), pretendo com esta abordagem lembrar algum aspecto colocado na sombra.
 
 

A APROPRIAÇÃO AFRICANA DOS MEIOS DE IMPLEMENTAÇÃO DA PAZ – 1

 

Hillary Clinton em Cabo Verde

Introdução
 
Após o final da Guerra Fria, o continente Africano, terreno de confronto entre os dois blocos, tem um lugar central na geopolítica mundial, levantando novamente o interesse de potências como os EUA, mas também da União Europeia (UE) e dos grandes países emergentes como a China, o Brasil ou a Índia. África até agora o continente esquecido, tornou-se o continente cortejado pelas suas riquezas energéticas, suas matérias-primas e as suas potencialidades de desenvolvimento económico e comercial.
 
 
O novo horizonte chinês?
 
Em primeiro lugar, e apesar de crises recorrentes, o contexto político africano foi efectivamente marcado durante os últimos dez anos pela afirmação da democracia através da aprendizagem dos mecanismos da alternância política. Sistemas políticos pluralistas têm sido gradualmente estabelecidos, levando à mudança política pacífica em vários países como o Benin, o Mali, o Senegal, o Gana e a Zâmbia. O respeito pelos direitos civis e políticos tornou-se um tema central em muitos países da África subsariana, especialmente durante o período recente. Assim, apesar de alguns casos de tensões observadas nomeadamente no Quénia, no Zimbabué e na Mauritânia em 2008, o uso cada vez mais popular de eleições para legitimar governos é uma tendência de longo prazo bastante nova. O objectivo dos governantes africanos não é agora manter-se no poder a todo o custo, mas ganhar as eleições para um segundo mandato.
 
Em segundo lugar, esses progressos democráticos ocorrem num contexto de crescimento económico desde o fim dos anos noventa, devido principalmente ao aumento das exportações de matérias-primas e à explosão dos preços do petróleo e dos produtos não manufacturados. Em 2005, quatro dos cinco maiores exportadores Africanos de mercadorias eram, de facto, exportadores de petróleo, implicando grandes diferenças nas taxas de crescimento entre os países exportadores de petróleo – que têm crescido mais de 6% em 2006 e 2007 – e os outros países Africanos, cuja taxa de crescimento médio do PIB foi de 5% em 2007 (contra 5,5% em 2006). Este crescimento económico enquadrou-se também em esforços de integração económica.
 
Entre as iniciativas desenvolvidas em todo o continente africano destaca-se a Nova Parceria para o Desenvolvimento da África – NEPAD – cujo documento de estratégia foi adoptado em Julho de 2001 na 37a Cimeira da Organização da Unidade Africana (OUA). O objectivo da NEPAD é fornecer um quadro para desenvolver uma nova visão para garantir o renascimento de África[1]. Além disso, alguns países africanos estão organizados a nível regional ou sub-regional em comunidades económicas. Existem actualmente 14 organizações que se destinam a promover a integração económica ao nível regional[2]. Muitas também têm objectivos políticos, adicionados a fim de tomar em conta as crescentes preocupações relacionadas com a segurança e a paz.
 
Estes fenómenos, contexto político apaziguado e início de integração económica, compõem um ambiente de grande interesse para as grandes potências que teve globalmente como resultado o reforço da segurança promovido pela apropriação africana dos mecanismos de manutenção da paz.
 
(continua)
 
 François Escarras


[1] http://www.nepad.org/2005/fr/inbrief.php
[2] Ver anexo A (a publicar no final da edição completa)

5 de Outubro

 

Em 1910, a taxa de analfabetismo adulto da população portuguesa rondava os 90% sendo os 10% letrados constituidos maioritariamente por religiosos e militares

 

 

 

O 5 DE OUTUBRO (DE 1143)
 
 
Já o disse e repito: orgulho-me de ser português.
 
Orgulho-me de pertencer a um povo que escreveu a história da humanidade.
 
