1. A Língua materna é o Português estabelecido ao longo de Séculos, neste sítio do Sudoeste Europeu;
2. Esta Língua foi exportada para África, Ásia, Oceânia e América do Sul, a partir dos séculos XIV e XV;
3. Foi adoptada como linguagem de comunicação comum, por vários povos;
4. Foi tendo uma evolução de vocabulário e de escrita, tanto na origem, como nos povos adoptantes da mesma;
5. Com a diáspora foi-se espalhando para outros países e territórios;
6. Mas tendo sempre por base... a MATRIZ.
7. Fazendo algum paralelismo com a expansão de outras línguas: (A) O Castelhano expandiu-se, a partir da sua matriz europeia, para a América do Sul e Norte de África; (B) O Inglês para a Ásia, Oceânia, América do Norte e África, a partir da sua matriz europeia;
8. Nenhuma destas línguas é falada e escrita da mesma forma, nos territórios de origem e nos territórios (hoje países) de destino;
9. Daí não advém nenhuma questão de comunicação; Não se dificultou, de nenhuma forma, a comunicação entre os vários Povos adoptantes e o Povo da matriz;
10. Não há Nenhum Acordo Ortográfico que submeta qualquer das Línguas (Castelhano, Inglês ou Francês) à dimensão de outros territórios onde se adoptou a Língua Mãe;
11. Isso não prejudicou, nem prejudica a Língua, nas suas diversas matizes, nem a sua força internacional;
12. Todos respeitam os matizes diversos da língua comum e entendem-se bem na sua essência;
13. Os EUA têm 300 milhões de habitantes, a Inglaterra cerca de 40 milhões, os Escoceses e Galeses cerca de 30 milhões;
14. Nem por isso deixam de manter a sua autonomia Linguística;
15. Não vejo, à face destes factos, nenhuma razão Teórica ou Prática, para Portugal adoptar (com carácter de Normas Positivas, de cumprimento obrigatório) as nuances da Língua falada e escrita noutras partes do Mundo;
16. Não vejo a necessidade de se Desvirtuar a Língua Matriz;
17. Por isso, e porque a Língua é um dos factores mais fortes da Identidade Lusíada, Não vejo a utilidade de se atenuar a identidade de um Povo com 8 séculos de história, em favor de nuances com menos de 300 anos;
18. Não vejo qualquer utilidade (a não ser pelo nacional-saloísmo) de adoptarmos um acordo que desvirtua a Língua Matriz do Mundo Lusófono.
É difícil acreditar que a natureza não tenha sido imparcialmente generosa na distribuição das riquezas e belezas neste nosso (?) planeta global.
Quem percorre terras conhecidas ou estranhas com olhos de ver e sentir, vai-se deslumbrar sempre, e se o seu coração estiver receptivo, conseguirá entender o Outro, e apreciar, sem comparar, as belezas que vão de uma floresta a um deserto, de um rio entre montanhas verdes a outro que mal consegue sobreviver nas areias escaldantes, etc.
O Rio de Janeiro e sua, fraca, remanescente mata atlântica, a imensa baía e montanhas circundantes, é, de fato, um dos espetáculos que têm que ser vistos. E rapidamente, antes que os (des)governos permitam que as populações votadas ao ostracismo ocupem o que sobra dos morros e floresta hipocritamente definida como Parque Natural.
Mas não é a ocupação dos morros que está a denegrir a cidade. É a violência, a corrupção e a falta de leis, que ninguém quer sequer propor, para levar o país a um estado de normalidade e de direito, que hoje parece que só funciona para quem rouba uma galinha.
Ainda agora se descobriu que uma Fundação (letra maiúscula) que gere uma escola técnica do Estado do Rio, estava a comprar material de escritório a um preço 13.500% acima do que compra qualquer indivíduo! Por $64.000 o que vale menos de $500 ! O que vai acontecer aos responsáveis? Primeiro haverá que decidir, no congresso nacional, o que é responsabilidade; segundo, encontrar o ou os autores; terceiro... o caso vai morrer agonizando anos sem fim nas prateleiras dos tribunais até que a ação prescreva!
Mas O Rio de Janeiro continua lindo .... mesmo depois das despesas dos membros do Ministério Público ter aumentado, em um ano as suas despesas em 51%, custando à res publica $61.000.000! Isso mesmo, sessenta e em milhões de reais, apesar de continuarmos com o dia a dia tão violento que aqui se mata mais do que o Iraque ou Afeganistão! Basta consultar os números oficiais:
ESTATISTICA DE VIOLÊNCIA EM FEVEREIRO NO ESTADO DO RIO
Crimes
Fevereiro 2007
Fevereiro 2008
Diferença
Cálculo anual
Extorsão
81
173
113,58%
2.076
Latrocínio
11
21
90,91%
252
Roubo a Lojas
316
418
32,28%
5.016
Assalto a transeuntes
4.201
4.583
9,09%
54.996
Auto de resistência
90
109
21,11%
1.308
Assalto em ônibus
641
674
5,15%
8.088
Homicídio
486
505
3,91%
6.060
Roubo de veículos
2.591
2.416
-6,75%
28.992
Furto de veículos
1.963
1.757
-10,49%
21.084
Fonte: Instituto de Segurança Pública
Só no Rio de Janeiro. Roubaram menos carros. Que bom! Isto porque já não há mais quem os queira receber. As oficinas de desmanche, receptadoras, estão cheias. Não precisam de mais para o negócio.
Mas... é mais gente assassinada no Rio de Janeiro do que soldados no Iraque e Afeganistão, juntos! E o que se faz? NADA! Desde 1991 o número ultrapassa os 120.000! No Rio! No país a média é SÓ de cerca de 50.000 por ano!
Ninguém se atreve a propor leis e atitudes corajosas, porque para isso seria necessário, no mínimo, TER CORAGEM! Donde se conclui, facilmente, que os governantes e políticos, são, na generalidade, e imensa maioria, um monte de COVARDES.
Que falta faz um chicote para os expulsar do templo da dignidade!
Final da parte 4: Junot deslocara-se de Bayonne com restos de uma tropa, um exército despreparado para a conquista de um reino, o de Portugal. Antes de encerrar o ano de 1808, o País foi libertado com a cooperação das forças inglesas mediante acordo que firmariam em 1810.
Parte 5: A CONQUISTA INGLESA
Strangford, seguiu a orientação de Canning e não deixou de insistir com o Gabinete de Lisboa sobre a urgência e a necessidade de ser aberto o Brasil à exploração comercial da Inglaterra. A entrega do mercado colonial era exigida como uma compensação pelo facto de que, com a invasão francesa, a Inglaterra teve de perder os bons negócios que vinha realizando com Portugal.
