Final da parte 5: Surge a figura do caudilho Rosas no campo, enquanto na cidade o governo de Darrego se mantém com dificuldades até que a rebelião de Lavalle o vence. Darrego representava os princípios do federalismo e Lavalle ao vencê-lo, defronta, por isso mesmo, a oposição dos caudilhos provinciais contrários a tendência unitária considerada ameaçadora. Todos os caudilhos negam apoio a Lavalle, inclusive Rosas. Em Abril de 1829 ele é derrotado e abandona o poder. Tem início na história da Argentina o período conhecido como época de Rosas.
Os acontecimentos em suas linhas fundamentais podem ser assim resumidos:
- De um lado, o grupo mercantil próspero e ambicioso, de cultura europeia e politicamente liberal, reunia aristocráticos e burgueses buscando a ordem sob a liderança de Buenos Aires, sua sede. Defendia o livre-câmbio, restringia a navegação dos rios pouco se importando com a ordem institucional fosse ela republicana ou monárquica, desde que não retornasse ao sistema de clausura e de monopólio. Por não possuir apoio interno suficiente, procura-o no exterior. Depois de atritos e choques concilia-se com o Brasil em troca da autonomia da Banda Oriental; concilia-se também com a Inglaterra e a França em troca do livre-câmbio. Esse grupo constitui a essência e a base do partido unitário.
- De outro lado, uma população pobre, que se empobrecia cada vez mais. Primeiro porque a entrada livre de produtos manufacturados prejudicara as suas fábricas e oficinas deixando flutuantes os elementos que nelas trabalhavam e que passam a gravitar em torno dos caudilhos locais ou regionais. Segundo, porque o fechamento dos rios não permite que participe do enriquecimento que o comércio internacional proporciona. Isola-se em seus núcleos dispersos esmagada economicamente e por isso mesmo destinada a ser presa fácil do caudilhismo; o caudilho é a sua expressão e a sua síntese. É formado por uma população pobre, desorientada, democrática e desorganizada que constituirá a base do confuso partido federalista.
Para o advento da anarquia concorreu poderosamente o desfalque representado pela retirada de San Martín e de suas forças do cenário americano. Ao abandonar a luta, o general argentino deixou as suas tropas no Peru. Elas eram preparadas, instruídas e experimentadas. Representavam o melhor, o único aparelho militar em que se poderia apoiar a acção coordenada e organizada do poder central. A retirada das tropas de San Martín deixou o poder central sem suporte militar, sem o instrumento de força para exercer a sua autoridade. O país ficou a mercê da autoridade local ou regional dos caudilhos, forças sem fisionomia militar. O quadro da anarquia estava caracterizado: cada província semelhava uma república, levantada sobre os núcleos urbanos, governada por um caudilho, senhor dos demais e mantido pela força, isolando-se e regredindo sem direitos e sem vida económica organizada.
José Francisco de San Martín Matorras (1778-1850)
O nome dos dois partidos, o unitário e o federalista, não traduziam com fidelidade absoluta o problema mais discutido. Confundiam, muitas vezes, com suas atitudes, a fisionomia do conjunto; lutavam sem trégua, ora triunfando um, ora o outro, mais como facções a serviço de interesses quase sempre imediatistas locais ou regionais. Quando não era possível a supremacia absoluta de uma das facções e o enfraquecimento é geral, surge a anarquia, o poder se dispersa e fragmenta e a nação ameaça entrar no caos. É o domínio do caudilhismo com a autoridade distribuída em cada região por um chefe local que se sobrepõe aos demais e que dita as leis. O caudilho é a expressão característica da anarquia.
Rosas nasceu e foi criado na zona rural da província de Buenos Aires. É um dos caudilhos em torno do qual se agrupam os elementos flutuantes do pastoreio. Enriqueceu como grande proprietário de terras, como homem do campo em luta permanente com os índios e com a natureza. Adaptou-se ao meio que o gerou para ser um dos seus representantes típicos. Convivia com os seus peões e com os índios; dominava-os pelo exemplo, fascinava-os por ser o melhor deles. Ao começar a sua vida independente, a pecuária argentina já havia abandonado o exclusivismo do couro, que resultava na dizimação dos rebanhos. Com o advento da salga, o país entrara na fase de aproveitamento da carne. Rosas enriquece, alcança projecção na província e passa a chefe de bando - caudilho.
Ele evita participar a fundo dos tumultos políticos que precedem o período da anarquia. A luta entre Derrego e Lavalle é que o apresenta em definitivo no cenário argentino. Ao subir ao poder, define, sem dúvida, no âmbito da província de Buenos Aires, a conquista da cidade pelo campo. A população pastoril invade o núcleo urbano e impõe pelo seu representante as suas características. Para governar, Rosas deverá resolver a contradição entre a cidade e o campo. Conjugará os dois processos para impor ao país inteiro a sua autoridade. Embora seja uma força do partido federalista e embora venha a adoptar o refrão "abaixo os unitários", fará como homem do campo e com os seus processos, e ainda servindo a alguns de seus fins imediatos, a política do grupo urbano: será livre-cambista até certo ponto; monopolista em defesa da primazia portenha; fechará os rios e intervirá nas províncias.
vMeses atrás, quando era o BCP a querer comprar o BCI, escrevi sobre a insensatez de toda operação e manifestei estranheza pela atitude do BdP.
vArgumentava eu, então, que o BCP iria ver-se em palpos de aranha para reconstituir os seus Capitais Próprios, antes mesmo de começar a fazer a digestão do que voluntariamente engolira. E que a alavancagem monetária no exterior (isto é a dívida bruta ao Bancos não residentes) do “novo” BCP seria de tal modo elevada que era lícito prever uma forte contracção da disponibilidade de crédito bancário em Portugal.
vE agora, que a “mão” pertence ao BPI?
vA operação que se anuncia nada tem a ver com a anterior, ainda que o resultado em termos de agregação dos patrimónios dos dois Bancos envolvidos seja idêntico. Com uma oferta de fusão, o BPI resolve o problema da insuficiência de Capitais Próprios: (1) faz parte desta operação um aumento de capital (no caso, em espécie ou quase) – o que não acontecia com a do BCP; (2) esse aumento de capital tem colocação garantida junto dos actuais accionistas do BCP – se a operação for para diante, naturalmente.
