Ao começar a escrever estas linhas é bom deixar bem claro que não estou a defender nem a atacar quem quer que seja.
De acordo com uns quantos «especialistas» políticos, mais ou menos isentos, a paz no próximo oriente, o famigerado conflito na Palestina, a que chamam, indevidamente o conflito Israel-Palestina, mas que deveria chamar-se Judeu-Palestino, está longe de terminar, mesmo de abrandar, sobretudo depois destas últimas eleições.
Por razoável diferença, a líder do Kadima não conseguiu formar governo, que propunha entre outras medidas o estabelecimento das indefinidas fronteiras do Estado de Israel, o que seria um passo positivo, acabando o governo na mão dos retrógrados Likud e pior, muito pior, na coalizão com o partido do racista, extremista anti-árabe, Lieberman.
Se até hoje os palestinos não conseguiram aceitar a partilha do seu território, a tendência é piorar com a insistência do não reconhecimento pelo novo governo, ao pleno direito de todos os cidadãos, os não judeus, que vivem nas áreas «oferecidas» pela ONU, além das conquistadas pela força.
De acordo com o Corão, que estabelece num dos seus princípios fundamentais a jihad, a luta pela conversão dos infiéis, a invasão e a conquista de terras palestinas e a teimosia racista em não considerar todos os habitantes iguais, independente da sua etnia ou religião, são condicionantes a impedir o estabelecimento da paz. E enquanto não houver paz naquele pequeno espaço do mundo, não vai sossegar o Afeganistão, Indonésia, e sobretudo as relações do mundo árabe com o ocidente.
Pode o Irão e a Coreia do Norte produzirem a bomba atómica, mas ninguém é tão idiota que se atreva a declarar guerra aberta a Israel, que tem tudo isso e, militarmente, muito mais.
A solução não está em convencer o Hamas a deixar de mandar bombinhas para Israel, ou a enviar alguns suicidas carregados de explosivos, irritando, e com razão, o poderio militar dos inimigos, mas em convencer Israel a se limitar à área que lhe foi oferecida pela ONU em 1947. O Hamas nega-se a reconhecer o Estado de Israel, e até hoje ninguém teve coragem, nem a ONU (que ninguém sabe bem para que existe), de declarar a Palestina como um estado de direito, com assento nas Nações Unidas, usando para aquele território dilacerado, o termo enganatório, e racista, de Autoridade Nacional Palestina! Nem o Fatah, que volta e meia faz acordos com Israel, reconhece a situação, sabendo todos os intervenientes que tudo aquilo é fachada. E do mesmo modo não aceita ver a Palestina espoliada.
Já não estamos em época de aumentar fronteiras através de operações militares. O último dos «conquistadores» foi Hitler e ninguém, sobretudo os judeus, querem o regresso desse tipo de gente.
A situação actual não pode eternizar-se. Tal como está é uma bomba relógio. Um dia acabará por explodir, e as consequências serão muito graves. Os EUA ainda têm uma palavra que podem dar sobre o assunto. Vão ter que exigir que o Hamas fique quieto por algum tempo para poderem apertar com Israel. Mas... será isto viável?
Acabei de ler um livro extremamente interessante: Comment le peuple juif fut inventé, escrito por Shlomo Sand, um judeu israelita, professor de história na Universidade de Tel-Aviv, publicado em Setembro de 2008, primeiro em hebreu, em Israel e logo a seguir em francês. Foi um sucesso de vendas nos dois países. Não será fácil comentá-lo sem parecer estar a tomar partido, mas as declarações nele expostas, com base científica, não parecem deixar grande margem a dúvidas. No próximo texto falarei sobre o assunto.
Por hoje fica só a tristeza de ver que quando os homens não se querem entender, e não conseguem olhar nos olhos do outro, e ver um semelhante, seja ele judeu, ateu ou budista, alguma catástrofe se adivinha.
vNão tanto pela crise, mas pelo modo como ela está a ser combatida, cada economia nacional (refiro-me às economias mais desenvolvidas, bem entendido) encontra-se, nos dias de hoje, partida em três pedaços praticamente estanques:
-O sistema bancário em sentido restrito – onde a liquidez que o Banco Central emite a ele retorna de imediato sob a forma de reservas excedentárias (mais raramente, através da aquisição de TBC/Títulos do Banco Central), ou fica a circular timidamente (isto é, por prazos curtos) nos mercados interbancários;
-O triângulo formado pelo Banco Central, a Banca Comercial e o Tesouro – com os Bancos Comerciais a utilizarem a liquidez que recebem do Banco Central para subscrever as sucessivas emissões de Dívida Pública (uma maneira despreocupada, mas infalível, de monetizar Dívida Pública);
-E tudo o resto - agora à míngua de liquidez, porque tem de continuar a servir as suas dívidas, mas não consegue colocar nova dívida (salvo quando passa a ficar coberta por mais uma garantia do Estado).
vÉ difícil perceber como, por esta via, a conjuntura económica (o tal “resto”) estabilizará suficientemente para que todos (Banca e Investidores) voltem a fazer uma ideia razoável dos riscos a que se expõem, e consigam atribuir preços confiáveis a esses riscos. Esta mistura de Dívida Pública, garantias do Estado e injecções de liquidez é, não explosiva, mas implosiva.
vObviamente, há um patamar abaixo do qual a actividade económica não cairá – porque, com crise ou sem ela, a vida continua (mal, mas continua). Contrariamente ao que aconteceu no passado, porém, a dinâmica demográfica das economias ocidentais (com excepção da norte-americana) já não é de molde a induzir um estímulo autónomo (a procura residencial) que amorteça a crise.
vA vida continuará também para a Banca - o que implica pagar periodicamente ao seu pessoal e continuar a comprar uma multiplicidade de bens e serviços. Ora, as margens (apesar de tudo, magras) que a triangulação da Dívida Pública lhe vai proporcionando dificilmente darão para suportar por muito tempo estruturas que os “anos dourados” empolaram. A perspectiva é, assim, de despedimentos em grande escala – onde a legislação aplicável o permitir.