As directrizes da política inglesa sofriam mudanças significativas nessa época: já não interessava a conquista e a ocupação, traço fundamental da expansão do capital comercial que a Espanha e Portugal haviam desenvolvido. A fase era agora de capitalismo. A posse territorial deixara de ser essencial.
"As invasões do Rio da Prata constituíram para a Grã-Bretanha alguma coisa mais do que um episódio da tentativa de abertura da América do Sul ao comércio britânico. Em 1807 e 1808, expedições foram desejadas e outras foram planeadas contra Buenos Aires e contra o México, mas seus objectivos eram a emancipação e não a subjugação. Daí por diante a Grã-Bretanha não haveria de alimentar mais a ideia de qualquer conquista na América do Sul, embora, por outro lado, não lhe fosse possível tolerar a sua exclusão do comércio sul-americano. Seus verdadeiros interesses e seus reais desejos eram, de facto, comerciais e estratégicos e não imperialistas. Não era território o que a Grã-Bretanha procurava, mas comércio. Seus objectivos consistiam, então, em impedir que a América espanhola caísse – como a Espanha já estava prestes a cair – sob o domínio da França; em assegurar para si, no Novo Mundo, as riquezas de que tinha necessidade para sustentar a luta na Europa e em obter, quando pudesse, a abertura dos mercados sul-americanos." (R.A. Humphreys:Liberation of SouthAmerica, 1806- 1827, Oxford, 1952,p.12)
Claro que Humphreys ignora, ou simula ignorar, a categoria imperialismo, supondo que ela exige a ocupação territorial e importa em apossamento pela violência. Essa orientação era facilitada, quanto ao Brasil, colónia de Portugal, pelas relações tradicionais e pelos compromissos recentes entre a Metrópole e aInglaterra. Tudo podia ser obtido por negociações, cujas bases estavam lançadas e ajudadas pelas circunstâncias, a de estar a Metrópole sob a ocupação francesa e não poder proporcionar lucros de comércio à Coroa, dela distante. O que restava, afinal, era conseguir estabelecer, em relação ao Brasil, aquelas relações de soberano e subalterno e exigir obediência a ser paga como preço da protecção a que o Ministro Strangford se referira, em sua correspondência com Canning, ainda em Lisboa.
Conquistada essa posição no Brasil, a Inglaterra faria base aqui e lançar-se-ia à conquista do mercado platino nas melhores condições e conforme as circunstâncias, utilizar Portugal e o Brasil para alcançar os seus desejos. A ideia do porto em Santa Catarina obedecia a esse objectivo.
v...E lá veio mais uma cena de ópera buffa para abrilhantar a festa. Agora, foi a surpresa indignada com os gordos cheques que deslizam, mês após mês, para os bolsos dos nossos mais apreciados gestores. Com a indignação vieram à tona umas quantas realidades que temos querido ignorar. Aqui vão elas:
vQue os nossos governantes assumem com galhardia o papel de sátrapas em terra distante: sem ideias próprias, executam gostosamente tudo o que o centro (leia-se, UE) dita.
vFoi agora, de um momento para o outro, que os cheques-surpresa começaram a ser preenchidos com mais uns zeros? Qual quê - a prática é, de há muito, corrente. Mas como foi agora que a UE começou a tocar música, é agora que eles, os que nos governam, ensaiam o seu pé de dança.
vQue os visados se têm em muito boa conta, além de serem almas sensíveis que qualquer grãozinho de crítica ofende.
vSó os mais desatentos se espantarão com tamanha sensibilidade. Mesmo quem passeia um olhar distraído pelos media, verdadeiras passerèlles de vaidades, reconhece nos nossos gestores seres fadados para os mais altos cometimentos – e as maiores recompensas.
vQue os visados, toldados pela afronta, não conseguem articular uma resposta sensata.
vSe conseguissem, veriam que melhor teria sido permanecerem olimpicamente discretos.
vQuando tanta indignação tinha, afinal, uma resposta tão simples que, à parte os visados, não houve quem não desse com ela: este é um assunto do foro exclusivo dos accionistas. Afinal, sempre são os accionistas a pagar. Indirectamente, é certo - e, por vezes, sem saberem muito bem o que estão a fazer.
vQue os nossos gestores têm de ser bem pagos, caso contrário, ei-los a abalar para o estrangeiro onde farão valer melhor os seus tantos e tão variados talentos.
vAssim será para uns quantos, mas a grande maioria deles que não se ofenda: vivem para fazer ofício de corpo presente, compor a fotografia ou traficar influências nos corredores do poder - e nada disto é facilmente exportável. Até porque, por franças e araganças, essa oferta também abunda - e por lá estariam como peixe fora de água.
vAqueles quantos que, certamente felizes, “dessem o salto” aprenderiam de pronto o que é, na realidade, ser gestor: ter de prestar contas, com incómoda frequência, a uma assembleia de accionistas peritos em perguntas difíceis e que não vão em lérias; ter de apresentar trabalho em mercados onde competir não é uma palavra vã e o cartão do partido não serve, nem como credencial de desempenho, nem como apólice de seguro de boa vida; ser despedido de um dia para o outro, sem grandes contemplações; enfim, receber invejáveis salários e prémios de espantar, mas trabalhar, trabalhar muito – e sempre sem rede.
vUma vez mais, e para não variar, a política cá da terra inspira-se na inveja, não na procura da eficiência e do bem-estar. Já se sabia que, entre nós, toda a política fiscal (e muita da restante política) tem por musa a inveja mais mesquinha. O que, talvez, não esperássemos é que a UE navegasse nas mesmas águas. Somos, de certeza, os europeus mais relapsos - mas é connosco que a burocracia de Bruxelas, afinal, sonha!
vSe algo está mal em tudo isto, não é nos gestores principescamente remunerados – é nos accionistas. São eles que não sabem, ou não querem, incomodar os seus gestores com perguntas incómodas; são eles que se contentam com qualquer resposta, por mais disparatada; são eles que fingem que não vêem, que toleram, que dão cobertura quando não promovem eles próprios o conflito de interesses em que os gestores tantas vezes se comprazem; são eles que nunca perdem a esperança de sacar uns trocos à custa dos restantes accionistas, para o que necessitam da cumplicidade dos gestores.
vMas não só. O modo pouco transparente como Governo e Administração Pública actuam no mercado é, também, para tantos dos gestores agora beliscados, uma garantia de sucesso – ou a esperança de sucessos futuros. Pois não é que o caminho se encontra tão bem assinalado?
vE a política fiscal também dá a sua ajuda a este estado de coisas. Quando os dividendos são objecto de uma dupla tributação (primeiro, no património da empresa que os distribui; seguidamente, no património do sócio que os recebe), o accionista racional só pode ser aquele que está seguro de que o ganho não virá dos dividendos, mas do que possa ser obtido “por dentro” - e na valorização que o relacionamento, mais ou menos estreito, com o aparelho do Estado permitir. Em curtas palavras: pelas mãos dos gestores, mas a bom recato.
