Ninguém sabe ao certo quem foi o primeiro pirata, mas que é uma profissão antiga, desde que o homem começou a se deslocar pelos mares, é mesmo. E não havia piratas só no mar. Em terra eram chamados de salteadores, e talvez sejam até anteriores aos outros. Ainda lembro da preocupação de quem atravessava, já de carro, a Sierra Morena, no sul de Espanha, com medo de ser assaltado! Assalta-se hoje, sobretudo no Rio e em São Paulo, em plena luz do dia e na maior descontração, e em muitas outras cidades do mundo.
Piratearam, com a falácia vigarista de Carta de Corso, os ingleses, franceses, holandeses e outros mais, piratearam os árabes e portugueses nos mares da Índia e não só, os chineses nos seus mares a que os portugueses deram um basta, e como prémio receberam Macau de presente, piratearam os povos do norte de África no Mediterrâneo, todos eles usando sempre de grande ferocidade, continua a ser uma perigosa aventura passear de barco à vela nalgumas regiões do Caribe, e até o famoso e sempre admirado Joshua Slocum só não foi vítima de piratas primários porque seguiu o conselho do alemão que lhe sugeriu espalhar taxas (pregos) bem afiados no convés do seu Spray.
Hoje, na ordem do dia, estão os piratas da Somália. Diferem bastante dos clássicos, de perna de pau, olho de vidro e gancho num dos braços, e implacáveis nos seus ataques. Estes somalis tratam bem os reféns. Alimentam-nos e deixam-nos relativamente à vontade enquanto aguardam o pagamento dos vultuosos resgates. E estão todos ricos. Milionários.
Mas como começou esta nova onda? Em 1991 os senhores da guerra derrubaram o governo pró soviético, e a partir daí nunca mais ninguém se entendeu naquele país. Morreram dezenas de milhares de civis, a fome tomou conta de 75% da população, centenas de milhares de refugiados procuraram alcançar os países vizinhos, e a anarquia instalou-se.
As águas territoriais somalis são ricas em peixe e camarão. Muita gente, muitos pescadores viviam da pesca. Com a total ausência de governo, os pescadores ficaram ainda mais abandonados à sua sorte, e os espertos e bem equipados países pescadores, como a Índia, China, Rússia, franceses da Reunião e uns tantos outros, decidiram fazer a festa nos mares desta anarquia! Os pescadores somalis viram-se assim esbulhados, sem possibilidade de competir, e até escorraçados para fora dos seus mais ricos pesqueiros!
Ao largo da Somália, os piratas preparam uma abordagem
De entrada tentaram defender-se dando um tiro ou outro contra algum intruso o que não fez a menor diferença, porque o esbulho estrangeiro continuou.
A solução encontrada foi atacar qualquer um que por ali passasse, e pedir resgate. Não tardou a verificar-se que esta indústria era muito mais rendosa do que a pesca, e o crescer da pirataria foi imenso. Só em Novembro último os piratas tinham em seu poder 18 navios à espera do pagamento!
A Somália está hoje dividida em quatro ou cinco zonas de influência de diversos pseudo líderes. Não há governo, não há leis, não há nada. Há fome, mortes, apedrejamento de mulheres segundo as normas fanáticas da charia do Islão; só vivem como nababos os salteadores e, como é evidente, país nenhum se atreve a invadir a Somália para acabar com esta situação.
O que não está certo é o mundo condenar à priori os piratas somalis, sem penetrar no fundo da questão que acabou dando lugar a este descalabro.
Além disso, países onde se misturam extremistas, ou fundamentalistas, islâmicos, loucos pelo poder, com populações não árabes, como é o caso também do Sudão/Darfur, a normalidade, se algum dia vier a existir, está muito longe das atuais gerações.
Entretanto sofrem as populações mais pobres, e os países ricos terão que manter uma esquadra para defender o tráfego marítimo naquela região!
A propósito de termos referido as dificuldades quanto à competitividade convém recordar, muito resumidamente é claro, que esta depende das condições para os empresários como seja facilidades para investir, facilidades burocráticas para a operacionalidade, funcionamento eficaz da justiça, tratamento correcto do ponto de vista de impostos, tratamento correcto da previdência social específica destas actividades, etc., etc. e das condições para os trabalhadores que são sobrecarregados com custos de habitação e mobilidade elevados, bem como os custos da água, da energia, e outros que afectam principalmente as profissões de menores rendimentos mas que condicionam a competitividade das empresas.