vMas, cedo ou tarde, a pressão do passado (o peso da estrutura, o serviço da dívida titulada, a insatisfação de accionistas habituados a dividendos mais fartos) trará de volta o apetite, talvez reticente, pelo risco e as operações de crédito bancário - para alívio daquele “resto” onde as conjunturas, afinal, se definem. Neste ponto, vamos todos redescobrir que, no domínio da economia e da finança, é preciso ser paciente e dar tempo ao tempo.
vTempo é também uma variável fulcral da acção dos Governos, sobretudo hoje em dia. Tempo e pontaria - para que a Despesa Pública acerte nas zonas mais densas do tecido económico: aquelas para as quais converge o maior número de actividades, a montante e a jusante; aquelas mais trabalho-intensivas; aquelas, enfim, onde cada cêntimo gasto desencadeia uma miríade de trocas monetárias (como vulgarmente se diz: onde o dinheiro se multiplica). E quais são elas? Ouço o Leitor perguntar.
vA resposta variará de país para país. Mas duas são, com certeza: a construção residencial e a agricultura moderna. Da primeira, talvez não seja bom falar por uns tempos. Quanto à segunda, felizes são os países que ainda a conservem de boa saúde.
vAs trocas transfronteiriças, não sendo propriamente uma dessas zonas (o conceito de comércio internacional é demasiado vago), são, apesar disso, determinantes a vários títulos:
-Os países podem querer manter dentro das suas fronteiras os efeitos dos estímulos que financiem com o dinheiro dos seus contribuintes (o regresso do proteccionismo);
-As maiores economias podem hesitar, pensando que uma boa parte dos seus esforços orçamentais irá perder-se em benefício dos seus parceiros comerciais (a síndrome do líder relutante);
-O saldo da BTC/Balança de Transacções Correntes, em todas as circunstâncias, será a medida do sucesso (ou do falhanço) do combate à crise, a nível nacional;
-A evolução dos desequilíbrios entre as BTC das economias com maior peso no comércio internacional será, por sua vez, a medida do sucesso (ou do falhanço) das acções concertadas para combater uma crise que é manifestamente global.
vBem vistas as coisas, não são só os Bancos Comerciais que devem testar, regularmente, a sua prontidão em cenários de crise financeira (stresstests). Os Governos e os Bancos Centrais também – e em conjunto, para não se atrapalharem mutuamente quando a necessidade apertar. Quem diria? (cont.)
Não obstante o ridículo da situação parecem ser ainda hoje motivos políticos, resquícios do PREC e das polémicas com Lopes Graça, continuadas pelos seus discípulos, os que levam à quase inexistência de exibições públicas das suas obras. Sendo no entanto verdade que, com raras e honrosas excepções, dificilmente se ouve música erudita portuguesa nos nossos dias.
No seu tempo recebeu os elogios de compositores como Falla, que muito admirava e com quem trocava partituras por correspondência, bem como de inúmeros críticos, e de músicos, cantores, cenógrafos, escritores que com ele colaboraram. Exibiu as suas obras por todo o país, levando a música erudita a locais tão improváveis na época como: Amadora, Almada, Aveiro, Alcácer, Beja, Covilhã, Évora, Funchal, Santarém e tantos outros. Exibiu as suas obras em vários países europeus (levou, em 1959, as primeiras companhias portuguesas de Ópera a Paris e em 1961 a Madrid) e sul-americanos.
Ruy Coelho e Charles Oulmont
Teatro dos Campos Elíseos, Paris
Segundo José Blanc de Portugal, a obra orquestral de Ruy Coelho terá sido mais divulgada no estrangeiro do que em Portugal. Compôs música para filmes como "Alla-Arriba!" de 1942 e "Camões", ambos de Leitão de Barros, "Rainha Santa", uma co-produção luso-espanhola, “A Garça e a Serpente” e parcialmente para a “Rapsódia Portuguesa”. Escreveu manifestos, livros, crónicas e críticas em jornais, a maioria no Diário de Notícias, onde colaborou durante muitos anos e de onde foi saneado por Saramago durante o PREC (voltando a escrever, de 1979 a 83, umas crónicas intituladas "Histórias da Música"). Foi pianista, muitas vezes empresário dos seus concertos ou edições, maestro, (chegou a dirigir a Orquestra Sinfónica de Berlim) mas foi, fundamentalmente, compositor, tendo escrito obras musicais de vários géneros. Para além de Óperas e Bailados, Música Sinfónica e de Câmara, Lieder e Música Religiosa, até curiosamente o Hino da Cidade de Lisboa e o famoso Fado de Coimbra "O Beijo", sobre poema de Afonso Lopes Vieira, que tendo sido popularizado por António Menano, é por vezes erradamente atribuído a esse célebre fadista.
Para além da dimensão da sua produção artística, devem ser salientados os obstáculos que teve de vencer para divulgar a sua obra. Pois foram necessários: teatros, orquestras, cantores, cenários, figurinos, ensaios, e mais um sem número de meios decisivos para que as obras escritas se materializassem, com um mínimo de dignidade. E fazer tudo isto num contexto tão desfavorável como o de um país pobre e pouco culto, como foi Portugal na primeira metade do séc. XX, e sem fortuna pessoal que não o talento, terá sido pouco menos que heróico. Ele atribuía os seus sucessos ao destino, sem deixar nunca de lutar fortemente para os atingir. Ruy Coelho, faleceu em 1986 com 97 anos, e uma das frases que me dizia mais vezes: “Com estudo és tudo”, ficar-lhe-ia bem como epitáfio.
vCom as injecções de liquidez a atingirem valores sem paralelo na história recente (qualquer que seja a medida usada como termo de comparação: PIB, passivo dos Bancos Centrais, stock das Dívidas Públicas nacionais), todos nós nos interrogamos: porque é que os Bancos Comerciais não retomaram ainda o business as usual?
vA resposta é simples: mesmo para os Bancos Comerciais mais solventes, a liquidez não está a mais - logo, não se gasta, guarda-se. E quanta mais, melhor. Até porque o custo de oportunidade de conservá-la é muito, mas mesmo muito aceitável (na generalidade dos casos, chega a ser um proveito de oportunidade). Vejamos porquê.
