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A bem da Nação

POSTAIS ILUSTRADOS XXVI

 

TEOLOGIA DA ECONOMIA II
Parte III
(Continuação)
Tudo e Nada
B - A espessura humana dos problemas

 Portugal era o mais atrasado país da Europa, o mais inculto, o mais pobre, o mais triste” Miguel Sousa Tavares, in Equador, pág. 82, 19ª Edição, Outubro de 2004, Oficina do Livro.

 
A expressão usada pelo Santo Padre, na Encíclica Caritas in Veritate, e que tem em conta a espessura humana dos problemas como aliada das grandes crises mundiais, é, de facto, uma realidade concreta: os conflitos e as conexões de interesses têm sempre presente um vector, o factor humano! É esse factor que traz fragilidade a tudo o que o Homem empreende. Por isso, reduzindo a objectiva para uma escala menor, prefiro referir-me à espessura humana dos erros que, por sua vez, provocam os problemas. E, em relação a nós, Portugal, os erros sucedem-se, doentiamente recorrentes, numa obstinação sem paralelo na História dos outros povos. Reporto-me à citação acima que fiz de Miguel Sousa Tavares, numa parte do romance em que descreve os últimos dias da monarquia constitucional e o advento da república. Conseguimos, desde então, sair desta posição? Recordo que, à época, éramos detentores de um Império... mas, atrasados, incultos, pobres e tristes. Não me fico por aqui, e transcrevendo uma parte do texto da pág. 83: “... decidisse ele [1] nos assuntos concretos da governação, pôr fim ao oligopólio dos partidos [2] e chamar os melhores da sua escolha, para governar, e as turbas da imprensa e da política cairiam em cima dele aos gritos... [2]” [3]. Não se passa, actualmente, com as necessárias adaptações, a mesma coisa? A continuação e manutenção desta mentalidade mesquinha, obstinada e cega é que me preocupa. O que mais me assusta e, - continuando num repetido sinal dos tempos, num dejá vu permanente -, é o discurso político dos debates a que assistimos e se resumem:
i)                                Na área das esquerdas stalinista e trotskista a duas cassetes diferenciadas apenas no estilo, mas que outorgam a incapacidade das oposições que gritam mais alto. O mérito é esse: fazerem barulho; já que estão impedidos de partilhar o poder e, a arrogância cega dos partidos da alternância não lhes permite aceitar que algumas das políticas sugeridas por estes até são socialmente aceitáveis, para não dizer melhores;
ii)            Na área dos partidos da alternância, o descaramento e à vontade com que os respectivos responsáveis máximos se apresentam no debate público político, como se já não tivessem estado nos governos precedentes, sós ou em coligações, como se não fizessem parte do problema, com os erros constantemente praticados e sempre os mesmos.
O estado imobilizado pelo centralismo e prisioneiro das malhas de um clientelismo sanguessuga, dominante, do núcleo duro do poder, aglutinador de uma nova classe omnipresente e oligopólica, sem consciência social e cívica, que trava conscientemente a multidiversidade e concretização de novas políticas sociais, do desenvolvimento do pluralismo ideológico, da busca de consensos patrióticos, abrindo-se ao diálogo político e facultando a alternância no poder, com seriedade, e acompanhada de um pacto de regime que respeite a obra precedente e lhe dê continuidade, que não a destrua por motivos fúteis, em prol do progresso e do nosso futuro. Esta é a chave para a vitória do povo, do colectivo sobre os interesses particulares. Passámos por reformistas “modernizadores”, uns mais moderados outros menos, como Sebastião José de Carvalho e Melo, Fontes Pereira de Melo, António de Oliveira Salazar e Aníbal Cavaco Silva, mas nenhum deles beliscou as raízes do nosso atraso inato e secular; nenhum deles deu luta ao nosso baixo nível cultural e científico, proclamando a ignorância como inimiga pública [4]; nenhum deles incutiu combatividade à nossa ancestral passividade e à nossa incapacidade para nos organizarmos como sociedade, que nos torna ingovernáveis e presas fáceis de formas musculadas de governação. A máxima popular de que se aprende com os erros não se aplica a nós, porque, infelizmente, somos um país habitado por oxímoros... Concluirei esta saga textual com a Parte IV das conclusões e uma Vª Parte, a do debate, reservo-a, como prometido, dando resposta àqueles que tiveram a gentileza de comentar as minhas expressas opiniões. (continua)
 
 Luís Santiago 
 
[1] O Senhor D. Carlos, Rei de Portugal;
[2] O sublinhado é da minha responsabilidade;
[3] Foi este ambiente de tumulto e insegurança que criou o clima propício ao regicídio, descrito (o ambiente) com muita precisão pelo autor (*);
[4] O iletrismo em Portugal é chocante. No nosso país vivem ainda 1 milhão de analfabetos. Os estudos da OCDE acerca desta matéria foram objecto de comentário do PR, em Évora, a 15 e Abril do corrente ano. Cavaco Silva recordou que esses estudos revelam que, relativamente, à iliteracia na disciplina de matemática, esta é muito baixa. Sendo «muito baixa», no dizer do PR: «constitui um obstáculo ao nosso desenvolvimento». Nada de surpreendente quando verificamos que primeiros-ministros e ministros das finanças portugueses se atrapalham publicamente com as contas do PIB;
(*) Miguel Sousa Tavares enuncia as fontes escritas em que se baseou para descrever o ambiente dessa época.
 

A QUEM DAREI O MEU VOTO – 5

 

 
Fonte: Séries Longas do Banco de Portugal
 
 
O gráfico acima começa em 1948 e acaba em 1995, tem como unidade base o milhar de Contos (milhão de Escudos) e representa os saldos da Balança de Transacções Correntes em que a parcela amarela corresponde aos Bens e Serviços Transaccionáveis, aqueles que podem ser objecto de comércio internacional.
 