Aliás como já está definido em directriz europeia que os nossos actuais responsáveis por este sector continuam a ignorar.
A quem quiser aprofundar este tema sugiro a leitura da entrevista ao Dr. João Prates Bebiano publicada na revista “Cargo” de Setembro de 2008.
Quanto ao cluster do Mar ou da Marinha vou recorrer a parte do texto de uma comunicação por mim apresentada na Academia de Marinha em 1985 por duas razões: 1ª para mostrar que esta questão não só é muito antiga mas também tem sido quase totalmente desprezada pelos media, pelos políticos e pelos empresários e 2ª ainda para mostrar que nestes vinte e três anos que entretanto passaram não houve alterações relevantes na constituição do cluster do Mar, além das novas tecnologias que afectaram tudo, que justifiquem poder agora dizer-se que estamos perante uma realidade nova, que, aliás, já tinha então quase setecentos anos de vida.
Devo esclarecer que hoje muito provavelmente faria uma lista um pouco diferente porque em vinte e três anos houve algumas alterações provenientes do progresso tecnológico e científico mas na verdade em nada alterando a essência do significado da forma de aglomeração destas actividades ligadas ao Mar e portanto à Marinha.
Por isto mesmo não vou gastar o vosso tempo e passarei rapidamente sobre esta parte para chamar a vossa atenção para o que considero mais importante neste momento: o que fazer agora, isto é, já para podermos contribuir eficientemente para tirar o País da situação difícil em que estamos actualmente.
“Passando agora ao futuro e tendo em mente a mesma atitude dos bons velhos tempos vamos começar por examinar as actividades que permitam tirar directa ou indirectamente proveito do mar:
-transportes marítimos
..construção naval
reparação naval
portos
entrepostos comerciais
zonas francas industriais
-pesca
..construção naval
reparação naval
redes
aparelhos diversos de pesca
equipamentos de detecção
tratamento e conservação de pescado a bordo
-aquacultura
..a nível total, i.e, incluindo desde a procriação até à preparação para
o consumo
a nível parcial, i.e. só a fase final
em zonas restritas artificiais
em zonas restritas naturais
sem restrição de zona
-minerais
da superfície dos fundos marinhos- exº manganês
abaixo dos fundos- exº petróleo
da água-exº sal
-turismo náutico
marinha de recreio como actividade turística pois também o é educativa e social
ilhas artificiais
pesca desportiva
-energia
produção de energia por via física
produção de energia por via biológica
aproveitamento directo da energia eólica
-educação
Para que estas actividades possam ser realizadas é preciso como já vimos conjugar as tecnologias essenciais com a gestão eficiente dos empreendimentos mas pondo esta agora de lado vamos ocupar-nos das primeiras.
Quando se fala de construção naval, por exemplo, há que distinguir os problemas e portanto as respectivas soluções dos transportes, da pesca, da marinha de recreio, da marinha de guerra, da exploração submarina, etc., etc., incluídas nas tecnologias específicas relativas a cada actividade dos que lhes são comuns e são tratados com toda a generalidade.
Assim, continuando com o exemplo da construção naval devemos considerar como essenciais as tecnologias seguintes:
-materiais: metálicos
plásticos
elásticos
fibrosos
vítreos e outros
-incluindo a sua utilização, transformação e produção (por esta ordem)
informática
hidrodinâmica- cascos e hélices
aerodinâmica – velaria
termodinâmica- motores, turbinas
mecânica- transmissões, redutores
sistemas hidráulicos
electrónica
telecomunicações
sistemas de transporte e manipulação de materiais
ar condicionado
sistemas de captura de pescado
sistemas de detecção de pescado
sistemas de tratamento e conservação de pescado
Já estamos a detectar nesta lista uma mistura de tecnologias de graus científicos e de graus de utilização diferentes e com aplicações mais ou menos sobrepostas a várias actividades.
Para melhor se sistematizar esta exposição seria fundamental a elaboração de uma matriz enquadrando as actividades do ponto de vista aproveitamento económico e as várias tecnologias devidamente individualizadas se possível segundo um critério prático propício ao seu desenvolvimento coordenado.
Quando digo graus científicos e graus de utilização directa quero referir-me a uma escala hipotética representada graficamente por um segmento de recta em que a extremidade esquerda representaria o máximo de «pureza» do trabalho de investigação científica, significando como tal a sua proximidade da ciência pura sem a preocupação de aplicação prática e imediata e em que a extremidade direita representaria a simples utilização pelo utilizador genérico por vezes até desconhecedor dos fundamentos científicos do que está a usar. É o que acontece com milhentos utensílios e equipamentos desde electrodomésticos a calculadoras e de automóveis a brinquedos.