vA teoria, neste caso, ajuda-nos. Um tal comportamento, à primeira vista incompreensível, assenta em dois motivos perfeitamente racionais:
-O motivo precaução - que, em épocas de grande incerteza (e a incerteza será tanto maior quanto pior distribuída estiver a liquidez, como hoje acontece), procura refúgio na liquidez e em aplicações financeiras sem risco (desde que não se perspective um surto inflacionista ao virar da esquina);
-O motivo especulação – porque, em tempo de crise, as boas oportunidades oferecidas por quem soçobra não tardam a saltar como coelhos, e há que ter dinheiro na mão para aproveitá-las.
vMas os Bancos Centrais, inadvertidamente, também têm dado uma mãozinha: uns continuaram a remunerar as reservas excedentárias (os depósitos dos Bancos Comerciais junto do Banco Central que ultrapassem o nível das reservas obrigatórias) a taxas pouco inferiores àquelas fixadas para a cedência de liquidez; outros (como foi o caso do FED) começaram a remunerá-las, o que antes não faziam; alguns retomaram mesmo a emissão de Títulos (TBC/Títulos do Banco Central) de curto prazo para absorver (ou “esterilizar”) a liquidez excedentária; outros ainda reduziram, vá-se lá saber porquê, a diferença (spread Bid/Ask) entre as taxas directoras de absorção e de cedência de liquidez.
vOu seja, uma diferença entre aquelas duas taxas (para não falar na remuneração dos TBC), da ordem dos 4 a 8 pontos-base (0.04%-0.08%) por mês será sempre um custo aceitável para manter, por uns tempos, a liquidez ao abrigo de todo e qualquer risco. Não vá o mafarrico tecê-las...
vAlguns Governos nacionais (com destaque para o Tesouro norte-americano) também têm colaborado na delicada tarefa de transformar um custo de oportunidade num proveito deoportunidade, emitindo Dívida Pública em catadupa para financiar intervenções (principalmente, sob a forma de empréstimos e subsídios) da ordem dos milhares de milhões.
vDívida Pública que os Bancos Comerciais mais líquidos se apressam a adquirir, por excelentes razões: (1) aplicam sem risco; (2) obtêm um retorno certo; (3) passam a dispor de activos que dão acesso imediato às linhas de redesconto do Banco Central (logo, fáceis de converter em liquidez, a qualquer momento e com um custo ínfimo); e (4) se, entretanto, revenderem esses activos, sempre cobram umas comissões (além de recuperarem prontamente a liquidez neles investida).
vNão surpreende, pois, que os instrumentos de dívida emitidos por Bancos Centrais e Estados estejam a saturar, respectivamente, os mercados interbancários e os mercados financeiros (o conhecido efeito crowding out).
vE nenhuma entidade causadora de riscos (riscos que uma conjuntura extremamente volátil, como a actual, não permite estimar com precisão razoável), tenha ou não natureza financeira, conseguirá captar fundos enquanto estes passivos que não oferecem risco ocuparem todo o palco e proporcionarem taxas de retorno estritamente positivas.
vPorque é que Governos e Bancos Centrais não articularam melhor as suas intervenções, ficando estes como fornecedores de liquidez (função que lhes pertence por inteiro) e dedicando-se aqueles à recapitalização dos seus sistemas bancários mediante entradas de capital realizadas com Títulos da Dívida Pública? Perguntará o Leitor. Não sei.
vE porque diabo os Bancos Centrais não puseram já a zero as taxas de absorção de liquidez (para não falar já de penalizações sobre as reservas excedentárias consideradas “excessivas”)? Não sei (o BIS/Banco de Pagamentos Internacionais, num relatório publicado já este ano, veio chamar a atenção para esta incoerência).
vComo também não sei porque é que os Reguladores não suspenderam temporariamente as exigências mínimas de Capital (que têm levado tantas Instituições Financeiras à falência), enquanto injectavam liquidez em Bancos e Seguradoras que não tinham problemas imediatos de tesouraria, mas estavam a braços com menos valias em espiral descendente que lhes roíam os Capitais Próprios (dinâmica que a liquidez não consegue obviamente neutralizar).
vÉ certo que acabou, por fim, a ficção dos Capitais Próprios formados com empréstimos subordinados (uma singularidade da Banca que ninguém, até hoje, ousou estender às restantes empresas).
vMas as garantias estatais prestadas a torto e a direito começam a criar dificuldades cada vez maiores às entidades causadoras de risco (Instituições Financeiras e não só) que se têm mantido (relativamente) sólidas e que, por isso, não são abrangidas por tais garantias.
vEssas entidades, para se financiarem e manterem financeiramente saudáveis, são obrigadas a concorrer com as garantias prestadas pelo Estado, que estão por todo o lado (uma vez mais a perversidade do efeito “crowding out”, agora redescoberto, mas não de todo apercebido) – sem que a conjuntura económica estabilize num quadro de referência no qual os Investidores consigam medir o risco e, seguidamente, fixar-lhe um preço competitivo.
vResumindo. Para os Bancos Comerciais que disponham de liquidez, e queiram conservá-la, existem presentemente três alternativas, todas elas sem risco: (1) Dívida Pública nacional (com acesso ilimitado à “janela” do redesconto); (2) depósitos junto do seu Banco Central (e Títulos do Banco Central, quando os haja); (3) cedências de liquidez nos Mercados Monetários Interbancários (também eles objecto da garantia conjunta de Bancos Centrais e Governos).
vPorquê, então, correr riscos? Na Banca Comercial, o que está a dar, por enquanto, é esperar para ver. E esperar significa manter o risco à distância.
vE é por isso que há, presentemente, dois mercados verdadeiramente bull (sem que o facto pareça atrair a atenção dos comentaristas): o da Dívida Pública (com yields próximas de 0, é certo) e o dos depósitos bancários (estes, com taxas de retorno que nem sequer chegam a ser simbólicas). (cont.)
