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A bem da Nação

Isto

Dizem que finjo ou minto

Tudo o que escrevo. Não.  

Eu simplesmente sinto 

Com a imaginação.

Não uso o coração.  

 

Tudo o que sonho ou passo,

O que me falha ou finda,

É como que um terraço

Sobre outra coisa ainda.

Essa coisa é que é linda.

 

Por isso escrevo em meio

Do que não estou ao pé,

Livre do meu enleio,

Sério do que não é.

Sentir? Sinta quem lê!

 

 

Fernando Pessoa

 

E SE OBAMA FOSSE AFRICANO?

 

 
 

Os africanos rejubilaram com a vitória de Obama. Eu fui um deles. Depois de uma noite em claro, na irrealidade da penumbra da madrugada, as lágrimas corriam-me quando ele pronunciou o discurso de vencedor. Nesse momento, eu era também um vencedor. A mesma felicidade me atravessara quando Nelson Mandela foi libertado e o novo estadista sul-africano consolidava um caminho de dignificação de África.

Na noite de 5 de Novembro, o novo presidente norte-americano não era apenas um homem que falava. Era a sufocada voz da esperança que se reerguia, liberta, dentro de nós. Meu coração tinha votado, mesmo sem permissão: habituado a pedir pouco, eu festejava uma vitória sem dimensões. Ao sair à rua, a minha cidade se havia deslocado para Chicago, negros e brancos respirando comungando de uma mesma surpresa feliz. Porque a vitória de Obama não foi a de uma raça sobre outra: sem a participação massiva dos americanos de todas as raças (incluindo a da maioria branca) os Estados Unidos da América não nos entregariam motivo para festejarmos.

Nos dias seguintes, fui colhendo as reacções eufóricas dos mais diversos recantos do nosso continente. Pessoas anónimas, cidadãos comuns querem testemunhar a sua felicidade. Ao mesmo tempo fui tomando nota, com algumas reservas, das mensagens solidárias de dirigentes africanos. Quase todos chamavam Obama de "nosso irmão". E pensei: estarão todos esses dirigentes sendo sinceros? Será Barack Obama familiar de tanta gente politicamente tão diversa? Tenho dúvidas. Na pressa de ver preconceitos somente nos outros, não somos capazes de ver os nossos próprios racismos e xenofobias. Na pressa de condenar o Ocidente, esquecemo-nos de aceitar as lições que nos chegam desse outro lado do mundo.

Foi então que me chegou às mãos um texto de um escritor camaronês, Patrice Nganang, intitulado: "E se Obama fosse camaronês?". As questões que o meu colega dos Camarões levantava sugeriram-me perguntas diversas, formuladas agora em redor da seguinte hipótese: e se Obama fosse africano e concorresse à presidência num país africano? São estas perguntas que gostaria de explorar neste texto.

E se Obama fosse africano e candidato a uma presidência africana?

1. Se Obama fosse africano, um seu concorrente (um qualquer George Bush das Áfricas) inventaria mudanças na Constituição para prolongar o seu mandato para além do previsto. E o nosso Obama teria que esperar mais uns anos para voltar a candidatar-se. A espera poderia ser longa, se tomarmos em conta a permanência de um mesmo presidente no poder em África. Uns 41 anos no Gabão, 39 na Líbia, 28 no Zimbabué, 28 na Guiné Equatorial, 28 em Angola, 27 no Egipto, 26 nos Camarões. E por aí fora, perfazendo uma quinzena de presidentes que governam há mais de 20 anos consecutivos no continente. Mugabe terá 90 anos quando terminar o mandato para o qual se impôs acima do veredicto popular.

2. Se Obama fosse africano, o mais provável era que, sendo um candidato do partido da oposição, não teria espaço para fazer campanha. Far-Ihe-iam como, por exemplo, no Zimbabwe ou nos Camarões: seria agredido fisicamente, seria preso consecutivamente, ser-Ihe-ia retirado o passaporte. Os Bushs de África não toleram opositores, não toleram a democracia.