Para seguirmos os mesmos princípios que orientaram os responsáveis por este País quando se obteve o sucesso de que tanto é costume envaidecermo-nos, teremos que analisar exaustivamente esta complexa matéria tendo em conta que os estudos e trabalhos de investigação quanto mais próximos do extremo prático mais rapidamente se tornam rentáveis, menor é o investimento mas maior a dependência de terceiros para se lhes dar início e quanto mais perto se estiver do máximo de pureza científica maior será o investimento, maior o prazo até se conseguir o retorno respectivo mas também maior será a independência no trabalho e na decisão.
Para cada caso ou grupo de casos aquela análise deverá permitir decidir por que grau começar, pesando nesta decisão o conhecimento das nossas possibilidades actuais e as potencialidades de desenvolvimento previsíveis. No fundo, actos de gestão: analisar, compreender, planear, executar, como foi realizado há alguns séculos com menos teoria e mais sucesso.
Estamos neste momento em situação mais desvantajosa mas que isto não sirva de desculpa à nossa geração se um dia as seguintes nos classificarem como nós, em abono da verdade, temos que fazer quanto a algumas nossas antecessoras menos antigas que as da primeira dinastia e início da segunda.
Final da parte 13: Apesar das dificuldades geradas por alguns comerciantes ingleses estabelecidos no Brasil e a agitação movida por alguns membros da Corte não simpatizantes da Inglaterra que tentavam dificultar as negociações entre o representante inglês (Strangford) e Sousa Coutinho acerca dos itens essenciais para compor a base do tratado, as negociações foram concluídas e o tratado foi firmado a 28 de Fevereiro de 1809.
Parte 14: (...) O tratado renovava a garantia de apoio da Inglaterra aos direitos da Casa de Bragança ao trono luso; fixava a continuidade dos direitos de comércio livre para a Inglaterra, mesmo no caso de retorno da Corte a Portugal; estabelecia o prazo de quinze anos para revisão e renovação do próprio tratado; reservava à Inglaterra o direito de excluir os súbditos e navios lusos do comércio com as suas colónias; dava aos súbditos de ambas as nações direitos recíprocos de nação mais favorecida quanto ao comércio e à navegação; reduzia o volume de taxas postais e direitos de ancoragem para os navios ingleses nos portos portugueses, da metrópole e das colónias; equiparava os impostos sobre mercadorias importadas em navios ingleses aos pagos pelos navios lusos; proibia Portugal de restabelecer o antigo regime de monopólio comercial; regulava os privilégios dos súbditos britânicos residentes no Brasil; concedia a esses súbditos direito ao comércio a varejo nos portos e cidades de Portugal e colónias; concedia à Inglaterra o direito de nomear cônsules para todas as colónias lusas; confirmava o privilégio de funcionamento do juiz Conservador; regulava as imunidades diplomáticas; assegurava aos súbditos estrangeiros a liberdade de culto nos territórios portugueses; proibia a Inquisição no Brasil; incluía o convénio da linha de navegação entre a Inglaterra e o Brasil; regulava a extradição de criminosos; fixava a tarifa de 15% ad valorem para as importações inglesas em Portugal e suas colónias; firmava a impossibilidade da entrada de açúcar e café na Inglaterra para consumo interno, impondo a reexportação; dava direito de reexportação às mercadorias inglesas entradas e não consumidas em Portugal e suas colónias, com taxas favoráveis; permitia a Portugal a exclusão do consumo em seus domínios das mercadorias coloniais britânicas; declarava livre o porto da Ilha de Santa Catarina; reafirmava a intenção de tornar Goa porto livre; permitia aos súbditos britânicos comerciar nas possessões lusas da costa oriental da África; fixava a abolição gradual do tráfico de escravos; prometia os bons ofícios da Inglaterra para firmar a paz entre Portugal e a Porta Otomana; reconhecia Portugal o socorro e a assistência que havia recebido da Inglaterra, concedendo a esta, por isso, o direito de retirar madeira para os seus navios e construi-los nos portos brasileiros; regulava o problema de provisões para refresco dos navios ingleses estacionados no Brasil, por conta do governo português; reafirmava a validade de todos os antigos tratados firmados entre a Inglaterra e Portugal; aniquilava os privilégios da companhia dos vinhos do Porto, desistindo a Inglaterra, em compensação, de fundar fábricas nos domínios lusos; regulava o contrabando de guerra; determinava sobre naufrágios, pirataria e outros problemas, no caso de ruptura entre as partes contratantes; determinava que o tratado entraria em vigor na data de sua ratificação pela Inglaterra. (...) Havia ainda dois artigos secretos – um deles referia-se às indemnizações que a Inglaterra receberia pelos prejuízos sofridos pelos seus súbditos em Portugal; o outro estabelecia, por cinquenta anos, a soberania lusa sobre Bissau e Cacheu, em troca da promessa inglesa de bons ofícios para conseguir que Portugal obtivesse a restituição de Olivença e Turemenka e o restabelecimento dos antigos limites com a Guiana Francesa.