Só não consigo entender porque comemoramos a 5 de Outubro a implantação da República e nos esquecemos daquilo que, em meu entender, é muito mais importante: o nascimento de Portugal como nação independente.
 
Em 5 de Outubro de 1143, D. Afonso Henriques celebra um acordo de paz com seu primo, rei Afonso VII de Castela e Leão (Tratado de Zamora), ainda que sem o reconhecimento da Santa Sé, mas na presença do Cardeal Guido de Vico (a Santa Sé precisou de 36 anos e de cem moedas de ouro para reconhecer D. Afonso Henriques como rei soberano).
 
Esta é uma data gravada no sangue dos portugueses, pelo menos daqueles que se orgulham de o ser.
 
Somos o mais antigo país europeu. Fomos os primeiros a surgir como nação independente, contudo somos talvez os únicos que não comemoramos a data da nossa formação enquanto nação.
 
Andamos esquecidos (há 900 anos!!) de celebrar o que mais importa à história de um povo. Não há quem não saiba quem foi o 1º Rei de Portugal, da sua árdua luta pela independência, da sua determinação e grandeza de carácter. D. Afonso Henriques tido como: “ prudente, sábio, inteligente, belo, gigante, leão rugidor”, desde cedo impôs a sua vontade e a sua determinação, consta que com apenas 13 anos de idade e antecipando 700 anos a um gesto de Napoleão Bonaparte, na cerimónia em que o sagram cavaleiro, na Catedral de Zamora, D. Afonso Henriques ignora a presença do Cardeal e ele próprio sagra-se cavaleiro.
 
Aos 21 anos é Rei de Portugal e com ele inicia-se a mais bela história de uma nação. Com mais ou menos dificuldades mas sempre povoada por grandes feitos e grandes homens (e mulheres também!).
 
Começámos por alargar território e as grandes e dolorosas batalhas com os mouros. Fomos confrontados com a impertinência dos nossos vizinhos e com eles escrevemos a “meias” algumas passagens da história.
 
Lançámo-nos na descoberta de novos mundos numa visão arrojada do Infante D. Henrique. Donos de um império impressionante, inaugurámos uma nova ordem económica e estabelecemos uma nova visão do mundo. Apreendemos novas culturas e levámos a nossa língua aos quatro cantos da terra. Mais uma vez e para além dos nossos vizinhos espanhóis, recebemos as “visitas” dos nossos “aliados” ingleses e franceses. De todos nos livrámos e mantivemos esta pequena grande nação independente.
 
Mas curiosamente, a 5 de Outubro celebramos apenas a passagem da monarquia para a república, como se o regime ou a forma que este adopta fosse mais importante que o nascimento da nossa nacionalidade. Temos esta tendência, quase mórbida, para apelarmos aos pormenores esquecendo o mais importante, aquilo que mais nos dignifica como portugueses.
 
Já agora, se o importante são as batalhas porque não comemoramos a de S. Mamede ou a de Aljubarrota?
 
A cidadania de que tanto e tantos falam hoje só é possível se estivermos cientes do nosso valor e da nossa história (de que nos devemos orgulhar).
 
O “Sebastianismo” só acontece porque teimamos em envolver-nos num denso nevoeiro que nos tolda a visão e nos impede de ver mais adiante. E enquanto teimarmos em esquecermos quem somos, e donde vimos, dificilmente saberemos para onde vamos.
 
Acordem valentes lusitanos!
 
Ínclita Geração – precisa-se!
 
 Dina Lapa de Campos
Presidenta do Elos Clube de Faro

 

O PERIGO DA ILUSÃO REALISTA

 

Todos se lembram de no Verão passado (2008) os jornais assegurarem com absoluta certeza que por esta altura estaríamos com graves carências alimentares mundiais e fome em largas regiões. Passaram poucos meses e a previsão falhou completamente. Não há faltas e os preços caíram para menos de metade. Ninguém parece estranhar a discrepância.