3. Se Obama fosse africano, não seria sequer elegível em grande parte dos países porque as elites no poder inventaram leis restritivas que fecham as portas da presidência a filhos de estrangeiros e a descendentes de imigrantes. O nacionalista zambiano Kenneth Kaunda está sendo questionado, no seu próprio país, como filho de malawianos. Convenientemente "descobriram" que o homem que conduziu a Zâmbia à independência e governou por mais de 25 anos era, afinal, filho de malawianos e durante todo esse tempo tinha governado “ilegalmente”. Preso por alegadas intenções golpistas, o nosso Kenneth Kaunda (que dá nome a uma das mais nobres avenidas de Maputo) será interdito de fazer política e assim, o regime vigente, se verá livre de um opositor.

4. Sejamos claros: Obama é negro nos Estados Unidos. Em África ele é mulato. Se Obama fosse africano, veria a sua raça atirada contra o seu próprio rosto. Não que a cor da pele fosse importante para os povos que esperam ver nos seus líderes competência e trabalho sério. Mas as elites predadoras fariam campanha contra alguém que designariam por um "não autêntico africano". O mesmo irmão negro que hoje é saudado como novo Presidente americano seria vilipendiado em casa como sendo representante dos "outros", dos de outra raça, de outra bandeira (ou de nenhuma bandeira?).

5. Se fosse africano, o nosso "irmão" teria que dar muita explicação aos moralistas de serviço quando pensasse em incluir no discurso de agradecimento o apoio que recebeu dos homossexuais. Pecado mortal para os advogados da chamada "pureza africana". Para estes moralistas – tantas vezes no poder, tantas vezes com poder – a homossexualidade é um inaceitável vício mortal que é exterior a África e aos africanos.

6. Se ganhasse as eleições, Obama teria provavelmente que sentar-se à mesa de negociações e partilhar o poder com o derrotado, num processo negocial degradante que mostra que, em certos países africanos, o perdedor pode negociar aquilo que parece sagrado - a vontade do povo expressa nos votos. Nesta altura, estaria Barack Obama sentado numa mesa com um qualquer Bush em infinitas rondas negociais com mediadores africanos que nos ensinam que nos devemos contentar com as migalhas dos processos eleitorais que não correm a favor dos ditadores.

Inconclusivas conclusões.

Fique claro: existem excepções neste quadro generalista. Sabemos todos de que excepções estamos falando e nós mesmos moçambicanos, fomos capazes de construir uma dessas condições à parte.

Fique igualmente claro: todos estes entraves a um Obama africano não seriam impostos pelo povo, mas pelos donos do poder, por elites que fazem da governação fonte de enriquecimento sem escrúpulos.

A verdade é que Obama não é africano. A verdade é que os africanos - as pessoas simples e os trabalhadores anónimos - festejaram com toda a alma a vitória americana de Obama. Mas não creio que os ditadores e corruptos de África tenham o direito de se fazerem convidados para esta festa.
Porque a alegria que milhões de africanos experimentaram no dia 5 de Novembro nascia de eles investirem em Obama exactamente o oposto daquilo que conheciam da sua experiência com os seus próprios dirigentes. Por muito que nos custe admitir, apenas uma minoria de estados africanos conhecem ou conheceram dirigentes preocupados com o bem público.

No mesmo dia em que Obama confirmava a condição de vencedor, os noticiários internacionais abarrotavam de notícias terríveis sobre África. No mesmo dia da vitória da maioria norte-americana, África continuava sendo derrotada por guerras, má gestão, ambição desmesurada de políticos gananciosos. Depois de terem morto a democracia, esses políticos estão matando a própria política. Resta a guerra, em alguns casos. Outros, a desistência e o cinismo.

Só há um modo verdadeiro de celebrar Obama nos países africanos: é lutar para que mais bandeiras de esperança possam nascer aqui, no nosso continente. É lutar para que Obamas africanos possam também vencer. E nós, africanos de todas as etnias e raças, vencermos com esses Obamas e celebrarmos em nossa casa aquilo que agora festejamos em casa alheia.
 
mia_couto Mia Couto

in Jornal "SAVANA" – 14 de Novembro de 2008

CRÓNICA DO BRASIL

 