Uma imagem vale mais que mil palavras mas não resisto a referir que o modelo de desenvolvimento instalado em Portugal tem disso apenas o nome pois que se verifica uma redução constante da importância relativa da produção de bens transaccionáveis face ao Consumo Nacional desse mesmo tipo de bens e serviços.
 
Ou seja, o aumento do consumo vem sendo alimentado pelas importações que alguém tem que pagar ao estrangeiro.
 
Como de 1995 a esta parte não verificámos alterações de política que permitam vislumbrar alguma correcção da situação, temo mesmo que, pelo contrário, se verifique um agravamento pois é sabido que o endividamento externo raia a quase totalidade do PIB.
 
As bóias de salvação sobre o exterior têm sido as remessas de emigrantes, o investimento estrangeiro e o lambaz que tem sido o BCE e seu Euro.
 
É óbvio que o modelo tem que ser drasticamente alterado e que chegou o momento de termos que voltar a produzir o que consumimos.
 
Mas para que isso seja possível, é imprescindível criar condições que permitam racionalidade no método de formação de preços e garantam a transparência dos mercados.
 
Eis por que darei o meu voto a quem se comprometer com a criação das referidas condições que tenho como imprescindíveis mas suficientes para o relançamento da produção agrícola e das pescas, para a valorização da propriedade rural, para o repovoamento do interior, para o ressurgimento duma procura de factores de produção que justifique o relançamento industrial.
 
Em suma, darei o meu voto a quem se propuser lançar políticas favoráveis à produção nacional de bens e serviços transaccionáveis. Mas atenção! Basta de políticas subsidiárias, as que trocam subsídios públicos por apoios políticos!
 
ANDA POR AÍ ALGUÉM INTERESSADO NO MEU VOTO?
 
Lisboa, Setembro de 2009
 
 Henrique Salles da Fonseca
 
 
 

O QUE ESTAMOS A FAZER DE ERRADO?

 

 
Discurso proferido por Óscar Árias Presidente da Costa Rica na presença do Lula da Silva (Brasil), Hugo Chaves (Venezuela), Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador) e outros na Cimeira das Américas em Trinidad e Tobago, a 18 de Abril de 2009
 
"Tenho a impressão de que cada vez que os países caribenhos e latino-americanos se reúnem com o presidente dos Estados Unidos da América, é para pedir-lhe coisas ou para reclamar coisas.
 
Quase sempre, é para culpar os Estados Unidos de nossos males passados, presentes e futuros.
 
Não creio que isso seja justo. 
 
Não podemos esquecer que a América Latina teve universidades antes que os Estados Unidos criassem Harvard e William & Mary, que são as primeiras universidades daquele país.
 
Não podemos esquecer que nesse continente, pelo menos até 1750 todos os americanos eram mais ou menos iguais: todos eram pobres.
 
Certamente perdemos oportunidades. 
 
Lendo a história da América Latina, comparada com a história dos Estados Unidos, compreende-se que a América Latina não teve um John Winthrop espanhol, nem português, que viesse com a Bíblia em sua mão disposto a construir uma Cidade sobre uma Colina, uma cidade que brilhasse, como foi a pretensão dos peregrinos que chegaram aos Estados Unidos.
 
Faz 50 anos, a Argentina era mais rica que a Espanha.
 
Em 1950, um país como o Brasil tinha uma renda per capita mais elevada que o da Coreia do Sul.
 
Há 60 anos, as Honduras tinham mais riqueza per capita que Singapura, e hoje Singapura -  em questão de 35 a 40 anos - é um país com $40.000 de renda anual por habitante, enquanto as Honduras não passam de $4.000.
 
Bem, algo nós fizemos mal, os latino-americanos.
 
Que fizemos errado?
 
Nem posso enumerar todas as coisas que fizemos mal.
 
Para começar, temos uma escolaridade de 7 anos.Essa é a escolaridade média da América Latina e não é o caso da maioria dos países asiáticos.Certamente não é o caso de países como Estados Unidos e Canadá, com a melhor educação do mundo, similar a dos europeus.De cada 10 estudantes que ingressam no nível secundário na América Latina, em alguns países, só um termina esse nível secundário.
 
Há países que têm uma mortalidade infantil de 50 crianças por cada mil, quando a média nos países asiáticos mais avançados é de 8 ou 9.
 
Nós temos países onde a carga tributária é de 12% do Produto Interno Bruto e não é responsabilidade de ninguém, excepto nossa, que não cobramos dinheiro das pessoas mais ricas dos nossos países.Ninguém tem a culpa disso, a não ser nós mesmos.
 
Em 1950, cada cidadão norte-americano era quatro vezes mais rico que um cidadão latino-americano.Hoje em dia, um cidadão norte-americano é 15 ou 20 vezes mais rico que um latino-americano.Isso não é culpa dos Estados Unidos, é culpa nossa.
 
No meu pronunciamento desta manhã, referi-me a um fato que para mim é grotesco e que somente demonstra que o sistema de valores do século XX, que parece ser o que estamos pondo em prática também no século XXI, é um sistema de valores equivocado.
 
Como disse esta manhã, não pode ser que a América Latina gaste anualmente $50 biliões em armas e soldados.
 
Eu me pergunto: quem é o nosso inimigo?
 
Nosso inimigo, presidente Correa (Presidente do Equador, amigo de Chavez), é a falta de educação, é o analfabetismo; é que não gastamos na saúde de nossos povos; que não criamos a infra-estrutura necessária, os caminhos, as estradas, os portos, os aeroportos; que não estamos dedicando os recursos necessários para deter a degradação do meio ambiente; é a desigualdade que temos que nos envergonhar realmente; é produto, entre muitas outras coisas, certamente, de que não estamos a educar os nossos filhos e nossas filhas.
 
Vá alguém a uma Universidade latino-americana e parece no entanto que estamos nos sessenta, setenta ou oitenta.
 
Parece que nos esquecemos de que em 9 de Novembro de 1989 aconteceu algo de muito importante, ao cair o Muro de Berlim e que o mundo mudou.
 