Ruy Coelho fez parte de um grupo de jovens artistas constituído, entre outros, por Amadeu, Almada, Pacheco, Santa Rita, Mário de Sá Carneiro e Fernando Pessoa. Embora tenha sido muito próximo de Almada (uma das suas primeiras caricaturas expostas terá sido dele) e de elogiar o seu génio designadamente como bailarino, afirmando que o seu desempenho (de amador) em 1918, não ficara atrás do de Falkoff (profissional russo que interpretaria o mesmo personagem anos mais tarde) teve com ele uma célebre polémica quando em 1925, alegando não ter as condições necessárias, Almada se recusou a dançar de novo o bailado "Princesa dos Sapatos de Ferro" no S. Carlos e fez questão de ser preso, por quebra de compromisso. Ruy Coelho apresentou o bailado com a cortina corrida nas partes em que Almada deveria ter dançado. Quando termina o espectáculo visita Almada nos calabouços do Governo Civil (terá lá ido várias vezes, com amigos, tratar de o pôr em liberdade). Almada relata que lhe apareceu de fraque a fumar charuto, celebrando o êxito obtido. A polémica ficou registada em quatro artigos nos jornais (dois de cada um deles) e suspendeu a amizade e as colaborações artísticas até 1943, altura em que Almada projecta os cenários de "Inês de Castro" e os figurinos e cenários de "Crisfal", duas Óperas de Ruy Coelho.
Bem ao jeito da época, Ruy Coelho ambicionava com a sua obra dar "expressão musical à alma da nação" tendo, em muitas das suas obras, utilizado temas identificados com o imaginário nacionalista, como as cinco Sinfonias Camoneanas, as Óperas sobre textos de Gil Vicente ou a Ópera D. João IV, entre outras. Afirmava não seguir nenhuma corrente, nem ter ideias pré concebidas e limitadoras sobre processos, sistemas ou teorias técnicas ou estéticas, quando compunha as suas obras, interessando-lhe tão só conseguir exprimir o que sentia sobre determinado tema.
Sendo um compositor muito conotado com o antigo regime, é importante salientar que, quando em 1926 é implantado o Estado Novo, já tinha levado ao S. Carlos pelo menos onze obras da sua autoria e já tinha sido premiado em Madrid. É certo que beneficiou, como muitos outros artistas, das políticas culturais de António Ferro, com quem até já tinha colaborado em 1924, tocando as suas músicas nas conferências "A Idade do Jazz Band". Mas, ao contrário de outros, nunca aceitou cargos oficiais (nem antes nem depois da instauração da ditadura) e só se pronunciava publicamente sobre música (educação musical, edição e divulgação no estrangeiro das obras nacionais, organização e gestão do S. Carlos e do Conservatório). Defendeu, através de vários artigos e pequenos livros, a música erudita portuguesa e a ópera cantada em português (considerando que à semelhança do que se passava na Alemanha, França e Inglaterra, as óperas deviam ser cantadas na língua do país onde eram exibidas). Argumentava que o contrário era não só provinciano como prejudicial aos interesses da arte e do público, que não percebia verdadeiramente o que estava a ver e ouvir.
Envolveu-se em várias outras polémicas, como era típico no meio artístico da época: a primeira, com apenas vinte e um anos, quando, durante uma curta estadia em Lisboa, toma conhecimento do êxtase da crítica perante uma sonata de Luís de Freitas Branco, e reage, acusando-o de ter copiado César Frank, demonstrando os seus argumentos ao piano no Salão Nobre do Conservatório; com vinte e quatro anos, com o governo de Afonso Costa, devido ao episódio do "Serão da Infanta"; posteriormente, com várias Direcções do Conservatório, que acusa de incompetência, de má gestão, e até de apropriação de bens públicos; com a Direcção do S. Carlos, já durante o Estado Novo, por não cumprir a lei que obrigava a uma determinada percentagem de exibições de música portuguesa; com Lopes Graça, que inicialmente o "aplaudira entusiasticamente", e outros da Revista Seara, que o atacaram ferozmente e com quem trocou livros recheados de insultos. Para se ter uma ideia da sua personalidade, note-se que, já com 94 anos, numa rara entrevista na rádio, ainda vocifera contra os políticos, caracterizando com palavrões a importância que davam ao património. Sendo aconselhado a retirar o que tinha dito, dispara: "tire lá … e ponha pior".
vAlegre-se, Leitor. Por fim, duas boas notícias: esta crise não vai durar sempre, e algumas certezas em que nos compraziamos vão ficar pelo caminho, vazias e sem préstimo.
vEis as duas faces do momento que vivemos: a crise só terá terminado quando nada restar dessas verdades até agora intocáveis. E é justamente para isso, também, que as crises servem: ajudam-nos a redescobrir a realidade da qual nos alheáramos.
vE que redescobertas são essas? perguntará o Leitor, com uma curiosidade displicente. Há-as para todos os gostos, da teoria à prática, além fronteiras e por cá. Vamos a elas.
vA primeira de todas é que a liquidez (o trivial volume de dinheiro, ou massa monetária, em circulação), que a teoria tinha relegado para o sótão das coisas sem importância (O preço do dinheiro! O preço do dinheiro! Isso sim, é que era o santo e a senha de qualquer estratégia de política monetária que se prezasse), afinal interessa – e muito. Não tanto o seu volume, grandeza estática, mas o ritmo a que esse volume vai variando e, também, a sua distribuição (em cada sistema bancário, em cada economia nacional e no contexto internacional).
vNos tempos idos do padrão-ouro, a oferta de liquidez não dependia do querer de nenhuma Autoridade Monetária. Cada economia nacional, se não fosse afortunada ao ponto de possuir umas jazidas de ouro no seu território (ou no das suas colónias e protectorados), teria exactamente a liquidez que os fluxos do comércio internacional lá fossem deixando.
vNão mais (e por excelentes razões que não vêm aqui ao caso). Hoje a liquidez tem, praticamente, uma única origem: os sistemas bancários. Os sistemas bancários nacionais (no plano interno), e os sistemas bancários das moedas de reserva (no plano internacional).
