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A bem da Nação

Histórias da minha Ilha

 

 

História de um assassinato

 

 

Nos tempos dos reinados, para ocupar cargos políticos, militares ou administrativos, era comum que nobres de segunda linha fossem enviados às regiões insulares e ultramarinas para prestarem serviços à coroa portuguesa. Por serem locais mais afastados da civilização e conforto da metrópole, também eram destinos de muitos homens, nobres ou não, que praticavam delitos ou crimes, como uma forma de exílio ou castigo.

 

Estava-se nas primeiras décadas do século XIX, quando Vicente Alexandrino chegou à cidade da Horta, Ilha do Faial. Vinha do Continente, não se sabendo ao certo o porquê e para quê. Natural de Atalaia (Comarca de Castelo Branco, Portugal) era filho do fidalgo português José Fonseca da Mota. Vinte e oito anos, estudante de Coimbra, porte garboso, altivo, atitudes enérgicas, logo despertou a atenção daquela acanhada e provinciana comunidade açoriana.

 

Maria Isabel da Silveira Linhares era uma jovem e bela viúva, com o atrativo adendo de ter origem fidalga e avultado património. Na pequena ilha faialense, despertava o interesse de cobiçosos pretendentes, desde o administrador do Conselho a outros nomes de menor porte e suporte social. Distante e impávida a todos tratava com cortesia, porém a nenhum demonstrava sinal de interesse. Até que, um dia, não se sabe se por acaso ou se por caso pensado, conheceu o jovem estudante português do Continente.  O que se sabe é que trocaram empáticos olhares, vivamente interessados, que deram lugar a encontros cada vez mais frequentes. No coração da viuvinha nasceu um amor cego, incondicional, que a fez esquecer  todas as referências e conveniências que sua posição e nome exigiam. Ignoraram a maledicência do povo, a recriminação religiosa, e passaram a viver em mancebia. Envaidecido com a escolha, possessivo e ciumento, com o tempo tornou-se senhor tirânico e absoluto da vida e da casa de Maria Isabel, a ponto de dominá-la à humilhação e até maltratá-la, cabendo a ele sempre a palavra final sobre todo e qualquer assunto.

Passados os anos, nasceram-lhes duas filhas, mas o génio de Vicente Alexandrino não abrandava. Naturalmente irascível, agora se inflamava por qualquer coisa, a ponto de transformar um incidente de pequena monta numa tragédia que iria se abater sobre ele a família.

 

Nas casas abastadas e fidalgas de antigamente era comum haver uma entrada recuada e espaçosa, chamada saguão, onde transeuntes não muito educados utilizavam os cantos mais escondidos, na tentativa de preservar a decência, como local de utilidade pública para as suas mais urgentes e agudas necessidades fisiológicas. Era um dos aspectos da rudimentar higiene da população urbana daquela época que com frequência usava e abusava do rapé e dos borrifos de almíscar para disfarçar os maus odores amoniacais e corporais das gentes.

 

Certo dia, ao sair de casa, Vicente Alexandrino deparou na entrada com um camponês em atitude duvidosa fazendo do lugar mais que um simples mictório.  Enfureceu-se, tomou o acto como mera velhacaria  pois o homenzinho acabara de sair de sua casa, aonde fora  para pagar as rendas. E como era de costume das casas mais abastadas, acabara de se banquetear com o almoço que a senhoria dava aos empregados e seus arrendatários, quando estes vinham à cidade. Num ímpeto, atirou-se ao homem cheio de raiva e o expulsou a ponta-pés para o meio da rua. Ali, humilhado o rendeiro jurou para si mesmo uma desforra.

 

Poucos dias após esse episódio, ao anoitecer, quando ia  à Botica do Silva, como fazia de costume, Vicente foi surpreendido  por dois homens que tentaram com paus bater-lhe, porém só o ferindo de raspão, na testa.  Ágil e destemido como era revidou o ataque e avançou contra os delinqüentes. Tirou-lhes as armas e correu atrás deles, mas logo foi impedido pelos vizinhos que, surpreendidos pelo barulho, acorreram ao caminho. As autoridades descobriram e pegaram os malfeitores. Presos, processados e condenados, foram enviados para cumprir pena de seis meses de degredo na exígua e isolada Ilha do Corvo.

Vicente Alexandrino não ficou satisfeito com o castigo que os  amigos do campesino desavergonhado receberam. Achava pouco para reparar sua dignidade. Resolveu então, por conta própria, fazer justiça quando houvesse oportunidade. E assim o fez quando eles voltaram do exílio. Contratou alguns homens e arquitectou um plano para se vingar.

 

Numa noite ele e os comparsas saíram armados. Procuraram o primeiro homem em casa. Lá chegando, bateram na porta e protegidos pela escuridão, chamaram-no para fora. Queriam falar-lhe. Desconfiado, o campesino escondeu-se no desvão da atafona e mandou a mulher dizer que não estava em casa. Os assaltantes indecisos, sem saber ao certo o que se passava, resolveram partir em busca do outro ex-condenado. Desta vez mudaram de tática.  Ao chegar à morada do segundo homem, chamaram-no à rua dizendo serem enviados das autoridades. Como o intimidado não se apresentava, arrombaram-lhe a porta e o arrastaram para fora de casa, retirando-o do meio da família que aos gritos o abraçava. Indiferente aos rogos desesperados da mulher e filhas, ali mesmo, de chofre, no meio da estrada e às vistas dos visinhos que acudiram  ao ouvir todo aquele alarido, Vicente Alexandrino matou o homem com um tiro no peito. Horrorizadas com tanta violência,  as testemunhas não titubearam em acusá-los.  No dia seguinte, toda a cidade comentava a cena bárbara.   Em poucos dias todos foram presos, julgados e condenados. A pachorra açoriana não tolerava esses graves destemperos.

