Ao longo dos 47 anos que mediaram entre 1961[1]e 2008, os lusófonos goeses não se esqueceram de Portugal apesar de terem estado literalmente abandonados à sua sorte entre Dezembro de 1961 e Abril de 1974;estiveram efectivamente abandonados até à abertura do Consulado Geral de Portugal em Goa;deixaram a quase clandestinidade em que se sentiam quando o Consulado Geral foi inaugurado em Abril de 1994; viveram intensamente todas as vicissitudes por que o processo de normalização das relações bilaterais entre a Índia e Portugal foi passando e entenderam esse percurso enquanto parte integrante de uma catarse de aproximação, pacífica convivência e eficaz cooperação face aos desafios comuns que enfrentam as culturas portuguesa e indiana; continuam actualmente a sentir a pressão que os nacionalistas radicais indianos exercem contra eles mas já consideram possível viver livremente sem mais necessidade de se barricarem; têm os antigos territórios portugueses na Índia como partes inquestionáveis da União Indiana e recusam qualquer espécie de neo-colonialismo; apenas pretendem falar livremente a nossa língua, a de todos nós, universal e veículo de um pensamento próprio; pretendem ensiná-la livremente e alargar o seu âmbito àqueles que a reconhecem como língua obrigatória rumo ao futuro global,urbi et orbi; querem sentir-se em plena legalidade, o que confere à língua o seu próprio espaço e que dignifica também todas as outras posturas oficiais, maioritárias ou de expressão menos intensa; apesar de todas as contrariedades, não deixaram morrer a língua portuguesa porque a falavam quase às escondidas em casa e isso apesar de logo no início de 1962 a Igreja da sua devoção se ter passado para a língua inglesa.
Porta dos Vice-reis - Velha Goa
E foi pelo ano de 1997 que, contra ventos e marés, a Sociedade da Amizade Indo-Portuguesa iniciou cursos de língua portuguesa para adultos. Mesmo antes de se saber qual o programa curricular, logo apareceram interessados em retomar contacto formal com a língua que assim abandonava as trincheiras em que se escondera durante tantos anos. Mas também aqueles membros de casamentos mistos que queriam passar a entender a língua da família do consorte, os Advogados que queriam passar a aceder directamente aos Códigos legais por que ainda hoje o Direito se rege em Goa abandonando as traduções nem sempre fiáveis, os que acalentavam a ideia de adquirirem a nacionalidade portuguesa e daí um passaporte que lhes desse acesso ao Espaço Schengen, enfim, os jovens em paz com a História do seu Estado que lhe queriam sentir a alma escondida pelos políticos.
Decorridos 10 cursos, a média de conclusões por curso elevou-se ao fantástico número de 92 e o 11º abriu em finais de 2008 com 120 inscrições.
Estes cursos compõem-se de quatro graus sendo o primeiro destinado a quem se inicia e o quarto aos alunos mais avançados. Decorrem em Panjim e Margão durante um ano lectivo (cerca de 9 meses a 3 horas semanais) em horário post-laboral e são ministrados por Professores recrutados em Portugal.
Também com Professores recrutados em Portugal, os cursos de conversação destinam-se aos alunos que concluíram o 4º grau dos cursos de língua portuguesa e foram imaginados para um máximo de 15 participantes. O primeiro curso deste género decorreu no segundo trimestre de 2007 e teve que ser desdobrado em dois grupos de 15 alunos (um dos grupos a funcionar em Panjim e o outro em Margão) para melhor corresponder à procura. Com a duração de três meses ao ritmo de três sessões semanais, mostrou ser um complemento da maior valia para a obtenção de vocabulário e fluência. O segundo curso de conversação decorreu no primeiro trimestre de 2009 com 30 alunos repartidos em duas turmas, à semelhança do curso anterior.
Daqui resulta que da perseverança destes «portugueses abandonados», verdadeiros heróis da lusofonia, em Goa já não são só os mais idosos que falam português e a nossa língua deixou de ser um tabu. A tal ponto que – após décadas de temor – na Universidade de Goa abriu recentemente a Delegação do Instituto Camões na função que lhe é peculiar de formação de formadores.
Chegou, portanto, a hora de servir todos os escalões etários e de alargar o ensino da língua portuguesa a outras localidades do Estado de Goa.
Eis porque vai brevemente ser inaugurada aEscola da Amizade Indo-Portuguesa destinada a crianças com 7 anos de idade que já frequentem o ensino indiano de língua inglesa.
Funcionando por anos lectivos de 9 meses ao ritmo de três aulas semanais de uma hora, terá quatro graus à semelhança dos cursos já ministrados aos adultos mas acrescerão à língua portuguesa as matérias relativas à História e Geografia.
Com sede em Panjim na Sociedade da Amizade Indo-Portuguesa, pretende-se que sucessivamente abra delegações em Margão, Mapusa, Vasco da Gama e Pondá. Os professores serão recrutados localmente mas haverá um coordenador pedagógico oriundo de Portugal.
Se houver crianças goesas a comunicar entre si em português, então será possível encarar o futuro da nossa língua naquele Estado indiano com verdadeira esperança.