Previsões destas não vêm da realidade. Não resultam de análises científicas, que não existiam, nem sequer dos potenciais esfomeados, pois aos pobres ninguém ouve. Quem gritava eram organizações humanitárias internacionais que, preocupadas com os preços alimentares, usavam os medos da opinião pública para pressionar os governos a subir-lhes o orçamento. Com a descida posterior dos preços o cenário catastrófico pôde ser arquivado. Outros interesses passaram a ocupar os media.

Tantos se assustaram tanto, todos acusaram os responsáveis, para agora tais temores estarem esquecidos. Mas os críticos não se sentem aliviados. Limitaram-se a mudar de susto, baseados nas novas previsões de catástrofe que os mesmos jornais trazem. Aliás, até culpam os mesmos políticos pelos novos terrores antecipados.

O mais curioso é que, apesar de falharem redondamente, os meios informativos não perdem credibilidade. São as mesmas publicações, os mesmos especialistas e comentadores que agora assustam o mundo com novas antevisões de calamidade, granjeando a adesão e convencimento de sempre. O que quer que digam, a gente acredita. Quando a crise se mostrar menos grave que os pânicos apregoados, ninguém desconfiará de quem os divulgou e esperarão com ansiedade os novos oráculos.

Afirmamos viver na "era da informação" e é verdade. Mas seria bom considerar a relevância da comunicação. Pensando bem, sobre as coisas que realmente interessam, sabemos menos que os nossos antepassados. Antigamente vivia-se na aldeia e todos conheciam tudo sobre todos. As casas tinham portas abertas e paróquia, botica ou barbeiro eram excelentes meios noticiosos. Hoje, com o anonimato urbano e privacidade escrupulosa, o nosso conhecimento é mínimo sobre o que nos afecta directamente. Mas sabemos imenso sobre coisas irrelevantes. Guerras e eleições longínquas, intrigas e conspirações mirabolantes e vasto sortido de desastres e calamidades constituem a dieta informativa quotidiana. Pensando bem, essas coisas não valem mesmo nada para a nossa vida.

O presidente americano tem muito menos influência na nossa existência que o presidente da Junta de Freguesia, mas vibrámos meses com a eleição de Obama e ignoramos até o nome do autarca local. Depois inventamos ficções, como a tese da "aldeia global", para justificar a nossa preferência informativa.

O motivo deste enviezamento é óbvio: a campanha do outro lado do Atlântico é muito mais divertida que a rotina prosaica. O nosso interesse pela informação não vem da necessidade de conhecimento, mas de um desejo lúdico. A realidade é profundamente rotineira, exigente, complicada, maçadora. Por isso desde as origens da raça humana foi grande a popularidade de mitos, epopeias, aventuras e romances. Mas esses tinham o defeito de serem fictícios. A era da informação, globalizando o âmbito, resolveu o dilema. Há sempre qualquer coisa interessante a acontecer no mundo. Os noticiários são reais e ao mesmo tempo fascinantes, com emoção, seriedade e violência. Apesar de, em geral, serem totalmente irrelevantes para nós.

A notícia não é ilusão, mas também não constitui conhecimento útil, porque distante. Mas, ao discutir esses magnos problemas planetários, cada um sente-se sábio e importante. No nosso sofá parece-nos, de alguma maneira, participar nesses assuntos grandiosos e decisivos.

Isso leva a mal-entendidos. No Verão passado todos sentimos a discrepância entre o preço pago na bomba de gasolina e o que os jornais diziam sobre o custo do barril de brent. Muitos protestaram e acusaram, mas sem notar que o primeiro era um valor directo, real, influente, enquanto o outro era um índice remoto, abstracto, efectivamente irrelevante.
Ver imagem em tamanho real
 
 João César das Neves
In Diário de Notícias – 20090112

 

TEXTO ANTIGO

Do livro “Prosas Alegres e Não”, publicado em 1973, pediu-me Henrique Salles da Fonseca o texto que segue, achando-o ainda actual.