 

Já na prisão do Castelo de Santa Cruz, Vicente recusou o auxilio do seu irmão, que viera de Portugal Continental, para dar-lhe assistência legal, com muitas chances de êxito. Confessou o delito e assumiu todas as implicações do seu acto. Podia ser tachado de criminoso, mas nunca de covarde!

É provável que Maria Isabel suspeitasse das reuniões que o amante fizera em casa antes do crime. Mas o temor que tinha dele e a incerteza do que tratavam, fizeram-na calar e aguardar o desfecho da conspiração, que como se viu acabou na morte do rendeiro e na perdição do amante.

Ainda no Faial, durante as visitas que recebia na prisão, jurava amor eterno à Maria Isabel e propunha casamento para regularizar a união deles. Queria dar o seu nome a ela e às filhas. Mas ela deixara de amá-lo. Inflexível, agora liberta da tirania e dos maus tratos que o amásio lhe infringia, recusou a oferta. Mesmo assim  visitava-o, às vezes, afinal ele era o pai de suas filhas, o homem que um dia amara loucamente.

 

Maria Isabel reabilitou-se no amor filial. Dedicou-se à família até o fim dos seus dias.

Vicente Alexandrino e os seus cúmplices foram condenados à morte. No entanto, tempos depois por alguma interferência maior e mais potente, a pena foi computada em degredo perpétuo em África. Mas o que se conta na história da ilha, é que passados alguns anos, não muitos, alguém do Faial o reconheceu em Lisboa, ao cruzar com ele numa rua da capital portuguesa...!

 

 Maria Eduarda Fagundes

Uberaba, 11/05/08

 

 

Dados e referencias bibliográficas

Famílias Faialenses (Marcelino Lima)

Maria Isabel da Silveira Linhares (Faial, 1804-1877).

PÁGINAS SIMPLES DE DOMINGO - 5

A REMAR CONTRA A MARÉ

 

 

Nos tempos revolucionários do Exército Popular de Libertação, o chinês, os comandantes assumiam-se pela capacidade de liderança e não pelas insígnias com que alguém lhes adornasse os ombros ou a lapela. Aliás, nem sequer havia galões ou divisas e, à moda maoísta, também não havia lapelas. Mas em contrapartida, havia quem dissesse que essa ausência de identificação nada tinha a ver com o espírito revolucionário contra as hierarquias mas sim e apenas com o medo de que o inimigo identificasse os líderes e os abatesse logo na primeira emboscada.

 

Lembrando o mesmo estilo mas nada tendo a ver com a dita doutrina, também os Autores do “A bem da Nação” se apresentam através dos escritos que nos oferecem e se impõem ao nosso respeito com a maior naturalidade. Por isso me abstenho de os apresentar formalmente quando se estreiam nas nossas páginas. Pouco tempo depois da estreia passamos a conhecê-los da maneira mais profunda que poderíamos imaginar: pelos raciocínios que desenvolvem.

 

Quando, em Janeiro de 2004, dei início ao “A bem da Nação” nunca imaginei que ele alcançasse a dimensão que hoje tem quer no que respeita à qualidade quer à quantidade. Também não imaginava que fosse possível encontrar quem me quisesse acompanhar com uma remuneração igual à minha, ou seja, gratuitamente. Só sabia ao que vinha: afirmar urbi et orbi que há solução para os problemas com que a Comunicação Social constantemente nos bombardeia.

 

Sim, a Comunicação Social parece ter apostado na exploração do que de mais mórbido e mesquinho os consumidores de ideias alheias possam ter. E se essas duas perniciosas características existem à custa de níveis de cultura infinitesimal, logo são exploradas de modo a que se desenvolvam e assumam uma dimensão que torna o ambiente social insuportável. E como quem tem níveis menos insignificantes de cultura se isola desse rol de desgraças, há que manter as audiências nos níveis intelectuais mais baixos de modo a que se prendam avidamente ao que lhes é incutido, nomeadamente que um certo detergente lava mais assim ou mais assado, que o Banco tal é o melhor do mundo e que os poluidores é que devem pagar a crise. E enquanto essas audiências acreditarem nessas coisas todas, logo os seus propaladores receberão as maquias por que tanto anseiam e que os mandantes interessadamente lhes pagam.

 

E quem ganha com esse ambiente de insatisfação, inveja e revolta permanente? Exactamente esses ditos mandantes, os pagadores.

 

Os pagadores de encapotada manipulação de vontades – por exemplo, os gestores da especulação bolsista – não pactuam com mentes esclarecidas pois não as conseguem influenciar. À semelhança dos antigos que queriam manter a plebe ignara para que a tivesse servil, também hoje a pujança desses germina no estrume da ignorância vulgar. E quando essa capito diminutia entra na exigência da abastança imediata que os demagogos lhe incutiram como um direito inalienável, deixa de lado qualquer laivo de sábia lucidez ancestral e, seguindo as orientações do mercado e ignorando os sinais ocultos da mão de Vilfredo Pareto, ruma em direcção ao risco que não sabe medir. E quando tudo dá para o torto, logo aparece alguém dizendo que a ‘bolha’ tinha fatalmente que rebentar. Sim, os cabedais não somem como que por magia mas mudam das mãos de muitos para as de poucos e é nisso que reside a imoralidade do jogo vigente.

 

Vilfredo Pareto

(1848-1923)

 

Ora, é precisamente contra esta ignóbil exploração da ignorância que o “A bem da Nação” batalha. Podemos não arvorar os galões da liderança das audiências e podemos andar a remar contra a maré mas é útil que se saiba que nós sabemos ao que eles andam.

