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A bem da Nação

CRÓNICA DE VIAGEM – 3

 

 
 
BULGÁRIA
   
 
    Gastando os últimos dois dias do meu roteiro turístico, e quando sobre o corpo já pesa um certo cansaço, entro na Bulgária, após umas três horas de viagem terrestre desde Bucareste. Talvez seja o momento de fazer um pequeno balanço sobre os propósitos desta série de crónicas. Inicialmente, a intenção foi enveredar por uma espécie de síntese analítica que integrasse o conjunto dos três países, com uma narrativa mais subordinada ao aspecto temático que descritivo, mais cingida ao extracto do pensamento que à exposição de dados. Mas acabei por preferir tratar cada país de per si, uma vez ter concluído que de outro modo iria suprimir grande parte dos registos que trazia no alforge. No caso particular da Bulgária, não se pode dizer que a visita seja o corolário de todo o roteiro, caso que até poderia ter sido diferente se aquele tivesse abrangido a costa búlgara do Mar Negro, onde consta haver lugares turísticos muito aprazíveis. Portanto, sem ser o patinho feio destas crónicas de viagem, tenho de reconhecer que, excluídos os locais do Mar Nego, na Bulgária não tive possibilidade de ver atracções turísticas de vulto nem colhi registos pessoais fora do comum, susceptíveis uns e outros de ocasionar um espraiar da vista e do pensamento.
 
Render da Guarda em Sofia
 
    Mas o facto é que mal se entra em terra búlgara depara-se com ligações rodoviárias em melhores condições do que é dado ver actualmente na Roménia. Esta só há pouco tempo arrancou com a modernização e expansão da sua rede rodoviária, ao passo que a Bulgária há muito dispunha de uma situação bem mais vantajosa neste capítulo. Esta realidade pode à primeira vista parecer contraditória, por ser um país de muito menores potencialidades económicas que o vizinho. Mas há uma explicação plausível. A Bulgária, diferentemente da Roménia de Ceausescu, foi dos mais indefectíveis satélites de Moscovo, deste dependendo largamente a sua economia e colhendo apoios ao desenvolvimento das suas infra-estruturas, como seria o caso das vias de comunicação. A situação económica do país era nessa época tão equilibrada, dentro dos limites da lógica do sistema então vigente, que o padrão de vida dos búlgaros chegou a cair cerca de 40% nos anos seguintes ao desmembramento do Bloco, quando cessou o acesso privilegiado ao mercado soviético.
    País parcialmente montanhoso e com um clima quente e seco no Verão, faz-nos lembrar um pouco Portugal. Atravessa-se longas extensões de território sem se avistar povoados e sem se deparar com grandes áreas cultivadas, senão florestas semelhantes às nossas em certas regiões. É certo que, ao invés do que aconteceu em território romeno, as vias rápidas, aqui mais desenvolvidas, tendem a contornar os centros habitacionais, mas mesmo assim surpreende a rarefacção de aglomerados populacionais, pequenos que sejam, ao longo do trajecto. A paisagem humano-geográfica parece assim indiciar o predomínio do “habitat concentrado” em grande parte do território búlgaro. Pelo menos é a impressão que se colhe no trajecto entre a fronteira, em Ruse, e a capital. Pese embora o bom estado das vias rápidas, à chegada a Sofia salta à vista que os arrabaldes e os pequenos acessos à cidade apresentam mau estado de conservação e até um aspecto deprimente e pouco encorajador aos olhos de quem visita pela primeira vez o país. E os degradados bairros sociais da era comunista não podiam faltar, condizendo com a aridez insípida do ambiente à volta, semelhantes que são na sua traça e na sua uniformidade aos da generalidade dos ex-países comunistas. É natural que esses inestéticos mamarrachos comecem, aos poucos, a ceder lugar a empreendimentos e edifícios mais modernos e aprazíveis, como o recém-inaugurado hotel do grupo Holliday Inn, onde fomos alojados. Esse hotel e outros empreendimentos privados, como sedes de empresas, escritórios, centros comerciais e cinemas, inserem-se, pois, numa área renovada dos arredores da cidade e representam o investimento na modernização e na reabilitação da economia do país.
    Tendo reagido vigorosamente à ruptura com o sistema em que se integrava, os primeiros sinais da recuperação da economia búlgara só começaram a aparecer, todavia, depois de 1997, com o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e a queda da inflação, propiciando a estabilidade macroeconómica que viria a favorecer a entrada do país na União Europeia, em 2007, ao lado da Roménia. Não obstante o país enfrentar uma elevada taxa de desemprego e baixos padrões de vida, os sinais apontam claramente para uma aceleração das privatizações e a prossecução das reformas estruturais. No entanto, à semelhança da Roménia, o país tem de superar os emperramentos de um funcionalismo público corrupto e de uma máquina fiscal e sistema judiciário pouco eficazes. Além disso, a elevada emigração que se seguiu à queda do sistema comunista, agravada com as actuais baixas taxas de natalidade, perfila-se como outro problema candente. 
 