Não é a minha opinião e sei que arrisco ser criticada, pelo sediço da questionação pedagógica. Além de que o livro que se lia a ocultas nas aulas foi substituído pelo telemóvel.
 Texto escrito no início dos anos setenta, em África, já nessa altura polémico, mas corajoso, ao expender teorias – de solução – mais inaceitáveis, naturalmente, hoje, em que a sociedade se encontra moldada segundo os parâmetros da igualdade e do bem-estar, que considera a escola não um lugar de valores cívicos e culturais, mas um jardim de infância permanente.  
Trata-se, pois, de uma curiosidade de museu, como “aviso à navegação” que não impediu o naufrágio do nosso ensino estilhaçado.
 
«Liceu Salazar», Lourenço Marques
 
«OH! AS CRIANÇAS!
Muito se tem escrito sobre métodos de orientação pedagógica, e geralmente exprobrando os antigos processos educacionais de castigos físicos mais ou menos violentos. Como reacção contra esse mito “pai ou professor fera” – e dizemos mito pois não acreditamos na realidade de tal ferocidade, salvo as excepções de ontem como de hoje, como sempre confirmativas da regra – surgiu o mito “criança vítima”, o que se tornou sinónimo de “criança a quem tudo é permitido”.
Quem lida de perto com a massa estudantil tem constantes ocasiões de observar a falta de compostura de raparigas e rapazes – a par da correspondente falta de nível intelectual.
O mascar chewing-gum é tão frequente que os próprios alunos da noite se não coíbem de o fazer – na convicção de que tudo se lhes permite, pois possuem o alto mérito de perder as suas noites frequentando aulas, após terem perdido o dia ganhando a vida nos seus empregos. Os professores deverão reconhecer o extraordinário esforço por eles despendido, e por consequência aceitar-lhes essas particularidades.
Também as conversas ruidosas se estenderam aos alunos adultos da noite, tantas vezes mais mal comportados que os de dia, a quem os castigos disciplinares controlam um pouco mais.
Outro processo de distracção acintosa é o do entretenimento nas aulas em leitura amena de alguma novela sentimental – possivelmente único sítio onde gastam o tempo em leituras dessas, talvez mais para chamar a atenção para a intelectualidade demonstrada nessa concentração espiritual do que por real interesse cultural. E quando o professor explica qualquer assunto, acompanhado com exemplos transcritos no quadro, é frequente o aluno cruzar os braços em atitude inteligentemente superior, de quem reconhece a inutilidade da lição ministrada e não precisa, por isso, de enfadar-se copiando notas.
As mais das vezes o professor abstém-se de utilizar, com os alunos da noite, os processos disciplinares usados com os de dia, limitando-se a uma descompostura, aliás de nenhum efeito sobre o aluno já adulto que assim se comporta deselegantemente, decerto por falta dos estímulos educacionais da infância.
O mesmo não sucede com o aluno de dia, a quem o professor considera como filho e, como tal, o repreende ou castiga, num interesse formativo não só do seu carácter como do seu espírito.
O recurso às faltas disciplinares não é, as mais das vezes, suficiente, pois as raparigas e os rapazes, assim expulsos da sala, saem com o mesmo sorriso desdenhoso com que se mantiveram durante a intervenção do professor.
Mas qualquer puxão de orelhas ou bofetada oportuna – e quantas vezes resultante do enervamento provocado pela falta de educação estudantil – hoje em dia levanta protestos dos próprios progenitores, armados de arrogante autoridade, intervindo mesmo superiormente, esquecidos de que o professor, ao punir o seu filho, tal como ele próprio, como pai, o faz, age no interesse fundamental da criança, cujo carácter e espírito estão em formação.
Perde mais, supomos, o aluno que apanhou a falta disciplinar e por isso deixou de assistir a uma lição, do que aquele a quem um castigo corporal não excessivo mas a propósito, envergonhou talvez – por vezes há casos perdidos.
Mas o papá zeloso não pensa em tal. Conhece, por ouvir dizer, dos “novos métodos pedagógicos” que baniram os puxões de orelhas ou as bofetadas oportunas do ensino secundário, e se o professor se atreve a utilizar justamente o processo, revolve terra, mar e céu, movendo as suas influências e mostrando as suas importâncias para o professor do filhinho receber também o respectivo puxão de orelhas.
Geralmente os filhos desses pais desde sempre se habituaram a desdenhar dos professores, porque sempre ouviram em casa criticá-los desprezativamente. Mas pobres desses pais que incutem nos filhos a ideia de desrespeito pelos seus mestres! Não tardarão a receber o reverso da medalha, pois os seus “rebentos” os não pouparão a eles também.
Porque o aluno que não respeita os seus professores não tem educação. Responde malcriadamente em casa, fuma desenvoltamente e frequenta os cafés, senta-se incorrectamente na carteira, tem risinhos provocantemente trocistas ou adopta uma seriedade manhosa, só prejudicando, em suma, os colegas que o aceitam e escutam.
Quanto mais belo e eficiente seria o tal pai inculcar antes no espírito do seu filho que o professor é um amigo que cumpre respeitar, pois tem os seus próprios problemas e canseiras familiares e cuja missão, difícil e extraordinariamente cansativa, explica tantas vezes uma menor paciência para aturar dislates ou ruídos, e, enfim, bom ou mau, mais ou menos cumpridor, vai contribuindo para a sua formação espiritual e moral.
“Professores feras” os que castigam? Oh! as crianças dos tempos actuais que, com excepções certamente, tanto merecem ser castigadas! »
Berta Brás
 