Os paises lusófonos têm uma verdadeira indústria de superstições, lendas, fábulas, provérbios e refrãos populares. A nossa cultura é rica em personagens como lobisomem, alma penada, bruxas, mula sem cabeça. Procuramos benzedeiras para tratar da saúde e quiromantes para adivinhar o futuro. Somos um povo supersticioso por natureza. Mesmo aquele que diz não acreditar em azar não passa debaixo de uma escada, logo dizendo, que é para que ela não lhe caia na cabeça.
Para relembrar um dos aspectos da velha “açorianidade”, lá vai uma oração para tirar o mau-olhado:
Dos olhos que te deram quebranto,
Quatro te tirarão:
Virgem Maria e o senhor São João
Reza-se o Credo três vezes.
Uma salve-rainha a Nossa Senhora da Conceição,
A Santo António e a São João,
Que tire este mal e o ponha no mar sagrado,
Que não faça mal a ninguém
Reza-se a salve-rainha três vezes.
Credo em cruz, santo nome de Jesus (três vezes).
Arreda atrás satanás (três vezes)
Credo em cruz (três vezes)
Abrenúncio (três vezes).
A pessoa que diz a oração benze-se três vezes dizendo:
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Pobres Santos têm sempre muita coisa a fazer!
Nota:
Benzedura retirada do livro de Olímpia Soares de Faria, O Nosso Falar Ilhéu.
Portugal tornou-se, pela sua actividade marítima global, um país central conforme se pode apreciar quando se observa um planisfério com o Atlântico em primeiro plano, ao contrário do que sucede agora que, por não ter Marinha, passou a ser um estado periférico da Europa continental.
Apesar das dificuldades acima indicadas, provocadas pelos erros cometidos pelas elites dominantes, a Marinha portuguesa continuou a ter importância e durante as guerras napoleónicas ainda tínhamos navios de elevada qualidade mas a deslocação da corte para o Brasil que levou grande parte da nossa frota que não voltou mais e logo a seguir a incapacidade nacional de acompanhar a revolução industrial e a evolução subsequente da construção de madeira para a de aço, deixou-nos a Marinha em péssimas condições.
Os Reis D. Luís e D. Carlos ainda tentaram desenvolver actividades científicas marítimas mas não tiveram acompanhamento da sociedade civil que se mostrou totalmente incapaz de sustentar o cluster da Marinha.
Só mais tarde após o despacho 100 de 1945 pelo Ministro da Marinha Cte. Américo Tomás se iniciou a sua ressurreição e em que o Grupo CUF teve papel preponderante, de tal forma que em 1974 tínhamos perto de 250 navios na marinha mercante e se desenvolveram vários estaleiros de importância internacional.
Nessa altura ainda a marinha de recreio a nível mundial não tinha a expressão que tem agora mas a diferença da nossa não era da dimensão que tem hoje.
Até então o cluster do Mar, isto é, da Marinha estava praticamente coordenado pelo Ministério da Marinha, portanto pela Armada o que depois de 1974 foi considerado politicamente incorrecto pois não era corrente tal prática tanto na Europa como na América, o que foi ainda agravado pelo preconceito que se formou resultante da confusa estrutura político-partidária que surgiu com a queda da ditadura e com as guerras coloniais dos últimos anos.
A Marinha Portuguesa era, como não podia deixar de ser, a base do antigo império colonial do qual naturalmente havia várias críticas e razões de queixa legítimas mas também tinha dado muitas oportunidades para termos orgulho por muitas obras aí realizadas.
Esse preconceito chegou ao ponto de a prática de desportos náuticos ser considerada fascista o que somado ao miserabilismo de alguns dos chefes revolucionários que defendiam como lema essencial acabar com os ricos, enquanto outros países se esforçavam por acabar com os pobres, levou à estagnação da Marinha de recreio e ao desprezo pelas actividades marítimas.