vSe o Ministro das Finanças soubesse do que fala e quisesse agir como diz, começaria por dar força aos sócios (e accionistas) minoritários, para que fossem eles, demasiado distantes dos gabinetes dos gestores, a lançar as tais perguntas difíceis, a exigir respostas claras, a vigiar para que nenhum sócio com posição qualificada aproveitasse à custa dos restantes.
vPara tanto, bastaria ao senhor governante: (a) instituir a neutralidade fiscal perante todas as formas de financiamento das empresas (capitais próprios versus capitais alheios) – medida com efeitos “macro” muito superiores aos da descida de 1% na taxa do IVA; (b) fazer prevalecer a qualidade da informação financeira divulgada pelas empresas, da maior à mais “mesquinha” (como diria o nosso Fernão Lopes)
Não é fácil falar de certos assuntos, mas é necessário. Quanto mais não seja, porque é preciso compreender a causa de certos fenómenos. Ou, pelo menos, procurar explicações. E nada parece ter sido tão falado, nos últimos tempos, como a crise "psicológica" que se vive em Portugal.
Há muitas explicações, e talvez poucas soluções. E, todavia, estas têm que ser encontradas. Uma análise correcta de algumas causas pode ajudar.
Portugal é um País com um estranho "azar". Apesar da sua dimensão, criou impérios que lhe foram dando riqueza sem que tivesse, internamente, de produzir o que necessitava. Foi a África, a Índia, o Brasil, e de novo a África. As riquezas entradas foram basicamente exportadas, sem valor acrescentado. Um aproveitamento pobre da grandeza adquirida. Tudo, ou quase, do que era manufacturado, era importado com os lucros de tais riquezas. A produção regrediu, até, em certos aspectos, em relação à época anterior à Expansão.
Quando os Impérios desapareciam, um outro surgia, e o ciclo repetia-se. Até que desapareceu o último. E, ao fim e ao cabo, o que ficou de material? Pouco, muito pouco. Quase nada.
Como referiu, e muitíssimo bem, numa carta publicada na Imprensa um cidadão de Esposende chamado Carlos Sampaio, com quem adoraria trocar impressões, o que ficou, em Portugal, foi uma mentalidade negativa, concretamente "a noção de que não é fundamental contribuir para a criação de riqueza, de que basta estar estrategicamente colocado por onde ela passa".
Para as elites associadas a este modelo de "desenvolvimento", produzir valor acrescentado nacional era inútil, já que bastava ter lucros a exportar matérias-prima e "ganhar dinheiro a importar os produtos de qualidade acabados". A esta burguesia vendedora-compradora não-produtiva, não interessava uma indústria portuguesa autêntica, que lhe faria concorrência. Daí que algumas tentativas industrializadoras portuguesas tenham sido por ela combatidas, e até aniquiladas.
A pouca indústria que se foi desenvolvendo, contra ventos e marés, "foi sempre considerada de segunda classe". Ainda hoje se nota uma mentalidade, que não é nova, de considerar fraco e fora de moda o que se produz em Portugal, e considerar bom tudo o que vem de fora. Este desprezo pelo que por cá se faz "é um dos maiores problemas culturais" no País. Não se motiva o aperfeiçoamento, nem o fazer diferente. A inovação não é recompensada. E, sem inovação, dificilmente há exportação... salvo através de empresas, muitas estrangeiras, que se servem de baixos custos de mão-de-obra... e que "fogem" mal encontram outra de custos ainda mais baixos. Encontrar uma marca portuguesa no estrangeiro é difícil. Algumas "disfarçam-se" atrás de rótulos em inglês, francês, castelhano... para assim conseguirem entrar em vários mercados, incluindo (ironia das ironias!) o Português!!!
É evidente que, em tudo isto, está instalada uma indefinição da imagem do próprio País. "Uma internacionalização estará condenada se por detrás dela tiver uma crise existencialista de valores".
O nosso futuro depende de vários factores. Não nos podemos limitar "a arranjar um bom lugar na margem do rio e esperar ir apanhando uns bons peixes que passem". A qualquer momento alguém pode deixar de fornecer o rio, ou poderá desviá-lo. É preciso "escolher que peixes temos condições para desenvolver, proporcionar condições para os desenvolver, criá-los com base em conhecimentos", e nunca ficar sentados à espera.
Isto implica pensar ou repensar um país. Mais do que chorar, interessa meditar, e encontrar soluções. É a única alternativa à morte por inacção. É a única forma de justificar uma atitude optimista. Ao menos uma vez, veja-se o exemplo espanhol. Não ficam os nossos vizinhos sentados, à espera. Não! Reclamam, protestam, lutam pelo que julgam ser justo. Sobre Gibraltar, por exemplo. E compare-se com a atitude portuguesa sobre Olivença. Mas, aqui, detenhamo-nos essencialmente sobre aspectos de organização interna da sociedade. O que há a fazer?
Há que pensar na formação, e não tratar o Ensino como parente pobre. Há que incentivar o trabalho, e valorizá-lo. E dar o exemplo. Como esperam algumas elites que se trabalhe, se o exemplo que fornecem é negativo? E, claro, há que recompensar de facto quem trabalha, principalmente quem produz valor acrescentado.
Tem de se dividir melhor a riqueza, um dos maiores males que afectam, desde há séculos, o nosso País. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, os 20% da população portuguesa mais pobre recebe 5 % do Rendimento Líquido Nacional, e os 20% da população mais rica recebe 7,6 mais do que os 20% mais pobres. Esta diferença é o dobro da verificada nos outros países da União Europeia. Este quadro fica mais negativo se acrescentarmos que os 10% mais pobres recebem 2,2% e que os 10% mais ricos recebem 29%. Isto significa... 13 vezes mais!!!
Há que incentivar causas, e não prometer ou procurar riqueza imediata, pois esta só se consegue com objectivos mobilizadores que expliquem sem margem para dúvidas os benefícios de alguns sacrifícios.
Muito mais haverá a dizer sobre todas estas problemáticas, mas, de momento, parece-me preferível terminar aqui mesmo, esperando apenas estar a dar o meu contributo para uma reflexão geral em torno dos problemas que afectam Portugal neste início de 2006.
Quando menino era uma criança viva, travessa, um verdadeiro moleque que gostava de subir em árvores e nadar nos rios. Para estudar matemática e caligrafia era preciso a ameaça de uma palmatória. Nasceu a 10 de agosto de 1823, em Caxias, Maranhão, quando o país vibrava numa onda de patriotismo, após o grito do Ipiranga de 7 de setembro de 1822. Era filho do comerciante português João Manuel Gonçalves, homem ríspido e calado, e da mestiça da terra (cafuza) Vicência Mendes Ferreira.