Temos que aceitar que este é um mundo diferente e nisso, francamente, penso que os académicos, que toda gente pensante, que todos os economistas, que todos os historiadores, quase concordam que o século XXI é o século dos asiáticos e não dos latino-americanos.
 
E eu, lamentavelmente, concordo com eles.
 
Porque enquanto nós continuamos discutindo sobre ideologias, continuamos discutindo sobre todos os "ismos" (qual é o melhor? capitalismo, socialismo, comunismo, liberalismo,neoliberalismo, social-cristianismo...) os asiáticos encontraram um "ismo" muito realista para o século XXI e o final do século XX, que é o *pragmatismo*.
 
Para só citar um exemplo, recordemos que quando Deng Xiaoping (ex-Presidente daChina) visitou Singapura e a Coreia do Sul, depois de se ter dado conta de que os seus próprios vizinhos estavam enriquecendo de uma maneira muito acelerada, regressou a Pequim e disse aos velhos camaradas maoístas que o haviam acompanhado na Grande Marcha:
"Bem, a verdade, queridos camaradas, é que a mim não importa se o gato é branco ou negro, só o que me interessa é que cace ratos".
 
E se Mao estivesse vivo, teria morrido de novo quando Deng disse que "a verdade é que enriquecer é glorioso".
 
E enquanto os chineses fazem isso - e desde 1979 até hoje crescem a 11%, 12% ou 13% ao ano e tiraram 300 milhões de habitantes da pobreza - nós continuamos discutindo sobre ideologias do atraso e populismos ...  que devíamos ter enterrado há muito tempo atrás.
 
A boa notícia é que Deng Xiaoping conseguiu fazer isto quando tinha 74 anos.
 
Olhando em volta, queridos Presidentes, não vejo ninguém que esteja perto dos 74 anos.Por isso só lhes peço que não esperemos completá-los para fazer as mudanças que temos que fazer.
 
"Muchas gracias."
 
 
Óscar Arias
Óscar Arias
Presidente da Costa Rica
Mandato: 8 de maio de 1986
até 8 de maio de 1990
Precedido por: Luis Alberto Monge
Sucedido por: Rafael Calderón
Presidente da Costa Rica
Mandato: 8 de maio de 2006
até atualidade
Precedido por: Abel Pacheco
Sucedido por:
Nascimento: 13 de Setembro de 1940 (68 anos)
Heredia
Partido: PLN
Profissão: Professor Universitário

 in WIKIPEDIA

 

 

Texto gentilmente oferecido por Dr.ª Ana Terenas, OIKOS; Tradutor não identificado
 
 

O PREÇO DA MIOPÍA

 

“This is the first pass by an economist who, until recently, thought of financial intermediation as an issue of relatively little importance to economic fluctuations…” (O. Blanchard, FMI, Abril de 2009)
 
Há a ideia de que, se não fosse a ganância de uns quantos, nada disto teria acontecido. Erro grave, que Blanchard, um “nobelizável”, veio, há dias, corrigir. Ganâncias, incompetências várias, negligências mil - de tudo isso se fez a crise. Mas foram os preconceitos de longa data sobre o dinheiro, e sobre o modo como o dinheiro vai moldando as sociedades modernas, que criaram o clima propício para que ela se desencadeasse: uns, pensavam que bastava pôr o dinheiro barato para que os dias de abundância chegassem – e não faziam mais que premiar o endividamento; outros, imaginavam que o risco desaparecia pelo só simples facto de mudar de mãos – sem perceberem que, afinal, eram as regras contabilísticas que falhavam redondamente; outros ainda fingiam não ver como o risco se infiltrava nos sistemas de pagamentos – convictos de que a palavra “Banco” bastava para esconjurar a sombra da insolvência.
O dinheiro que hoje faz mover a economia real é, em larguíssima medida, passivo dos Bancos Comerciais. E estes, ao “exportarem” para a economia real, por meio de empréstimos, o dinheiro que criam, de lá “importam” riscos vários que se vão acumulando no interior do sistema bancário até desencadearem, de quando em vez, perdas enormes - perdas tais que os seus capitais próprios nem sempre comportam. Ao sobre-endividamento de Empresas e Famílias corresponde invariavelmente o excessivo endividamento dos Bancos – em particular, junto de outros Bancos (estes, quantas vezes, Bancos estrangeiros).
Não surpreende, pois, que uns não possam continuar a emprestar, por não terem capitais próprios que aguentem mais risco; que outros, ainda com folga, se reservem para as boas oportunidades que as crises sempre proporcionam; e que uns tantos, à beira do colapso, vendam ao desbarato na ânsia de sobreviver. E quem, do outro lado do balcão, esteja endividado, terá de ir pensando em como pagar o que deve, antes de recomeçar a pedir novos empréstimos.
Nesta conjuntura em que os passivos dos Bancos (et pour cause, o dinheiro em circulação) se contraem a olhos vistos, esperar que mais empréstimos obrem o prodígio de relançar a actividade económica não parece ser sinal de sensatez. Tanto mais que, hoje em dia, muito do emprego (na construção civil, na indústria automóvel, na electrónica, no turismo) depende, quase por inteiro, do contínuo endividamento de consumidores finais que hoje andam às voltas para pagar aquilo que devem. Tudo o que falta é: reforçar os capitais próprios dos Bancos - mas com critério, para não dar alento a Bancos zombies; sageza na política económica, para reduzir o risco latente na esfera real da economia; e paciência – porque estas coisas levam o seu tempo.
 