A negritude e a estupidez
 
Depois da brilhante lei que determina como se deve preparar uma caipirinha, segundo parâmetros rigorosamente oficiais, os nossos queridos deputedos, perdão, deputados, e ministros, continuam a brincar de legisladores, tal como fazem as criançinhas pequenas, quando brincam de Peter Pan, cowboys, polícias e ladrões, etc.
Agora foi a vez de um vicentinho, deputedo, perdão, deputado do “pt” (parido, desculpem, partido dos tarados) propor à assembléia uma nova lei, já aprovada: a do hino à negritude, OBRIGATÓRIO, a ser entoado cada vez que se fizer qualquer manifestação que se destine a elevar a (não) raça negra!
Com isto o país vai progredindo, rumo a um perigoso apartheid e ao incentivo a confrontos entre peles de coloração diferenciada.
Se a estupidez fosse música, nem Beethoven, Mozart, Tom Jobim, ou qualquer dos grandes mestres, se poderiam comparar à miséria intelectual que reina nesta república das bananas.
Está em estudo outra lei que prevê a obrigatoriedade de guardar 20% dos cargos públicos para peles mais escuras. Há muitos casos de irmãos, de pai e mãe, em que uns nascem muito mais escuros do que outros. Como fazer? Já um dia sugeri a suas insolências a solução: submeter todo o mundo a um controle de refratómetro e estabelecer um valor, acima ou abaixo do qual um indivíduo se encaixa ou não nas situações de privilégio!
Só não se entende é porque ainda não pintaram sexa presidente com graxa preta, para ficar igual ao Al Johnson!
Neste momento, um grupo destes grandes legisladores, sugeriu que se mandasse um grupo dos mais escuros funcionários representar o Brasil na tomada de posse de Barak Obama! Logo do Obama que jamais se referiu ao problema racial, visto que lá todos são norte americanos, e nem nisso quer falar!
Dizem que Deus é brasileiro. Era. Com tanta estupidez e ódio enrustido nas mentes desta canalha que se alcandorou a posições de governação, Deus... mandou-se!
Talvez tenha ido para os EUA ajudar o Obama a convencer este pessoal que não há raças humanas, mas peles diferentes, e que o problema não está na pele, mas na educação e cultura, dois temas tão mal destratados neste continente brasiliense onde as verbas orçadas para esse fim, em vez de terem vindo a aumentar em relação ao PIB, têm sido reduzidas.
Intellectus absurdus est vitando! (O raciocínio por absurdo deve ser evitado!)
Amém.
 
Rio de Janeiro, 20 de Novembro de 2008
 
 
Francisco Gomes de Amorim (retratado por Inácio Rebelo de Andrade)

EXPRESSÕES POPULARES - 2

Ter para os alfinetes

 

 Significado: Ter dinheiro para viver.

 
Origem: Em outros tempos, os alfinetes eram objecto de adorno das mulheres e daí que, então, a frase significasse o dinheiro poupado para a sua compra porque os alfinetes eram um produto caro. Os anos passaram e eles tornaram-se utensílios, já não apenas de enfeite, mas utilitários e acessíveis. Todavia, a expressão chegou a ser acolhida em textos legais. Por exemplo, o Código Civil Português, aprovado por Carta de Lei de Julho de 1867, por D. Luís, dito da autoria do Visconde de Seabra, vigente em grande parte até ao Código Civil actual, incluía um artigo, o 1104, que dizia: «A mulher não pode privar o marido, por convenção antenupcial, da administração dos bens do casal; mas pode reservar para si o direito de receber, a título de alfinetes, uma parte do rendimento dos seus bens, e dispor dela livremente, contanto que não exceda a terça dos ditos rendimentos líquidos.»

 António Benoliel de Carvalho

POSTAIS ILUSTRADOS - IV

 

 
 
 
 
AO GOVERNO
Contribuição para uma política de Educação
 
 
 