vO que é dizer, os meios de pagamento, no comércio local e nas trocas comerciais transfronteiriças, nas operações financeiras simples e naquelas mais complexas, são passivo “à vista” de Bancos: uma pequena fatia, passivo dos Bancos Centrais; o grosso, passivo dos Bancos Comerciais. Nas economias mais desenvolvidas, uma relação entre 1:12 e 1:20.
vDeste modo, o volume, a taxa de variação do volume e a distribuição dos meios de pagamento em circulação resultam das estratégias de uns (que têm por objectivo os equilíbrios “macro”) e de outros (cujo objectivo é, eufemisticamente, o maior valor para o accionista). Saber, a cada momento, quanta liquidez circula e quanta está disponível para circular não é assim uma dificuldade por aí além: basta olhar para os Balanços do Bancos (de todos eles, Bancos Centrais e Bancos Comerciais) – e esta é a segunda redescoberta.
vSão esses passivos que, hoje em dia, sustentam as economias nacionais, que fazem de algumas delas realidades pujantes – e propensas a crises: sem liquidez não há trocas monetárias; sem trocas monetárias não há modelo de mercado; e sem Bancos (Bancos Centrais e Bancos Comerciais), liquidez (os meios de pagamento) e mercados seriam completamente diferentes daquilo que hoje conhecemos como tal.
vPassivos que, hélàs! tarde ou cedo, terão de ser pagos, pelo menos em parte: o passivo dos Bancos Centrais (a Moeda do Banco Central), por saque sobre as suas reservas em divisas convertíveis; o passivo dos Bancos Comerciais (a Moeda Escritural), para cobrir posições devedoras perante outros Bancos, ou junto do seu Banco Central.
vPassivos que, em larga medida, têm por contrapartida a aquisição de direitos pecuniários expostos a diversos riscos. Quer dizer, liquidez e exposição dos Bancos aorisco são, nos tempos que correm, a cara e a coroa da moeda. E esse risco terá de ser adequadamente respaldado por Capitais Próprios - ou pelos contribuintes, se os Capitais Próprios falharem.
vTudo era, de facto, diferente sob o regime do padrão-ouro - onde a solvabilidade era medida, mais prosaicamente, a peso de ouro (o que é dizer, pelo ouro, amoedado e em barra, que cada Banco guardasse na sua cave).
vE eis a terceira redescoberta: injectar liquidez num sistema bancário, sem cuidar do riscoincremental (os riscos a que os Bancos Comerciais terão de se expor para conseguirem movimentar rapidamente esse influxo de liquidez) e as correspondentes necessidades de Capitais Próprios, é caminho seguro para o fragilizar. Mas é, precisamente, a isso que temos assistido por esse mundo fora, como se o risco fosse sempre igual ou coisa de somenos, como se as exigências de Capital fossem caturrices do Supervisor.
vDe ora em diante, a exposição dos Bancos ao risco, o risco incremental, as necessidadesdeCapitais Próprios e a distribuição da liquidez nos mercados interbancários terão de ser, de par com as reservas excedentárias dos Bancos Comerciais e as taxas directoras dos Bancos Centrais, variáveis a ter em conta na construção de uma qualquer estratégia de política monetária - seja ela de estímulo ou de “esteriilização”.
vA quarta redescoberta envolve duas evidências há muito esquecidas: que o dinheiro só é dinheiro quando está na posse de alguém; e que o dinheiro, quando está a mais, não se esfuma, nem se estraga, nem se põe de lado - gasta-se (ou seja, muda de mãos).
vEntão, para onde terá ido toda a liquidez que os Bancos Centrais não se cansam de injectar nos seus sistemas bancários para relançar o crédito e expandir os meios de pagamento na posse das Entidades Não Financeiras (Famílias, Empresas, etc.)? [Não me refiro só à liquidez cedida por prazos muito curtos (entre 1 e 15 dias), mas renováveis; refiro-me também àquela que tem sido mutuada por prazos superiores a 1 ano, no âmbito da Term Auction Facility, nos EUA, e de linhas semelhantes, noutras partes do mundo].
vPara debaixo dos colchões, por enquanto, não terá ido. Mudar de país, nomeadamente para se acolher à protecção de um paraíso fiscal, tão-pouco – porque a crise é verdadeiramente global, e a confiança nas instituições financeiras anda pelas ruas da amargura.
vFoi, sim....para os Bancos Comerciais. Têm sido eles (uns mais, outros menos, alguns nada) a ficar com a parte de leão nas operações de mercado (as tais injecções de liquidez) conduzidas pelos Bancos Centrais. E é nos depósitos bancários, garantidos pelos contribuintes, que o dinheiro retirado dos Fundos de Tesouraria tem procurado abrigo.
vAssim sendo, porque é que os Bancos Comerciais teimam em não retomar a sua actividade creditícia usual?
vEm termos agregados, não será, certamente, porque a liquidez sumiu - como por aí se diz. Será porquê, então? (cont.)
Descrente com o país, tenta a obtenção de uma bolsa para voltar a estudar no estrangeiro, mas ao prestar provas no Conservatório, supostamente sobre Composição, quando esperava que os seus dotes fossem postos à prova, fazem-lhe uma única pergunta: "Que estudo especial precisa de fazer um compositor?". Classificam-no em último lugar. Um júri em que, segundo ele "não havia um único compositor". Denuncia o caso através de manifestos e artigos no Jornal Restauração, "para que todas as pessoas honestas os ficassem conhecendo como elementos perigosos num país que quer caminhar integrado no moderno espírito das nações cultas." Falido, derrotado e descrente, abandona Lisboa e passa dois anos a tocar piano em pequenas formações nas estâncias turísticas de Pedras Salgadas, Curia e Monte Estoril. Mas quando, em 1917, surge no Portugal Futurista a publicitar a vinda dos Ballets Russes com Almada Negreiros e José Pacheco, já tinham programado juntos seis bailados. Destes, dois tinham sido executados e outros dois seriam levados a cena em 1918 no S. Carlos: o "Bailado do Encantamento" e "Princesa dos Sapatos de Ferro". O primeiro com mise-en-scène de Almada (no I acto) e o segundo com mise-en-scène e figurinos de Almada (que também dançou dois dos personagens, a Bruxa e o Diabo). Segundo relatos da época, o espectáculo terá sido muito concorrido e bem recebido pelo público, tendo sido presenciado por Sidónio Pais. Almada haveria de caracterizar o mesmo, em 1925, como "a noite mais entusiástica da minha vida".