Por cá, a crise apanhou-nos a todos (Estado, Bancos, Empresas e Famílias) cheios de dívidas. Bem se pode dizer que, com o anúncio da entrada na UEM, mergulhámos alegremente num mar de dívidas, com os Bancos a endividarem-se sem rebuço (junto de uns, poucos, Bancos estrangeiros) para lutarem por maior quinhão no modesto mercado interno. Ser-se apanhado por um crise internacional causada pelo sobre-endividamento quando já se está endividado para lá do razoável não pode ter bom prognóstico. Até porque reagir à crise: passa pela mobilidade geográfica - mas aí está a lei das rendas a tolher-nos; exige empresas financeiramente sãs - mas o regime fiscal empurra-as para o endividamento; precisa de soluções que dêem pronto reaproveitamento aos patrimónios das empresas inviáveis - mas a lei da insolvência parece pensada para que fiquem ao Deus-dará. E não há como reagir à crise sem Bancos bem capitalizados (um caminho demasiado longo para muitos dos nossos Bancos) e sem segurança jurídica (com os nossos supervisores apostados em abalar a pouca confiança que ainda nos resta). Por isso, ficamos assim.
 
 A. Palhinha MachadO
Junho 2009

ASSIM FALAMOS – 3

 

 
Gramática
 
Os melhores preparados são os que ficam/estão/são mais bem preparados
 
            Ouvi, uma vez mais, pela televisão. Foi a respeito da gripe: “Temos que estar “melhor preparados” para a enfrentar”. Mas com tais incorrecções de linguagem, morremos todos de gripe, ou, pelo menos, gripados. É certo que ninguém se importa.
           
            As formas melhor/pior são o comparativo dos adjectivos bom/mau, tal como dos advérbios bem/mal.
           
            No tempo em que o ensino do francês era bem tolerado – mais bem tolerado – costumávamos explicar que os comparativos dos advérbios franceses bien/mal eram mieux/pis, sempre invariáveis, enquanto que os dos adjectivos bon/mauvais eram meilleur/pire, variáveis – un meilleur élève, une meilleure élève, de pires élèves.... Diferentemente, pois do caso português de homonimia - melhor/pior, comparativos sintéticos tanto dos adjectivos como dos advérbios, variáveis em número ou não, segundo os casos.
           
            Dir-se-á, pois, “ter melhor / pior figura” como adjectivos, sendo incorrectas as formas mais boa / mais má – (fr. meilleur / pire); “isto vai melhor / pior”, advérbios, (sendo incorrectas as formas mais bem / mais mal(fr. mieux/pis).
             (Usar-se-á, todavia, as formas analíticas mais bom, mais mau em caso de expressão de duas qualidades do mesmo sujeito. Ex: “Xavier é mais mau do que grosseiro ”;Micaela é mais boa do que eficiente”.)
 
            Mas há na língua portuguesa uma forma verbal chamada particípio passado que tem uma construção especial no comparativo. Os advérbios bem e mal, precedendo os particípios passados, no caso, pois, do comparativo, empregam-se segundo a forma analítica mais bem / mais mal em vez da forma sintética melhor / pior. Igualmente, no superlativo analítico: o mais bem ( estimado...) / o mais mal (estimado...)
            Alguns exemplos:
            - “Folques. é mais bem / mais mal educado do que Guilherme.” – e não melhor / pior educado. No superlativo: o mais bem / o mais mal educado.
            - “Aquele prédio está mais bem / mais mal construído do queo outro” – e não melhor / pior construído. Superlativoo mais bem / o mais mal construído.
            - “Aquele país pareceagora mais bem / mais mal governado / regido/ defendido / protegido do que dantes” – e não melhor / pior governado, melhor / pior regido, melhor / pior defendido, melhor / pior protegido. Superlativo: o mais bem / o mais mal governado, defendido...
            Outros exemplos de particípipos passados no comparativo e no superlativo relativo de superioridade, o advérbio anteposto ao particípio:
 
            Mais bem / mais mal (do que); O mais bem / o mais mal 
 
            lido; escrito; desenhado; traduzido; justificado; argumentado; explicado; barbeado; esculpido; lavado; cozinhado; amado.......
 
            Não se diga, pois:(o) melhor lido, escrito...
 
            Poder-se-á usar a forma sintética (melhor / pior) todavia, em caso da sua posposição ao particípio:
 
            Ex: O discurso foi aplaudido melhor do que se esperaria.
 
            Mas o mais frequente será, na anteposição do advérbio ao particípio, como mais bem traduzido, o uso da forma analítica.
             Se é que a correcção linguística ainda merece alguma atenção entre nós, após um falso Acordo Ortográfico da nossa subserviência ao Estrangeiro.
 
                        Berta Brás

POSTAIS ILUSTRADOS XXV

 

TEOLOGIA DA ECONOMIA II
Parte III
(Continuação)
Tudo e Nada
(O Lucro)
 
Há palavras que trazem com elas um
universo inteiro” José Eduardo Agualusa,
in Barroco Tropical, pág. 42, 2ª Edição,
publicações Dom Quixote.
 
 
Na continuação do texto anterior, quedamo-nos por um conceito, não sofisticado, de Lucro, sendo que é uma mais valia, um rendimento, que acresce ao valor patrimonial que possuímos e que bem gerido e reaplicado tem um efeito multiplicador. É esse acréscimo que torna possível a reprodução dos investimentos e que torna real a riqueza. Mas isto toda a gente sabe. A questão que se deve pôr é, como não podia deixar de ser, para onde vai toda esta riqueza excedente daquela que é aproveitada para ser reinvestida e dar ainda mais Lucro. Pode ir e vai, sem dúvida, para alguns particulares e socialmente apenas tornar muito mais ricos os que já são muitíssimo ricos, ou pode ser usado para minimizar os mais carenciados e essa utilização se bem feita e bem conseguida não desprimora, ofende ou prejudica os mais abastados e tornaria possível cumprir um dos papéis do Estado que é o de organizar, harmonizar e humanizar a vida em Comunidade.
 