Por tudo o que te tenho escrito, e como tu próprio disseste, Jonh, há que escolher outros caminhos para a Educação, em Portugal. Aliás, esta guerra entre o nosso Governo e os Professores, veio pôr a descoberto, da forma mais dolorosa para o Povo, o que acontece quando políticos intelectualmente não preparados para o exercício da prática democrática e são incoerentes sob o ponto de vista das controvérsias em que se metem: É! Acontece que se apanham com o poder na mão e julgam que não são obrigados a negociar nada com quem quer que seja e impõem a sua vontade, elaborada nos gabinetes e corredores dos partidos por assessores a quem se atribui um grau de conhecimento para lá do aceitável, quando alguns nem português, que é a sua língua mater, sabem. Daí resulta, deste desconhecimento do português claro e escorreito uma série de mal entendidos que vêm depois a ser esclarecidos por despachos e circulares interpretativas. E vê-se isso todos os dias, nos telejornais, nos programas dos partidos, nas leis que se fazem... Chamarei a este comportamento arrogante de não querer negociar com ninguém, de fazer-se valer pela força da maioria de que dispõem, ironicamente, de ditadura democrática. (Eu quando faço ironia, não faço afirmações com ar sério de postura de Estado, mas, sim, com um sorriso matreiro e com uma piscadela de olho). Vamos ver se os eleitores tomam juízo e não dão mais maiorias absolutas seja a que partido for, para depois não sofrer as consequências daquele velho ditado bem português: “se queres ver o vilão põe-lhe o pau na mão”. Em 2009 é ano de eleições e espero que os portugueses não se esqueçam das consequências das gestões maioritárias, quer no continente, quer nas Regiões Autónomas. Reconheço que é necessária a existência do Estado, mas tenho, também eu, um sonho: A existência de Governos Modernos e humanizados, que não nos oprimam e nos defendam como Povo que pôs os seus membros (dele Governo) nas cadeiras dos Ministérios; um Governo que não faça recair sobre as nossas cabeças o imposto sugador das nossas economias, já de si, tão escassas; um Governo que não se arme em Robin dos Bosques, que não combata os economicamente mais favorecidos por serem ricos, mas que lhes exija um contributo justo para que os pobres não tenham que pagar na mesma proporção dos endinheirados, o sustento da classe política; um Governo que crie as condições para aplicação da Justiça ser célere e recupere o ideia que me ensinaram de que o Estado é dirigido por pessoas de bem. Reparaste que substitui o Estado, entidade abstracta pelo Governo, entidade concreta. E é aos sucessivos Governos que se deve exigir explicações e não ao Estado que somos todos nós. Vou apurar-te este conceito do Direito Administrativo, para que percebas a diferença. Eu sei que aí o Estado se corporiza nas Administrações de cada Presidente e têm o toque pessoal de cada Presidente. Nós temos um sistema semi-presidencialista, ao contrário do que eu defendo. Envio-te a Sala do Conselho de Ministros, onde para o bem e para o mal se tomam as decisões que nos afectam.
 
(continua)
 
Luís Santiago
 
 

POSTAIS ILUSTRADOS - III

 

 
 
 
 
AO GOVERNO
Contribuição para uma política de Educação
 
Hoje, Jonh, envio-te a Calçada na Alameda de Jacarandás em frente da escadaria principal do Palacete de São Bento, edifício anexo à nossa Assembleia da República, similar ao teu Congresso. Mas, continuando com a minha exposição sobre este tema da Educação, tenho a convicção de que os sistemas político-económicos começaram a ruir nos anos seguintes ao do primeiro grande “crash” de Walt Sreet. Mais uma vez, o efeito do bater de asas da borboleta americana desintegrou muitas das economias adjacentes. Porém, a maior estrondosa surpresa chegou-nos do Comunismo Soviético pela mão de Gorbachev, (há outros sistemas comunistas moldados pela cultura dos Povos) e baseados na propriedade colectiva, no pensamento único e na luta do proletariado, que criou uma nova classe dominante (expressões tão do agrado de Marx e das leis da superestrutura e da base) que oprimiu, durante décadas um Povo, por conta da luta por uma sociedade igualitária, no pós-czarismo. Lenine. Estaline, Trotsky vieram demonstrar-nos, na prática, o que pensavam do papel do Estado (até então ocupado por uma classe dominante tradicional burguesa e substituída por outra classe dominante dita do proletariado e tão violenta e opressora ou mais – que criou os “gulags” - do que a primeira), que tudo dirige, tudo decide e tudo ordena em nome do Povo trabalhador. O Comunismo Chinês, oriundo, também, das raízes marxistas, teve uma outra leitura e práticas do exercício do poder absoluto de um Partido sobre uma Nação, com a Revolução Cultural de Mao Tsé Tung, que criou os guardas vermelhos e humilhou centenas de cidadãos, tendo como resultado o que o Mundo conhece. Porém, a China, nos dias de hoje, funciona, inteligentemente, a duas economias.
 