vEm termos simples: (1) o BPI propõe-se emitir 1,805.7 milhões de acções (o rácio de conversão de 2:1); (2) sendo o preço de emissão o valor relativo (ainda não apurado) dos patrimónios líquidos (equity) do BCP e do BPI, à data da operação.
vDo preço de emissão, só 92% corresponderão à efectiva distribuição de acções ao mercado – já que 8% se encontram, directa ou indirectamente, na posse do BPI (ou seja, converterá os 8% que hoje detém no BCP em 4% do seu próprio Capital Social). Além disso, recomprará cerca de 6% das suas acções, hoje ainda em poder do BCP – pelo que, no final, o BPI ficará com 10% (aprox.) de acções próprias em carteira.
vNo final, o BPI ficará com um Capital Social representado por 2,565.7 milhões de acções (com Valor Facial de € 1.00), dos quais: 10% pertencerão à sua própria carteira; 23.6% ficarão nas mãos dos seus actuais accionistas; e o restante (2/3, em números redondos), ficará na posse dos actuais accionistas do BCP (BPI excluído deste número).
vÉ, sem dúvida, uma jogada arriscada, que só quem depositar total confiança no seu núcleo duro de accionistas poderá dar-se ao luxo de fazer (o que, percebe-se agora, não acontecia com o BCP).
vNesta jogada, a valorização dos patrimónios dos Bancos envolvidos fica, de alguma maneira, subsumida – e só por isso seria uma jogada de mestre.
vÉ evidente que os accionistas do BPI sairão a ganhar se o património do BCP contiver mais valias potenciais não reflectidas no rácio de conversão – mas ficarão a perder se lá encontrarem menos valias e prejuízos escondidos. Com os accionistas do BCP, tornados nóveis accionistas do BPI, passar-se-á exactamente o inverso. Enfim, um jogo em que todos têm de jogar no escuro: a fair game, no doubt.
vO aumento do Capital Social do BPI que acompanha esta operação resolve, pelo menos aritmeticamente, o problema da alavancagem monetária no exterior que, em ambos os Bancos, é muito elevada. Tudo está em saber como é que os Bancos não residentes, tradicionais financiadores do BCP nos mercados interbancários, reagirão a um novo Banco contraparte. Quanto ao BPI, o problema será bem menos agudo, já que parte substancial do seu funding interbancário é-lhe proporcionado por Bancos com os quais mantém fortes ligações institucionais.
vÉ claro que continuam a sobrar os problemas endémicos de muitos Bancos portugueses; (1) a cobertura das responsabilidades pensionáveis; (2) o crédito malparado e as taxas de incumprimento que é razoável prever-se para as suas carteiras de crédito bancário; (3) a concentração, ou cúmulo, de risco.
vSendo esta operação bem sucedida, o Banco que daí resultar terá cerca de 1/3 do mercado de crédito bancário interno – e certamente um pouco mais neste ou naquele segmento desse mercado.
vCom a circunstância preocupante de ambos os Bancos envolvidos – apesar de não se assumirem nem se organizarem como especializados no mercado hipotecário – terem carteiras de crédito bancário com prazos médios bastante elevados (8 anos para o BPI; 7.1 anos para o BCP). O que não é precisamente a melhor composição de carteira para quem tenha necessidades de financiamento ainda por satisfazer, e quando o mercado hipotecário está particularmente turbulento (só por isto, o sentido de oportunidade do BPI não será perfeito - mas não é fácil escolher a melhor meteorologia para uma viagem a que não se pode escapar).
vCom uma quota de mercado tão elevada, o novo Banco terá dificuldade em manter-se alinhado com o risco de crédito médio que caracteriza a economia portuguesa (o qual, recordo, não é baixo, seja qual for a fase do ciclo económico).
vDito de outro modo, a fusão é um manancial de oportunidades para que os restantes Bancos comecem a “desencaminhar” os melhores clientes do BPI e do BCP. E a gestão da concentração de riscos que, inevitavelmente, acompanha uma fusão bancária só vai facilitar essa deliciosa tarefa de “cherry picking”, a que só os Bancos mais distraídos não vão lançar mãos, desde já.
vTodas estas operações de concentração bancária deveriam trazer à luz do dia uma questão que, segundo parece, todos preferem manter na sombra: o uso do voto correspondente às acções que integram Fundos de Pensões e, em geral, os patrimónios de Entidades de Investimento Colectivo (EIC).
vA tese oficiosa é simples e conveniente: o voto dessas acções aproveita, em primeira mão, a quem gere esses patrimónios autónomos. Afinal, são as Sociedades Gestoras que respondem perante os que neles participam.
vEsta argumentação não convence, não pode convencer, por várias razões: (1) a prestação de contas é frágil, entre nós, e a gestão de EIC está longe de ser excepção; (2) é certo que nas EIC abertas, o mau desempenho de quem os gira será punido com resgates – mas não é menos certo, que os resgates podem ser suspensos, com mais prejuízo para os participantes insatisfeitos do que para os gestores mal sucedidos; (3) os votos não são exercidos no interesse directo e demonstrável dos participantes, mas em proveito exclusivo das Sociedades Gestoras – o que configura um cenário de moralhazard.
vE a pergunta é: Ao exercício do direito de voto no interesse imediato da Sociedade Gestora está a corresponder a adequada remuneração das EIC, únicos titulares dessas acções? Ou, por outras palavras – o uso, pelas Sociedades Gestoras, de direitos de voto que não lhe pertencem não deverá ser objecto de convenção e de pagamento (como são pagos, aliás, os empréstimos de valores mobiliários para operações de short selling ou, mesmo, os repos)?
vAlguém, alguma vez, leu isto nos regulamentos das EIC nas quais foi convidado a participar?
Óleo de Pedro Américo de Figueiredo e Melo (1843-1905)
O brado de “Independência ou Morte” que nos separou de Portugal e tornou D. Pedro I o primeiro imperador do Brasil foi e ainda é actual.
Diversas são as formas de um povo ou nação se sobrepor às outras. Independência ou hegemonia pode ser conseguida de maneira consentida ou violenta, usando a força militar, cultural ou económica.