 

Lisboa, Maio de 2008

 

Henrique Salles da Fonseca

 

Imperfeição, teu nome é Homem

 

Vincent Van Gogh

 (autoretrato)

 

 

 

Quando não nos sentimos bem fisicamente procuramos um profissional da área de saúde que nos providencia exames que possam confirmar ou despistar qualquer doença. Porém quando se trata das alterações emocionais ou da mente, nem sempre é fácil determinar a anormalidade.  

 

O cotidiano agitado e o aumento da expectativa de vida das pessoas trouxeram o aparecimento de doenças, antes pouco diagnosticadas. Nas famílias urbanas onde todos trabalham, os idosos estão cada vez mais isolados e esquecidos pelos filhos e parentes, que não acham tempo para cuidá-los. Muitas vezes abandonados em instituições ou asilos, além das doenças próprias da velhice, são vitimas da depressão e do estresse. Também nas populações mais carentes vê-se com mais freqüência crianças largadas, vendidas ou até abandonadas à própria sorte, quando não são vitimas de agressões físicas e até morte. É a miséria e a ignorância levando à banalização da vida e dos valores.

Com tantas modificações nos códigos existenciais atuais está cada vez mais difícil se dizer o que é normal ou anormal.  Se a doença-resposta aos traumas, com a fuga psicológica e a proteção mental ilusória, ou a realidade nua e crua do abandono paterno ou filial? Se a liberação sexual com todas as implicações que ela traz ou a limitação para a preservação da saúde? Se o desespero pela perda do irreparável, ou o mutismo do inconsolável?

Sentir medo, angústia, euforia, tristeza ou alegria pode ser normal ou anormal, tudo vai depender das regras e medidas subjetivas da medicina psiquiátrica.  Ter explosões de raiva, de inspiração ou de entusiasmo são reações esporádicas do nosso mundo interior, mas viver constantemente nessas situações é viver num turbilhão de sentimentos que nos tiram a razão e a visão real do mundo exterior.

 

O que se passa na cabeça daqueles que transgridem as regras sem pudor, sem remorsos, que motivações lhes deu a fantasia da mente ou a amoralidade da sociedade para desconhecerem a diferença entre a realidade e a doença? VanGogh, Einstein, Leonardo da Vinci, Napoleão, serão considerados homens comuns? Qualquer um dirá que não. Dentro dos critérios de capacidade humana são seres excepcionais, uns gênios, que estão fora da faixa ideal ou normal da maioria dos seres mortais!

 

Talvez o X da questão esteja nessa linha imaginária, codificada e divisória, que se altera segundo os conhecimentos, necessidades, padrões morais da época e os costumes de uma sociedade. Isso talvez nos faça entender porque existiram e tiveram respaldo instituições como a Inquisição e homens como Hitler.  Mais atualmente, porque pesquisas de opinião mostram altos índices de aceitação popular para governos eivados de escândalos e corrupção, colocando em segundo plano o valor e o caráter pessoal.  

 

Por mais que a ciência procure as explicações e a sociedade faça as contenções, o homem está sempre adiante, com suas mazelas e imperfeições. Sua existência se baseia na procura da plenitude, do ideal, do ser inteiro, onde a harmonia entre o corpo e mente faça o equilíbrio trazendo finalmente a paz e a felicidade, às vezes procuradas a qualquer preço.

 

Maria Eduarda Fagundes

Uberaba, 28/04/08

CRÓNICAS DO BRASIL

Ikebana – Sanguetsu

 

O Brasil é, além do «celeiro do mundo», o país das grandes inovações em termos de evolução social e política. Depois do famoso bolsa-família, dos diversos bolsa-malandragem, do bolsa-mst, bolsa-mensalão, etc., agora um «ilustríssimo deputado» fez aprovar na câmara um projecto de lei de sua «exclusiva» autoria, que vai revolucionar a conjuntura social, e internacional, do país e do mundo.

O projecto, o «ilustre» afirma que contribui para o alcance da «paz e equilíbrio», assim servirá, certamente, de inspiração para os governos bushista, de myanmarista, chavista, israelita, palestino, chinês e outros (reparem nas minúsculas), e é de verdadeira e profunda inspiração aristotélica-platonense, apesar do nome cheirar a japonês, e ter (terá?) a sua origem na milenar arte hindu.

O projecto, bem analisado, limita-se a propor que o dia 23 de Setembro seja o dia da Ikebana – Sanguetsu!

E é para isto que o país gasta por ano, com cada deputedo, dezenas de milhões de reais! Para fazer arranjos florais e enfiá-los... no sanguetsu! Que beleza!

Dentro dos diversos truques que por aqui se inventaram para poder meter a mão nos dinheiros da «viúva», tem um que é outra delícia: negociar com os bancos quem fica com a folha de pagamento dos funcionários! Cada autarquia ou estado, faz uma espécie de leilão – secreto, confidencial e... – a ver quem dá mais para ficar com essa folha! Como é evidente isso é um bodo aos bancos, e sempre sobra uma razoável quantidade de dinheiro que, por fora..., pode escorregar para os bolsos dos funcionários que interferem na escolha.

Para se ter uma ideia, a Prefeitura de Teresina, recebe 6 milhões de reais por esse contrato com dois bancos estatais, mas, segundo opinião de políticos «de rabo esfolado» isso poderia render ao município uns 50 milhões!

Por onde andarão os 40 e tantos da diferença???

No próximo leilão da folha de pagamentos, os concorrentes levarão uma ikebana-sanguetsu como sinal de paz e amor e... disfarçado entre as flores aquele checão de alguns milhões, para.... Para quem?

Deixa pra lá!

 

N.- E eu a pensar que ikebana seria uma variedade de sushi, para ajudar a encher a barriga do povo!

 

Rio de Janeiro, 7 de Maio de 2008

Francisco Gomes de Amorim

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Nesse dia os brasileiros vão ter que fazer um arranjo floral a la ikebana e, em sinal de «paz e amor» oferecê-lo ao grande líder e sua condecorada esposa!