Quinhentos anos de Cultura Portuguesa na Costa do Malabar justificam os nossos esforços e acalentam os nossos sonhos no sentido de que da tolerância frutifiquem claros benefícios sobretudo para os residentes locais. Esforços e sonhos maioritariamente privados que passam ao largo de especial empenhamento público.
“O sonho comanda a vida”[2]e nós sonhamos com que de tão forte interculturalidade histórica resulte um modelo específico de desenvolvimento único em toda a União Indiana e que a língua portuguesa se revele um instrumento eficaz de aproximação da Índia ao espaço lusófono.
Mas a Índia não se esgota em Goa e haverá que multiplicar as iniciativas em Damão e em Diu para não falar ainda de Bombaim, Chaúl e Cochim onde também permanecem traços humanos da secular presença portuguesa.
Também o Oriente não se esgota na Índia e por isso não nos podemos esquecer dos lusófonos de Larantuca (nas Molucas, hoje território indonésio), dos de Malaca e dos de Baticaloa (no actualmente belicoso Sri Lanka[3]). A todos eles devemos acorrer antes que morram no desespero de mais séculos de espera.
Hoje, felizmente, o vizinho não nos induz a presença da famigerada Inquisição que pela mão dominicana também a partir de Goa semeou o ódio inter-religioso[4]. Assim, estamos em boas condições para seguir o exemplo que Afonso de Albuquerque há quase quinhentos anos nos ensinou de que a convivência se cultiva e a Fé não se discute.
A bem da paz e da concórdia, as que faltam.
Eis o que me move em relação aos luso-descendentes na rota da Índia e para além da Taprobana; falta imaginar o que deveremos fazer pelos luso-ascendentes no azimute do Cabo Finisterra.
(in Boletim de 2009 da Academia Galega de Língua Portuguesa – pág. 123 e seg.)
BIBLIOGRAFIA:
·Boxer, Charles R. – “O IMPÉRIO MARÍTIMO PORTUGUÊS 1415-1825”, Edições 70, Lisboa, Setembro de 2001
·Vasconcellos e Menezes, José de (Médico, Capitão-de-mar-e-guerra) – “ARMADAS PORTUGUESAS – apoio sanitário na época dos Descobrimentos”, Academia de Marinha, Lisboa, 1987
[1]- A invasão de Goa, Damão e Diu pelas Forças Armadas Indianas ocorreu no dia 18 de Dezembro de 1961
[3] - Onde já identifiquei o porta-voz dos «portugueses» de Baticaloa, o Senhor Sonny Ockersz, com quem tenho mantido contactos preparatórios de algo que ainda não nasceu.
[4] - Francisco Xavier SJ, nascido no Castelo de Xavier, Navarra, missionário no Oriente, pediu ao rei D. João III que enviasse a Inquisição para Goa. O rei acedeu (como já acedera ao pedido dos reis espanhóis para a introduzir em Portugal). O missionário morreu na China, foi sucessivamente trasladado para Malaca e para Goa; cognominado o Apóstolo do Oriente, foi canonizado e ficou na História conhecido por São Francisco Xavier.
“Pode um pensamento ter estilo sublime, e não ser pensamento sublime; e pode achar-se um pensamento sublime, com estilo simples”.
Luís António Verney, Verdadeiro Método de Estudar, Carta VI.
Calhou que a série de textos de Teologia da Economia sucedesse entre eleições europeias, legislativas e autárquicas e um feriado nacional: o 5 de Outubro (de 1910!) Daí, eu ter optado por abordar as questões relacionadas com este período recente, sendo matéria mais viva, polémica e menos árida do que aquela sobre a qual venho discorrendo. Do 5 de Outubro apenas digo que é uma comemoração ligada a um acto repugnante de homicídio (neste caso, regicídio), quando a verdadeira comemoração devia ser a do 5 de Outubro de 1143! Nesta data, subscreveu-se em Zamora o tratado [1] que está na génese da nacionalidade portuguesa. E sobre isto mais não digo.O recente período eleitoral foi rico em informação e eventos. Aconteceu que ouvimos muita coisa e que, metade ou dois terços do que ouvimos é, infelizmente, demagogia pura. No linguajar do marketing político, nas campanhas que antecederam os sufrágios, o objectivo foi sempre o mesmo: a venda do produto político! E tivemos de tudo um pouco na tentativa de nos impingir um produto quase sempre deteriorado – o que não merecíamos Em primeira análise é esta a questão que se põe. Merecemos os políticos que temos ou não? A resposta não é fácil. Partidos houve que insistiram em forçar nas suas listas a presença de pessoas a contas com a Justiça. É uma questão de ética política. Vieram contar-me a história de que sem haver prova há presunção de inocência. Tudo bem, só que as suspeitas que recaem sobre os presumíveis inocentes, já são de per si um ónus que devia impedir a participação em qualquer acto político [2]. A ideia errada que alguns têm de que o voto tem o poder de branquear a acção da Justiça preocupa-me por que Democracia não é isto, não queremos que seja isto. O voto não pode criar nos que dele beneficiam a imunidade com o consequente efeito de impunidade. O conceito que se tem de que Política é uma coisa e Justiça é outra, é desastrado e perigoso e só interessa a quem tem culpas no cartório; quem ganha uma eleição pretende-se criminalmente branqueado por força da vontade popular [3]. Uma visão anárquica dos conceitos que regem a Política e a Justiça em sociedades evoluídas e organizadas. Admito que um cidadão objecto da acção da Justiça e condenado, cumprida a