Em Junho de 1923 Ruy Coelho toma conhecimento de um concurso para montagem de uma ópera em três actos no S. Carlos, que teria de ser entregue para avaliação até Outubro. Considerando impossível compor uma tal obra num tão curto período de tempo, decide não concorrer. Mas, pensando melhor no assunto, chega à conclusão de que alguém já deveria ter o trabalho pronto para apresentar e decide ir à luta, lançando-se ao trabalho de compor as cerca de mil páginas de pautas que viria a concluir no princípio de Janeiro. Entretanto, o concurso fora anulado… e com a ópera pronta, decide oferecê-la ao S. Carlos (que a recusa) "sem ter ao menos visto a primeira página, e indagado da montagem". Por essa altura, sabe da existência de um concurso em Madrid, aberto a compositores portugueses e concorre entregando a ópera no dia 31 de Janeiro, último dia do prazo. Chegados os resultados, obtém o primeiro lugar com a Ópera Belkiss. Em entrevista ao Diário de Lisboa diria: "S. Carlos recusou-me a Belkiss, prestou-me um serviço que não mais esquecerei e do qual estou profundamente satisfeito. Ora imagine que tinham gostado da ópera? Estava perdido, porque neste momento não tinha a satisfação de ver o meu trabalho valorizado num concurso oficial de um país como Espanha, que hoje é uma potência artística, estupenda, e teria a estas horas a Belkiss a ser representada aqui no nosso lírico, entre desconfianças e desprezos das criaturas exigentes que à saída do Parsifal vão para a Garrett assobiando o «Fado Liró» e a «Maria Cachucha»…".
Desde que, por razões, na ocasião óbvias, com mulher e um bom molho de filhos tive que abandonar África, sobretudo Angola, já lá vão 33 anos, uma constante nostalgia tem ocupado o meu espírito, com um fundo grande de tristeza. Será a isto que se chama saudade?
Daí, por exemplo, nas vésperas de fazer 70 anos me ter oferecido como voluntário para Moçambique, onde estive seis meses colaborando com a fantástica Obra da Rua, a Casa do Gaiato do Padre Américo, e quatro anos mais tarde, o imenso entusiasmo que me levou sem hesitar, a abraçar a ideia de me meter numa casquinha de nós, à vela, o valente «Mussulo» e ir com mais dois amigos, levar um Abraço a Angola, gastando 31 dias para cruzar o Atlântico, o que se pode ainda ver no site www.abracoavela.com
Hoje a "carcaça" não daria para mais aventuras semelhantes, mas o "bichinho" continua a roer, levando-me a sonhar com um milagre que me proporcionasse mais um tempo passado no meio daquele povo simples.
Levando anos a pensar o que me faria ter tanta saudade de África, que não foram as caçadas, porque há muitos anos, ainda naquelas terras desisti totalmente de dar um tiro mais, nem o facto de ali nos terem nascido os filhos, também não o grande círculo de amigos lá desenvolvido, nem a minha juventude e amadurecimento e os cargos de responsabilidade profissional que desempenhei, ou o tempo em que ainda praticava desportos, mas sem dúvida que tudo isto contribuiu, e muito, para uma parte desta saudade.
Também não foram as paisagens espectaculares e as praias maravilhosas, a baía de Luanda ou as florestas do Maiombe ou do Uige, as savanas das famosas «terras do fim do mundo», a descida da Chela, o deserto de Moçâmedes, hoje Namibe, nem o clima maravilhoso da Huila, do Huambo e de todo o planalto central de Angola, sem esquecer os equivalentes em Moçambique. Paisagens fantásticas continuei a encontrar no Brasil, por todo o canto, no Peru, e até mesmo na Europa. Mas as de África... deram também uma achega grande a todo este conjunto de saudade.
Serra da Chela - Angola
Porém, nada disto, de per si parece poder justificar tamanho espaço que todas essas recordações-vivências ocupam dentro de mim.
Este sentimento de estar longe, muito longe, em tempo e espaço, sempre presente, aumenta quando mais profunda e detalhadamente contacto com a natureza. Pode ser uma simples borboleta, uma paisagem ou um humilde camponês. Com isso cheguei à conclusão que a componente humana é talvez a principal responsável por este sentimento de vazio, da tal nostalgia, saudade.
Lembro o povo simples do interior de África, às vezes até das cidades, sempre mais difícil, com quem, sem jamais lhes faltar ao respeito, brinquei e ri, e aprendi o que é ser «pobre de espírito»: humilde sem subserviência, natural, simples, grande. Os ingredientes cada vez mais difíceis de encontrar nos homens e que os levam à desmedida ganância, a guerrear, a ignorar os mais fracos, a destruir o pouco de bom que ainda, a Deus graças, sobrevive!
Esta é talvez a parcela mais forte de que sinto falta: gente simples. E lembrando Gabriel Garcia Marques: «Um homem só tem o direito de olhar outro por cima quanto está a ajudá-lo a levantar-se!»
Chegou a Berlim em 1910. Aí começou por ser aluno de Max Bruch, considerado o principal representante do classicismo alemão, na Hochschule. Foi admitido como aluno de composição de Engelbert Humperdinck, o famoso compositor da ópera "Hansel und Gretel", discípulo de Wagner, e que este escolhera para professor do seu filho. Também este mestre lhe terá reconhecido talento pois deu-lhe aulas gratuitamente quando tinha o tempo todo tomado com alunos a quem cobrava caro. Continuou os estudos de piano com Einsenberg e sempre defendeu ser decisivo para um compositor dominar esse instrumento. Posteriormente teve aulas com Arnold Schönberg, criador do Dodecafonismo, que procurou após ter assistido à primeira audição de "Pierrot Lunaire", interrompida por pateadas, e onde encontrou Raul Lino (que mais tarde viria a fazer a cenografia e figurinos para pelo menos um dos seus bailados).