ACORDO ORTOGRÁFICO – 5

 

DESACORDO ORTOGRÁFICO

 

 

Caro amigo Henrique

 

    

Muito obrigado por me ter enviado o ´Manifesto em Defesa da Língua Portuguesa´[1], que subscrevo e assino, mas não exactamente pelas razões aí expressas pelos notáveis. Há muito mais do que a ortografia em questão.

 

Na minha opinião, todo este movimento de ´normalização´ da língua não tem outra motivação senão a económica e comercial de algumas editoras, que cada dia se consolidam em multinacionais e lobbies fortes, à custa da qualidade das publicações e em favor de não só bestselling mas fastselling. Não é só Rupert Murdock e Bertelsman, Portugal também tem os seus jogadores.

 

Este Acordo Ortográfico é completamente absurdo se não criminal pelo que representa pela extinção da cultura portuguesa acumulada ao longo da sua história. Em vez de procurar normalizar a língua portuguesa em todo o mundo, deviam empenhar-se exactamente no contrário: destacar, elevar e assimilar as ricas variantes da língua. Por outras palavras, acarinhar as diferenças, ainda as ortográficas [como em Áustria-Alemanha, Espanha-Latinoamerica, França-Canadá, sem esquecer, Martinica e tantos outros exemplos].

 

Tenho aqui um livro que comprei em 1986, The Story of English, escrito por três autores, um editor-escritor e outros dois das médias, dois ingleses e um americano. No Prefácio podemos ler, de H.L. Mencken [jornalista, editor, analista da cultura famoso]:

 

           A living language is like a man suffereing incessantly

           from small haemorrhages, and what it needs above

           all else is constant transactions of new blood from other

           tongues. The day the gate goes up, that day it begins

           to die.

 

Não só línguas estrangeiras, mas também as variantes da língua materna.

Imagine, neste livro há não só ortografias diferentes entre Inglaterra e Estados Unidos, mas muitas outras, veja os títulos de alguns dos capítulos:

 

                           4 – The Guid Scots Tongue

                           5 -  The Irish Question

                           6 – Black on White

                           7 – Pioneers! O Pioneers!

                           8 – The Echoes of an English Voice

                           9 – The New Englishes

                          10 – Next Year´s Words

 

                           etc., etc.

 

Qual é a história que Vasco e companhia lamentam que se vai perder, essa história que já está quase totalmente perdida, dos quatro cantos do mundo onde foram os descobrimentos? Pergunta retórica. Portugal não só está de costas voltadas para a vizinha Espanha mas desconhece os países e culturas onde foi: não conhece jindungos, ambotiks, go-ji, konkani, nem kalunga.

 

Não se trata de ortografias nem de nada tão isolado. Os problemas aqui são de duas vertentes, se me permitir, sem querer ofender: uma cultural e outra cognitiva. O que tem que mudar é essa tão falada mentalidade, eu prefiro a palavra abordagem. Portugal tem a obrigação de encarar a sua própria história e aceitá-la, com as suas belezas e os seus defeitos – esse livro de história não foi escrita todavia. Terá que aceitar também que o Português tipo é uma rica mistura de culturas, raças, etnias, e espíritos, e tem que se congratular por isso.

 

E depois, a pequena peça ortográfica do puzzle encontrará o seu legítimo lugar na Big Picture (´in color´, or is it ´in colour´?)

                

John Howard Wolf



TRAVESSIA FERROVIÁRIA DO TEJO

 

 

 


    No programa “Prós e Contras” emitido em 7 de Abril de 2008 pela  RTP, a jornalista Fátima Campos Ferreira não fez uma única vez a pergunta: “E o TGV vindo do Norte, como irá entrar em Lisboa?” (Ou, para sermos mais precisos : “ qual será o trajecto da futura linha de bitola europeia de Lisboa ao Porto, em que circularão diversos comboios entre eles TGV, e que será a mais importante linha ferroviária portuguesa?)

 

    Enquanto esta pergunta não for feita o debate sobre a travessia ferroviária do Tejo será sempre um debate mutilado.

 

    Assistimos, ontem,  a um confronto em que foram apresentadas as vantagens e, sobretudo os inconvenientes, de duas soluções  que o LNEC foi  encarregado de comparar, mas ainda sem o encargo de as relacionar com a futura rede ferroviária a Norte do Tejo.

 

    Estamos a ser um país ao contrário, que primeiro discute as pontes e depois os trajectos ferroviários.

 

    Do debate de ontem, os 9 milhões de portugueses que vivem fora de Lisboa e da península de Setúbal ( e que terão alguma dificuldade em distinguir o Barreiro do Montijo)  só podem ter retirado, que os problemas estão ainda muito insuficientemente estudados, que os custos podem ser gigantescos, e que os interesses gerais do país não estarão  a ser devidamente equacionados e  ponderados.

 

    Estes interesses exigem  que se procurem  soluções que não obriguem a um  grande dispêndio de verbas na região de Lisboa, e permitam construir com o melhor trajecto possível a  futura linha de bitola europeia de Lisboa para o Porto.

 

    As soluções ontem apresentadas não são únicas.

 

    A solução que apresentei na Sociedade de Geografia de Lisboa, em 13 de Março (cujo resumo envio em anexo)   e a solução bastante semelhante  apresentada pelo Engenheiro Luis Cabral da Silva no LNEC, no encontro de 12 de Fevereiro, no caso de serem possíveis, e penso que o são,  são  mais fáceis de construir, têm custos  inferiores, talvez metade do das ontem referidas, e permitem-nos construir uma futura rede  ferroviária bastante mais condizente com os interesses globais  do País.

 

    O mínimo que se pede é que  sejam consideradas e estudadas.