Ora, aqui é que está o busílis da questão, onde o rabo da porca se cruza com uma multidiversidade de interesses paralelos e antagónicos e, se torce, torce... Não aponto aqui para teorias do Robin dos Bosques, (não sou primeiro-ministro, sequer ministro das finanças e economia), nem de intervencionismo permanente e institucionalizado do Estado. Assim como não é possível, nos dias de hoje, adoptar as “virtudes” da economia pura de mercado tão ao gosto dos clássicos como Adam Smith, também, não é possível optarmos pelo keynesianismo, mesmo que moderno, tão ao gosto dos neoclássicos de agora. Nem o dirigismo do Estado! Este tem limites e não serve para tudo, nomeadamente, se estão em causa os princípios básicos da nossa Liberdade.
 
A derrocada do dirigismo comunista e a falha do capitalismo puro e duro são a prova de que os sistemas político-económicos carecem de uma cirurgia. Há que buscar uma nova Teoria Económica no Mundo e, para Portugal, um sistema político actualizado e moderno que nasça do conjunto de experiências, contabilizando, principalmente, as falhadas para que se quebrem leis da economia e padrões de comportamentos políticos nocivos às novas experiências. Assim nos disse Camões, a experiência é uma grande professora, não nos fiquemos pelos Velhos do Restelo e aproveitemos as oportunidades que se nos apresentam. Há que criar um novo modelo económico híbrido, um socialismo capitalizante ou um capitalismo socializante, como queiram classificá-lo... desde que resulte. Estou mais interessado nos resultados do que em dar um nome à coisa.
 
A ideia foi-me inspirada pelo José Eduardo Agualusa [1]. E, por falar de experiências, o Mundo já passou por dois New Deal nos EUA, por Bretton Woods depois do holocausto, pelo cair do Muro de Berlim e pelo rasgar da Cortina de Ferro. O Mundo agora enfrenta outros problemas, mais sofisticados e mais temíveis e mais próximos, também, por via da Globalização. É neste novo contexto que temos de navegar, nós e o resto do Mundo.
 
Estamos a menos de trinta dias das legislativas. Esperemos o que os nossos políticos têm para nos dizer nesta época tão difícil. Mas pelo que tenho visto pela amostra, vamos ter mais do mesmo e ainda não aprenderam coisa alguma. A Dona Arrogância mantém a sua anatomia “cheiinha”, proporcional aos interesses dos partidos e estes a lançar mais uns políticos na subvenção vitalícia depois de uns anos a servir, por vezes muito mal, a res publica. O tamanho do umbigo político é tão grande, como a ambição desproporcionada! E isto é fatal para o nosso equilíbrio como Sociedade.
 
Escreveu José Saramago no Diário Notícias: “Oegoísmo pessoal, o comodismo, a falta de generosidade, as pequenas cobardias doquotidiano, tudo isto contribui para essa perniciosa forma de cegueira mental que consisteem estar no mundo e não ver o mundo, ou só ver dele o que, em cada momento, forsusceptível de servir os nossos interesses”[2]. Aguardemos... pela espessura humana dosproblemas. (continua)
 
 Luís Santiago
 
[1]“Penso no capitalismo como sendo um caminho feliz para o socialismo...”, José Eduardo Agualusa,
“Barroco Tropical” pág. 59, 2ª Edição, publicações Dom Quixote;
[2] Não gosto do género literário de José Saramago e que o levou ao Nobel. Não sou defensor do seu pensamento social, nem da sua orientação política, mas, não posso deixar de concordar com a clarividência desta afirmação.

NÃO É SÓ A LÍNGUA QUE NOS UNE

 

 
 
(…)
 
É na forma como se iniciou a expansão lusa que encontramos a semente de amizade baseada na tolerância e mútua aceitação da qual a geração actual ainda colhe os seus frutos em todos os contactos que tem com as nações nascidas desta ligação. Esta não foi colonial, no sentido negativo que este termo hoje transmite, mas um casamento cultural e espiritual que privilegiava quem abrisse os seus braços para nos receber.
 
As más-línguas quinhentistas falavam da “Política da Cama” que os portugueses instituíram nos seus contactos com outros povos. Para nós, foi simplesmente o cumprimento do que era considerado natural. Tal como Alexandre o Grande viu com bons olhos o casamento dos seus generais com princesas de países subjugados, também D. Manuel I de Portugal permitiu que D. Afonso de Albuquerque desse estímulo e privilégios aos lusos que casassem com as “Pérolas do Malabar”.
 
Quando nos ensinam que Afonso de Albuquerque conquistou Goa em 1510 e Malaca em 1511, acentuam-se geralmente os milhares de quilómetros de distância entre estes dois pólos asiáticos e esquecem-se de nos transmitir que Portugal se encontrava, desde a queda de Bizâncio (1453), numa cruzada geral contra o Islão. Portugal não tirou Goa aos goeses mas ao Idalcão, um muçulmano. Os portugueses foram bem vindos e considerados libertadores. Em Damão deu-se o mesmo. Esta praça pertencia ao Rei de Cambaia que a perdeu por revolta de uma unidade militar muçulmana. Recebemos Diu por contrato, o mesmo acontecendo com a grande maioria das feitorias portuguesas que eram instaladas não por força das armas mas pelo reconhecimento recíproco das vantagens que daí surgiriam para todas as partes.
 
Não se deve pensar que toda a nossa expansão foi pacífica. Isto não corresponde à verdade. Todas as expansões de todos os povos têm páginas negras e o mesmo acontece com a nossa. Porém, não é comparável à de outras nações. Se observarmos o que aconteceu aos Aztecas no México, aos Incas no Peru ou aos Guanches nas Canárias, temos de reconhecer que não há paralelismos entre as formas de actuar. O que tornou a expansão lusa tão diferente da das outras nações foi o nível ético e moral com que a mesma foi iniciada! Tudo isto se deveu à Ordem de Cristo que, como filha da Ordem Templária, escolheu a dedo os nossos navegadores, verdadeiros cavaleiros religioso-militares.
 