Com a globalização as pessoas tornaram-se mais ecuménicas, as novas gerações mais parecidas nos gostos e nos hábitos sociais. Compram de tudo e de todos os lugares nos grandes supermercados que nas grandes capitais são sempre muito parecidos e até mesmo iguais, quando fazem parte de redes internacionais.
A prática comercial que consiste em trocar, vender ou comprar produtos ou serviços, visando mercados e lucros, subentende relações sociais amistosas e respeitosas entre as partes, mas também predispõe à formação de grupos ou blocos financeiramente fortes que influenciam na economia dos povos.
Em recente viagem a uma das ilhas atlânticas (Flores), ainda no aeroporto soube que a minha bagagem havia-se extraviado. Precisando comprar alguma roupa, verifiquei com surpresa que, apesar de ser Domingo e do comércio estar fechado, havia lojas dos “Chinas” abertas e repletas de imensa variedade de produtos. Sabidamente mais competitivas, por apresentarem preços mais baratos (talvez por terem menor custo) e por abrirem todos os dias da semana, inclusive aos Domingos, numa comunidade pequena e tradicional que tem um comércio limitado, sujeito às regras social e culturalmente mais rígidas e restritivas, praticavam uma concorrência desleal.
Foi também com certo espanto, agora em outra região de Portugal Continental, que presenciei numa loja local de vinhos, os empregados atendendo a um grupo turístico, maioritariamente brasileiro, em língua estrangeira, só porque agora os donos do estabelecimento eram estrangeiros.
Nas casas do mundo globalizado, pode-se encontrar produtos e electrodomésticos japoneses, louça portuguesa, elementos decorativos italianos. Mesa de imbuia, brasileira, onde se encontra arroz com pequi, quibe, picanha, bacalhau e tabule. Mas quando se compra um Renault ou um Chevrolet, num país lusófono, espera-se ser atendido na concessionária por empregados locais que falem e escrevam português, que, por hábito ou costume regional, gostem mais de feijão com arroz e bife que de fast food, e que prefiram o futebol a basebol. É na língua, nos hábitos e valores culturais, no culto popular aos pequenos” heróis” do desporto, da música ou da TV, que hoje em dia se descobre a nacionalidade.
Investir num país é também se comprometer com o desenvolvimento social e respeitar a identidade cultural dele. Subentende que há uma troca salutar de experiências e riquezas. Aos Governos cabe a preocupação de ter leis claras e efectivas que regulem a entrada estrangeira seja através de dinheiro, gente ou de aquisições para que não se perca o equilíbrio das forças económicas e sociais que garantam a independência nacional.
Voltando às tentativas de recuperação por parte de Portugal...
O que choca é vê-las classificar como demagógicas, isoladas, loucas, esquerdistas, fascistas... esquecendo sempre que o próprio Estado Português mantém essa reivindicação!
Aliás, usa-se uma técnica de estigma pela classificação política em pólos diferentes. Assim, e só para nos ficarmos pelos tempos mais recentes, as autoridades espanholas franquistas classificavam como esquerdistas as posições dos grupos portugueses que reclamavam Olivença, nomeadamente o Grupo dos Amigos de Olivença. E, de facto, em alguns movimentos, estavam opositores ao salazarismo; noutros, estavam alguns salazaristas.
Muito honestamente, pode-se dizer que tais movimentações tinham pessoas de vários quadrantes.
Em 1975, os portugueses que reclamavam Olivença eram de extrema-esquerda, dizia-se em Espanha. Já em 1976 e 1977, eram classificados de salazaristas e saudosistas.
Grandes contradições, na verdade!
Concretamente, o preconceito e o desprezo eram a nota dominante. Por preconceito, chegou-se a classificar o Presidente do Grupo dos Amigos de Olivença em 1977 como salazarista, num livro publicado na década de 1990, a partir duma informação de uma revista de 1975 ou 1976. O ridículo disto é que se tratava do Professor Hernâni Cidade, um dos maiores e mais populares opositores a Salazar, que, pelo seu prestígio internacional e nacional português também, o ditador sempre teve de libertar logo após tê-lo mandado prender (deter).
Tanto o Professor Hernâni Cidade (1887-1975) ...
Assim, neste tipo de argumentação, chega-se ao grotesco, à difamação.
A Guerra Civil de Espanha tem sido também usada para denegrir Portugal na Questão de Olivença.
É evidente que o papel de Salazar no conflito, ao entregar aos franquistas os refugiados espanhóis que sabia irem quase todos serem fuzilados e o apoio que deu ao ditador espanhol, são uma vergonha para Portugal e para os portugueses.
Não tenho pejo em afirmar que assumo como reprovável uma tal actuação, e que certamente os modernos democratas portugueses (porque os de então pouco puderam fazer) estão comigo, bem como o Povo Português em geral. E, todavia, as autoridades portuguesas, no meio da barbárie, tinham instruções para protegerem aqueles que provassem ser oliventinos, através da correcta pronúncia de algumas palavras em português. Com excepções pontuais, isso foi feito.
Claro, o regresso de muitos oliventinos a casa foi cruel, já que as autoridades franquistas, receosas que alguns "comunistas" tivessem escapado graças à tolerância portuguesa, os perseguiram sem piedade. E o ditador Salazar nada fez contra isso, já que ele próprio era ferozmente anti-comunista, e a Polícia Política Portuguesa também não conhecia a palavra piedade. Todavia, e criticando sempre e sem perdão o ditador português, há que dizer muito claramente que quem desencadeou a Guerra Civil, quem praticou massacres, quem matou e perseguiu, foram as autoridades espanholas, que, neste caso, foram mais carrascos que autoridades... como o povo espanhol deve saber muito melhor do que eu! E digo tudo isto porque, na crítica que se faz a Portugal relativa à Guerra e a Olivença, por vezes, julgar-se-ia que Salazar teve mais culpas que Franco! Ora, sem esconder responsabilidades, o que é de assinalar é que tanto Portugal como Espanha estiveram sob o domínio de ferozes ditaduras, que não podem ser esquecidas nem, muito menos, repetidas. O caso espanhol foi mais grave, pois o totalitarismo nasceu após uma Guerra, situação em que o humanitarismo, muito mais do que em outras situações, é esquecido.