sua pena, se possa sujeitar, de pleno direito, a sufrágio dos seus concidadãos, porque já prestou contas dos seus erros e já cumpriu a punição que lhe foi imposta. Voltou, por isso, a ser senhor da sua cidadania. Mas, a responsabilidade de quem assim procede, arrostando, teimosamente, com a Ética Política e atirando-a para o lixo, não é desses espertos, porque a Lei é permissiva e, de facto, perante a Lei não estão a praticar crime algum. À luz da Lei podem fazê-lo e fazem-no. A responsabilidade é daqueles que, no exercício parlamentar, ao longo de todos estes anos, vão fazendo Leis às pinguinhas, pouco claras, pouco enérgicas, sempre com o receio incompreensível de pôr na ordem as coisas que estão mal; em resumo, do legislador. E nós, lusitanamente, vamos indo. Somos um Povo de Fado (destino?) e Toiradas. Pegamos o touro de caras, mas curiosamente, sempre com o barrete enfiado na cabeça. Mas, estes anos e, particularmente, nos três últimos sufrágios, os eleitores já foram tirando o barrete. Se repararem, as europeias foram votadas de uma maneira; as legislativas já tiveram um voto diferente e nas recentes autárquicas o voto foi diferente da Câmara Municipal para a Assembleia Municipal e destas para Assembleia de Freguesia. É isso que faz com que a lusitanidade já não seja sinónimo de ingenuidade e credibilidade perante a patologia política da psicopatia social que nos cerca agoirentamente. Vamos caminhando firmemente em direcção à maturidade política. Estamos a varrer lentamente esta inércia assustadora e, simultaneamente, encantadora que nos caracteriza; este tem-te não caias; este dolce far niente genético. No rescaldo eleitoral sobraram-nos os que, desde o nascimento da democracia nunca perdem; os que perdem de quando em vez e os que ganham sempre, mesmo quando está na cara que perderam. Mas todos usam os mesmos sofismas, que se vão desgastando e perdendo a credibilidade perante eleitores cada vez mais atentos, salvo algumas deslocalizadas desatenções. O último sufrágio que deveria ter sido um acto de liberdade e consciência cívica, ficou manchado pela brutalidade de um acto criminoso que teve como progenitora a intolerância e a arrogância de quem se julga com direitos superiores aos dos outros, exercendo pequenos poderes geograficamente limitados. Estranha era esta que vivemos... Esta 11ª legislatura que agora se inicia, espero que, tal como a crise que nos assombrou, e que já começou a dar sinais de recuperação, seja o regresso à dignidade perdida; ao sistema de Saúde humano e livre de burocracias; à Educação para todos e em melhores condições de trabalho para alunos e professores; à Justiça célere, eficiente e eficaz; à política de Segurança sem hesitações, em resumo, à sociedade responsavelmente livre e justa que nos faça sentir felizes e orgulhosos de nós mesmos e a que nós temos direito. Esperemos pelo diálogo e que a vontade de todos, sem excepção, seja sublime e não de transformar este desiderato em conversas de surdos e monólogos ininteligíveis. Parafraseando Verney: “Pode o diálogo ter um estilo sublime, e não ser uma vontade genuína; e pode achar-se uma vontade sublime, com estilo mais sincero e menos barroco”.
Luís Santiago
[1] Tratado de Zamora – Acordo celebrado em 5 de Outubro de 1143, entre os primos Afonso Henriques, pelo Condado Portucalense e Afonso VII pelo Reino de Leão que estabeleceu a paz e definiu as fronteiras do Reino de Leão e do Reino de Portugal, designação pelo qual passou a ser conhecido o Condado Portucalense;
[2] “Quem estiver a contas com a Justiça não se pode candidatar a cargos públicos nem tem direito a voto” Henrique Salles da Fonseca, em 14 de Outubro de 2009, em texto deste blog “DESCULPEM OS MAIS SENSÍVEIS... ...MAS EM DEMOCRACIA DEVERÁ SER ASSIM”;
[3] Ouvi espantado uma pessoa que até considero esclarecida, que, convictamente, me declarou que um político, mesmo condenado, sem sentença transitada em julgado, e que fosse eleito com grande e expressiva quantidade de votos devia ver a sua sentença anulada. Fiquei horrorizado com a confusão que vai naquela cabeça. Retorqui-lhe que as pessoas que exercem esses cargos já são remuneradas (algumas substancialmente) pelos cargos para que forem eleitos e que enriquecerem à custa dos negócios mercê das funções que exercem e são remuneradas pelos impostos que todos nós pagamos, constitui prática ilegítima e imoral que é classificada na lei por enriquecimento sem causa, se, entretanto, não for crime.
CONCLUSÃO DA 1ª PARTE: Regressado Portugal à dimensão do território permitido, encontramo-nos numa situação equiparável à que em 1415 justificou que as naus zarpassem.
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Apaziguadas as turbulências típicas dos períodos inaugurais das novas nacionalidades, regularizadas as relações internacionais com base no mútuo e pleno reconhecimento das várias soberanias e na utilidade da cooperação bi e plurilateral, estão as complementaridades a desenhar diversos modelos de desenvolvimento, tudo no âmbito do moderno processo de globalização que durante o séc. XXviveu centrado no Atlântico Norte, our sea, versão anglo-saxónica do mare nostrum latino.