 

    Têm, sobre este assunto, uma palavra a dizer os movimentos ecologistas que se devem, desde o início, debruçar sobre o problema para dizer qual,  de todas as soluções possíveis, acham preferível.

 

  8 de Abril de 2008

               

      António Brotas

Professor Jubilado do IST

 

 

ESQUEMA DE UMA PROPOSTA APRESENTADA NO DIA 13 DE MARÇO NO ENCONTRO DA SGL SOBRE: A TRAVESSIA FERROVIÁRIA DO TEJO, O TGV PARA O PORTO, E O ACESSO FERROVIÁRIO AO NOVO AEROPORTO.

 

      A linha da Gare do Oriente até Alverca tem 4 vias, actualmente todas de bitola ibérica, que são usadas por comboios de longo curso, suburbanos e de mercadorias. Em Alhandra e Vila Franca a linha tem só duas vias e é muito difícil duplica-la à superfície numa extensão de cerca de 8 km.

 

      O que se propõe é que duas das vias da Gare do Oriente a Alverca passem a bitola europeia e que seja estudada uma travessia ferroviária do Tejo a seguir a Alverca, por ponte ou túnel, aproximadamente na direcção do Porto Alto.

 

      Perto do Porto Alto, deverá haver um ponto de encontro ( e talvez uma estação)  onde se devem encontrar as  linhas de bitola standard  para Badajoz, para o novo Aeroporto (devendo esta linha ser prolongada até ao Pinhal Novo) e, uma linha pela margem esquerda do Tejo até perto da Chamusca, que servirá para a futura linha TGV para o Porto. 

 

      As linhas de bitola standard previstas neste projecto serão usadas para:

 

1-     Os TGV de Lisboa para Madrid e outros comboios de bitola standard que usem a linha para Badajoz.

 

2-     As navetes saídas da Gare do Oriente para o novo Aeroporto (algumas das quais devem ser prolongadas até ao Pinhal Novo). Estas navetes servirão também, nalguma medida, para o tráfego suburbano. No troço Alverca/Gare do Oriente devem ser previstos suburbanos que circularão só na margem Norte.

 

3-     Para o TGV para o Porto, quando vier a ser construído e que deverá passar perto do Entroncamento, que deverá manter a sua vocação ferroviária. (É de prever, a relativo curto prazo, a passagem a bitola standard da linha da Beira Baixa  que, ligada na Guarda à futura linha Aveiro/Vilar Formoso, permitirá o trânsito ferroviário das nossas mercadorias para o centro da Europa sem necessidade de passarem por Madrid).

 

      As actuais linhas de bitola ibérica (incluindo a linha da cintura) pouco ou nada serão perturbadas por estas obras e prevê-se que continuem a funcionar como actualmente por um largo período (talvez duas décadas). Assim, todos os actuais comboios que passam em Vila Franca, de longo curso, suburbanos e de mercadorias, continuarão em funcionamento como até agora

 

      Actualmente, passam por hora, em Alverca, nas horas de ponta, 6 comboios suburbanos, 4 vindos de Vila Franca e dois que partem de Alverca. Estes últimos serão substituídos por comboios que circularão nas vias de bitola standard, que terão capacidade para mais suburbanos até à gare do Oriente, ou mesmo até Braço de Prata.

 

 NOTA: Esta proposta não é muito diferente da apresentada pelo Eng. Luis Cabral da Silva no encontro promovido pela Ordem dos Engenheiros e pelo LNEC, em 12 de Fevereiro, podendo ser as duas consideradas variantes uma da outra.

 

                        DIFICULDADES

 

                    Na Gare do Oriente

 

      Na Gare do Oriente, com 8 cais, mas pensada como apeadeiro de luxo e não como estação terminal, é fácil passar duas das vias a bitola standard. Mas os comboios não poderão nelas ficar estacionados nem inverter a marcha. Estes comboios ao sair da estação terão, assim, de seguir no mesmo sentido. A solução é prever perto de Braço de Prata, onde há espaço para isso, uma zona onde estes comboios possam estacionar, ser limpos e esperar a hora para reentrar na Gare do Oriente, já em sentido contrário.

 

                    Na travessia do Tejo perto de Alverca.

 

      A travessia a seguir a Alverca pode ser feita por ponte, ou por túnel. As duas hipóteses devem ser estudadas. Tecnicamente, nenhuma parece levantar dificuldades de maior, mas há o problema da Reserva Natural do Estuário do Tejo. Numa travessia imediatamente a seguir a Alverca a Reserva é atravessada numa extensão de cerca de 2 km. Na travessia por túnel é perturbada durante um período, mas depois é reconstruída nas condições iniciais. Na travessia por uma ponte prolongada por um viaduto, não se vê que espécie animais serão prejudicadas. Um viaduto a atravessar a Reserva pode, aliás, protege-la de ambições imobiliárias.

 

     As opiniões das diferentes associações ambientalistas sobre impactos ambientais das várias hipóteses de travessia ferroviária do Tejo devem desde já ser ouvidas para se saber quais consideram preferíveis.

 

      No caso da travessia por uma ponte imediatamente a seguir a Alverca ter de ser posta de parte por obrigar a uma travessia da Reserva, a linha pode ganhar cota ainda na margem Norte para, em seguida, entrar no Tejo num trajecto paralelo à margem de e passar diante de Alhandra num viaduto com cerca de 15 m, para não perturbar a vida ribeirinha da vila. A seguir a Alhandra, a linha, já sem passar na Reserva, pode virar à direita na Direcção do Porto Alto. É um assunto que tem de ser estudado localmente.

 

                        12 de Março de 2008

 

                           António Brotas

A CRISE

 

 

Crise? Qual crise?