Pouco tempo depois do nascimento do filho João Manuel temendo a violência dos nacionalistas embarcou para Portugal. Só dois anos depois quando os ânimos estavam mais calmos voltou para Brasil. Em Caxias, na Rua do Cisco, abriu uma casa de comércio onde o menino Antonio brincava. Quando João Manuel se casou com a senhora Adelaide de Almeida Antonio estava com seis anos e foi afastado da mãe biológica, só voltando a vê-la aos 15 anos de idade. Crescia esperto, inteligente. Rapazola, trabalhava com o pai como caixeiro. Nas horas de folga, curioso, lia tudo o que lhe caia às mãos. Percebendo o gosto do filho pela leitura contratou um professor particular (Ricardo Leão Sabino) para educá-lo. Assim, Antonio ficou livre da loja para estudar latim, francês e teologia, gostava de ler a vida de Santo Tomás de Aquino.
Entusiasmado com o desenvolvimento do rapaz, o professor conseguiu convencer João Manuel a se transferir para Lisboa para que Antonio prosseguisse os estudos. Mas pouco tempo depois, em Portugal, no mês de junho, morre João Manuel e Antonio volta para Caxias. Inconformado com os desígnios do destino, o professor de Antonio insiste junto à madrasta para que ela cumpra a vontade do falecido marido. Foi bem sucedido. Em outubro de 1838 Antônio estava estudando e fazendo amigos em Coimbra. Mas não seria ainda desta vez que ficaria por lá. Após sofrer grandes prejuízos com a Balaiada (revolta popular maranhense contra a aristocracia rural), a senhora Adelaide corta-lhe a mesada, e ele se vê obrigado a voltar novamente ao Brasil. Estava em Caxias quando recebe uma carta dos amigos portugueses oferecendo-lhe “casa e bolsa” para voltar a estudar em Coimbra. Aceitou , e retornou pela terceira vez a Portugal. Correspondeu à oferta. Transformou-se num aluno exemplar. Lia e estudava os autores portugueses e franceses. Iniciou-se no italiano, inglês e alemão. Nas férias visitava Lisboa. Lá se apaixonou pela primeira vez. Tinha 18 anos e muita vontade de viver. Para Olímpia, a filha da sua hospedeira, fez os seus primeiros versos. Voltou a Coimbra. Cultivava-se. O tempo passava. Namorador, trocou a lisboeta por uma coimbrã. Eternamente insatisfeito, amava por pouco tempo, trocava de paixão com freqüência, idealizava um amor que não chegava. A saudade da sua terra crescia. Aos vinte anos faz seus primeiros versos de amor pelo Brasil. Versejava:
“...” Em cismar sozinho, à noite/ Mais prazer encontro eu lá/ Minha terra tem palmeiras / onde canta o sabiá”.
Finalmente em 1845, aos 21 anos, torna-se bacharel em direito. Volta à terra natal!
Traz no bolso muitas poesias e pouco dinheiro. Seu amigo Antonio Henriques Leal descreveu-o:
“Como Horácio e Dante, era de baixa estatura, não mais que um metro e meio. Bem proporcionado e musculoso. Tinha mãos e pés mui pequenos, agilidade nos movimentos, passo curto e apressado, e grande disposição para andar a pé. Seus olhos pequenos, pardos, serenos mui ativos e expressivos espelhavam a franqueza de seu caráter e acentuavam aquele móvel e simpático rosto. A boca e o nariz regulares, sendo as asas deste um pouco arregaçadas; tez morena, barba e cabelos raros castanhos, macios, anelados nas extremidades, sem contudo denunciarem, quer eles ou as maçãs do rosto, por mui salientes, sua origem mestiça.”
Depois que experimentara outras plagas, agora em Caxias, aborrecia-se. Não agüentava o marasmo de cidadezinha. Os tempos para ele eram outros. Escrevia para seu amigo Alexandre Teófilo, que morava em São Luis :
“-... cada vez mais vulgarismo, mais tédio, mais aborrecimento...”.O amigo penalizado convida-o para morar em sua casa, o que ele aceita. No casarão da família viviam muitos parentes. Antonio gosta do ambiente elitizado. Lá conhece a prima do amigo. Encanta-se com a alegria e formosura da jovenzinha de 14 anos, Ana Amélia. Inspirado escreve:
“Eu amo seus olhos tão negros, tão puros/ . De vivo fulgor / seus olhos que exprimem tão doce harmonia/ Que falam de amores com tanta poesia/ Com muito pudor”.
Escreve, ainda na casa do amigo, a sua primeira poesia indianista: “O canto da Piaga”.
Em 1846 vai para o Rio de Janeiro e mesmo sem dinheiro hospeda-se num dos melhores hotéis de lá. Fuma charutos caros. Dizia:
“Não nasci com gênio de mãe de família, que reparte com exatidão matemática o pão entre os filhos que tem”.
Levava a vida folgada. Das 9 às 14 horas freqüentava a Biblioteca Nacional. Depois escrevia, e visitava os amigos. À noite ia aos teatros, bailes, e namorava. Improvisava versos na conquista feminina.
Seis meses depois que chegara ao Rio, produziu em janeiro os “Primeiros Cantos”, sucesso da critica brasileira e da portuguesa. Entusiasmado escreve em português arcaico “A Sextilha de Frei Antão”. No santo ócio procura inspiração. Publica os Segundos Contos , outro sucesso. Mas por fim acha que é hora de arranjar algum emprego. Torna-se professor de latim, num colégio de Niterói. Em 1849 passa para o famoso Colégio Pedro II, onde leciona latim e história.
Tem outro caso de amor. Desta vez é uma viúva. Em 1851 publica os Últimos Cantos.
“Meu canto de morte / guerreiros ouvi/ Sou filho das selvas/ Nas selvas cresci; /Guerreiros, descendo da tribo tupi”. Ijuca-Pirama é saudado como a obra prima da poesia indianista.
A serviço do governo, recebe a incumbência de estudar a instrução pública do Norte do país e colher documentos e históricos nos arquivos das províncias. Na viagem volta à casa do amigo Alexandre Teófilo em São Luis. Reencontra Ana Amélia, agora uma risonha e bonita mulher de 20 anos. A admiração romântica se transforma numa paixão avassaladora. Esquece o trabalho, Deixa-se ficar, despende o tempo em passeios e brincadeiras com a jovem. Ninguém desconfia do seu interesse romantico. Mas o governo cobra o trabalho. Precisa partir para outras plagas. Sem coragem de falar abertamente, escreve uma carta para a mãe de Ana Amélia pedindo-a em casamento. Seu pedido é recebido com revolta e espanto. Como é que um mestiço, filho ilegítimo, se atreve a pedir a mão da jovem de conceituada família! A resposta negativa chegou a Recife, onde Antonio estava, num curto e seco bilhete de quatro linhas. O poeta tão bem quisto e querido agora era desprezado pela família de quem ele mais amava. Agora tinha motivo para se sentir infeliz. Sente-se diminuído. Não tenta lutar pelo amor proibido.