Já o séc. XXI – com alguma probabilidade e à custa de muita propaganda – será intensamente vivido em redor do Pacífico e do Índico. Mas outros pólos surgirão e o Atlântico Sul será seguramente um deles. Aí, os pilares (Angola, na margem Leste; Brasil, na margem Oeste; Portugal, a Norte, fazendo a ponte com a UE e com a NATO; Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe em pleno cenário) expressar-se-ão em português (devidamente matizado mas indubitavelmente português).
E as questões que agora devemos colocar são simples:
·Que quadro institucional?
·Que estratégia para o controlo de todo um oceano?
Tenho a CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa[1]como o espaço privilegiado para darmos resposta a estas questões e se transformarmos o Atlântico Sul nomare nostrum da língua portuguesa, teremos a vantagem de a Lusofonia não se esgotar nesse novo triângulo de progresso: o papel de Moçambique no ressurgimento da Lusofonia no hemisfério oriental dará uma nova dinâmica à já quase esquecida primeira globalização, a que Portugal iniciou em 1415.
E esta dimensão lusófona, imagino-a alargada aos «portugueses abandonados», aqueles que algures no Mundo e na História foram bem ou mal governados por Portugal, que absorveram os valores que lhes levámos e que após a nossa retirada – por vontade própria ou alheia – ficaram, contra ventos e marés, a defender esses valores quantas e quantas vezes rodeados de hostilidade ou, no mínimo, de desdenhosa indiferença. Refiro-me aos lusófonos da Índia, das Molucas, de Malaca, do Sri Lanka. Outros poderia referir se já os tivesse identificado. Sim, ando na senda de todos esses que por aí fora se dizem portugueses e de quem nunca mais ouvimos falar. Se os houver, encontrá-los-ei e se não for eu a encontrá-los, espero deixar a motivação suficiente para que outros o façam depois de mim.
E foi nessa busca de «portugueses abandonados», que iniciei pela Índia, que encontrei o Dr. Jorge Renato Fernandes, médico residente em Panjim, capital de Goa, Comendador da Ordem do Infante D. Henrique[2], que esperou 47 anos para que o Governo Português se lembrasse de o incluir no Conselho das Comunidades Portuguesas e que, para além de outras iniciativas em prol da cultura portuguesa em Goa, foi o fundador da Sociedade da Amizade Indo-Portuguesa[3], instituição que congrega os lusófonos goeses mais dinâmicos.
(continua)
Henrique Salles da Fonseca
(in Boletim de 2009 da Academia Galega de Língua Portuguesa – pág. 123 e seg.)
NOTA: Agradeço ao Dr. A. Palhinha Machado a inspiração para o mare nostrum referido neste texto
[1] - Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Portugal, S. Tomé e Príncipe e Timor-leste como membros de pleno direito e Guiné Equatorial e Macau como observadores
[2] - Nomeado pelo Presidente da República, Mário Soares, sob proposta do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Nuno Krus Abecasis
[3] - Também denominada Indo-Portuguese Friendship Society, registada com o nº 6/GOA/93 do Societies Registration Act 1869 (Central Act 21 of 1960) e com sede no Edifício Santosh, r/c, junto ao CBI Office, Altinho, Panjim – Goa, Tel: 0091(832) 2436875
Leio o texto “Religião põe à prova a tolerância do Estado Secular” de António da Cunha Duarte Justo, encimado pela foto de um rapaz muçulmano dobrado sobre um tapete, aparentemente no átrio duma escola. Expõe que a directora dum liceu alemão, tendo proibido um aluno árabe de fazer as orações diárias no seu tapete, a pretexto de que se tratava de uma escola neutral na questão religiosa, se viu confrontada com uma acção posta em tribunal pelo usufrutuário do tapete e sentenciada a aceitar de volta aluno e tapete, temporariamente voados de lá.
Duarte Justo acha a sentença judicial propícia a novos temores e desequilíbrios sociais, numa luta entre cruzes e tapetes e interroga sobre o caso português onde “o governo socialista expulsou as cruzes da escola” e em que a probabilidade de igual incidente de força arábica – que é o mesmo que dizer petrolífica - faria o nosso PM repensar o caso das cruzes, segundo o ideário da democracia de igualdade de oportunidades, já que, para todos os efeitos, se teria de render à força dos tapetes.
Pergunta ainda Duarte Justo se “o medo duma escola devota será proporcional à náusea dos preservativos socialistas na escola portuguesa”. E acrescenta: “Quem como o PM Sócrates instrumentalizou a escola para a distribuição de anticonceptivos gratuitos e para a indoutrinação sexual, certamente não terá dificuldade em colocar também genuflexórios e tapetes de oração”.