                       
O autor e a mulher, posando à entrada da Igreja de Santa Sofia
 
    Com apenas dois dias para a minha visita, ela resumiu-se praticamente à capital Sofia, uma cidade com interessante herança arquitectónica, mas onde apenas se destacam, como locais de maior interesse turístico, a Praça Nedejla, a Igreja Russa de S. Nicolas, a Igreja de Santa Sofia e a famosa Catedral Alexandre Nevski. Mas o tempo deu ainda para mergulhar no mercado tradicional da cidade, localizado mesmo no centro, onde se pode comprar produtos de consumo diário e outros bens típicos. Foi, por assim dizer, a única visita que me permitiu sentir um pouco a alma singela da cidade, pois que um mercado tradicional espelha muitas vezes o lado simples e mais autêntico de uma identidade nacional.
     O pouco tempo disponível deu para visitar o mosteiro mais importante da Bulgária e declarado património da Humanidade pela UNESCO. Situado nas montanhas de Rila, a cerca de 100 Km de Sofia, é ricamente decorado tanto no seu interior como no seu exterior, rodeado pelas celas, habitadas, dos monges e outras instalações monásticas.
 
Mosteiro de Rila
 
 Registe-se ainda que foi muito recentemente inaugurado um novo terminal no aeroporto de Sofia, moderno e com todo o conforto para quem o utiliza, mais um sinal de que o país está apostado na mudança.
    Terminei a visita a Bulgária com a sensação de que houve algo que em mim não se inscreveu de forma indelével. Gostaria, por exemplo, de ter ouvido o folclore e os cantos tradicionais da Bulgária, que são belos. Por isso, um dia voltarei para conhecer melhor o país e a sua gente, e nessa altura a costa do mar Negro não será por certo excluída do meu roteiro. Mas são óbvios os sinais de que o país aposta e acredita no futuro. E um sinal bem simbólico da sua ruptura completa com o passado foi a demolição, em 1990, do mausoléu de mármore, construído na Praça Battenberg, onde esteve depositado o corpo embalsamado de Gueórgui Mikhailov Dimitrov (o Stalin búlgaro) desde a sua morte em 1949. Mandado cremar pelas novas autoridades políticas, o corpo do velho estadista regressou ao destino comum dos mortais, coroado ou não com o louro da glória, absolvido ou não dos seus pecados. É que a sagração nacional dos fundadores do regime, que era prática corrente no mundo comunista, foi derrogada pela lógica igualitária vigente nas democracias ocidentais, que rejeitam o culto de personalidade ou o endeusamento de figuras públicas. E a filosofia no mundo ocidental é tão diferente que muitas vezes a memória dos que servem a nação tem a duração de uma bolha de sabão que se desfaz no ar.
 
 
Tomar, Agosto de 2009
 
 
 
 
Adriano Miranda Lima
 

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