... como o Doutor Salazar (1889-1970) ...
Talvez o argumento mais traiçoeiro utilizado seja o de que Portugal não deve reclamar Olivença porque agora, na União Europeia, "já não há fronteiras"!
Antes de ser traiçoeiro, é falso: não há fronteiras enquanto barreiras, mas elas existem administrativamente. Um espanhol paga impostos a Madrid, um Português a Lisboa. Vive-se dentro dos limites de um País, de um Distrito, de um Concelho.
Mas... e voltando ao argumento de que agora "já não há fronteiras", ... se, de facto, as fronteiras já não têm o antigo significado e o peso nacionalista de outros tempos... por que diabo se insiste em colocá-la no Guadiana, diante de Olivença? Por que não colocá-la nas ribeiras de Olivença, Táliga, e Alcarrache? Aliás, a integração na União Europeia é até uma garantia para as populações de que o seu nível de vida, direitos, leis, não serão afectados. Nem sequer haverá problemas com trocas de nacionalidades, ou outras burocracias! Tudo mais fácil! A fronteira não tem importância? Tudo bem! Vamos colocá-la onde legalmente Portugal acha que ela se situa!
... e o Almirante Pinheiro de Azevedo (1917-1983) se bateram pelo causa de Olivença. Estariam todos errados ou é Espanha que, como os cães, quando abocanham só largam quando levam com um balde de água fria?
A dizer-se não a isto, qualquer português pode pensar que, para Espanha, só lhe interessa desprezar a fronteira quando isso lhe é favorável...
Creio já me ter alongado muito, mas espero ter dado uma ideia dos argumentos que mais causam alguma indignação em Portugal a propósito da Questão de Olivença.
O que magoa, mais do que tudo, é talvez o preconceito.
Olivença é um assunto "tabu". Informação minimamente objectiva, é quase inexistente. Em compensação (?), demagogia, frases grandiosas, propaganda, indignação, xenofobia, chauvinismo, não faltam.
Não será tempo de se poder discutir este assunto, mesmo apaixonadamente, sem se cair em histerias nem atitudes ofensivas? Não se poderá dialogar, mesmo discordando?
Há responsáveis que dizem que Olivença não tinha importância nos tempos portugueses. Isto é uma falsidade histórica pois Olivença era a décima terceira cidade portuguesa no século XVI. Basta ver o Património Monumental Português em Olivença para se compreender que tal afirmação não pode ser verdadeira. E, como diz a História de Extremadura da Bibl. Pop. Extr. de 1993, "Em 1801, o território extremenho ver-se-ia repentinamente aumentado com a importante cidade de Olivença - então tão grande e povoada como Badajoz – conquistada a Portugal (...)". (trad. do espanhol).
Ouve-se também o argumento de que Olivença já tinha sido espanhola antes de ser portuguesa em definitivo em 1297. Ora, esta povoação e o seu termo (que incluía mais ou menos Táliga) tinham então pouca importância, como aliás outras povoações castelhanas e portuguesas, em virtude da indefinição de fronteiras. Só depois de 1297 as povoações então tornadas de vez portuguesas e castelhanas foram de facto verdadeiramente povoadas e organizadas.
Este argumento dá a entender que a anexação espanhola de 1801 foi uma "recuperação de território". Ora, e dentro da legalidade, a Olivença de então era totalmente diferente da de 1297, quando seria uma aldeia, talvez fortificada em tempos, com quiçá duzentos habitantes. Após quinhentos anos de vivência legal portuguesa, falar em recuperação é um contra-senso. Aliás, os apelidos oliventinos, mesmo nos nossos dias, são esmagadoramente portugueses... mesmo após a espanholização administrativa geral que sofreram.
Aprofundemos um pouco este aspecto.
Imaginemos que Portugal ocupava Valência de Alcântara, que foi sua antes de 1297 e que, apesar de por um qualquer tratado ter de a devolver a Espanha, mantinha a localidade sob o seu domínio dizendo que tinha sido portuguesa até 1297! Como toda a vida organizada de Valência, bem como o seu povoamento, foram leoneses/castelhanos/espanhóis, mesmo porque em 1297 houve troca de populações, este argumento pecaria por ridículo! Legalmente espanhola desde 1297, Valência de Alcântara não podia ser alvo de uma tal argumentação, por ser absurda!
Também se diz que Olivença foi fundada, não por Templários portugueses, mas sim por Templários leoneses (o mesmo se aplicando a Táliga). Aqui, de facto, há mais dúvidas que certezas. Um excelente livro ("Oliveza y el Tratado de Alcañices", de Manuel Martínez Martínez, Ayuntamiento de Olivenza, 1997) equaciona as origens possíveis dos Templários que fundaram Olivença e Táliga, e, em minha opinião, conclui que, mais do que portugueses ou leoneses, eram mais simplesmente Templários, fazendo um pouco o seu próprio e quase exclusivo jogo. Contudo, após alguns problemas em Castela-Leão, os Templários começaram a ser vistos como servindo os interesses dos Reis de Portugal. Afastados da região oliventina, terão influenciado o Rei Português (D. Dinis) a incluir o território dentro das fronteiras lusas já que tinham sido eles os seus primitivos "reconquistadores" aos muçulmanos. Uma vingança.
Templário português, templário espanhol ou apenas templário?
O novo Tratado europeu vai implicar mudanças na forma como Portugal e os restantes Estados-membro são representados e exercem o poder nas principais instituições europeias, simplificando e tornando mais transparente o processo de tomada de decisões.
Portugal está numa União que actualmente tem 27 países e que no futuro terá ainda mais membros, o que diluirá cada vez mais o poder relativo de cada um no seio das instituições comunitárias. O Tratado Reformador, implicará alterações na forma como cada capital europeia exerce a sua influência em Bruxelas.