A este texto respondi com um comentário que me parece pertinente, e por isso o transcrevo: “Creio que sim, que a nossa Educação possa permitir a entrada do tapete para a genuflexão muçulmana, ou para outros quaisquer objectivos que tenham a ver com o uso da pílula de forma mais confortável. Por uma questão de democracia, é natural que também mande construir altares de madeira, ou mesmo nichos piedosos, para mostrarmos que não temos menos direitos que os muçulmanos de rezar nos corredores, quando em casa provavelmente não precisamos. É preciso respeitar os muçulmanos e os seus tapetes. Mas talvez os muçulmanos nada queiram de nós. Ficar-se-ão pela Alemanha, cujos tapetes são mais macios, e deste modo a nossa Educação prosseguirá altiva em direcção ao nada de sempre, apesar dos esforços de tantos dos seus excelentes professores, que têm que cair em todas as armadilhas que lhes são estendidas. Sem tapete”.
Mas foi, sobretudo, pensando em nos manter na testa da Civilização que o nosso PM propôs a substituição da cruz pela pílula, ou mesmo, em caso de necessidade, pelo tapete oriental, progressista como é, não desejando equiparar-se aos condes Gouvarinho da galeria queirosiana, quando este exclama para Torres Valente, que propusera a abolição do catecismo na escola: “Creia o digno par que nunca este país retomará o lugar à testa da civilização, se nos liceus, nos colégios, nos estabelecimentos de ensino, nós outros, os legisladores, formos, com a mão ímpia, substituir a cruz pelo trapézio...” (“Os Maias”, IX).
Nunca o nosso PM se posicionaria num registo destes, de gouvarinhanço! Só muito forçado pelas incongruências dos tempos que atravessamos, que nos forçam ao tapete, e que por isso nos impõem igualmente a cruz. Mas de preferência o preservativo.
Foi cedo na História que Portugal se sentiu esmagado pelo vizinho que não lhe reconhecia a autonomia política e logo percebeu que ou ganhava dimensão ou deixava de existir como Nação soberana. Por isso iniciou em 1415 a expansão para o Ultramar, senda na qual construiu um Império de dimensão suficiente para lhe garantir a existência.
Não cabendo aqui resumir o que foi o percurso imperial português, basta referir que foram três os valores que perenemente resultaram como distintivos dos povos colonizados: a religião, a língua e os genes.
E se a componente religiosa começou por se justificar no âmbito do apoio sanitário aos mareantes e nos 17 hospitais edificados entre Tavira e Goa, logo passou a constituir principal motivo oficial da expansão, pia cobertura do prosaico comércio de ouro e de outras cobiças nessas épocas hoje distantes. Estando então a sede do Direito Internacional Público localizada na Roma papal, foi a bênção obtida para protecção do negócio privado e assim alcançada a plena legitimidade do processo imperial.
Mas Portugal tinha escassa população à época do início dos descobrimentos e teve que se socorrer de estrangeiros não só em quantidade como sobretudo em qualidade. Mareantes de hierarquia variada e religiosos estrangeiros serviam sob as ordens dos Capitães – que a Coroa escolhia sempre que possível dentre os seus súbditos – e enquadravam tripulações remidas de cárceres ou apanhadas em descuido de tabernas. Ou seja, o primor da língua portuguesa não seria apanágio das tripulações das naus dos descobrimentos uma vez que parte substancial da hierarquia superior não era portuguesa e os nacionais embarcados eram de condição intelectual muito duvidosa.
Do fraco calibre intelectual resultou, contudo, uma particularidade portuguesa, inédita entre os demais povos colonizadores: a miscigenação. E da fraqueza se fez tal força que, tendo sido os primeiros a rumar por esses mares além, fomos os últimos a deles regressar.
Regressados à dimensão do território permitido, houve que assentar num modelo compatível com o padrão europeu e se não vem aqui à colação discutir alternativas às opções então tomadas, constatemos que Portugal se encontra neste início do século XXI numa situação equiparável àquela que em 1415 justificou que as naus zarpassem para esses mares ignotos.
(continua)
Henrique Salles da Fonseca
(in Boletim de 2009 da Academia Galega de Língua Portuguesa – pág. 123 e seg.)
É frequente atribuir-se a causa da crise financeira à queda do muro de Berlim. Frei Bento Domingos, na sua crónica domingueira no PUBLICO[1], fez-se eco dessa interpretação. O colapso do comunismo teria tranquilizado os ricos e estes passaram a adorar o “bezerro de ouro” sem mais se preocuparem com a condição dos pobres. Este descaso seria os “pés de barro” do dito bezerro que, quando se torna objecto de adoração, baqueia, arrastando os seus adoradores para a ruína.
Explicar factos mediante recurso aos antecedentes tem lógica mas devemos ter o cuidado de evitar confundir anteriores com antecedentes e subsequentes com consequentes. No caso, o muro de Berlim talvez tenha sido mais vítima do que causa. Há indícios fortes de que a indiferença pelos fracos já estava instalada antes do colapso do comunismo. Recorramos à evolução teórica e à inovação tecnológica.