Entretanto como consequência do desenvolvimento desta cultura anti-marinha, da desorganização do enquadramento legal e jurídico destas actividades e ainda das dificuldades causadas por exigências sindicais irrealistas e pelo enquadramento estatal pouco propício a níveis elevados de competitividade ao que se somou a cultura imediatista desenvolvida na vida política nacional, levou ao desinteresse dos capitais privados pelos investimentos nestas áreas.
Nas duas últimas décadas as orientações políticas foram decididamente contrárias ao desenvolvimento da Marinha como aconteceu, por exemplo, com a perda de posições já adquiridas em Macau e com as dificuldades postas à criação de uma empresa de cruzeiros.
Mas não se pense que só houve erros por parte dos políticos.
Quando o desenvolvimento dos aviões a jacto veio liquidar a validade dos paquetes de passageiros de longo curso muitos armadores de outros países foram transformando-os em navios de cruzeiros enquanto entre nós apenas o Funchal o foi, aliás com sucesso mas porque o Presidente da República Alm.te Américo Tomás se opôs à sua venda o que permitiu a sua transformação e aproveitamento.
Os outros armadores nacionais possuidores de navios de passageiros não se mostraram capazes de darem o passo inovador que então se impunha e nessa altura não havia ainda as condições adversas que acima se descreveram características do período pós revolucionário dos anos 70 e 80.
Os livros sobre vinhos são sempre muito bem acolhidos, sobretudo quando despretensiosos, de preço compatível, isto é ao alcance da maioria das bolsas, mesmo em época de crise e, por muito que cada um se julgue apreciador ou entendido em vinhos, há sempre alguma coisa que é novidade.
Nesta caso trata-se de livrinho, bilíngue, português e inglês, e português de Portugal, já o que seu título inequivocamente denuncia: 112 Conselhos para perceber de vinhos! Se fosse edição brasiliana seriam conselhos paraentenderde vinhos!
Mas isso em nada desmerece este aconselhador. Linguagem simples, clara (precisa e concisa, como rezavam os manuais de comunicação militares há... mais de meio século!), e alegres ilustrações, a Maria João de Almeida, jornalista e grande especialista em vinhos, nos dá neste livrinho (em tamanho, só) uma série de dicas que, mesmo eu, bebedor desde também há mais de meio século (não admira!) achei oportunas e muito úteis.
Aqueles menos versados nas artes de Baco, encontram aqui um magnífico auxiliar para mais condignamente receberem os seus convidados e, acima de tudo, melhor poderem apreciar o mais antigo, e melhor, néctar do mundo.
Em Portugal, no Brasil e países anglofonos.
Parabéns à Maria João e... vai um copo à sua saúde! E à minha.
Segundo o escritor Heitor Moniz, D. PedroII, o segundo e ultimo imperador do Brasil, era um homem culto, porém pacato e reservado, bem diferente de seu pai, o impulsivo e arrebatado D. Pedro I. Mesmo tendo casado sem amor, em matrimonio arranjado, como era comum entre reis e monarcas dos séculos passados, dedicou à sua desgraciosa, porém bondosa esposa um carinho e uma amizade que podem ser constatados no poema que lhe dedicou quando ela morreu quase dois meses depois de sair do Brasil para o exílio, quando caiu a monarquia:
Corda que estava em harpa mal tangida
Assim te vais ó doce companheira
Da fortuna e do exílio verdadeira
Metade da minha alma.
De augusto e velho trono haste partida
E transplantada à terra brasileira
Lá te fizeste a sombra hospitaleira
Em que todo o infortúnio achou guarida.
Feriu-te a ingratidão, no seu delírio
Caíste e eu fico a sós, nesse abandono.
Do teu sepulcro vacilante círio!
Como foste feliz! Dorme o teu sono...
Mãe do povo, acabou-se o martírio;
Filha de reis, ganhaste um grande trono.
Ainda no exílio, dois anos depois, D. Pedro II iria se juntar à companheira e amiga.
O nascimento de Portugal como país foi fruto da vontade de crescimento de uma população em expansão que encontrou um território, na verdade um único território para a realizar, pois não teve outra alternativa nesse momento, ocupado por uma variedade de populações das quais só algumas, poucas, tinham tradições marítimas.
