Apesar de não ser novidade é bom, de vez em quando, rememorar as heranças que nos deixaram os nossos vovozinhos, parentes dos binladen da vida, a quem nos ensinaram a chamar de mouros, sarracenos, árabes, infiéis e outros epítetos, mais ou menos pouco honrosos para quem tanto tempo andou por Portugal e, certamente, deixou em muitos um sanguinho lá das bandas da Mauritânia, do Magrebe e do Médio Oriente.
Além do sangue, muita coisa ficou, sobretudo no vocabulário das ciências agrícolas e náuticas. E na toponímia. Apesar de não se terem demorado muito tempo para cima do Douro, no resto do país permaneceram entre quatro a cinco séculos, mas ainda lá deixaram, por exemplo a Alfândega da Fé e uma Arrábida no Porto!
Para o Brasil como a quase totalidade da imigração veio do norte e centro interior, daí não terem chegado ao Novo Mundo os magarefes mas somente açougueiros! Mas vieram ovelhas, aldeias e argolas, porque os navegadores, antes de encontrarem o Brasil, já sabiam calcular o zênite de qualquer lugar, traçar azimutes e fazer cálculos algébricos.
Com os emigrantes vieram, nas suas mochilas, os pêssegos, as azenhas, as noras com seus alcatruzes e os açudes e as casas dos mais endinheirados não dispensaram os muxarabiés nas janelas e os azulejos nas paredes, e assim mais ao abrigo do calor destes trópicos, podiam deleitar-se ao som dos adufes e das rabecas!
Imaginem que se não tivessem trazido o alambique talvez estivéssemos ainda privados da melhor bebida do mundo, a caipirinha, que se faz com açúcar! (A melhor, bom... a seguir ao vinho, claro!) E os tremoços, aquela maravilha amarelhinha, simples e deliciosa para acompanhar uns quantos chopes?
Por vir do norte de Portugal o pessoal não trouxe a ceifa, simplesmente a colheita, mas com eles veio o calão, e de todo o mundo as calamidades, além dos muitos vocábulos começados com o pronome al como almofada, almoxarife, algema que alguns «colarinhos brancos» não gostam de usar ao serem presos! E mais: o açafrão e o azeite, a beringela e o espinafre, a bolsa, a faixa e o enxoval, além do sapateiro e da secular técnica de construção de casas de taipa! E muito, muito mais.
Esses nossos vovos estimularam muito a cultura em todo o El Andaluz, e no Al Garb, onde o Califa de Córdova, Aláqueme II, chegou a juntar mais de 400.000 volumes na sua biblioteca.
Em Portugal como em Espanha deixaram-nos arrábidas e azóias, as primeiras como madrassas fortificadas, onde se ensinava o «quadrivium» e se mentalizavam os alunos sobre a «guerra santa», e nas segundas, pequenas ermidas, viviam retirados alguns religiosos e seus seguidores. Os campónios, os saloios, chamavam aos estudantes dessas madrassas na velha «Olissipona», a Luxbona dos mouros, os madraços, os que não «faziam nada»! Eles, os saloios é que levavam vida dura para produzirem os alimentos que a cidade consumia.
De Portugal muito dessa herança passou ao Brasil, e oxalá que por aqui, uma das metas, quando um dia houver governo, seja de elevar, bem alta a cultura do povo! Que deixem de ser faquires, pobres, e se tornem todos madraços, cultos!
Não nos temos cansado de dizer – com o êxito a que já estamos habituados – que tudo o que de importante se passa na nossa vizinha Espanha devia ser objecto do melhor estudo e atenção.
Mas como para a opinião pública se clama que entre nós e a Espanha já só há bom vento e melhor casamento – embora ali para o lado de lá de Jurumenha, haja quem não seja da mesma opinião … –, para quê perder tempo com preocupações que só têm cabimento em mentes obtusas que insistem em andar com o passo trocado com a História? Bom bom, é a gente derramar a vista numa lânguida praia mediterrânica bebendo uma caña e petiscando uma tapita.
A espanholada também vai nisto, mas entre eles há quem se preocupe em, por exemplo, ir reforçando o seu Poder Militar. Vamos tentar ilustrar com alguns exemplos.