 

Cada crise é uma crise e muito provavelmente cada uma nada tem a ver com a outra. Portanto, há que saber exactamente de qual falamos.

 

Estamos a falar da que se diz que está a acontecer mas que outros dizem que ainda não começou enquanto há quem afirme a pés juntos que o pior já passou.

 

Ficamos sem saber a quantas andamos mas eu temo que alguma coisa de muito inesperado esteja para acontecer. Não tenho o dom da profecia e não tomo em consideração as adivinhações com bolas de cristal, cartas, búzios ou aciganadas leituras de palmas da mão mas não gosto de alguns sintomas evidentes e, portanto, acredito que vem por aí borrasca.

 

E que sintomas são esses de que não gosto?

 

Os preços dos combustíveis nada têm a ver com o desencontro entre a procura e a oferta. A começar pelas estatísticas oficiais da China em que não há qualquer motivo para que se possa acreditar nelas, passando pela completa implausibilidade do crescimento exponencial da procura indiana de combustíveis, chegando à viabilização de inúmeros poços que rejubilam com preços mais elevados, só há uma explicação: especulação. Se a isso juntarmos a desvalorização do Dólar americano, então ainda mais somos levados a concluir pela especulação energética na Eurolândia.

 

Essa especulação incitou os preços dos cereais entretanto apontados como sucedâneos do petróleo. Todos os derivados dos cereais, nomeadamente pão e carne, vêem os custos de produção subir e eis que o impacto nos preços da alimentação se fazem sentir numa escala para que não estávamos preparados.

 

Com a gasolina mais cara arrumávamos o carro e usávamos os transportes públicos mas com os alimentos a encarecerem de modo escabroso, ainda haverá quem pense que nos havemos de habituar a não comer, como o cavalo do inglês. E Napoleão dizia que era pela barriga que se disciplinavam os soldados.

 

Entretanto, como o negócio da banca é emprestar dinheiro e cobrar os respectivos juros, em época de juros baixos vá de forçar a concessão de crédito, mesmo a quem não o merece. Restava a esperança de que sempre fossem mais os que pagavam e cobriam os prejuízos causados pelos caloteiros. Mas não se estava à espera que a concessão de crédito tivesse atingido tais níveis de desbragamento e eis que o nível de incobráveis alcançou tal dimensão que há casas à venda nos EUA por US$ 100,00 e não há quem lhes pegue por excesso de oferta e dúvidas quanto à transparência das condições publicitadas do negócio. E como os falidos Fundos Imobiliários americanos tinham circulação mundial, eis que o impacto do desbragamento bancário americano acaba por se repercutir com maior ou menor intensidade por toda a parte.

 

Então, de que crise tratamos? Da da energia, da dos preços dos alimentos ou da da banca?

 

A resposta mais fácil é a de que tratamos da crise provocada por todas estas situações mas eu acho que a verdadeira resposta tem a ver com uma outra questão: ganância.

 

Ganância generalizada encoberta pelo anonimato das grandes praças e sabiamente gerida pela manipulação da informação, eis a grande causadora da crise.

 

A miragem do lucro fácil e imediato, a maximização do liberalismo à outrance e privatização sistemática de tudo quanto perspective lucro, a diabolização de qualquer tipo de intervenção no sacrossanto mercado, fizeram-nos chegar a uma situação de tal forma anómala que nem dá para os analistas se entenderem sobre se a crise já chegou, se está em pleno ou se o pior já passou.

 

Pois eu acho que o pior está para vir se não houver quem encontre uma fórmula de recuperação da Ética e do bem-comum, esse que hoje se encontra totalmente vilipendiado.

 

E é bom que esse alguém não tarde pois os soldados não ficam serenos quando têm a barriga vazia.

 

Lisboa, Maio de 2008

 

Henrique Salles da Fonseca

Burricadas nº 32

Ai, Alan, Alan. que rica herança nos deixaste – IX

(E nós por cá?)

v      “Não temos por cá nada disso”, afirmam, não sem um toque de arrogância satisfeita, os que mandam em Portugal. “Isso”, como é bem de ver, são os créditos hipotecários originados e distribuídos sob diversas formas pelos grandes Bancos internacionais.

v      Nos Balanços dos Bancos estabelecidos entre nós é quase certo que não encontraremos créditos hipotecários localizados nos EUA - e, neste ponto, os que mandam têm razão para se mostrarem aliviados e contentes. Exposição directa dos “nossos” Bancos a instrumentos financeiros estruturados em torno de créditos hipotecários made in USA, por muitas e variadas razões, é pouco provável que exista - pelo menos com números que chamem a atenção. Um ponto mais a favor dos que mandam.

v      Já quanto aos Fundos de Investimento que os Bancos de cá tão empenhadamente têm promovido, a coisa é capaz de fiar mais fino - sobretudo naqueles mais agressivos (grandes retornos prometidos / grandes riscos assumidos). Conviria não ser tão peremptório antes de se apurar bem o que por lá se passa. De qualquer modo, o peso destes Fundos agressivos no panorama financeiro português é diminuto – e, que diabo! os ricos que paguem a crise.

v      Não podemos esquecer também que, com a livre movimentação de capitais, alguns de nós investem directamente em Fundos estrangeiros. Esta face da realidade é uma completa incógnita – seja como for, uma vez mais serão os ricos a pagar a crise.

v      Comparar as características de um genuíno crédito hipotecário subprime com o que acontece por cá em matéria de operações hipotecárias é capaz de se revelar interessante. Então vamos a isso:

v      Os créditos subprime têm prazos superiores a 30 anos? Por cá, também.

v      Os créditos subprime têm os juros indexados, logo a variarem ao sabor dos altos e baixos da política monetária? Por cá, também.