Mas para consumar a ocupação desse território imediatamente o nosso primeiro Rei se apercebeu da importância da navegação ao longo da costa até para poder aproveitar a ajuda dos cruzados que por ela passavam a caminho do Médio Oriente.
Assim no final do primeiro acto de expansão a fronteira sul era uma linha que ia da entrada do rio Douro em Portugal até Lisboa, cidade que logo se transformou na base de todo o nosso desenvolvimento e da nossa futura aventura marítima, dadas as condições excepcionais do estuário do Tejo para as actividades marítimas.
Além disto tínhamos um vizinho forte e ambicioso, aliás vários mas que foram rapidamente dominados por Castela, o que significava em termos práticos que a nossa evolução tinha que se processar para sul e para ocidente, ou seja para o Mar.
Passado pouco mais de um século D. Dinis, já com o país configurado do ponto de vista de fronteiras terrestres e com a organização desenvolvida por seu Pai, iniciou a organização da nossa Marinha, certamente não lhe tendo chamado cluster ou hipercluster porque não conhecia o Michael Porter nem lhe teria passado pela cabeça de chefe prático e eficiente que fosse preciso tais nomes para se fazer o que era preciso.
Ao contrário de agora em que passamos o tempo todo a fazer reuniões, a nomear comissões, a redigir livros das mais variadas cores, a organizar festas e exposições, festivais gastronómicos muito marítimos, a arranjar a orla marítima de preferência com muitos restaurantes mas poucas embarcações, tudo isto em nome do Mar.
É curioso, tanto quanto preocupante a comparação com a situação actual, que em dez anos D. João II conseguiu que se explorasse o Oceano Atlântico quase todo de forma que foi possível, depois de Bartolomeu Dias ter descoberto o caminho para a Índia, empurrar os Espanhóis para a América central com a colaboração de Cristóvão Colombo, assinar o tratado de Tordesilhas que nos assegurou não só aquele caminho mas também o território do Brasil e mudar os nossos navios de caravelas para naus que chegaram ao seu destino oriental e tomaram conta deste.
E tudo isto sem escrever qualquer documento o que originou a situação paradoxal de vários historiadores portugueses agora porem em dúvida a autenticidade de alguns destes factos.
Entretanto nós, nestes trinta e poucos anos que fazem parte do meio século em que mais e mais profundas mudanças ocorreram na História da Humanidade estivemos entretidos em destruir parte do que herdámos, como foi o caso da Marinha, em baixar o nosso rendimento real com políticas imediatistas e eleitoralistas, em discutir um aumento de meia dúzia de euros do ordenado mínimo etc., etc., e em falar e escrever muito, mas fazer no que respeita a Mar e a Marinha… nada, ou quase nada.
Voltando a D. Dinis, para haver Marinha era preciso em primeiro lugar ter pessoas com capacidades específicas e como não as havia por cá foi buscar ao estrangeiro quem fosse capaz de o fazer. Também eram precisos navios e portanto criou estaleiros e outras infra-estruturas e assim se iniciou o tal cluster.
Pinhal de Leiria - assegurar a matéria prima para a construção duma Armada que nos confirmasse a soberania nacional
De início a navegação era basicamente costeira mas quando a burguesia de Lisboa e Porto conseguiu pôr no trono D. João I rapidamente a necessidade de expansão apontou para o Mar e por isso se desenvolveram as técnicas de navegação, de combate naval, de construção naval para se poder enfrentar o mar alto e os inimigos e assim se começou a chamada epopeia dos descobrimentos, de forma sustentada e progressiva, alargando o conhecimento dos ventos e das correntes do Atlântico que permitiu ir navegando cada vez mais longe e dominando assim as rotas mais importantes dessa época.
Quando ainda muita gente pela Europa fora aceitava a cartografia de Ptolomeu, já os portugueses lhe conheciam os erros e a carta dita de Cantino, além de muitas outras, mostra bem o avanço dos nossos cartógrafos. Mas além disto iniciámos a actividade comercial global o que completou o cluster da Marinha que, algumas dezenas de anos depois, começou a ser destroçado pela expulsão dos judeus, que como se sabe eram os seus principais componentes principalmente nos aspectos comerciais e científicos o que provocou a transferência destas competências particularmente para a Holanda e assim se desfez o predomínio do anterior império português.