Conselho de Ministros
O Tratado Reformador prevê que uma decisão será adoptada no Conselho de Ministros da UE se cumprir dois critérios: tiver o apoio de 55% dos Estados-membro (ou seja, 15 em 27) em representação de pelo menos 65% da população total da União. No órgão onde estão representados os Governos dos Estados-membro, enquanto o primeiro critério assegura a Portugal 1 voto em 27, no segundo o peso de Portugal passará a ser equivalente à sua população, 10 milhões de habitantes, em cerca de 493 milhões no conjunto dos 27 membros. A alteração vem dar, no segundo critério, mais «peso» aos Estados-membro com maior população que, no entanto, já tinham perdido influência noutra instituição, a Comissão Europeia, quando perderam um dos dois comissários que aí tinham anteriormente.
Portugal vai assim passar a «pesar» 2,14%, em vez dos actuais 3,48% obtidos através de um sistema de ponderação complicado que não tinha o «travão» do primeiro critério.
O novo Tratado prevê o abandono da unanimidade e a passagem a decisões por «maioria qualificada» em cerca de 40 domínios (designadamente na cooperação judiciária e policial, imigração e nas relações externas).
Além disso, a co-decisão entre o Conselho e o Parlamento Europeu (ambas as instituições devem estar de acordo para o acto ser aprovado) passa a ser a regra geral no processo legislativo.
Portugal e cada um dos outros membros da UE continuarão a poder bloquear sozinhos decisões em áreas muito sensíveis ou que toquem na soberania nacional (votação por unanimidade) em áreas como a Política
Externa Europeia, Fiscalidade, Política Social, recursos próprios da UE ou revisão dos Tratados.
As presidências semestrais da UE também funcionarão de forma diferente.
A partir de 2009, haverá um Presidente do Conselho Europeu eleito por dois anos e meio pelos seus membros, que são os chefes de Estado ou de Governo da UE.
As actuais Presidências semestrais da UE serão modificadas de acordo com uma decisão a tomar pelo Conselho, que deverá prever equipas de três Estados-membro para um período de 18 meses, as quais assegurarão entre elas a presidência do Conselho Assuntos Gerais e dos Conselhos de Ministros sectoriais da
UE (Economia e Finanças, Agricultura, Justiça e Assuntos Internos, Ambiente, entre outros).
Já as reuniões do Conselho Relações Externas (Ministros dos Negócios Estrangeiros dos 27) passam a ser presididas pelo «Alto Representante da UE para a Política Externa e de Segurança», o novo cargo de coordenador da diplomacia da União, que será exercido por um Vice-Presidente da Comissão Europeia.
Parlamento Europeu
Portugal terá menos dois representantes no Parlamento Europeu, a partir de 2009, uma diminuição já prevista e que foi confirmada pelos Chefes de Estado e de Governo na Cimeira de Lisboa.
No Tratado de Nice de 2000 já estava previsto que Portugal iria diminuir o número de Eurodeputados dos actuais 24 para 22, em 2009.
O Tratado Reformador prevê uma diminuição do número total de membros do Parlamento Europeu dos actuais 785 para 751.
O Parlamento Europeu vê reforçados os seus poderes de co-decisão - conjuntamente com o Conselho de
Ministros – passando a ter um papel mais decisivo no processo de tomada de decisões comuns.
Comissão Europeia
Portugal e os seus parceiros da EU deixam, por outro lado, de ter direito a designar sempre um cidadão nacional para a Comissão Europeia, instituição central da União, que propõe a maior parte da legislação europeia e tem uma função fiscalizadora importante da aplicação das políticas comuns dos 27.
O chamado Executivo comunitário contará, a partir de 2014, com um número de Comissários europeus igual a dois terços do número de Estados-membro, em vez do actual sistema onde cada país tem o «seu» Comissário.
Os Estados-membro passam a designar um Comissário para Bruxelas com base numa «rotação igualitária».
Isto significa que cada Estado-membro ficará fora da Comissão uma vez em cada três mandatos de cinco anos.
vEstá prestes a ser aprovado o novo Tratado Institucional da UE. E as vozes canoras do costume não se cansam de repetir o refrão: “Para quê o ferro de um referendo? Afinal, isto nada tem de verdadeiramente constitucional. O outro, o de Giscard, sim. Mas este é só regras técnicas de Direito Internacional Público que pouco ou nada dizem ao comum cidadão”.
vA quem pretendem eles enganar?
vEm tantos aspectos os tratados internacionais assemelham-se a contratos: as partes, pelo facto de os subscreverem, não vêem as suas capacidades jurídicas diminuídas – antes, estão a exercê-las no sentido que crêem ser do seu melhor interesse. É esta a razoabilidade de um qualquer tractus (contrato ou tratado) quem nele seja parte sairá a ganhar, pelo menos em princípio...
vA esta luz, o Tratado Institucional que se anuncia não é mais um tractus – pelo menos para nós portugueses (e para outros mais Estados “médios”). Explico porquê.
vDele não se depreende, sem sombra de dúvida, que um poder esteja a ser exercido com o propósito último de atingir um interesse superior para Portugal – pela simples razão de que ninguém ainda se dignou revelar qual seja esse interesse. Tudo o que se ouve dizer até à exaustão, mas sem uma gota de explicação racional, é que, com este Tratado, a UE só beneficiará – e que, sem ele, cairá no caos.
vNão vou discutir esta última tese, apesar de me parecer extremista, tendenciosa e algo contraditória: se fosse assim como ameaçam, a UE teria paralisado já há largos meses - e a burocracia comunitária não andaria por aí a exibir um ar tão redondo.
vO argumento, aliás, traz-me à lembrança aquelas situações em que um Banco se vê forçado a emprestar mais e mais dinheiro, na esperança de recuperar o que já lá enterrou. Ou quando alguém persiste em perfurar o solo, cada vez mais fundo, na esperança de finalmente encontrar água e não dar por perdido o que já gastou na aventura. Nenhum, em seu perfeito juízo, se colocaria em tais situações se tivesse conseguido ver com clareza o que o futuro lhe reservava.
vSublinho, apenas, no processo negocial que terminou há dias, quatro cedências do nosso Governo (sim, porque nós, cidadãos, ainda não fomos havidos nem achados) sem contrapartida evidente: (1) cede, quando as presidências do Conselho Europeu deixam de ser rotativas; (2) cede, quando o povo português perde assentos no Parlamento Europeu; (3) cede, quando as regras de decisão são alteradas e Portugal perde mais peso decisório do que vários outros Estados membros (e não venham dizer que é a consequência lógica do “efeito de diluição”, inevitável com a entrada de novos sócios para o clube); (4) cede, quando subordina a Bruxelas a política externa portuguesa, sobretudo nas relações com os países que têm o português por língua oficial (um vector estratégico).