Passados uns meses escreveu ao seu mecenas explicando que poderia obter melhores resultados nos estudos se, ao invés de receber a pensão mensalmente, durante os três anos que estava previsto ficar em Berlim, a recebesse toda de uma só vez. Pois constatou que a mesada não lhe chegava para comprar as pautas de que necessitava nem para assistir a concertos. Em resposta, deixou de receber qualquer apoio e viu-se de repente em Berlim, sem meios de sobrevivência. Desesperado, escreve a Teófilo Braga (que não conhecia), dizendo-lhe que se o Português mais ilustre do seu tempo, o não pudesse ajudar, não valia a pena recorrer a mais ninguém. O velho Presidente da República, considerado um dos homens mais cultos do seu tempo, deve ter achado graça, pois terá pedido ao "Monteiro dos Milhões" (o milionário que mandou construir a Regaleira) para contribuir. E lá chegou uma nova bolsa. Acontece que, por essa altura, um músico brasileiro seu amigo em Berlim, voltou para o Brasil, e tendo conhecido um rico emigrante português no Pará, o alertou para o imperativo de ajudar o jovem talentoso Ruy Coelho, à mingua na capital da música. Alerta que veio a resultar na chegada de uma pensão suplementar. Qual não terá sido o seu espanto quando começa a receber de novo o apoio de Herold, o seu primeiro mecenas, ficando assim com três pensões. Ainda se questionou, se deveria informar os mecenas do sucedido e devolver uma parte, mas foi convencido a nada fazer. Foram tempos de intenso progresso pois pôde concentrar-se nos estudos, com os melhores mestres. Foi até a única época da sua vida em que teve bons pianos, pois o seu aluguer era barato. Teve ainda aulas com Paul Vidal em Paris, onde terá conhecido Amadeu de Souza-Cardoso. E escreveu então as suas primeiras obras: o primeiro Lied português; a "Sonata nº 1" para piano e violino (primeira obra de câmara portuguesa com escrita harmónica moderna); o primeiro bailado português; a Suite "Bouquet" para piano (dedicada a Humperdink, que a aprovou); "Largo" para duas violas e dois violoncelos, e a "Sinfonia Camoneana nº1" (a primeira obra portuguesa dodecafónica, politonal, e em que foi empregue a atonalidade).
Uma vez terminada a edição da Sinfonia teve, segundo ele, a má ideia de voltar a Lisboa, onde em 10 de Junho de 1913, com apenas 24 anos, assistiria à estreia da mesma, numa récita de gala no S. Carlos, com quinhentos executantes, o maior conjunto coral sinfónico reunido até esse momento em Portugal, precedida de conferência do então ex-Presidente Teófilo Braga.
Uns dias depois visita Teófilo Braga, ficando impressionado com a frugalidade em que vivia, sozinho, e confessa-lhe desejar escrever uma ópera mas não ter libreto. Este lê-lhe o "Serão da Infanta" que viria a ser a primeira ópera portuguesa cantada em português na estreia. Fazendo parte das comemorações do 1 de Dezembro de 1913, no S. Carlos e na presença das mais altas individualidades como Manuel de Arriaga e Afonso Costa. O que poderia parecer um início de carreira triunfal, quase é o seu fim. O que aconteceu, e que viria a ser discutido no parlamento e nos jornais, foi que o Ministro dos Negócios Estrangeiros lhe tinha assegurado a bilheteira para oferecer ao corpo diplomático e, à última da hora, o obrigou a oferecer os bilhetes, sob pena de lhe retirar o Teatro. Como tinha montado o espectáculo por sua conta e risco, e fizeram questão de lhe cobrar todos os custos, "mesmo os que não cobravam às companhias estrangeiras", já estava totalmente endividado e não podia recuar. Quando se preparava para iniciar o espectáculo é confrontado pelos músicos: que não tocariam sem receber os honorários. Com o Teatro cheio, dirige-se ao camarote presidencial para relatar o sucedido, sendo recebido por um alto funcionário que se prontifica a resolver a questão, dando-lhe um cartão pessoal como penhor. Mostra o cartão aos músicos que, acreditando estar garantido o pagamento, acedem em tocar. No fim do espectáculo, sem bilheteira nem apoios, vê-se só e com um enorme prejuízo. É acusado de caloteiro e tem de ir ao Governo Civil justificar-se. Não foi preso, pois ao tempo, como lhe explicaram, "em Portugal não se ia preso por dívidas". Chegou a haver uma subscrição pública de apoio, em que surgem à cabeça os seus amigos Mário de Sá-Carneiro e José Pacheco, ambos com 500 Reis.
Muito embora, nos textos antecedentes eu tenha versado sobre teorias usando um conceito de uma parte de um texto aqui, buscando outra ideia de outro autor ali, mas sempre com o pensamento na realidade prática da teoria, não me sinto muito disponível para o debate ideológico, completamente contrário à ideia com que iniciei estas palavras e por muito que este tipo de debate me fascine e tenha um enorme valor filosófico, científico e cultural, não nos levará a conclusão alguma e a minha pretensão é ligar-me ao racional da vida, não ao teórico. Também não desejo ser considerado polimático, porque não sou.
Na verdade, da Revolução Industrial emergiram duas novas classes e a rapidez com que surgiram os lucros e a acumulação de riqueza trouxe para a ribalta, pelas mãos do manifesto do Partido Comunista a novidade do conceito de imposto progressivo, sempre era melhor do que a “taxa” Robin Wood. Mas o aparecimento destas duas classes não baniua classe dos abaixo das classes. Reafirmo, apesar do ar de ofendidos de alguns que, na época da Revolução Industrial, havia vítimas da sociedade daquele tempo, muito piores do que a dura (não o nego) condição de proletário que sempre foi, mal ou bem, criando as oportunidades para se defender dos avanços do Capitalismo, com o surgimento, p.ex., dos primeiros “trade unions”.
O séc. XXI nasceu para uma nova era. Já não há justificação nem necessidade para que a riqueza do mundo esteja nas mãos de meia dúzia, com a outra enorme parte da humanidade a passar fome e frio em resultado da má distribuição da riqueza.