v      Os créditos subprime, em muitos casos, têm por devedores pessoas singulares que acumulam dois ou mais empréstimos? Por cá, supõe-se que também - mas ninguém sabe ao certo, porque ninguém se preocupa com tais detalhes.

v      Os créditos subprime permitem, frequentemente, períodos mais ou menos longos de carência de capital (isto é, onde não há ainda a obrigação de proceder a reembolsos)? Por cá, também.

v      Os créditos subprime, nos casos mais agudos, convencionam “amortizações negativas” (isto é, a capitalização dos juros contados)? Por cá, também há disso.

v      Nos créditos subprime, a garantia hipotecária mal dá para cobrir o capital em divida? Por cá, ninguém sabe - uma vez que as garantias continuam a ser vistas pelo valor que inicialmente lhes foi atribuído, como se o tempo as congelasse. E não se conhecem estatísticas sobre o rácio de cobertura do capital em dívida pelo valor realizável da garantia hipotecária que lhe aproveita.

v      Os contratos que originam créditos subprime são mal compreendidos pelos respectivos devedores? Por cá, também.

v      O clausulado destes contratos varia de mutuante para mutuante, o que os torna praticamente incomparáveis? Por cá, também.

v      Os devedores de créditos subprime, por regra, ignoram o esforço financeiro a que ficam obrigados? Por cá, também.

v      A liquidação antecipada de um crédito subprime, ou a sua transferência para um mutuante que ofereça melhores condições, é fortemente penalizada? Por cá, também.

v      Mentes mais viciosas concluiriam de pronto que, por cá, o que mais há são créditos hipotecários subprime – a representarem talvez umas 12-14 vezes os capitais próprios dos “nossos” Bancos. Ah! Mas os que mandam referiam-se, apenas, àqueles que teriam sido importados, não aos made in Portugal. Estes não contam, porque vão correr bem, de certeza.

v      Bem vistas as coisas, os Bancos portugueses conseguem o feito de, em matéria de créditos hipotecários, se assemelharem simultaneamente aos grandes Bancos internacionais e ao Northern Rock Bank. Vejamos como:

v      Tal como os grandes Bancos internacionais, também os “nossos” Bancos eram originadores de instrumentos financeiros estruturados a partir de créditos hipotecários. De tempos a tempos, constituíam umas sociedades instrumentais para titularizarem partes das suas carteiras de créditos hipotecários (e de crédito pessoal). Com a diferença de que entregavam a terceiros a tarefa de distribuir as correspondentes obrigações titularizadas.

v      Tal como os grandes Bancos internacionais, também os “nossos” Bancos contavam com essas operações de titularização para gerirem a dimensão dos seus Balanços, cumprirem os rácios prudenciais, irem repondo a sua liquidez e obterem uma fatia importante dos seus proveitos (sob a forma de comissões e de mais-valias nos créditos titularizados).

v      Tal como os grandes Bancos internacionais, também os “nossos” Bancos não se coibiram de encharcar os Fundos de Investimento que patrocinavam com as obrigações titularizadas que originavam – pelo que, para eles também, o risco de reputação já deve ter começado a ser uma realidade assaz incómoda.

v      E tal como o Northern Rock Bank, também os “nossos” Bancos, especialmente os de maior dimensão, dependem estruturalmente dos mercados interbancários para financiar continuamente os seus Balanços.

v      Mas, contrariamente ao Northern Rock Bank, que estava “pendurado” unicamente no mercado interbancário do Reino Unido (o seu mercado doméstico), os “nossos” Bancos captam fundos predominantemente nos mercados interbancários transfronteiriços. Encontram-se, assim, na dependência quase total de outros sistemas bancários.

v      “Não temos nada disso”. Pois não. Antes tivéssemos. Assim, o que nos vale ainda é a “pesada herança”, com a Banca estrangeira convicta de que o Banco de Portugal a jogará em cima da mesa se a necessidade surgir. (FIM)

PS: O Banco de Espanha revelou que as operações hipotecárias representam uns 60% do Activo da Banca espanhola (cerca de 15 vezes os respectivos capitais próprios, já que os Bancos espanhóis operam tradicionalmente com níveis de alavancagem financeira muito elevados). Persiste a dúvida sobre se esta percentagem inclui, ou não, as participações que os Bancos espanhóis têm em sociedades imobiliárias e em sociedades de construção civil. Se não incluir, a situação é ainda mais preocupante. Inclua ou não, o primeiro resultado óbvio será um crescimento muito mais lento das novas operações de crédito bancário, com efeito imediato na liquidez que circula na economia espanhola. O lado bom da notícia é que a Banca de lá depende só marginalmente dos mercados interbancários internacionais, pelo que é um bocado mais resiliente do que a Banca de cá.

 

Lisboa, Abril de 2008

 

A. PALHINHA MACHADO

PÁGINAS SIMPLES DE DOMINGO - 4

COISAS SIMPLES

 

Dia útil significa que outros haverá, os Sábados e Domingos, que são inúteis.

 

Para quem tem Fé e celebra ao Sábado ou Domingo, essa classificação não faz sentido; para quem trabalha duramente de segunda a sexta, é aos fins-de-semana que descansa e não pode concordar com a inutilidade desses dois escassos dias; quem está aposentado ou vive dos rendimentos não tendo uma missão muito específica a desempenhar enquanto os outros trabalham, não vê por certo qualquer razão para distinguir os dias segundo um critério de inutilidade.

 

Portanto, os Sábados e Domingos são dias tão úteis como os outros mas há neles que escrever sobre coisas simples que não desviem a atenção de quem celebra segundo a sua Fé ou dos que queiram apenas recuperar forças para a semana seguinte.

 

Esta, a justificação tardia para o título genérico desta rubrica, “Páginas simples de Domingo”.