Toda a orientação dada por Portugal no seu convívio com outras culturas foi ímpar. Para bem demonstrar a nossa capacidade e competência temos uma prova indiscutível que nos foi deixada por uma lei de 1755 onde o Monarca de Portugal ordenava que todos os casamentos entre portugueses da metrópole e indígenas, mesmo que celebrados pelos ritos locais, eram válidos e as crianças nascidas destes casamentos possuíam os mesmos direitos que as crianças nascidas de um casamento católico. Podemos considerar esta lei simplesmente como a reconfirmação setecentista da autorização do casamento inter-racial quinhentista, ambos representando um avanço multissecular em relação às legislações de outros povos. Porém, D. José resolveu ir mais longe. Estabeleceu que, quando houvesse um lugar vago na função pública nestas partes do Reino, fosse preferido para o ocupar um filho de um destes casamentos mistos. Com isto a Coroa evitou o aparecimento de possíveis problemas porque, logo de início, se reconhecia qual era o grau de importância que eventuais questões poderiam vir a ter para ambas as partes e resolvia-se tudo em família, sem criar grandes rancores. O exemplo máximo da situação oposta deu-se na Índia Britânica onde só um inglês poderia ser funcionário público, não podia tão-pouco ser escocês ou irlandês! Um nativo da Índia era impensável para ocupar o cargo! O resultado foram levantamentos populares que resultaram em massacres terríveis causando, por sua vez, esmagamentos militares de má memória.
 
A forma lusa de estar no mundo, não se deixando vergar, não se submetendo nem impondo a outros a subjugação, vivendo e deixando viver, coabitando o planeta de forma harmoniosa, não se considerando superior nem inferior, procurando apreender dos outros o que acha aceitável, rejeitando tudo o que considera impróprio, deu aos portugueses um lugar de relevo entre os que possam ensinar algo de válido à Humanidade.
 
Não é só a língua que une centenas de milhões de seres humanos na lusitanidade. É, em primeiro lugar, a Grande Alma Lusa que continua a viver apesar da substituição de Deus pelo dólar e das estatísticas materialistas racionais que não conseguem pesar a beleza de pensamentos nem medir espíritos de missão.
 
(…)
 
Prof. Rainer Daehnhardt at ...  Rainer Daehnhardt
In “PORTUGAL – A MISSÃO QUE FALTA CUMPRIR”, Ed. Zéfiro, 1ª edição, pág. 232 e seg.
 

JUSTIÇA MINADA E AFOGADA

 

  ... decisão da Justiça
 
O estado da Justiça gera grave preocupação em todos os diagnósticos da situação portuguesa. Esses diagnósticos têm razão mas, em geral, falham o alvo.
A censura começa por ser mais severa que a realidade. Os nossos tribunais não são suspeitos de corrupção, displicência ou enviezamento. Apenas lentidão. Não temos uma justiça distorcida, mas demorada. Esse atraso é muito nocivo, mas não devastador. Além disso muitas críticas provêm de alguns processos mediáticos que correram muito mal. Mas os casos que interessam os jornais não retractam fielmente o conjunto judiciário. Como de costume, as queixas e lamentos lusos ultrapassam as falhas reais.
Apesar disso há fortes razões de preocupação, mas por motivos diferentes dos geralmente invocados. Pode falar-se de ineficiência nos procedimentos, interferências políticas e bloqueios corporativos, mas todas essas explicações não só são demasiado fracas para justificar a situação, mas existiam já em épocas passadas sem as falhas actuais. O problema está noutro lado como o revelam factos curiosos.
É frequente um tribunal recém-inaugurado fechar as portas por inundação de processos. A sociedade abusa do mecanismo judicial e conflitos antes resolúveis em família ou por conversas acabam na barra. Sinal equivalente vem da usurpação dos média, blogs e discussões de café, que assumem poderes de juiz. A opinião pública habituou-se a condenar displicentemente e sem apelo, com base em análises vagas, testemunhos parciais, deliberação apressada.
A Justiça é o sector mais ligado ao estado da civilização, à atitude social básica. Por aí passam as patologias de uma época, revelam-se os desequilíbrios e clivagens da personalidade colectiva. É nos traços profundos da nossa identidade que devemos procurar as origens dos bloqueios. A sociedade está desconfiada, queixosa, quezilenta. Aí se encontra a causa real dos males. O atraso judicial é mero sintoma da depressão nacional.
Há muito que forças poderosas estão abertamente empenhadas em desmantelar as tradicionais colunas da moral nacional. Discursos políticos e desenhos animados, relatórios de peritos, revistas da moda e programas humorísticos desdenham da ética e propõem a transgressão sem vergonha. Em nome da liberdade, progresso e dinamismo atacam-se os valores que nos orientam há séculos. A religião é obsoleta, a família tacanha, a ética ridícula. Por interesses comerciais, fidelidades ideológicas ou simples divertimento mediático é costume hoje, não só desprezar a honestidade e seriedade, mas exaltar o atrevimento e a rebeldia. Não admira a crise na Justiça.
Os valores continuam respeitados na vida pessoal dos cidadãos e nos pronunciamentos oficiais, até porque é impossível viver sem eles. Mas isso passa-se à margem da cultura dominante, que recomenda arbitrariedade e atrevimento. Aí poucos princípios são sagrados, fora da ecologia, tabaco e trânsito. Pode dizer-se que os nossos antepassados eram mesquinhos e as suas regras abafadas, mas nós substituímo-las pela confusão, desmantelando as referências em nome da autonomia. Se ninguém sabe qual a Justiça que tem de seguir, é normal que a Justiça não funcione.
Pior ainda, quando a ética recua avança a lei. Subsistimos no meio de um indescritível matagal regulamentar, numa inimaginável profusão de decretos e portarias. Tudo é regulado ao pormenor e vigiado por multidão de fiscais e polícias que domina cada aspecto da vida. Não confiamos nos vizinhos e por isso amarramo-nos a todos com leis. Esta enxurrada legal revela a tolice e delírio de um sistema doente, mas não envergonha governantes e legisladores. Como pode a Justiça funcionar?
Há 1500 anos um bispo africano descreveu bem a atitude básica da nossa vida pública: "Os homens sem esperança, quanto menos preocupados estão com os seus pecados, tanto mais curiosos são sobre os pecados alheios. Não procuram corrigir, mas criticar. E, como não podem escusar-se a si mesmos, estão sempre prontos para acusar os outros." (Stº. Agostinho, Sermão 19, 2 CCL 41, 252).
João César das Neves: "O ...  João César das Neves

A QUEM DAREI O MEU VOTO - 4

 

A GRUTA DE ALI BABÁ
 
 
 
Sim, vou tratar de gatunos e de outros delinquentes.
 