Volta ao Rio e conhece Olímpia Coriolano da Costa, uma mulher ainda jovem, muito pálida, de aspecto doentio, sem nenhuma animação, três anos mais velha que ele. Não se sabe o porquê, se para esquecer Ana Amélia, se para ser aceito no seio de uma família branca, ou se por compaixão por tão frágil criatura, ele se casou com ela, em 1852.
Ele volúvel, ela orgulhosa, logo começaram entre eles os desentendimentos. Nomeado em 1854 oficial da secretaria dos Negócios Estrangeiros, passou a viver em constantes viagens. Em Paris nasceu-lhes Joana criaturinha franzina e fraca que, ignorada pelo pai, viveria pouco. Antonio detestava a família.
Em Lisboa reencontra o seu velho amor, Ana Amélia, agora casada. Mas tudo não passa de um breve encontro. Escreve poesia sobre a sua dor.
Abandonada pelo marido Olímpia volta para o Brasil. Ele viaja pela Europa, visitando escolas de diversos países. Vivem separados. Continua conquistador. Um amor na França, outro na Alemanha. Um editor alemão publica em português alguns dos seus trabalhos.
Regressa ao Brasil e logo vai a trabalho para o Ceará. Visita sua terra natal, enquanto sua mulher continua no Rio de Janeiro. Durante dois anos estuda os indígenas e faz levantamentos sobre a atividade econômica da região. (Pernambuco, RG do Norte, Ceará e Maranhão). Como não encontra índios puros, vai para o Amazonas, atinge o Peru. Nessa viagem sofreu com as condições precárias e insalubres da região. Em 1862 volta ao Rio bastante doente. Era o fígado, os pulmões e o coração cobrando a sua conta. Teve malária, febre amarela, tumores linfáticos. Em Portugal, os médicos já haviam diagnosticado em 1846 doenças venéreas, marcas de uma vida amorosa dissoluta.
Não voltou para casa, não suportava a presença de Olímpia.. Preferiu ir para um Hotel, onde recebeu a visita de D. Pedro II, admirador da sua obra literária. Debilitado quer voltar a São Luis. Passa em Recife onde um médico o aconselha a se tratar na Europa, onde os ares lhe são mais propícios. É tão precária a sua saúde que só sob pressão de gente influente o comandante do navio Grand Condé deixa-o embarcar.
Na Europa vai para uma estação de cura e encontra Celina, um dos seus antigos amores. Tem uma débil melhora. Mas sente vontade de voltar à sua terra onde canta o sabiá. Embarca para o Brasil no Ville de Boulogne. A viagem é penosa. Alimenta-se pouco, fraco, quase não pode caminhar. Escreve:
“Não permita Deus que eu morra/ Sem que desfrute os primores/ Que não encontro cá...”.
Ao avistar-se a costa brasileira pede para ser levado ao convés. Quer ver a sua terra que se aproxima. No dia seguinte a 3 /10/1864, na costa do Maranhão, o navio naufraga. Todos se salvaram, menos Antonio Gonçalves Dias que imobilizado no seu leito agonizava, aos 41 anos de idade. Morreu nas águas de seu país, após ver pela ultima vez as palmeiras do litoral que tanto amava.
Biografia retirada do fascículo N.o 17 da coleção:
Grandes Personagens da Nossa História (Editora Victor Civita).
Se literatura é uma fantasia intemporal bem escrita, então neste livro não há literatura apesar de estar bem escrito.
Como se pode adivinhar pelo título, o Autor trata aqui de nos apresentar o que pensou em certos momentos sobre assuntos bem específicos, nomeadamente da vida do seu país, Moçambique. Por estes dois tipos de razões – realismo e fixação no tempo – me aventuro a dizer que não temos aqui a mais pequena sombra de literatura. Resta, isso sim, a boa escrita.
As palestras que Mia Couto fez um pouco por toda a parte, os artigos que escreveu para diferentes jornais e revistas, devem ter sido escolhidos segundo um critério que o leitor não descortina e fica por vezes a imaginar que houve uma passagem aleatória pelo baú dos textos passados. Contudo, há dois temas com que nos cruzamos por aqui e por ali que chamaram a minha especial atenção: um evidente rancor contra Portugal; uma afirmação linguística contra o português europeu.
Não tem cabimento o crítico entrar em discussão com o autor da obra criticada mas eu não pretendo outra coisa que não sugerir leituras aos meus leitores. Não tenciono passar por crítico e, no limite, poderei considerar-me apenas um sugestor: aquele que sugere temas que poderão merecer o interesse de outras pessoas.
Assim me permito chamar a atenção para duas realidades que me parecem dignas de nota: toda a sua animosidade para com Portugal não o impediu de vir cá publicar os seus livros – e seja bem-vindo; tanto este como os outros livros que li de Mia Couto estão escritos de um modo em tudo semelhante ao estilo de qualquer escritor com banca assente no Chiado – como se compreende em quem é filho de portugueses.
Identificadas estas duas flagrantes incongruências, temo pela construção de um conceito de nacionalidade tomando como base os defeitos apontados a outrem e não em valores de mérito endógeno dessa nacionalidade nascente. Porque não acredito que o Autor se identifique com o seu país apenas nesta construção negativa, sou levado a crer que o critério de escolha dos textos não terá sido o mais feliz. Ou, então, foi-lhe definido pelo editor que naquela época ainda vogava em águas claramente internacionalistas e anti-portuguesas. In illo temporae…
A afirmação linguística contra o português europeu também me parece um critério absurdo pois não faltará que um dia o Autor se veja obrigado a adulterar propositadamente o seu estilo – evidentemente europeu – só para se afirmar no seio de uma nova língua. Mas como as afirmações mais radicais sobre esta questão foram proferidas numa conferência na Academia Brasileira de Letras, não será de estranhar que em sede de lobby se desenvolva esse mesmo centro de interesses. Mal seria aceitar um convite e em plena festa dizer mal do dono da casa.
Mas ultrapassados os pontos que me chocaram, reconheço que há muitos outros – inclusivamente sobre temas tão diversos como a biologia, o tsunami, a política interna moçambicana – que aplaudo e que me levam a dar nota positiva ao interesse que o livro me despertou. Nem faria sentido inclui-lo nesta rubrica se da leitura não resultasse interesse.