E o Capitalismo Americano? E quem diz americano diz mundial porque as várias formas de capitalismo, incluindo o europeu, tiveram descendência de matriz americana e algumas são tão dependentes que umas não podem existir sem as outras pelos elos que criaram e são, consequentemente, arrastadas para a queda. Este (o Capitalismo Mundial) ruiu, também, com estrondo por os seus alicerces terem sido minados pelo mais comum dos factores humanos: a ganância. A expressão é do vosso Nobel de economia, Milton Friedman.
 
A globalização que teve início com as incursões marítimas é agora muito mais visível pelo factor informação. Esta corre célere, quase instantânea, pelas linhas da internet, pelos satélites, pela imprensa escrita e falada que nos apresentam os acontecimentos ao vivo, a cores e minutos depois de terem lugar. Mas, cada informação, chega-nos condicionada pelas linhas editoriais e pelas tendências políticas dos profissionais envolvidos na comunicação. (continua)
 
 Luís Santiago
 

A AMÉRICA NUNCA FOI UM PAÍS DE LEITORES

 

 
 
“A América nunca foi um país de leitores (…)” assim começa a história curta Respostas Utilizáveis de Truman Capote. Não li mais, fiquei-me por esta primeira frase. Não gosto das opções por que aquela pessoa enveredou e, portanto, abstenho-me de a ler. Mas peguei no livro para ler as badanas e a contracapa à semelhança do que faço um pouco a esmo nas duas livrarias que visito semanalmente.
 
Os livros que me interessam verdadeiramente – e todas as semanas são vários – deixam-me revoltado com o facto de o dia continuar a só ter 24 horas… Desta vez quem ficou na calha foi História dos Portugueses na Etiópia (1490-1640)de Pedro Mota Curto. Espero que não perca pela demora até porque o Natal vem aí e há sempre um velho de barbas vestido de encarnado com um saco às costas…
 
 O lendário Preste João
 
 
Mas foi a frase de Truman Capote que me despertou o sentido crítico.
 
Portugal sempre foi considerado país de poetas mas nunca de leitores – não só por causa do endémico analfabetismo adulto de que só agora se está a redimir mas sobretudo porque os que se ficaram pela soletração não ganharam o prazer da leitura. As Bibliotecas Itinerantes da Gulbenkian foram muito importantes na difusão cultural mas não ensinaram a ler: deram prática de leitura a quem para tal já estava predisposto; levaram o livro às serranias e planuras afastadas das bolorentas bibliotecas municipais, fixas geograficamente e em conteúdos.
 
(Um à parte: em Janeiro de 2008 visitei Goa e quando passámos frente à Biblioteca Municipal de Panjim, o nosso guia referiu enfaticamente e com evidente orgulho que ali se podia ainda hoje ler o “Século Ilustrado”, a “Flama”, etc. E, pensei eu mas calei, outras velharias que já só fazem sentido num qualquer arquivo histórico. Duvido que os leitores se acotovelem à entrada daquela instituição e tenho pena que nada tenhamos feito ao longo destes últimos 47 anos no sentido da revitalização daquele acervo bibliográfico. Se a Administração Pública Portuguesa nada faz nesse sentido, lá teremos que ser nós, os contribuintes, a fazê-lo por nossa própria iniciativa. Voltarei a tratar do assunto.)
 
 
 
Então se Portugal escreve mas lê pouco, isso significa que as edições são pequenas e, portanto, caras; se as edições são caras, não são acessíveis aos menos endinheirados; se os menos endinheirados não se cultivam, continuam a cavar o fosso que os separa dos ilustres e dos ilustrados; se os hábitos de leitura não se democratizam, nunca mais alargamos o mercado doméstico; se o mercado doméstico não se alarga, as editoras nunca sairão da cepa torta.
 
Assim se desenvolve um silogismo elementar e se faz um nó cego que só Damocles conseguirá desmanchar.
 
E é isto que me espanta: todas as semanas deparo com novas edições nos escaparates, com gente – nova, adulta e entrada – a folhear como eu, a comprar muito mais do que eu… e os empregados a não terem sossego no atendimento ao público efectivamente interessado. E numa das ditas livrarias há todos os dias a apresentação de uma nova obra quer de Autor consagrado quer desconhecido. E a plateia enche porque os conteúdos interessam e têm público, não são já o “Século Ilustrado” nem a “Flama” de há 50 anos.
 
Então? Será verdade que não somos um país de leitores?
 