Convicto de que a grande maioria da população residente em Portugal é honrada e laboriosa, resta uma minoria que se pauta por outros critérios que não os da honradez e do trabalho. Contudo, é dessa minoria e seus feitos que se ocupa abundantemente a comunicação social dando aos leitores-ouvintes-espectadores um desconforto eventualmente maior do que a realidade poderia justificar. Diz o Governo que a realidade é mais branda do que a imagem que dela dão jornais, rádios e televisões mas como o cidadão comum tende sempre a crer nos jornalistas e a descrer em quem manda, prevalece o temor dos pacatos perante os ilícitos.
 
Mais: constatamos a desmotivação das Polícias frequentemente desautorizadas pelos juízes pois a palavra do polícia vale tanto como a do réu que vai em liberdade por não ficar provado ter sido apanhado em flagrante; o polícia incorre em graves problemas quando numa refrega fere um bandido e este tem direito à inocência enquanto a culpa não for provada em juízo; o polícia tem que pagar do seu bolso tanto a farda que é obrigado a envergar como os danos que possam ocorrer na viatura que utilize numa perseguição enquanto o bandido, provado o crime, baixa aos calabouços para ser alimentado por conta do Erário Público numa permanência ociosa incentivadora de vícios.
 
 
Postos os contribuintes perante cenário de tão clara inversão de valores, não precisam que alguém lhes diga que estamos a ser mal governados. E é quando essa vulgata denunciadora se refere aos diplomas com origem parlamentar que quem periga não é o Governo mas sim o Regime.
 
E porque não colhe a mudança de Regime, há que mudar as pessoas. Quais? As que ao serviço do Regime não considerem que viver em Portugal é um privilégio, que só cá pode viver livremente quem cumpra as regras que a democracia define. E essas regras não podem mais basear-se em valores invertidos que de tanto defenderem os direitos do infractor acabam por prejudicar o exercício da Justiça desautorizando as Polícias e abalando os fundamentos da Ética (mesmo da republicana) permitindo a instauração de um clima de insegurança contrário aos mais altos desígnios da Democracia. Devem ser substituídos aqueles para quem a palavra de um militar ou militarizado juramentado vale tanto como a do presumível bandido e para quem um magistrado mais não é do que um computador com pernas a quem cabe cegamente aplicar a lei por mais absurda que ela se possa apresentar. Deve ser substituído todo aquele que se entretém a tecer subterfúgios legais para que aos criminosos seja assegurada a actual impunidade e para que se consiga a eternização dos processos até que caduquem antes que transitem em julgado.
 
Estes, os que não merecerão o meu voto pois é chegado o momento de cimentar uma grande pedra na entrada da gruta de Ali Babá.
 
Mas darei o meu voto a quem me der garantias de considerar que:
 
  • É um privilégio viver em Portugal;
  • A Lei deve ser expurgada dos subterfúgios que impedem a sua rápida aplicação dando aos magistrados condições para que possam fazer Justiça com rapidez;
  • A liberdade e a segurança devem ser asseguradas aos cumpridores e o cárcere aos infractores;
  • A palavra de um militar ou militarizado é claramente mais valiosa do que a de um presumível bandido;
  • Em crime não há prescrição;
  • A prisão tem que ser um local em que o prisioneiro paga a estadia com trabalho de horário completo e de que só pode sair quando tiver cumprido a pena, concluído o ensino obrigatório e tiver «alta» psiquiátrica;
  • Ao prisioneiro não é conferido o direito de voto.
 
Tavira, Setembro de 2009
 
 Henrique Salles da Fonseca
 
 
 

CRÓNICA DE VIAGEM – 3

 

 
 
BULGÁRIA
   
 
    Gastando os últimos dois dias do meu roteiro turístico, e quando sobre o corpo já pesa um certo cansaço, entro na Bulgária, após umas três horas de viagem terrestre desde Bucareste. Talvez seja o momento de fazer um pequeno balanço sobre os propósitos desta série de crónicas. Inicialmente, a intenção foi enveredar por uma espécie de síntese analítica que integrasse o conjunto dos três países, com uma narrativa mais subordinada ao aspecto temático que descritivo, mais cingida ao extracto do pensamento que à exposição de dados. Mas acabei por preferir tratar cada país de per si, uma vez ter concluído que de outro modo iria suprimir grande parte dos registos que trazia no alforge. No caso particular da Bulgária, não se pode dizer que a visita seja o corolário de todo o roteiro, caso que até poderia ter sido diferente se aquele tivesse abrangido a costa búlgara do Mar Negro, onde consta haver lugares turísticos muito aprazíveis. Portanto, sem ser o patinho feio destas crónicas de viagem, tenho de reconhecer que, excluídos os locais do Mar Nego, na Bulgária não tive possibilidade de ver atracções turísticas de vulto nem colhi registos pessoais fora do comum, susceptíveis uns e outros de ocasionar um espraiar da vista e do pensamento.
 