A PALAVRA PROIBIDA

 

 

 

 


 Sinto-me à vontade para pronunciar uma palavra proibida no léxico do “economês”: proteccionismo.  

 

Desde já advirto que uma coisa são os anos 30, onde a teoria económica patinava e se ergueram muralhas proteccionistas, outra coisa é 2010, onde a crise persistente recomenda a criação de um sistema de comportas entre regiões economicamente muito díspares mas onde desemprego e desigualdades continuam a crescer.
 
Cimeira do G20 - Londres 2009
 

A cimeira do G20 terminou com apelos contraditórios à regulação e ao comércio livre. Os decisores do costume continuam a dizer que a livre circulação de mercadorias deveria ser acompanhada pela liberdade de circulação dos meios de produção e a livre circulação de capitais. Mas aqui termina o acordo pois já todos perceberam que a desregulação dos mercados financeiros trouxe quase tantos males quanto bens. E todos os dias chegam notícias de como a heterogeneidade profunda entre as economias da área europeia, norte-americana, dos BRIC e dos países subdesenvolvidos  exige uma regulação que tem de passar pelo proteccionismo moderado.

As nossas compras de produtos chineses a um euro desempregam uma trabalhadora de Famalicão, exploram um camponês de Yunan e só dão a ganhar aos rendeiros do Estado chinês e de alguma banca. Isto é contra todas as normas do comércio livre que, na Europa, sempre foi um instrumento compatível com direitos sociais e ambientais.

O proteccionismo moderado é uma variante da economia de mercado; não é uma alternativa. É preciso uma nova atitude dos Estados e das empresas europeias onde os salários não são apenas um custo, mas também um investimento e onde a democracia política e económica foi criada para assegurar esses direitos sociais e ambientais. Essa Europa tem de ser defendida dos predadores. Nós vamos continuar a falar disto no Forum Bernard Lonergan, na Universidade Católica, a partir de 12 de Outubro.

Lisboa,  30 de Setembro de 2009
 
 Mendo Castro Henriques
www.democraciaportuguesa.org

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