 

Coisas simples são triviais, conhecidas de todos, vulgares. O dicionário ainda lhe junta mais o adjectivo ordinário, palavra de que não gosto por possível confusão com ordinarice. É que com esta não pactuo em qualquer dia da semana, útil ou inútil.

 

E das coisas mais triviais que hoje conhecemos, refiro o tom dramático dos noticiários que nos são metidos em casa explorando tudo o que há de negativo em Portugal como que a quererem convencer-nos de que por cá tudo é mau e que lá fora é que é bom. É que a exploração da morbidez e da inveja faz audiências e estas dão publicidade que factura. E assim anda o País a reboque da factura de uns poucos enchendo as bocas de quase todos com desgraças e maledicências.

 

Até que um dia houve em que uma televisão transmitiu um filme pirata duma professora e uma aluna à luta em plena sala de aula. Foi aí que o País viu a desgraça real em que se deixou cair e em que o escândalo foi mesmo sério. Mas pouco terá facturado pois ninguém imaginava que o impacto iria ser tão grande. E os cultivadores da desgraça, os que querem que tudo assim continue, logo arranjaram argumentos para punir o verdadeiro “Salvador da Pátria” que foi o aluno que fez o filme e nos mostrou como nos faz falta um enorme puxão de orelhas.

 

Os Professores fazem-me hoje lembrar os domadores de feras. Deixaram de ter como principal missão ensinar o programa oficial, passaram a ter que domar umas criaturas que os pais largaram na praça pública aos gritos de que tudo lhes é devido, que a tudo têm direito sem esforço. É assim que os políticos têm falado aos paizinhos e estes transmitem aos filhos todas essas irresponsabilidades transfiguradas em direitos. Para agravar a situação, esses paizinhos demitiram-se da função de educadores e endossaram essa tarefa aos Professores que tiveram que a somar à que inicialmente lhes competia e que era muito simplesmente a de aduzirem cultura geral aos alunos.

 

É claro que agora o esforço de retorno à vida responsável a nível nacional, ao inadiável realismo, vai ser um processo muito doloroso e os primeiros a apanharem por tabela são os Professores. E como os paizinhos não perceberam que a vida de irresponsabilidade que o regime de laxismo lhes incutiu já acabou, revoltam-se e … vão às Escolas bater nos Professores. E quem não consegue bater-lhes, calunia-os, nomeadamente na Internet.

 

Entretanto, conduzida a Justiça a um estado de evidente inoperância, isso sugere aos caluniados que não actuem pelas vias que seriam utilizadas numa qualquer sociedade em que a ética da responsabilidade[1] fosse um valor no activo.

 

Eis como em Portugal está em curso um parto com dor.

 

Eu tinha prometido tratar de coisa simples. Espero ter cumprido.

 

Lisboa, Maio de 2008

 

Henrique Salles da Fonseca



[1] - Sobre a ética da responsabilidade, v. Sloterdijk, Peter – ‘Palácio de Cristal’ – Relógio d’Água, 1ª Edição, Fevereiro de 2008

 

 

Detalhes do Livro

CRUZEIRO DO SUL

SER MINEIRO

 
Foi no final da década de 70 que cheguei ao Triangulo Mineiro. Casada com um tupaciguarense e colega de profissão trazia dois filhos pequenos, um diploma e muita  necessidade de trabalhar.
Acostumada à vida agitada e corrida da cidade grande, vinha do Rio de Janeiro, onde sequer conhecía nossos vizinhos, 'topar' com a maneira de ser do interiorano foi, no mínimo,  para mim, desconcertante.
Minhas dificuldades começaram logo nos primeiros contactos. Vagaroso, lento no andar e no falar, ar respeitoso, observador, o mineiro avalia com atenção tudo que se faz e diz, sem contudo demonstrar uma pontinha que seja daquilo que lhe vai por dentro, na caixola, numa capacidade inigualável de dissimulação. O palavreado arrastado, comedido, recheado de termos regionais, era incompreensível. Eram as "gasturas", os' perrenges", os "trens"que necessitavam de tradução para que  eu pudesse ter entendimento e ação.
Certo dia, já trabalhando, após passar visita nos leitos da maternidade, encontro no corredor do hospital meu marido, angiologista, que se dirigia para o centro cirúrgico. Apressado, pediu-me para avaliar, sob o aspecto ginecológico, uma paciente dele que ia ser operada para tratar as  varizes e que desejava também fazer a laqueadura de trompas, aproveitando uma única anestesia.
Dirigi-me para o quarto indicado. Bati e entrei. Lá, encontrei uma senhora franzina, magra, de ombros estreitos e ar humilde,  de pele enrugada, castigada pelo sol, vestida de camisola de algodão, calçando chinelas havaianas que mostravam pés limpos mas encardidos,  acostumados à liberdade e à terra vermelha, massapé,  dos campos férteis das Gerais.
Avaliei a paciente e  verifiquei  os exames que ela portava. Como estava tudo bem, decidi operá-la. Foi então que ela me perguntou, numa voz mansa, o quanto custaria a cirurgia. Pensando em ajudá-la, sem humilhá-la, dei-lhe um valor simbólico, que correspondia ao de  uma consulta. Ela me olhou incrédula  e tornou a perguntar. E eu, ingênua, agora já achando que a senhora não poderia pagar, confirmei o valor,  mas disse para tranquilizá-la que não havia pressa, que ela me pagaria quando pudesse. Ela calou e entramos para o Centro Cirúrgico onde ela foi operada.
Mais tarde, à hora do café, num momento de folga, encontro novamente meu marido,  que é filho de fazendeiro,  comentando com um colega sobre a qualidade do renomado gado de D. Rosa, nossa paciente, que descobri naquele momento ser a dona de um dos maiores rebanhos  zebuínos da região...
 Assim são os mineiros!
 
Maria Eduarda Fagundes
Uberaba, 2006

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