Temo que a resposta seja parcialmente afirmativa porque este entusiasmo que testemunho não deve ultrapassar o fundo da Calçada de Carriche.
 
O que fazer então para que Portugal deixe de se parecer com a frase de Truman Capote?
 
Só ganhando dimensão para que as edições possam embaratecer e passem a ser acessíveis a um crescente número de leitores. Sim, também no mercado editorial, só conseguiremos garantir a soberania nacional se aumentarmos a dimensão doméstica e, como viram os nossos antepassados que em 1415 zarparam por esses mares além, conquistarmos adeptos estrangeiros.
 
O alargamento da dimensão doméstica vai-se fazendo com o desenvolvimento cultural da população residente (v.g. o Plano Nacional de Leitura) mas a dimensão externa não pode ser contrariada por Acordos Ortográficos como este que foi agora promulgado que em vez de promover o livro português no estrangeiro apenas promove o livro brasileiro em Portugal.
 
Não há pior cego do que aquele que não quer ver e nada mais elementar do que exigir aos negociadores de convenções internacionais que assumam um mínimo de sentido estratégico e de Estado, se deixem de tecnicismos caricatos e prejudiciais ao país que lhes paga os ordenados e cujos interesses deviam defender. Os negociadores portugueses deste Acordo – autênticos Cristóvãos de Moura – serão certamente chamados à responsabilidade histórica do lastimável acto a que conduziram Portugal.
 
Novembro de 2008
 
 Henrique Salles da Fonseca

POSTAIS ILUSTRADOS - II

 

 
 
AO GOVERNO
Contribuição para uma política de Educação
 
 
Agradeço a tua resposta, Jonh!
 
E agradeço, também, os comentários da Mary sobre a Política de Educação nos EUA e o seu convite para a discutirmos. Porém, presentemente, estou mais interessado em falar da nossa política de Educação, dos seus pressupostos e do que é a política de Educação prosseguida no meu País, se é que há algum modelo visível ou que pretenda vir a ser um modelo, com esta trapalhada toda. Por agora existe a navegação à vista; recuo aqui, avanço acolá... Contudo o actual ocupante do Palacete de São Bento, não gosta muito de recuos; a sua linha de orientação do governo é mais a da inflexibilidade. Quero, posso e mando. Por isso envio-te este postal que é o comparado à vossa Casa Branca. Trata-se da residência oficial do Primeiro-Ministro. Lá chegará o tempo em que estaremos em condições de comparar e concluir sobre o interesse e os resultados aplicáveis de ambos os modelos, o vosso e o nosso; e até, de outros. Conto com a vossa colaboração no debate e de mais quem esteja interessado.
 
Como sabes, é do conhecimento geral que as funções dos Estados/Governos em relação às Sociedades que pretendem gerir, são, tendencialmente as de intervir em todos os sectores, nomeadamente, o da Edução e, provavelmente, o mais importante é este o da Educação, com vista à preparação de mentalidades e ideais políticos que lhes favoreça, aos detentores da política como profissão, o conforto e os discípulos que garantam a sua base política de apoio para se manterem no poder. Um ideal não democrático mascarado de Democracia. Mas, se atendermos a que, quanto o Estado mais intervier massivamente em todos os sectores da sociedade, maior é a necessidade de ter ao seu serviço uma máquina gigantesca que é consumidora de papelada, no seu interior, e carece de recursos humanos para justificar o consumo da papelada existente na teia burocrática, maior é a despesa corrente. Também, numa outra perspectiva, a maior intervenção do Estado permite um melhor condicionamento das ideias, limitando as liberdades, principalmente, a liberdade de escolher A sua existência (a do Estado) tende cada vez mais a pesar no bolso do contribuinte. O Estado para mim devia comportar-se como um Chefe de Família. A função dos Pais é contribuir para que a Educação dos seus filhos se faça de um modo livre e espontâneo, deixar fluir a imaginação e a curiosidade natural da criança e orientá-la, apenas nas suas escolhas. A inteligência da criança saberá distinguir do que é que gosta mais e quais são as suas referências e preferências naturais. Assim, a criança criará bases intelectuais sólidas para se desenvolver no futuro, como adulta. Não sou apologista da anarquia e por isso defendo que deve haver linhas balizadoras dos conhecimentos que se devem incutir progressivamente numa criança para que adquira a consciência da responsabilidade de optar e que deve ser controlada de uma forma exógena.
 