Se acompanharmos a evolução do pensamento académico americano – sempre propenso a teorizar o conveniente – vemos que a visão holística começou ali a perder curso na década de 60. Admitiu-se que a razão divide mais do que une. A esperança (e vontade) de estabelecer uma ordem universal racional perdeu elã e assim continuou até se esmaecer no horizonte. Nos anos de 70, a academia na sua grande generalidade, declarou o mundo irremediavelmente anárquico ainda que não caótico e isto porque obedece a uma lei – a da força. O ser humano não consegue libertar-se de condicionalismos específicos determinados por condicionalismos locais de natureza tanto cultural como genética. Formas universais de lei e moralidade estariam além das possibilidades do homem e para lá do horizonte de História. Seria preciso pois aceitar, tolerar e até celebrar a diversidade. A realidade do mundo seria a pluralidade e coexistência de particularismos (corporativistas, regionalistas, religiosos, etc.) hierarquizados pela relação das respectivas forças. A hierarquia seria mil vezes preferível à razão como meio de gerar o consenso porque este não resultaria da razão mas meramente da aceitação. Chamou-se a isto tudo o pós-modernismo, termo já de si aberrante pois se o moderno é o que está, o “pós” só poderia significar algo que anuncia o que já está. Na realidade, o pós-modernismo dos anos 70 fez um exercício crítico em termos não-modernistas do estabelecido em todos os ramos do conhecimento. Daniell Bell[2] foi um dos seus expoentes no que toca à Economia.
No sector económico, a desregularização passou a ser vista como a via da salvação e o normativismo a da danação. Para os economistas, são válidas apenas as normas produto de negociação racional entre iguais ou quase iguais. Os grupos entregues a si mesmos encontrariam maneira de sobreviver e prosperar, organizando-se espontaneamente sem recurso a autoridades constituídas. Toda a intervenção no mercado reduziria a vitalidade da economia. Elegia-se pois a competição como prática salutar e, para evitar que os fortes dominassem os fracos, recomendava-se o corporativismo.
O movimento acelerou nos anos 80, provocando efeitos importantes tais como o Tatcherismo, o alargamento da União Europeia (em contracorrente) e a substituição de Marx pelo “gato descolorido” na economia chinesa. Por fim, caiu o muro.
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Os que elegem a inovação tecnológica como motor da história económica consideram despiciendo todo o esforço de teorização supra mencionado e dizem que o crescimento das economias a partir da década de 50 resultou pura e simplesmente da descoberta do microchip, em 1947. A inovação multiplicou exponencialmente a força das grandes empresas e estas decidiram, como os portugueses do século XV, que o Mundo é o meu lugar e a lei sou eu quem a dita. É preciso não esquecer porém que Gordon Moore, patriarca da Silicon Valley e fundador da INTEL, tinha por máxima duplicar todos os anos o número de componentes do cada chip por forma a reduzir o seu custo, permitindo a multiplicação das aplicações e tornar o produto acessível aos consumidores menos abonados.
Os efeitos multiplicadores da descoberta teriam atingido a saturação em 1990 e, na falta de crescimento real, o capital orientou-se para a especulação. A crise seguiu-se.
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Uma tese não exclui a outra. É perfeitamente admissível que os microchips tenham aberto a via da globalização e o que se passou na Universidade mais não seja que mero reflexo. Já porém parece difícil admitir que a revolução iniciada pela inovação se tenha esgotado há vinte anos. Parece contudo correcto admitir que o capital exulta num ambiente cosmopolita desregularizado enquanto os sindicatos estiolam fora do quadro nacional. Reduzidas as antigas barreiras fronteiriças, os sindicatos entram em briga com os seus congéneres de outras nacionalidades e enfraquecem-se reciprocamente.
Haja em vistas o que se está a passar com a indústria automóvel. Perante evidência de super capacidade instalada, a Magna – grupo capitalista australiano/canadiano – que se apoderou da Opel, anunciou o seu propósito de despedir 10.500 operários nas fábricas europeias. A ninguém ocorreu que a saturação do mercado se deu ao nível dos carros tecnologicamente evoluídos enquanto milhões de consumidores potenciais nos mercados subdesenvolvidos não dispõe de modelos ao seu alcance. Ideias dessas ocorreriam a Henry Ford I, mas esse era “ante-pós” modernista.
Perante o anúncio da Magna, os sindicatos nacionais entraram imediatamente em luta entre si e exigiram dos respectivos governos nacionais que transferissem para o contribuinte nacional o ónus do subsídio a fornecer à Magna para reduzir o número das vítimas nacionais dos anunciados despedimentos. No seguimento, o governo alemão disponibilizou €4,5 mil milhões para salvar o emprego na Alemanha e o britânico remexe os bolsos a ver se encontra uns cobres para entrar na corrida. A Magna acabará por ficar dona das fábricas com pequeno (ou nulo) investimento próprio; estas ficarão instaladas onde menos interessa do ponto de vista empresarial e continuarão a fabricar carros de luxo para mercados saturados. Entretanto, a Renault decidiu fechar a fábrica na Bélgica e mantém em França onde recebe subsídio. Dentro do mesmo critério, a Peugeot vai fechar Cádis e a VW encerra todas as fábricas menos na Alemanha e Portugal (a mão de obra portuguesa é a que menos cobra). A instalação da fábrica segue pois o subsídio ou a capacidade de sacrifício dos trabalhadores e não a lógica do mercado. Em termos de gestão fica tudo errado, mas a liberdade da iniciativa privada e o corporativismo subsistem.
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Diria pois que a crise financeira foi fundamentalmente originada por dois factores degenerativos, ambos filhos da globalização/desregularização: - (1) o desequilíbrio de forças entre a grande empresa e os sindicatos e (2) o corporativismo que se tornou extensivo aos administradores executivos das grandes empresas. Ultrapassando a lógica da concorrência, cada um passou a cuidar de si.