vAs presidências rotativas são caras? Serão – mas é um custo da União (a Comissão custa os olhos da cara e ninguém reclama). Com elas corre-se o risco de boas e más surpresas? Pois é – mas ainda não foi demonstrado que um Grande Estado é sempre sinónimo de boas surpresas. A regra da rotatividade serve, sim, para evitar a prescrição aquisitiva de pedaços da soberania nacional (tal como aqueles terrenos que ficam vedados ao público uma vez por ano para preservar intacto o direito de propriedade).
vO Parlamento Europeu nada mais é que agreat lobbyists’ convention? De facto. Mas se é assim que a coisa funciona, convém estar presente com um stand à altura. Ou então, que se diga claramente que aquilo não serve absolutamente para nada e, por consequência, tanto se dá ter por lá uns quantos deputados – como nenhum.
vO que se assiste neste Tratado Institucional é ao culminar de uma estratégia concertada dos Grandes Estados para repor a verdade da real politik - que circunstâncias várias, ao longo das primeiras quatro décadas, tinham-lhes aconselhado a manter discretamente na prateleira. De lá sai, agora.
vMas os Grandes Estados esquecem-se de que só são visíveis a nível global porque os restantes Estados Membros contribuem decisivamente para essa visibilidade. Alguém, algum dia, terá de lhes recordar esta outra verdade da real politik. E terá de lhes dizer também que há muitas maneiras de caminhar juntos – uns às cavalitas dos outros é que não.
vQuanto à política externa, não tenho a menor dúvida de que o facto de Portugal integrar a UE (e a UEM) potencia enormemente as relações no espaço lusófono – desde que cada um, aí, fale pela sua cabeça (em função dos seus interesses nacionais) e não pela cabeça de outros que lá não têm assento (a Commonwealth está obviamente excluída da anunciada política externa comum, ainda que Mr. Brown capriche em trazê-la para o seio da UE quando tal serve os interesses nacionais britânicos).
vE é aqui que bate o ponto. Há países com Governos que conhecem o que seja o interesse nacional - e há países cujos Governos só anseiam por ficar bem na fotografia com estrangeiros de gabarito, talvez na esperança de virem a subir na vida.
vPor isso, Leitor, não se deixe iludir uma vez mais, com a litânia de que conseguimos (nós, não; o Governo) o que o todos consideravam impossível e que, por isso, somos a inveja da Europa. Exija que o Tratado Institucional seja submetido a referendo, entre nós – e depois vote conforme a sua consciência (que essas já não são contas do meu rosário).
Falar de Olivença é falar de algo que dói. O Português, em geral, teme a Espanha e desconfia das intenções desta em relação a Portugal. Olivença é a expressão mais sentida desses receios.
Os disparates não tardam.
Muita gente crê que Olivença foi trocada por Campo Maior. Isso é uma falsidade histórica alimentada pela Ditadura. Olivença e outras localidades passaram para Portugal em 1297 pelo Tratado de Alcañices. Outros povoados passaram então para Castela-Leão.
Depois, há quem afirme que Olivença é tipicamente espanhola e os seus habitantes puros espanhóis. Evidentemente que, face às autoridades espanholas, isso assim será. Contudo, consultar uma lista telefónica e ler a enorme quantidade de apelido portugueses em Olivença, ou ir à localidade e encontrar quase só monumentos portugueses construídos entre os Séculos XIII e XVIII, não contribuem para convencer um Português. Pelo contrário, convence-se que algo, nessa história, não bate certo.
Impressiona o esforço de alguns para inventar uma Olivença na História de Espanha. Ora, ela não existiu a não ser em conflitos na História da maior Nação ibérica. Toda a História de Olivença faz parte da História de Portugal, nas suas glórias e fraquezas.
Olivença e o oliventino são, em Espanha, segundo uma visão portuguesa, uma presa de guerra. Claro que um oliventino não é discriminado. Mas sabe-se que já o foi e, de qualquer forma, o que é actualmente, não o pode transformar num descendente de antigos espanhóis, porque ele é e sempre, um descendente de Portugueses.
Diz-se que o Português falado em Olivença é um "chaporreo", um mau português. Só que, como essa forma de falar é comum a meio milhão de portugueses do Alentejo, está-se a chamar errada à maneira de falar de muita gente. Em Portugal, não se fala só Português de Lisboa!
Ouve-se que em Espanha se vive melhor e que o oliventino não quer ir de cavalo para burro. Esse argumento, para além de ser uma forma interesseira de patriotismo, não tem em linha de conta que as situações económicas de Portugal e Espanha têm variado ao longo dos séculos e que ninguém sabe, dentro de vinte ou trinta anos, como estará esse equilíbrio. E não digam a um português que a Espanha, sendo maior, tem mais desenvolvimento! A Suíça, a Holanda, a Bélgica, a Áustria, são países menores que Portugal mas mais avançados do que a Espanha. Também esta, um pouco maior que o Japão, está bem atrás deste!
Entre outros argumentos, diz-se que em 1815 as poucas linhas dedicadas pelas grandes potências à questão de Olivença não obrigam claramente a Espanha a devolver o Território. Só que as poucas linhas dão, inicialmente, razão a um outro documento, onde se conclui ser ilegal a ocupação espanhola. Só a leitura completa dos documentos permite compreender o alcance das tais poucas linhas. E, não esqueçamos, a Espanha assinou as resoluções de então, ainda que só em 1817 por causa de questões italianas.
Talvez o que mais indignação cause em muitos portugueses sejam os argumentos simplistas, quase primitivos, e a dualidade de critérios usados por alguns estudiosos e políticos espanhóis. Vejamos alguns.