Sempre me ensinaram, como católico que sou, que Deus entregou aos seus filhos, o livre arbítrio, quando nos confrontamos com situações aberrantes para um ser humano normal e onde se põe tantas vezes a questão de saber porque é que Deus consentiu que isto ou aquilo acontecesse. Deus assume o papel de Pai que orienta e protege, mas não intervém na decisão pessoal. Em relação à sociedade, o Estado/Governo devia ter a mesma prospectiva, isto é, não ser omnipresente, nem omnisciente. Mas a influencia cada vez maior do conceito de globalização é determinante nas correntes intervencionistas que tem muitos defensores e entusiastas como se a globalização fosse um fenómeno recente e extraordinário, quando a globalização teve já o seu início no momento em que o Homem descobriu que a Terra era redonda e sentiu a necessidade de descobrir novos mundos através de viagens de circum-navegação.
(Continua)
 
 Luís Santiago

Curtinhas nº 68

 

 
Ouve-se, e não se acredita – II
 
v    A CGD tem conta aberta no BPN? E o BPN, tem contas na CGD? E o BdP permite? Ou também isto lhe escapou?
v    “E isso é importante?” Ouço o Leitor perguntar. É. E tem uma importância tal que nunca deveria ocorrer - pelo menos num sistema bancário com a arquitectura do nosso (que é igual à dos restantes países da Zona Euro; nos EUA e no Reino Unido, por exemplo, as coisas passam-se de modo ligeiramente diferente).
v    Aí, no âmbito do sistema de pagamentos doméstico, quando o Banco A (o Banco Apresentante) detém um crédito sobre o Banco B (o Banco Sacado, ou Pagador), por força de um cheque depositado ou de uma ordem de pagamento a favor de um seu cliente, apresenta esse crédito na Compensação Interbancária. E o pagamento acontece com o Banco Central a creditar a conta à ordem do Banco A e a debitar a conta à ordem do Banco B - ambas as contas abertas nos Livros do Banco Central.
v    Quando o Banco A cede liquidez ao Banco B, fá-lo no âmbito do mercado monetário interbancário. A operação concretiza-se com o Banco Central a debitar a conta à ordem do Banco Cedente e a creditar a conta à ordem do Banco Tomador desses fundos - ambas as contas abertas nos Livros do Banco Central.
v    Quando o Banco A, no mercado interbancário de títulos, vende ao Banco B Títulos do Banco Central (ou entre eles celebram uma operação de reporte sobre estes títulos), o Banco Central credita a conta à ordem do Banco Vendedor (ou Reportante) e debita a conta do Banco Comprador (ou Reportado) - ambas as contas abertas nos Livros do Banco Central.
v    Porquê esta sisma de os Bancos Centrais imporem que todos os movimentos de liquidez entre os Bancos dos seus sistemas domésticos (excepto as operações efectuadas no mercado de capitais) tenham lugar exclusivamente nos Livros deles, Bancos Centrais?
v    É preciso recuar no tempo para perceber. Tempos houve em que a actividade de um Banco conhecia, apenas, duas balizas: (a) uma (comum a todas as sociedades comerciais) – para continuar a operar, os seus Capitais Próprios não poderiam cair abaixo de uma determinada fracção (usualmente, 2/3) do Capital Social subscrito; (b) outra - ele teria de manter junto do Banco Central um saldo não inferior a uma percentagem dos depósitos que tivesse captado (saldo esse designado por Reservas Obrigatórias ou Disponibilidades Mínimas de Caixa).
v    Cedo os Bancos Centrais se aperceberam de que aquela primeira baliza só condicionaria a actividade do Banco que acumulasse prejuízos. Se ele fosse rentável, ficaria com as mãos livres para fazer o que bem entendesse, desde que não tivesse de comprar divisas (o que constrange qualquer Banco Central, excepto o FED, são sempre as Disponibilidades sobre o Exterior, as Reservas Externas). E fazer o que lhe desse na real gana seria emprestar dinheiro a rodos para obter mais proveitos, aumentando assim, desmesuradamente, o volume da liquidez em circulação na economia.
v    Ora liquidez a crescer de maneira descontrolada significava dois perigos imediatos para o Banco Central: (a) inflação (desequilíbrio interno); (b) deficits na Balança de Transacções Correntes e, no limite, ruptura das Reservas Cambiais, suspensão dos pagamentos ao exterior e desvalorização da moeda nacional (desequilíbrio externo).