Aqui deixo esta sugestão de leitura. Para além de outras razões, parece-me bem interessante e da maior oportunidade quando está tão acesa em Portugal a discussão da ratificação ou não-ratificação (voto na negativa) do Acordo Ortográfico. E dentro desta questão, eis um magnífico exemplo do panegírico do progressismo linguístico a ser feito de um modo claramente conservador.
vPor uma tradição que remonta ao tempo dos monarcas absolutos e iluminados, ainda hoje muitos Bancos Centrais consideram-se donos e senhores das reservas em divisas (ou DLX/Disponibilidades Líquidas sobre o Exterior) que os seus países acumulam por razões de estratégia ligadas à afirmação das respectivas soberanias. Outros vão mesmo mais longe, e pensam ser deles o stock de ouro – apesar de o ouro já não possuir quaisquer funções monetárias na vida financeira internacional.
vAcontece que o facto de um Banco Central manter no seu Balanço as DLX (e o ouro) não prima pela clareza, quando se trata de saber quem faz o quê e de averiguar se esse quê ficou realmente bem feito. Além de arrastar consequências indesejáveis, se não mesmo perversas. Exemplos de tudo isto não faltam:
vA moeda nacional desvaloriza? Como é tradicional que as contas do Banco Central venham expressas na sua moeda nacional, essa desvalorização significa uma revalorização das DLX, logo uma mais valia contabilística. Ver nessa mais valia um proveito, ainda que extraordinário, não recorrente, é tresler a realidade. Mas é justamente isso que acontece: um Banco Central lucra com a desvalorização da moeda nacional – e tem prejuízos quando a moeda nacional revaloriza.
vA desvalorização (e, no sentido oposto, a revalorização) da moeda nacional é, então, coisa boa ou coisa ruim? As opiniões divergem. Mas todos parecem estar de acordo em que uma variação brusca e de grande amplitude na paridade (isto é, na taxa de câmbio) da moeda nacional muda de forma repentina o cenário em que essa economia vinha laborando - e deixa pelo menos alguns agentes económicos “às aranhas”.
vE dificilmente a queda acentuada no câmbio em divisas convertíveis da moeda nacional pode ser vista com bons olhos. Quando tal acontece é porque algo, ou alguém falhou: a política orçamental terá sido demasiado expansionista; a ganância fiscal terá afugentado os capitais; o Banco Central (se for ele o executor da política monetária) não terá feito o que lhe competia; tudo à vez. Falando claro: lucros pingues no Banco Central é, quase sempre, sinónimo de incompetência. De quem, é o que fica para apurar.
vO mesmo se passa internamente: o Banco Central tem proveitos quando injecta liquidez na economia (por exemplo, cedendo fundos aos Bancos) e suporta custos quando é forçado a absorver liquidez (por exemplo, emitindo títulos de dívida, ou de intervenção monetária). Em tais circunstâncias não é possível ajuizar do desempenho do Banco Central a partir dos seus resultados contabilísticos, contrariamente ao que aconteceria se ele fosse uma empresa como qualquer outra.
vEnfim, o ouro revaloriza no mercado? Sobem os lucros do Banco Central, ainda que não haja nenhum mérito nisso, como é óbvio. O ouro desvaloriza? Prejuízos quase pela certa (quase porque existe um mercado relativamente activo de futuros sobre ouro onde é possível cobrir o risco de uma queda de preços), muito embora essa evolução do mercado também o ultrapasse.
vE, no entanto, os Governos não se coíbem de ir buscar o seu quinhão nos lucros dos Bancos Centrais, como se esses lucros fossem distribuíveis. E os analistas, ingénuos, não deixam de saudar os lucros dos Bancos Centrais como prova evidente do bom desempenho das suas Administrações.
vMais ainda. Quantas vezes essas mesmas Administrações não reclamam louros pelos lucros que apresentam – e chamam a elas parte desses lucros sob a forma de benefícios não salariais, empolamento das estruturas, fausto e magnificência e/ou generosos esquemas de pensões de reforma.
vPosto isto, facilmente se percebe que os resultados do Banco Central raramente traduzem o seu desempenho como Autoridade Monetária (esta a sua verdadeira razão de ser), podendo mesmo esconder graves deficiências, quer no modo como a organização esteja a ser gerida, quer na condução da política monetária.
vPara tornar tudo isto ainda mais confuso, muitas legislações nacionais (não é o caso da portuguesa, felizmente) não acautelam a possibilidade de o Banco Central perder, por força dos movimentos que descrevi acima, o seu capital social – e ficar, por isso, insolvente. Em tais circunstâncias, lá entra o dinheiro dos contribuintes para repor a normalidade, quando tudo não passa afinal de um erro de casting.
vA questão que se impõe tem assim um sabor oulianoviano: Que fazer? Que fazer para que os resultados contabilísticos do Banco Central traduzam, com um mínimo de fidelidade e verosimilhança, o modo como ele prosseguiu os objectivos de política monetária que lhe tinham sido fixados? Que fazer para que os lucros não apareçam a disfarçar maus desempenhos? Será isso possível – ou um sonho irrealizável? (cont.)
Lendo num jornal da cidade um artigo sobre vitrais do ex-diretor do Colégio Diocesano de Uberaba, professorAntonio C. Gomes, retirei os seguintes pensamentos e notas que julguei serem de sensibilidade e interesse:
“Os vitrais, como os homens, devem ser olhados à distância, sem se reparar nos pequenos detalhes das emendas de chumbo, usadas para colar os pedaços de vidro, pois assim percebemos melhor o conjunto.”
“Os vitrais devem ser vistos como um todo, de dentro para fora, à luz do dia, para se ter idéia da sua beleza e daquilo que representam”.
“Como nos vitrais, nós temos a tendência de observar os homens pelo exterior, de fora para dentro. Por isso devemos ter a paciência de procurar vê-los pelo avesso, à luz da caridade, para conhecê-los.”
“Quando olhamos as pessoas de longe evitamos reprimendas e conflitos. Vemos somente o que nelas é relevante, esquecendo os pequenos detalhes que não mudam julgamentos.”
A família é como um rico vitral constituído de várias peças, unidas umas às outras pela compreensão, paciência, e perdão. E, como um vitral, parece feia visto de fora para dentro, ou quando está desfalcada de algumas peças”.
“As pessoas que nos rodeiam são como peças de vitrais. Sem elas a vida talvez não fosse tão rica, colorida e bonita. Pense nisso”.
Curiosidades
O vidro é conhecido dos egípcios há mais de cinco mil anos e foram os romanos que o introduziram na Europa. Mas só em 1100 da nossa era a Igreja adotou o estilo gótico para a construção das igrejas com o emprego de vidros coloridos nas janelas que contavam passagens da Bíblia, da vida dos santos e do cotidiano. Na Idade Média quando a maioria das pessoas era analfabeta, os vitrais eram verdadeiros livros ilustrativos, ricos em significados, representados em símbolos e alegorias.