Ouve-se dizer que Olivença é espanhola porque fica na margem esquerda do Guadiana. Ora, também o ficam as localidades portuguesas de Mourão, Moura, Serpa, e Barrancos e isso não constitui óbice a que sejam reconhecidamente portuguesas. Por outro lado, sendo este argumento simplista, é tentador fazer um pouco de humor e lembrar que ficam na margem direita do rio em questão (e, portanto, pela lógica apresentada de que a Portugal cabe só a margem direita do Guadiana) muitas localidades espanholas. Mérida, por exemplo. Levar este raciocínio às últimas consequências poderá levar a conclusões absolutamente hilariantes.
Também se diz que Olivença era um enclave português em terra espanhola esquecendo-se que há outros territórios em igual situação. Barrancos, vila Portuguesa, ou Cedillo ou Baroncelli, vilas espanholas. Além disso, como um enclave muitas vezes subentende um enclave correspondente do lado contrário, resta provar se Olivença era um enclave português ou se, em alternativa, eram Alconchel e Cheles um enclave espanhol entre as localidades portuguesas de Olivença e Barrancos. Será que as fronteiras entre Portugal e Espanha deveriam ser traçadas em linha recta? Ou, se os enclaves devem ser eliminados, o que vai suceder à catalã Llívia, encravada no Rossilhão francês? Como é possível, com seriedade, aceitar argumentos destes?
Discutir problemas com alguma racionalidade é uma coisa. Outra coisa é troçar da inteligência de cada um.
Alguns exemplos de dualidade de critérios? Também os há. Diz-se, por exemplo, que o tempo resolveu o problema, desde 1801 até hoje. Como pode um português levar isto a sério, sabendo que Espanha reclama Gibraltar, ocupada desde 1704? Estamos claramente diante de uma dualidade de critérios... acrescendo ainda que, considerando o tempo como legitimador de ocupações, correremos o risco de assistir a anexações por todo esse mundo fora, bastando apenas que a anexação se prolongue no tempo para a tornar legal. Que campo favorável fica assim aberto a todos os imperialismos deste planeta!!!
O plebiscito em Olivença é muitas vezes proposto para resolver a questão. Aparentemente democrático, não o é porque se verificaram cerca de 170 anos de colonialismo. Até à década de 1930, Portugal propôs plebiscitos em Olivença. O Estado espanhol nem sequer resposta dava. Entretanto, uma educação exclusivamente espanhola moldava as mentalidades. Na época franquista, ser pró-português era inviável. Em mais de cem anos, castrou-se cultural, histórica e linguisticamente um povo ao ponto de membros deste povo se envergonharem de si mesmos e da língua ancestral. Actualmente, depois da castelhanização desenfreada de muitos e muitos anos, já se considera aceitável o plebiscito. É evidente que, sem um período de informação/formação de algumas dezenas de anos e sem estarem claramente garantidosos níveis de vida e Assistência Social adquiridos entretanto pelas populações, um plebiscito não pode ser considerado válido.
Mas ainda há mais! Ouçamos Abel Matutes (Ministro espanhol dos Assuntos Exteriores), a propósito de Gibraltar, em 26 de Setembro de 1997, não esquecendo que naquela colónia britânica 99% da população votou por continuar a ser governada por Londres:
Gibraltar é uma situação colonial por resolver (...); supõe um atentado contra a integridade territorial espanhola e não lhe é aplicável o Direito à Autodeterminação (...). O Território de Gibraltar era parte integrante de Espanha (...). (Prometo aos gibraltinos...)...uma oferta muito generosa que, depois da integração de Gibraltar em Espanha, permitiria aos actuais habitantes desta colónia conservar, nos aspectos fundamentais, a sua actual situação económica e jurídica.
Note-se ainda que, se a anexação de Gibraltar foi e infelizmente, mais ou menos legal, Olivença é vista como estando ilegalmente ocupada desde 1807, ou 1815-1817. Todas as administrações em Olivença desde, pelo menos, 1817, são consideradas pelo Estado Português como ilegais!
As palavras de Abel Matutes deixam muitos portugueses estupefactos pois está-se perante o que consideram uma escandalosa, quase hipócrita, dualidade de critérios. Penso que não será preciso explicar detalhadamente porquê...
Final da parte 4: Uma única força sobrevivia organizada no território argentino, embora dispersa – a dos caudilhos – dominando por onde passavam, surgiam e viviam as suas milícias levando o terror e a espoliação a quem não lhes prestasse obediência ou lhes negasse o fornecimento de meios. Reinado da anarquia absoluta, despótica e irrefreável. Os indícios apontavam para o fracasso da consolidação. Restava o domínio da força e esta encontrou o campo aberto a todos os desmandos.
A ÉPOCA DE ROSAS
Desde 1810 e por um decénio, Buenos Aires superou as maiores dificuldades e lutou contra a oposição de quase todas as províncias; conseguiu manter sua posição de domínio no conjunto das Províncias Unidas do Rio da Prata, entidade política substituta do Vice-Reinado após a autonomia. Seus governos sem autoridade integral nem continuidade sucedem ao sabor das conspirações e das rebeldias. A elaboração de constituições unitárias não conseguem articular e dar estrutura ao território em que os interesses eram contraditórios; ao contrário, provocavam a repulsa e a vontade de autonomia por parte das demais províncias. O movimento de independência em curso a partir de 1810 até 1816, encontra obstáculos sérios desde este último ano em consequência do retorno ao trono espanhol de Fernando VII e da intensa actividade metropolitana no sentido de assegurar para si, novamente, a posse de seus domínios coloniais. Para isto contou com o apoio da Santa Aliança ao mesmo tempo em que a política inglesa, particularmente quando orientada por Canning, procurava apoiar a autonomia dos povos americanos. O apoio inglês visava evitar a volta do antigo sistema de clausura e de monopólio comercial, em contradição com o crescente expansionismo de sua indústria e de seu comércio.
Entre 1810 e 1820, apenas o governo de Pueyrredón consegue manter-se no poder durante o prazo normal. Os demais foram depostos pela força. Em 1815, a rebelião federalista de Artigas, que dominava não só a Banda Oriental, mas quase todas as províncias do litoral, apenas anuncia o advento das inúmeras dificuldades para o próprio movimento emancipador. Em 1816, esse movimento foi gradualmente sufocado em quase todas as colónias americanas de origem espanhola, salvo nas Províncias Unidas do Rio da Prata.