Render da Guarda em Sofia
 
    Mas o facto é que mal se entra em terra búlgara depara-se com ligações rodoviárias em melhores condições do que é dado ver actualmente na Roménia. Esta só há pouco tempo arrancou com a modernização e expansão da sua rede rodoviária, ao passo que a Bulgária há muito dispunha de uma situação bem mais vantajosa neste capítulo. Esta realidade pode à primeira vista parecer contraditória, por ser um país de muito menores potencialidades económicas que o vizinho. Mas há uma explicação plausível. A Bulgária, diferentemente da Roménia de Ceausescu, foi dos mais indefectíveis satélites de Moscovo, deste dependendo largamente a sua economia e colhendo apoios ao desenvolvimento das suas infra-estruturas, como seria o caso das vias de comunicação. A situação económica do país era nessa época tão equilibrada, dentro dos limites da lógica do sistema então vigente, que o padrão de vida dos búlgaros chegou a cair cerca de 40% nos anos seguintes ao desmembramento do Bloco, quando cessou o acesso privilegiado ao mercado soviético.
    País parcialmente montanhoso e com um clima quente e seco no Verão, faz-nos lembrar um pouco Portugal. Atravessa-se longas extensões de território sem se avistar povoados e sem se deparar com grandes áreas cultivadas, senão florestas semelhantes às nossas em certas regiões. É certo que, ao invés do que aconteceu em território romeno, as vias rápidas, aqui mais desenvolvidas, tendem a contornar os centros habitacionais, mas mesmo assim surpreende a rarefacção de aglomerados populacionais, pequenos que sejam, ao longo do trajecto. A paisagem humano-geográfica parece assim indiciar o predomínio do “habitat concentrado” em grande parte do território búlgaro. Pelo menos é a impressão que se colhe no trajecto entre a fronteira, em Ruse, e a capital. Pese embora o bom estado das vias rápidas, à chegada a Sofia salta à vista que os arrabaldes e os pequenos acessos à cidade apresentam mau estado de conservação e até um aspecto deprimente e pouco encorajador aos olhos de quem visita pela primeira vez o país. E os degradados bairros sociais da era comunista não podiam faltar, condizendo com a aridez insípida do ambiente à volta, semelhantes que são na sua traça e na sua uniformidade aos da generalidade dos ex-países comunistas. É natural que esses inestéticos mamarrachos comecem, aos poucos, a ceder lugar a empreendimentos e edifícios mais modernos e aprazíveis, como o recém-inaugurado hotel do grupo Holliday Inn, onde fomos alojados. Esse hotel e outros empreendimentos privados, como sedes de empresas, escritórios, centros comerciais e cinemas, inserem-se, pois, numa área renovada dos arredores da cidade e representam o investimento na modernização e na reabilitação da economia do país.
    Tendo reagido vigorosamente à ruptura com o sistema em que se integrava, os primeiros sinais da recuperação da economia búlgara só começaram a aparecer, todavia, depois de 1997, com o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e a queda da inflação, propiciando a estabilidade macroeconómica que viria a favorecer a entrada do país na União Europeia, em 2007, ao lado da Roménia. Não obstante o país enfrentar uma elevada taxa de desemprego e baixos padrões de vida, os sinais apontam claramente para uma aceleração das privatizações e a prossecução das reformas estruturais. No entanto, à semelhança da Roménia, o país tem de superar os emperramentos de um funcionalismo público corrupto e de uma máquina fiscal e sistema judiciário pouco eficazes. Além disso, a elevada emigração que se seguiu à queda do sistema comunista, agravada com as actuais baixas taxas de natalidade, perfila-se como outro problema candente. 
 
                       
O autor e a mulher, posando à entrada da Igreja de Santa Sofia
 
    Com apenas dois dias para a minha visita, ela resumiu-se praticamente à capital Sofia, uma cidade com interessante herança arquitectónica, mas onde apenas se destacam, como locais de maior interesse turístico, a Praça Nedejla, a Igreja Russa de S. Nicolas, a Igreja de Santa Sofia e a famosa Catedral Alexandre Nevski. Mas o tempo deu ainda para mergulhar no mercado tradicional da cidade, localizado mesmo no centro, onde se pode comprar produtos de consumo diário e outros bens típicos. Foi, por assim dizer, a única visita que me permitiu sentir um pouco a alma singela da cidade, pois que um mercado tradicional espelha muitas vezes o lado simples e mais autêntico de uma identidade nacional.
     O pouco tempo disponível deu para visitar o mosteiro mais importante da Bulgária e declarado património da Humanidade pela UNESCO. Situado nas montanhas de Rila, a cerca de 100 Km de Sofia, é ricamente decorado tanto no seu interior como no seu exterior, rodeado pelas celas, habitadas, dos monges e outras instalações monásticas.
 
Mosteiro de Rila
 
 Registe-se ainda que foi muito recentemente inaugurado um novo terminal no aeroporto de Sofia, moderno e com todo o conforto para quem o utiliza, mais um sinal de que o país está apostado na mudança.
    Terminei a visita a Bulgária com a sensação de que houve algo que em mim não se inscreveu de forma indelével. Gostaria, por exemplo, de ter ouvido o folclore e os cantos tradicionais da Bulgária, que são belos. Por isso, um dia voltarei para conhecer melhor o país e a sua gente, e nessa altura a costa do mar Negro não será por certo excluída do meu roteiro. Mas são óbvios os sinais de que o país aposta e acredita no futuro. E um sinal bem simbólico da sua ruptura completa com o passado foi a demolição, em 1990, do mausoléu de mármore, construído na Praça Battenberg, onde esteve depositado o corpo embalsamado de Gueórgui Mikhailov Dimitrov (o Stalin búlgaro) desde a sua morte em 1949. Mandado cremar pelas novas autoridades políticas, o corpo do velho estadista regressou ao destino comum dos mortais, coroado ou não com o louro da glória, absolvido ou não dos seus pecados. É que a sagração nacional dos fundadores do regime, que era prática corrente no mundo comunista, foi derrogada pela lógica igualitária vigente nas democracias ocidentais, que rejeitam o culto de personalidade ou o endeusamento de figuras públicas. E a filosofia no mundo ocidental é tão diferente que muitas vezes a memória dos que servem a nação tem a duração de uma bolha de sabão que se desfaz no ar.
 
 
Tomar, Agosto de 2009
 
 
 
 
Adriano Miranda Lima
 

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