A avaliar pelo que a imprensa divulga, o quadro patológico mantém-se intacto. Cuidado, pois, meus Senhores.
A directora do Liceu Döstberg de Berlim tinha proibido um aluno muçulmano de rezar no corredor da escola. Fundamentava a recusa com a neutralidade da escola. O aluno utilizava um tapete de oração usando a pausa para rezar.
O educando, que não queria abdicar do seu direito de rezar cinco vezes ao dia, incluindo o horário escolar, meteu a questão em tribunal. Este decidiu expressamente sobre este caso particular dando razão ao muçulmano.
Os juízes argumentaram que o aluno podia escolher uma esquina para rezar, não implicando isso a perturbação da paz escolar nem a neutralidade do Estado. Embora a decisão não tenha sido de carácter geral, outros crentes podem basear-se nesta decisão para fazer valer o seu direito.
Os juízes consideram a liberdade religiosa como um acto interior que implica a possibilidade da sua expressão pública também através da oração.
O Senado de Berlim já manifestou a intenção de apelar para o Tribunal Superior contra esta decisão.
A decisão do tribunal deixa lugar para muitos medos. A luta de tapetes de oração muçulmana por um lado e a luta contra cruzes na escola serão temas propícios a aquecer mesmo ânimos pacatos!... Quem tiver mais força reprimirá os outros. Afinal, também aqueles que se empenhavam contra o ensino da religião nas escolas, vêem-na agora surgir pelo lado que não esperavam.
O governo socialista em Portugal expulsou as cruzes das escolas. Será que se algum muçulmano manifestar a mesma coragem em Portugal como os muçulmanos mostram na Alemanha, o direito português lhe dará lugar para a oração? O medo duma escola devota será proporcional à náusea dos preservativos socialistas na escola portuguesa!!!...
Parece um caso bicudo de resolver para a sociedade secular. Se os muçulmanos conseguirem impor um lugar para a oração na escola, será que os outros crentes não terão o mesmo direito?
Mas quem era tão tolerante criando a pausa dos “fumadores”, ou a esquina dos fumadores, certamente também conseguirá a suficiente tolerância para possibilitar na escola um espaço discreto, um espaço do silêncio. Os muçulmanos marcam personalidade e a presença a que os cristãos já não estavam habituados. As exigências de uns acordam as dos outros!
Os muçulmanos, duma maneira geral, não fazem distinção entre o cidadão e o fiel, só conhecem o homo religiosus. A sociedade laica ocidental já começa a ter insónias ao imaginar nas suas escolas genuflexórios, tapetes de oração e outras práticas ligadas a necessidades que não as laicas.
Quem como o PM Sócrates instrumentalizou a escola para a distribuição de anticonceptivos gratuitos e para a indoutrinação sexual, certamente não terá dificuldade em colocar também genuflexórios e tapetes de oração. Uma outra componente da tolerância e uma saída airosa para muitos problemas que surgirão, inerentes a uma sociedade avançada com necessidades cada vez mais individualizadas, seria a promoção e financiamento do ensino privado gratuito.
Liberdade de religião e tolerância são valores significantes, o mesmo se dizendo da neutralidade da escola.
Uma solução pacífica passará talvez pela criação nas escolas duma sala do silêncio onde todos, independentemente de credos, poderão retirar-se por alguns momentos para reflectir.
Reflexão é uma mercadoria rara na nossa corporação!
Se razão sem fé é deserto, fé sem razão é pântano!
Deixemo-nos de conversas politicamente correctas e vamos ao cerne das questões:
A soberania nacional não é negociável;
Os interesses estratégicos devem estar subordinados a centros de decisão garantidamente nacionais;
O Serviço Militar (ou Cívico militarizado) é obrigatório para ambos os géneros;
Quem paga impostos ao Estado Português tem prioridade nas políticas portuguesas sobre quem recebe subsídios públicos do Orçamento do Estado Português;
Quem estiver a contas com a Justiça não se pode candidatar a cargos públicos nem tem direito a voto;
Quem tiver dívidas ao Fisco não se pode candidatar a cargos públicos nem tem direito a voto;
Quem não tiver o diploma do Ensino Obrigatório não tem direito a possuir carta de condução de veículos motorizados com mais de 50 cc nem tem direito a voto;
O Ensino Oficial Obrigatório é gratuito, incluindo os correspondentes manuais obrigatórios (ou livros, como se lhes queira chamar);
Para além do nível obrigatório todo o Ensino é oneroso;
As Ordens profissionais são o Certificado de Competência Profissional e de Qualidade Deontológica dos profissionais nelas inscritos e não podem ter inscrição obrigatória para acesso ao exercício da respectiva profissão;
Em espaços públicos, é proibido usar a cara velada.