O vitral da Rosácea de Notre Dame, em Paris, mede 13 metros de diâmetro. É uma verdadeira obra de arte. Mas os mais belos vitrais do mundo estão na Catedral de Chartres, também na França. Nas suas 160 janelas foram usados 2.800m2 de vidro. Nas épocas das duas grandes guerras mundiais eles foram retirados um a um e guardados em lugar seguro. Após os conflitos foram recolocados em seus antigos lugares.
A atitude diante de uma dessas obras de arte deverá ser de contemplação e meditação.
É habitual insistir-se na nossa infinita capacidade de adaptação, seja aonde for. Pergunto-me se não se trata antes do contrário. Se não devíamos falar até da impossibilidade de deixarmos de ser quem somos, tal a densidade interior que acumulámos.
Primeiro andamento Relações pouco nítidas, talvez, mas nem por isso menos fortes, as que nós, os portugueses, mantemos com Portugal. Como se este fosse outra coisa do que nós realmente somos, apesar do distanciamento impossível que gostamos de manter com ele, ou com o que a sua nomeação evoca. Até ao século XVI fomo-nos garantindo e definindo. Primeiro a Reconquista, como lhe quisemos chamar. Com ela o repovoamento do território, numa mescla de mouros e judeus, moçárabes, galegos e nórdicos, que prefaciou as futuras. A seguir, a definição de um País, como a acabaram por fazer os monges e os cronistas, de Alcobaça e Santa Cruz a Fernão Lopes e Zurara. Depois de 1578 (Alcácer-Quibir), fomo-nos perdendo e restaurando ciclicamente: entre 1580 e 1640; entre 1820 e 1910; entre 1910, 1926 e 1974: desde o fim de Oitocentos, cantamos ser preciso «levantar hoje de novo o esplendor de Portugal».
Um difícil testamento Digo, por isso, que a relação que mantemos com Portugal é, fundamentalmente, bíblica. Olhamos Portugal como uma personalidade colectiva portadora de uma alma, no sentido romântico do termo, ainda que referido a algo muito anterior ao Romantismo. E a relação que mantemos com esse gostoso e custoso colectivo vem na esteira de um outro povo, que se descobriu eleito e portador de uma missão universal. Não foi certamente por acaso que a primeira teorização da pátria portuguesa em torno de uma promessa divina nasceu em meio monástico, nos cronistas de Santa Cruz de Coimbra, tão ligados que estavam ao seu patrono de havia dois séculos, D. Afonso Henriques. E a um acontecimento, cuja significação foi engrossando: a Batalha de Ourique (1139), prodígio divino que nos séculos XV e XVI se circunstanciou na promessa de Cristo ao nosso primeiro rei: fundaria um reino tão imortal como a sua origem e com idêntica projecção religiosa. É verdade que, com a alusão vetero-testamentária dos reis e destinos messiânicos, se juntava uma outra, a do império «cristão», tal como a contava a legenda da promessa divina a Constantino, de uma vitória conseguida sob o signo da cruz. Mas a segunda já fora uma reconstrução romana da epopeia judaica, possibilitada por um Evangelho que universalizara a promessa. Camões assim o assinalaria n’Os Lusíadas e Vieira retomou o motivo, para assegurar com ele a certeza e o significado da Restauração: Portugal como esteio do Império de Cristo na terra, finalmente realizado, numa humanidade que só agora divisara os seus contornos, através precisamente das nossas descobertas. O ouro joanino pôde ainda manter-nos contentes connosco, tanto quanto. A dissolução geral do Portugal antigo, entre as Invasões Francesas (1807 e seguintes) e a Regeneração (1851), esvaziou quase por completo a substância de que se alimentara a nossa auto-representação. E roía-lhe especialmente a substância religiosa de que se alimentara, em tantas crónicas, sermões e discursos. Sobrava o contraponto dos espíritos práticos que, de quando em quando, tinham proposto desígnios mais próximos e quantitativos. De Oitocentos para Novecentos, vivemos como os Judeus regressados do exílio babilónico, divididos entre os trabalhos do campo e a reconstrução do templo, o pragmatismo e o sonho (cf. O livro do profeta Ageu, capítulo I). Vivemos geralmente mal com nós mesmos, por nos acharmos sempre aquém do que teríamos sido ou do que poderíamos voltar a ser… Há nisto algum auto-ressentimento, independentemente da nossa extracção religiosa ou não-religiosa. Todos nos embebemos de um Portugal que não achamos.
Uma estranha geografia E tanto assim é, de facto, que pouco importa a base territorial que nos recorte. A nossa relação com Portugal não é verdadeiramente geográfica. Ainda aqui contará a fortíssima herança judaica, nómada por excelência. Antes de mais, na sua própria consciência circunscrita. É frequentíssimo encontrar portugueses sem ideia precisa da localização de terras, rios ou montanhas nossas. Frequentíssimas as confusões de caminhos e distâncias, não sendo estas as mesmas no Minho e no Alentejo. E isto mesmo seria de estranhar num povo que tão habilmente se instala em qualquer parte do mundo, como se já fosse casa sua. Digo seria, porque realmente não o é. Mais do que o «Brasil mental» de que falava Bruno, «mental» é o Portugal em que idealmente nos figuramos, depressa suportando qualquer geografia física. Em meados de Duzentos reconquistou-se o território básico, «onde a terra acaba e o mar começa». Mas nem esse nem as ilhas atlânticas nos concluíram nunca. Ainda hoje temos outra geografia: quinze milhões repartidos em cinco alíneas: (a) da cordilheira central para Norte; (b) daí para Sul; (c) Açores; (d) Madeira; (e) emigração. E cada uma destas muito subdivididas, obviamente. Só que, qualquer beirão ou açoriano, qualquer alentejano ou madeirense, pode ter a sua geografia verdadeiramente pátria noutro recanto do mundo, coberto ou descoberto pela bandeira nacional. Dois episódios, entre tantos de geografia portuguesa: em Paris, na casa de um emigrante abastado e bem-sucedido e bem integrado na sociedade francesa, quando a única coisa que me quis verdadeiramente mostrar foi a horta que cultivava no quintal, absolutamente lusitana; em Cochim, onde não estamos politicamente há tanto tempo, quando o seu falecido bispo, sem uma gota de sangue nosso e nenhuma palavra nossa também, me mostrou embevecido o arquivo que conseguira montar, cheio de documentação portuguesa, que obviamente não lia. Naquele quintal parisiense ou nesta costa do Índico, foi com Portugal que me relacionei, fora da geografia convencional. É habitual insistir-se na nossa infinita capacidade de adaptação, seja aonde for. Pergunto-me se não se trata antes do contrário. Se não devíamos falar até da impossibilidade de deixarmos de ser quem somos, tal a densidade interior que acumulámos. Não temos de nos adaptar por aí além, porque já temos dentro e acumulados os infinitos aléns que nos formaram. Aqui, neste recanto ocidental do Continente, sedimentaram-se, milénio após milénio, os variados povos que, do Norte de África ou do Leste da Europa, tiveram forçosamente de parar numa praia que só no século XV se transformou em cais de embarque. Aqui chegaram outros, que depois vieram e continuam a vir das mais diversas procedências. Tanta gente em tão pouco espaço só pode espraiar-se numa geografia universal. Assim foi e assim é. Por isso também, se é verdade que muitos outros povos manifestam capacidade variável de adaptação fora da sua terra, nós manifestamos algo de endógeno que já não é propriamente adaptação, antes co-naturalidade. António José Saraiva comparou-nos a um fruto mole na casca e duro por dentro. Tinha razão: temos por dentro muitíssimo mundo, consolidado em sucessivas experiências, em que a convivência acabou por ganhar às lutas. Por isso concentrámos geografias, para as maleabilizar depois. E será talvez sob este aspecto que melhor nos damos com Portugal.