Comecemos pela Marinha: por alturas de Abril foi lançado à água em, Ferrol (Galiza), um novo Porta-aviões e plataforma marítima, o Juan Carlos I, que só tem paralelo nos Marines americanos. Vai juntar-se ao "Príncipe das Astúrias"… Construíram ainda nos mesmos estaleiros cinco fragatas da classe Álvaro de Bazan que incorporam a mais moderna tecnologia, incluindo a de defesa aérea "aegis". Construíram ainda dois modernos navios polivalentes logísticos, capazes de exercerem comando e controle, transportar tropas, navio hospital e reparação em alto mar.
Estão em vias de comprar ainda 20 mísseis de cruzeiro "Tomawak" aos EUA, para o que é necessário obter autorização do Congresso.
Quanto à Força Aérea procederam à modernização (MLU -midle life update), das três esquadras de F18 (Torrejon, Saragoça e Las Palmas); dos Mirage F1 que têm em Albacete e já está operacional a primeira esquadra de Eurofighter (caça de última geração) em Moron, cuja construção partilham com a Inglaterra, a Itália e a Alemanha. Num outro projecto em que participam, o avião de transporte estratégico Airbus 400M, verão a sua 1ª aeronave ser entregue em Junho, de um total de …17! O mesmo MLU foi também feito aos vários P3M (anti-submarina) que possuem. Em Madrid existem dois centros de satélites a funcionar, um a ser operado pelos países da UE, que integram o programa e outro só por eles…
O Exército está a ser equipado com a última versão do carro de combate "Leopard", que já é fabricado às dezenas em Sevilha. E já operam 30 UAVs – veículos armados não tripulados – de alta tecnologia fabricados também em Espanha e até produziram doutrina sobre o seu emprego.
Estamos a falar de exemplos…
Significativo é o facto de se registar um desenvolvimento exponencial das Indústrias de Defesa, que incorporam muita tecnologia de outras indústrias civis e que está apostada na exportação, como é o caso das fragatas. O governo espanhol tenta participar em tudo o que é projecto NATO e não só. Vai receber, em termos permanentes o TLP, Tactical Leadership Program, um importante centro de desenvolvimento de tácticas aéreas, que transitarão de Bélgica para a base de Albacete, já no próximo ano.
E tendo os EUA denunciado o acordo de Defesa com a Islândia, afirmando que cabe aos europeus garantir esse defesa, de imediato os espanhóis se ofereceram para tomarem conta da respectiva Defesa Aérea (a rodar entre outros países que também a querem fazer). No final deste esforço e neste momento possivelmente não haverá na Europa país que se lhe possa igualar em capacidade militar clássica. E isto, note-se, sendo público e notória a pouca simpatia que o PSOE e sobretudo o seu líder e Primeiro-ministro, José Luís Zapatero, nutrem pelas FAs; pelos graves problemas de recrutamento, da campanha anti militar existentes em muitos meios e ainda por em alguns pedaços da Espanha (sobretudo o País Basco e a Catalunha) serem francamente hostis à presença de unidades militares.
E no meio disto tudo não deixa de ser curioso verificar o contencioso político com os EUA desde que o PSOE é governo o que levou Zapatero a nunca visitar aquele país e à descortesia de ter proibido o desfile de uma Companhia de Marines, no dia da Hispanidad (12/10) logo a seguir à sua primeira tomada de posse condescendendo apenas à presença do embaixador. E terem sofrido, mais tarde, o amargo de boca de verem os EUA oporem-se a uma candidatura do seu representante no Comité Militar da NATO, ao cargo do respectivo "chairman" (concorreu ainda o polaco e o italiano, ganhando este).
O Estado Espanhol diz abertamente que quer afirmar a Espanha como uma grande potência na Europa e no Mundo e as FAs fazem parte desta estratégia de afirmação. O que está certo.
O que já parece menos certo é que as capacidades militares que se estão a construir, se destinam às missões de Paz e Humanitárias em que estão muito empenhados, como também afirmam. É que tal ultrapassa em muito tal desiderato. Convinha fazer algum estudo geo-estratégico sobre todos estes assuntos, quanto mais não fosse para exercitarmos o intelecto…
Por sorte nossa ou inspiração divina, o actual primeiro-ministro português elegeu o seu homólogo espanhol como o seu melhor amigo.