Mas para mim, os ricos podem ficar ricos na mesma, sem a acumulação imoral e excedentária de riqueza; e, assim, os pobres ficariam menos pobres. Por isso, quando defendo que a união de classes é importante para que se combatam estas terríveis assimetrias, não estou aqui a falar da unidade dos dois opostos de Heraclito, mas pugno por um regime de parceria inteligente, que assimile as tensões naturais entre quem tem interesses divergentes e que pode conviver com essa realidade sem ter que fazer cedências radicais. Pensem nisso! Sempre é melhor do que uma Guerra à escala global!
Aqui cabe um papel importante aos Estados. Estes têm de ser os supervisores de todo este novo funcionamento global. Claramente, os polícias da economia mundial, para que as regras internacionais se cumpram em prol da humanização dos sistemas e da harmonização das políticas, para que o futuro não se nos apresente com cara de paz ameaçada. Temos de reinventar a concertação entre Estados e questionarmo-nos qual é o interesse de défices controlados, por exemplo, o que é que isso significa em relação às economias mundiais devastadas e corroídas pela fraude? Em que se fundamentam as volumosas injecções de capital com dinheiro feito nos bancos centrais, sem qualquer expressão, ou equivalência, ou suporte, ou encaixe na riqueza própria dos países?
Os acontecimentos obrigaram-nos a pôr de lado as regras estabelecidas no passado. Porquê não criar novas regras? Retenhamos, tão-somente, que a rigorosíssima ex-regra do encaixe passou a diluir-se, lentamente, nas influências externas de cada país, uns cumprindo outros não, para cair na feitura (indiscriminada?) de moeda para tapar buracos e salvar a pele do lado errado das economias nacionais, aquele lado que é oriundo da especulação selvagem e criminosa, sem preocupações de reserva-ouro ou níveis de produção, ou estado equilibrado ou desequilibrado das balanças de pagamentos. Quem é que liga a mínima a isso? Só se acena com este “papão” em teoria, aos toscos, para que estes estejam sempre a pagar as arbitrariedades, asneiras e interesses de quem nos governa. O mercado tem de ser encarado de uma outra forma. Produção para estimular a estabilidade economia/emprego. Condições para se comprar o produto/necessidade. Política de preços para controlar a especulação. Evitar a escassez para condicionar o excesso e controlar os preços ou o acesso a manobras especulativas. Reduzir as intervenções do Estado como parte interessada dos negócios e aumentar a supervisão do Estado como modelo de arbitragem, isento e implacável com as dissensões. Reduzir o tamanho do Estado, para deixar de ser entendido como monstro devorador do dinheiro dos contribuintes e ser o porto seguro das economias nacionais. Já é tempo de deixarmos de ver o Estado como parte do problema para que este faça parte da solução.
O segundo inglesismo que vou empregar, tão caro, aos economistas: “downsizing” devia ser um corolário da nova ordem económica internacional. Um novo New Deal! Mas, emagrecimento em tudo, equilibrando para um nível socialmente mais justo os proventos das grandes administrações dos bancos(*) e das empresas públicas, taxando a nível privado os grandes proventos das administrações das grandes sociedades anónimas e controlando e fiscalizando a riqueza, mas, não com medidas avulsas surgidas do nada em anos eleitorais e que no ano seguinte se esquecem e se abandonam, por deixarem de interessar à nova classedominante, entenda-se como classe dominante, - não a do conceito marxista, mas a novel, a omnipresente e omnisciente classe política - voltando tudo ao mesmo.
Os Governos, sempre tão corajosos a entrar nos bolsos dos que não podem fugir de pagar, deveriam controlar aqueles que pelo seu estatuto, têm possibilidades e são propensos a fugir do pagamento dos impostos. Esta cultura de fuga descarada é fruto da incapacidade dos Governos para se fazerem respeitar e, consequentemente, da síndrome instalada: a convicção de impunidade.
Por outro lado, esta prática social tem origem no facto de os Governos perderem a credibilidade, como pessoas de bem, dado que os dinheiros públicos são geridos de forma irresponsável e perdulária, deixando os “cabedais” públicos à mercê de oportunistas e incompetentes.
Recuperando aquela ideia das injecções de capital nas economias para salvar as economias nacionais (?) – eu diria o bolso dos especuladores – um Amigo meu perguntava-me porque é que os Governos não dão uma máquina de fazer dinheiro a cada cidadão? Era tudo muito mais fácil, ó se era! Então, nesta coisa das leis de mercado, deveria introduzir-se um factor que obstasse à escassez para não aumentar os preços e outro que evitasse os excedentes de produção para não atrapalhar os mecanismos naturais da procura. Ou seja, na presença de escassez artificialmente conseguida esta devia ser penalizada e protegida com uma regra de segurança que provocasse, obrigatoriamente, o equilíbrio automático de reposição dos bens escassos como, por exemplo, os ovos ou o leite desaparecerem artificialmente do mercado para lhes subir os preços. O produto excedentário, por exemplo, de bens alimentares, deveria de ser objecto de convenção entre Estados para que se não desperdiçassem os excedentes e fossem úteis em continentes onde são urgentemente necessários e não se recorresse a esta modalidade só quando existem crises humanitárias. O controlo destas situações caberia aos Estados ou seus representantes. E não me vou perder, por ora, em pormenores.
A prova de que tudo está em mudança foi-me dada, hoje, pela Natureza, a 14 de Fevereiro deste ano da graça de 2009, ouvi as andorinhas a chilrear pela manhã no beiral do meu telhado. A Primavera veio bater à porta do Inverno e comunicar-lhe que está na ora de se despedir. Se por morrer uma andorinha não acaba a Primavera, o facto é que sem andorinhas não há Primavera!
(continua)
Luís Santiago
(*) Admira-me que os grandes accionistas não controlem as decisões das administrações dos seus bancos em matéria de remunerações. Afinal o dinheiro é deles. Se fosse meu, limitaria estas altas mordomias porque estariam a usar-se do meu dinheiro para viverem à grande.