A crise financeira asiática de 1997 foi mais fácil e prontamente debelada em Hong Kong, na Coreia do Sul e na Tailândia do que nas restantes economias nacionais. No primeiro apontamento sobre o assunto (A Bem da Nação, 5 de Fevereiro de 2009, http://abemdanacao.blogs.sapo.pt/335324.html) indicou-se a razão que determinou esta celeridade de recuperação no caso de Hong-Kong. Ali tinha havido uma mudança de regime e o novo Governo não teve a menor dúvida em deixar cair os bancos e as empresas em dificuldades. “As autoridades nada fizeram para salvar as empresas e bancos; deixaram-nos falir. Os accionistas, empregados e credores destas empresas pagaram o preço da crise e esta passou”. O odioso ficou como o antigo regime colonial que não soube a tempo evitar o desastre.
A Tailândia e a Coreia do Sul recorreram a um processo que tem algo de parecido com a prática dos nossos reis medievos: o recurso a «juízes de fora». Na Tailândia, os gestores bancários que levaram os bancos à falência foram prontamente dispensados e substituídos por funcionários públicos. O crédito foi direccionado para as empresas com maior capacidade de enfrentar a crise e gradualmente a economia voltou à normalidade. Na Coreia do Sul, a economia estava na sua quase totalidade nas mãos das “Chaebol», conglomerados financeiro-industriais fechados, quase todos propriedade familiar, que se regem por normas e processos específicos, sem interferência ou com mínima interferência das autoridades. Eram quase soberanas. Segundo o depoimento Simon Johnson, professor do MIT, School of Management – reproduzido pelo IHT, de 21 do corrente – em 1997, perante a derrocada da moeda local, as autoridades coreanas não tiveram a menor dúvida: passaram a intervir deliberadamente onde até aí não intervinham. Não se deixaram intimidar pela complexidade e segredo dos processos das «Chaebol»; dispensaram imediatamente os respectivos gestores financeiros e substituíram-nos por gestores não conotados com o grupo, incluindo estrangeiros. A venda de participações no capital de bancos das «Chaebol» a grupos estrangeiros foi encorajada com o duplo objectivo de substituir gestores e dar maior solidez à estrutura financeira própria. No processo, algumas «Chaebol» faliram, mas as que ultrapassaram a crise estão hoje mais fortes do que nunca. A crise regrediu rapidamente e o crescimento económico continuou.
Enquanto isto, na Indonésia, os grandes bancos, a nata financeira - os "só nós" - foram constantemente socorridos e os gestores mantidos, a título de que só eles sabiam lidar com a situação. Só os pequenos bancos e pequenas empresas foram deixados ao seu destino. Como resultado, o descrédito interno e externo foi total e a economia local ainda hoje não se recompôs.
Daqui conclui Simon Johnson: "o remédio mais directo para consertar uma instituição financeira consiste em afastar imediatamente os que a levaram à ruína".
Nasceu no Porto em 1856, filho de José Francisco Arroyo y Rezola e Rita Norberta Xaviera de Rezola y Gastañaga, primos direitos, nascidos em Oyarzun e Usurbil, naquele tempo arredores de San Sebastian, na Guipuscoa. Espanhóis bascos.
Seu pai foi notável compositor e director do Teatro de São João no Porto, que se chamou Ópera do Porto.
António Arroyo, de grande cultura e inteligência, formou-se em engenharia civil e além do seu trabalho profissional foi um exigente crítico de arte e música, escreveu alguns livros – infelizmente poucos – e notabilizou-se sobre temas literários e artísticos.
Assim que se formou trabalhou na construção dos caminhos-de-ferro das Beiras e depois do Sul e Sueste e em 1881 ingressou no Ministério das Obras Públicas.
Quando Portugal encomendou à empresa belga Sociéte de Willebroeck, com projecto do engenheiro Seyrig, ex sócio de Eiffel, a continuamente famosa Ponte Dom Luis sobre o rio Douro, no Porto, mandou para Bruxelas um engenheiro português para acompanhar os trabalhos de execução daquela magnífica obra de engenharia. O escolhido foi o jovem António Arroyo, que com regularidade dava ao seu ministro notícias do andamento da obra e comentava a sua admiração pela excelente mão-de-obra belga, com operários oriundos de escolas especializadas.
Logo o ministro de Obras Públicas, a quem estava subordinado também o ensino profissional, muito deficiente, se interessou, mandou-o visitar essas escolas e que recolhesse o máximo de informação possível para que em Portugal se pudesse seguir esse exemplo.
De regresso a Portugal, sem deixar o seu posto no Ministério de Obras Públicas, foi nomeado para uma comissão, de que fazia parte o escritor e professor Adolfo Coelho, para a criação de escolas industriais e de desenho industrial.