O continente africano foi o sujeito de uma mudança radical de percepção ao nível estratégico. As grandes potências, quer a UE e os EUA, quer os países emergentes como a China ou Índia, envolvem-se hoje em dia em África. Mas desde o fim dos anos noventa, este envolvimento tomou novos traços. A intervenção directa não é mais o meio privilegiado de actuação para a resolução das crises africanas. Várias iniciativas foram assim postas em acção para desenvolver as capacidades africanas de implementação da paz e da segurança. Mas esta nova política, apesar das contribuições e dos esforços quer dos EUA, quer da UE, ainda enfrenta grandes dificuldades. Assim, além do problema do mandato confiado às tropas enviadas para o terreno, impõe-se uma conclusão: agora, a UA simplesmente não tem os meios para concretizar a sua política. A operação AMIS ilustra o paradoxo africano: as opiniões públicas ocidentais só apoiam o envio de tropas para África quando as condições de segurança são controladas e por um prazo limitado, deixando a implementação das missões mais perigosas às tropas africanas mal preparadas e mal equipadas, em condições de segurança fortemente degradadas. No entanto, a maior implicação da UA na resolução das crises não pode ser avaliada só pela intervenção no Darfur e deveria ser reajustada com as lições aprendidas com o ciclo RECAMP 6 e a entrada em vigor da African Standby Force em 2010.
ONU (2009), Déclaration de Doha sur le financement du développement : document final de la Conférence internationale de suivi sur le financement du développement, chargée d’examiner la mise en œuvre du Consensus de Monterrey, 14 de Janeiro de 2009.
De Autor não identificado cujo texto me chegou por mão amiga, respigo:
Quando Isabel I de Castela se casou com Fernando II de Aragão, foi Castela que absorveu Aragão e não este aquela, e os dois tomaram o nome de reis de Espanha, quando eram apenas reis de Castela-Aragão. Intui-se que com esta designação Isabel I, a verdadeira rainha de "Espanha" (Fernando, agora V, não passava de um rei-consorte), tinha em mente a absorção por Castela de todo o território de Espanha, mera designação geográfica. E conseguiu-o com a conquista do reino moirisco de Granada. Faltava-lhe apenas anexar Portugal, onde reinava " O Homem", como ela designava o nosso D. João II. Nunca lhe foi possível fazê-lo.
Quando à língua de Castela chamaram "espanhol" reafirmava-se a intenção de estendê-la a toda a península hispânica. Nunca foi conseguido esse desiderato.
Contudo, nos recessos da alma do orgulhoso "espanhol" (diga-se castelhano), a Espanha era toda a Península, politicamente falando e Portugal não passava – e não passa – duma província, quiçá "região", rebelde, irredenta[1], insubmissa, irracional e atrasada.
"Presunção e água benta cada um toma quanta quer", diz o ditado. E Portugal sempre através dos séculos se manteve "orgulhosamente só", parafraseando uma expressão distorcida no nosso tempo.
Contudo, Portugal ameaçado pelos seus próprios reis – que ou pretendiam eles próprios unir a península sob o seu ceptro ou se casavam intensamente com princesas "espanholas" (diga-se, castelhanas) – foi invadido em 1580 e submeteu-se a Espanha (diga-se, Castela) durante 60 anos.
Depois, em fins do século XVIII, o exército português, aliado ao exército espanhol (diga-se, castelhano) combateu os franceses revolucionários no Rossilhão e foi traído por este (exército castelhano) que fez as pazes com os franceses sem dar satisfação aos portugueses, povo espanhol de segunda categoria.E poucos anos depois, estes mesmos castelhanos fizeram um pacto com os franceses para repartição entre eles do passivo reino português: perdemos "apenas" Olivença e sua Comarca que, sendo portuguesa, ficou castelhana ilegalmente até hoje.
Fala-se também que Afonso XIII, durante a 1ª república em Portugal, pensou na invasão do nosso país. Fala-se também que a tese de fim do curso militar de Francisco Franco foi o plano de anexação de Portugal em breves horas. Sempre a mesma obsessão não confessada[2] de agregar Portugal a "Espanha" (diga-se Castela).
Hoje, está em cima da mesa o plano de construção do TGV que nos ligaria a Madrid.
O TGV em Portugal, que ouvimos ser defendido pelos castelhanos, chamando retrógrados, passadistas, reaccionários aos Portugueses que o recusam, é mais uma manifestação dessa obsessão íntima a que fiz referência atrás.
O TGV[3] é uma via de acesso rápido a Portugal, uma forma de invasão castelhana, uma tentativa de domínio castelhano sobre Portugal.
Portugal é hoje um país minúsculo. Por isso mesmo tem o dever de defender intransigentemente a sua independência, porque uma panela de barro junto de panelas de ferro, parte-se com certeza. E todos os bons Portugueses querem o seu País inteiro e digno.
O traçado de um putativo TGV que sirva Portugal deverá atravessar a fronteira próximo de Bragança em direcção a Irun. Em Portugal, o traçado deve ligar Bragança ao Porto sendo Lisboa o terminus da linha que se inicie em Helsínquia com passagem por Paris.
Porquê este traçado? Porque hoje Paris não ameaça a soberania portuguesa e Madrid não pensa noutra coisa.
Lisboa, Outubro de 2009
Henrique Salles da Fonseca
[1] Irredentismo – Doutrina segundo a qual devem pertencer a Itália todas as regiões politicamente dela separadas mas que lhe estão ligadas pelos costumes e pela língua. In «Dicionário Torrinha», Ed. 1947
[2] - Não confessada nos corredores diplomáticos mas ensinada actualmente às crianças na instrução primária espanhola em que a Península Ibérica é apresentada como um todo, incluindo Portugal