A poesia como reconhecimento Compreende-se assim que o melhor Portugal seja poético, ou seja, mais feito do que construído, mais desligado da prosa e das contas. Melhor porque maior, só assim o podendo ser, sem restrição geográfica. Com tanta água territorial, o mais de Portugal é mar… Talvez por isso mesmo, a melhor ideia que temos de nós próprios provém da poesia e não da prosa. Desta última guardamos sobretudo o que nos distancia de nós próprios, entre a ironia e o sarcasmo. Pensamo-nos mais altamente à maneira de Camões do que à maneira de Eça. Ou, deste último, recolhemos as páginas mais «poéticas» que nos dedicou n’A Cidade e as Serras. Ou seja, quando nos relacionamos bem com Portugal, fazemo-lo com um País mais sentimental do que mentalmente definido, como se a espuma das ondas nos toldasse a visão. E tanto assim é que o nosso próprio movimento – terrestre que seja – continua a ser marítimo, mesmo para quem nunca sulcou as ondas: estamos sempre a «embarcar», como se a viagem mais trivial se sublimasse também. Até as nossas serras têm «naves» … É da poesia que advém ainda a nossa permanente disponibilidade para o milagre. O «milagre português», no caso. Não há época da nossa história em que tal não aconteça, emblematicamente. É certo que, para a Fundação, o «milagre» de Ourique é projecção posterior, como foi ultimado. Mas, mesmo um autor tão rigoroso e detalhado como Fernão Lopes, se espanta e nos espanta com o «milagre» de Aljubarrota ou de Nun’Álvares. Para a Restauração, tudo é «milagroso», das profecias de Bandarra ao futurismo do Padre António Vieira. E daí para cá, não faltaram prenúncios nem salvadores, mesmo em tempos mais razoáveis e pragmáticos. Continuamos absolutamente disponíveis, uma vez que qualquer concretização ainda será pequena para o tamanho que demos à memória. Nascem daqui as «saudades do futuro», que vários escritores nos atribuíram, certeiramente aliás. Daqui provêm também duas caracterizações: o nosso tempo é descontínuo; a nossa relação mútua pode desapontar-nos. O tempo contínuo e programado é próprio de sociedades previstas e de longo prazo. Também o temos, decerto. Mas creio ser frequente ouvirmos expressões que abrem antes para a surpresa ou o devaneio, na projecção dos dias. É um velho debate, que importa retomar em termos diferentes de há um século. Mas é bem possível que o singular percurso histórico que nos moldou, com tantos momentos inesperados, nos tenha tornado pouco propensos a uma consideração linear do devir pátrio ou mesmo pessoal. Igualmente nos decepcionamos facilmente quando constatamos que os outros ficam aquém dos modelos com que os prevíamos. Em Portugal – sem que tenhamos disso o monopólio – é fácil ser-se tudo hoje e quase nada manhã. Mas também é fácil que tudo acabe por se relativizar, pela mesma indefinição dos contornos e esvaimento do concreto que se referiu acima. Aliás, oscilamos entre a beleza das coisas pequenas e uma persistente disponibilidade para os grandes momentos. Um certo «regresso ao campo», de fim-de-semana, férias ou reforma; a inesgotável popularidade dos filmes de há sessenta anos; o reencontro do artesanato; a constante utilização do sufixo «inho/a», mesmo nas coisas mais utilitárias e prosaicas: tudo nos reencontra num certo «Portugal dos pequeninos», oxalá próximo da primeira bem-aventurança. O imenso gosto pela festa, como interrupção das linearidades, traz-nos um devaneio que suporta o dia a dia. Aliado a algum sentido prático, tem originado empreendimentos criativos e consequentes, que vão muito além de ocasionais recordes do Guiness, prémios de inventores e registos de patentes.
Curiosas figurações Um bom indício do modo como nos relacionamos com Portugal são as nossas autofigurações, as feitas e as por fazer. Quanto às feitas, reparemos em duas, uma popular e outra erudita. A popular é certamente o Zé Povinho. Desde que Bordalo a pintou, foi constantemente reproduzida e encontramo-la em todo o lado. Mas que significa ao certo? Ignorância ou esperteza? De tudo um pouco, como se tem dito e escrito, em análises rápidas ou de maior fôlego. Mas é exactamente nessa indefinição que ela pode servir para caracterizar a relação que mantemos com nós mesmos, ou com o País no seu todo. Coexistimos uns com os outros – e, cada vez mais, com os estrangeiros – em subalternidade e atraso, ou em esperteza, razoável desconfiança e quase «retranca» galega? A erudita encontra-se nos painéis de Nuno Gonçalves. Quando foram, também eles, «descobertos», logo atraíram como um íman uma atenção crescente e vivaz. Passou um século e continuam a olhar-nos, com aquelas dezenas de olhos que nos perscrutam e avisam, não sabemos bem de quê. Nunca uma obra de arte nos interrogou tanto, motivando sucessivas interpretações, tanto dela como nossas. Interpretações, aliás, que aparecem quase como urgentes, para decifrarem finalmente um enigma que é existencial e de nós todos. Como se Portugal de depreendesse dali, como «mensagem», para falar segundo Pessoa, ou como «navegação», para falar segundo Sophia… Mais enigmaticamente – ou sintomaticamente – há autofigurações não feitas. Escolho uma, por de mais eloquente: a estátua que nunca se colocou no pedestal do alto do parque Eduardo VII. Fosse ou não para Nun’Álvares / Santo Condestável, tratar-se-ia sempre de um «umbigo de Portugal», quase como o de Delfos fora o do Mundo. Detecta-se uma polémica muda em torno daquele lugar vazio, daquele pedestal agora desfeito. Como se já não tivéssemos figuração possível. Como se a relação com Portugal já não lhe encontrasse rosto. Aqui chegámos, finalmente. Mais como interrogação do que como certeza. Vamos andando, apesar de tudo. E, muito à portuguesa, «depois se verá». O que também é já um grande saber de experiência feito.