Há em Lisboa uma Escola, que se chamou, ao ser criada em 1934, ano em que este meu bisavô morreu, Escola Industrial António Arroyo (Artes Aplicadas), por onde passou boa parte dos grandes pintores e escultores portugueses, alguns dos quais seguiram depois para a Escola Superior de Belas Artes.
Hoje chama-se Escola Secundária Artística António Arroyo, em edifício próprio, também em Lisboa, que fica na rua Coronel Ferreira do Amaral, no bairro das Olaias. É bom que se saiba, porque será nessa Escola que mais informações se podem obter sobre o nosso vovôzinho.
Antes da actual sede própria, a Escola funcionou muitos anos num prédio que tinha sobre a porta da entrada do edifício, protegido por um nicho sui generis, o busto de alguém e sobre este os dizeres Escola IndustrialAntónio Arroyo. Como é de imaginar as pessoas relacionavam o busto ao Senhor Arroyo. Pequena cabeça meio inclinada para a frente, ar triste, carequíssima, cara rapada.
O bisavô podia ter pouco cabelo, carecão só no alto da cabeça, mas uma bela barba, feições cheias de personalidade e cara levantada.
O busto não era dele, claro. Pouca gente sabia de quem era aquela careta e lembro-me de ter ouvido dizer que seria, ou do arquitecto que projectou o prédio ou do dono do dito. Ambos desconhecidos.
Xerêta daqui, pergunta dali, obtive a resposta ao mistério: o busto era do antigo dono daquela casa, um homem que se chamou António Augusto Gonçalves, que possivelmente terá pensado assim se imortalizar, sem que para isso contasse no seu curriculum referência a obras valerosas que da lei da morte o libertassem.
Porque não tiraram o busto dali? Não sei. Talvez a casa fosse alugada e isso fizesse parte do contrato de arrendamento!
Em 1956, no centenário do nascimento do bisavô houve uma sessão solene lá na antiga Escola, sendo orador o pintor Abel Manta, pai, que abordou o assunto, achando, já nessa altura, que, ou identificavam o busto explicando o que ele ali fazia, ou o dissociavam claramente do nome de António Arroyo. Mas o cabeça rapada permaneceu no seu nicho, olhando de esguelha para baixo, dando risada nas vetustas e escondidas barbas do nosso antepassado. Admite-se isto? Negligência! Só terminou a confusão quando a Escola mudou para edifício próprio, deixando o busto careca na sua propriedade.
Mais outra história interessante com este antepassado.
Profundamente ligado às artes, escreveu sobre música, teatro, pintura e escultura, correspondeu-se largamente com a viúva do grande compositor alemão Richard Wagner, Cósima, filha de Franz Liszt, correspondência essa que não está, nem nunca esteve comigo e certamente merecia novos estudos e talvez divulgação e quando Richard Strauss esteve em Portugal foi António Arroyo quem o acompanhou.
Profundo conhecedor e crítico musical, dizia-se que antes do início dos concertos o maestro avisava os seus músicos:
- Cuidado! O António Arroyo vai estar presente!
O episódio que se segue foi contado também pelo mesmo pintor Abel Manta que, ainda estudante de Belas Artes, ao sair um dia das aulas, no fim da manhã, estranhou ver abertas as portas do Teatro de São Carlos, em Lisboa e desusado movimento de gente entrando e saindo! Foi ver o que se passava.
No palco, Strauss ensaiava ao piano. O vai vem de gente atraída pela curiosidade da porta aberta, fazia barulho, perturbava, enquanto uns interessados somente em bisbilhotar, outros encantados por terem descoberto o grande mestre e terem possibilidade de o ouvir, e de graça!
Sem silêncio para que o músico se concentrasse e trabalhasse, António Arroyo decidiu intervir.
No palco, ao lado do pianista, um indivíduo de aspecto austero, barba comprida, assistia àquele entrar e sair que perturbava o ensaio do grande músico. De repente pede a este que pare por um instante e, voz grossa e firme dirigiu-se ao público: - Nem esse Senhor e muito menos eu, temos necessidade da vossa presença aqui. Quem quiser assistir, pode ficar, quem quiser sair que saia, mas não perturbe.”
O ensaio dali para a frente correu em profundo silêncio, só quebrado pelos aplausos dos que tiveram o privilégio de ficar a ouvir o criador das grandes valsas vienenses.
(a continuar, mais algumas histórias deste bisavô...)