v    Mesmo a segunda baliza não tinha o alcance que inicialmente se pensava. O coeficiente das Reservas Obrigatórias, para ter eficácia ao nível da liquidez em circulação, teria de ser muito elevado – mas isso tolhia a actividade dos Bancos e mantinha a preferência geral por notas (que são passivo do Banco Central, também), esses meios de pagamento impessoais (recorde, Leitor, a Curtinhas 17, de Julho de 2006). Se fosse baixo, não se podia contar com as Reservas Obrigatórias para disciplinar a liquidez em circulação – e os desequilíbrios “macro” estariam sempre à espreita.
v    A solução era trazer para os Livros do Banco Central praticamente todos os movimentos de liquidez entre os Bancos (de fora ficariam, apenas, as operações no mercado de capitais, como já referi). E então cada Banco teria de pensar duas vezes antes de se lançar num novo empréstimo: será que a moeda escritural criada por contrapartida dessa operação de crédito bancário não vai, no minuto seguinte, ser-lhe reclamada na Compensação Interbancária e debitada na conta à ordem que mantém junto do Banco Central? E essa conta terá saldo que comporte o débito?
v    Contrariamente à duas primeiras balizas - em que uma só actuava se os Bancos conhecessem maus dias; e a outra, para actuar, exigia sempre da Autoridade de Supervisão trabalho administrativo moroso para recolher e tratar informações, pelo que só fazia sentir a sua presença de tempos a tempos – a obrigação de fazer passar pelos Livros do Banco Central todas (excepto as que referi) as operações com outros Bancos do sistema oferecia à Autoridade de Supervisão três preciosas vantagens: (a) actuava de forma permanente e continuada; (b) era simples de tratar; (c) a informação relevante ficava imediatamente à vista.
v    Vantagens tanto mais apreciadas quanto os Bancos Centrais, enquanto Autoridades Monetárias, tendiam a privilegiar os mercados interbancários nas suas estratégias de política monetária, fosse para instrumentalizar as taxas directoras, fosse para injectar ou absorver liquidez no sistema bancário (e, por aí, na economia).
v    Tolerar que os Bancos efectuassem os pagamentos recíprocos nos seus próprios Livros, abrindo contas uns a favor dos outros, seria renunciar ao instrumento de supervisão prudencial mais eficaz e às estratégias de política monetária mais expeditas (as estratégias de open market), regressando-se aos saudosos tempos em que tudo acontecia por obra e graça de um regulamento ou de um edital.
v    Se a CGD tinha cheques sacados sobre o BPN para apresentar, ou ordens de pagamento do BPN para receber, aí estava a Compensação Interbancária. Então porquê e para quê abrir tais contas?
v    Se a CGD queria ceder liquidez do BPN, ou tomar liquidez do BPN, aí estavam os mercados interbancários. Então porquê e para quê abrir tais contas?
v    Quereriam, CGD e BPN, “curto-circuitar” a Autoridade de Supervisão (o BdP) e fintar a Autoridade Monetária (o BCE)?
v    Quereria a CGD servir-se do BPN como seu agente apresentante na Compensação Interbancária, ou vice-versa?
v    Quereriam movimentar fundos à socapa, com a CGD a utilizar o BPN como se fosse uma espécie de offshore na ilha dos piratas?
v     Tal como não é crível que CGD e BPN tenham dado conhecimento da trama ao BdP, também não é crível que tudo isto tenha passado despercebido ao Supervisor (o BdP).
v    As explicações devidas são muitas. Mas o resultado para já mais preocupante é que tudo isto se sabe, cá dentro e também lá fora - e o sistema bancário português acaba de perder a pouca credibilidade com que saíra do episódio BCP.
v    Talvez valha a pena recordar a políticos e governantes (a todos aqueles que por aí se passeiam com ares de “Pais da Pátria”) que, numa zona monetária, se um sistema nacional vacila, os poderes de supervisão são transferidos para o Centro, ou para uma outra Autoridade de Supervisão nacional. (FIM)
 
Novembro de 2008
 A. PALHINHA MACHADO

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