México, Venezuela e Chile estavam novamente sob domínio espanhol e o desastre de Sipe Sipe constituía ameaça para a área platina alcançar o mesmo destino. As Províncias Unidas conseguem, entretanto, atravessar o período crítico e San Martín leva as suas tropas ao Chile e depois ao Peru, reduto espanhol no continente. Ao mesmo tempo, Simon Bolívar retoma a sua campanha libertadora no norte. A continuidade administrativa de Pueyrredón permitiu a preparação por San Martín para iniciar a sua grande expedição levando o movimento emancipador ao Pacífico.
Juan Martín de Pueyrredón (1776 - 1850)
Em 1819, o sucessor de Pueyrredón, Rondeau, enfrentaria a rebelião das províncias do litoral contra Buenos Aires. As províncias de Córdoba, San Juan, San Luiz e Mendoza apoiam os caudilhos Ramirez, de Entre Rios, Lopes, de Santa Fé e lutam contra o governo de Buenos Aires e contra a sua carta unitária. Em 1º de Fevereiro de 1820 vencem as forças de Rondeau. O tratado de Pilar sanciona a vitória das províncias sobre Buenos Aires e declara a liberdade de navegação dos rios para os que assinaram o documento, a base federalista para a estrutura nacional com ampla autonomia das províncias e a convocação do novo Congresso.
O rompimento posterior entre os mais fortes caudilhos do litoral, Lopez e Ramirez, lança novos elementos na anarquia caracterizada pela sucessão de governos incapazes de garantir a ordem e a união entre as províncias em conflito. Somente quando Martim Rodriguez assume o poder em Buenos Aires é assegurado um curto período de paz às províncias platinas. Esse período menos atribulado chega a 1824, na esclarecida administração de Rivadávia representando o triunfo, ainda que parcial e transitório do grupo que detinha o comércio e que representava, na cidade de Buenos Aires, as tendências unitárias. Rivadávia enfrentaria o grave problema da luta militar pela posse da Banda Oriental.
Bernardino Rivadávia (1780 - 1845)
A disputa é resolvida após o combate do Passo do Rosário, por acordo provisório consequência da fraqueza dos dois contendores. De um lado, as Províncias Unidas lutam pela sua organização política às portas da anarquia; do outro, o império em busca da consolidação da sua independência e em séria crise económica e financeira. Em 1826, o Congresso vota nova constituição unitária ditada pelos interesses do grupo comercial de Buenos Aires. As províncias entram mais uma vez em rebelião e o país atravessa nova fase de dissolução da autoridade.
A anarquia disseminada principalmente nas regiões pobres das províncias do interior, onde os caudilhos dominavam sem encontrar obstáculos, alcançou as províncias mais ricas do litoral e penetrava na província de Buenos Aires, que guardava a contradição entre um grupo mercantil urbano e a massa rural entregue ao pastoreio e ao ímpeto das lutas sucessivas. Enquanto nos campos é gerado a figura do caudilho Rosas, na cidade o governo de Darrego se mantém com dificuldades até que a rebelião de Lavalle o vence. Darrego representava os princípios do federalismo e Lavalle ao vencê-lo, defrontaria, por isso mesmo, a oposição dos caudilhos provinciais contrários à tendência unitária considerada ameaçadora. Contra Lavalle estão todos os caudilhos, entre os quais Bustos, Quiroga, Ibarra, Lopez e Rosas. Em Abril de 1829 é derrotado e abandona o poder. Abre-se na história argentina o período conhecido como época de Rosas.
Juan Manuel de Rosas (1793 - 1877), de seu nome completo Juan Manuel José Domingo Ortiz de Rozas y López de Osornio
Assim poderia eu continuar a glosar Manuel Bandeira na sua famosa “Pasárgada” mas não o faço porque bastará que algum dia me falte o tema e logo entrarei numa livraria a ler capas, badanas e contra-capas.
Todas as semanas me delicio nos escaparates e venho de lá com tantas ideias que me lembro sempre dum conhecido dos tempos da juventude que saltava de tema em tema – cada um mais mirífico que o outro – nunca aprofundando nem concluindo qualquer deles.
Depois de ao longo de várias semanas ter lido o “Górgias” de Platão, dei nesta última vez por mim a ler as primeiras páginas do “Elogio da Loucura” e da “Utopia” desses dois que tanto se admiravam mutuamente, Erasmo e Tomás Morus.
Erasmo de Roterdão (1469-1536)
S. Tomás Morus (1478-1535)
E perguntarão: então e que tal comprar um desses livrinhos e lê-lo calmamente em casa em vez de o fazer de pé nas livrarias? E a resposta é simples: leio-os de pé porque são livrinhos; os outros devem ser lidos no conforto e, para tal, há que os comprar. E assim procedo com alguma regularidade se por acaso ninguém me oferece no Natal o que procurei ao longo do ano. Como faço anos em Junho, as ofertas ficam equilibradamente distribuídas pelos dois semestres e a gestão das compras facilitada.
À cabeceira continuo a ter o “Império marítimo português” de Charles Boxer que vou lentamente estudando – há livros que se lêem e há outros que se estudam – mas o “livro de serviço” neste momento é um que descreve com o maior interesse as explorações africanas de Burton, Speke e Livingstone. Em paralelo, outras leituras sobre que escreverei a seus tempos e, mesmo assim, a lista de espera é grande.
Com tanta profusão de leituras, para além do tal conhecido saltitante nos tempos da juventude, recordo também o Professor Marcello Caetano que, segundo se diz, lia vários livros em simultâneo. Terá essa particularidade alguma relação com os factos que a História registou? Porquê tanta coisa ao mesmo tempo? Quem é que disse que “quem muitos burrinhos toca …”? Sim, perguntas incompletas e respostas ausentes, reticências, subentendidos e subtilezas. Enfim, uma grande misturada. Não parece uma atitude pragmática e talvez nem sequer sensata: quando fazemos uma coisa não nos devemos distrair com outra sob pena de nunca assentarmos e nada fazermos de jeito. E lá voltamos ao Professor Marcello Caetano cuja superior erudição não lhe permitiu enfrentar a “velha guarda” mais ou menos trauliteira do regime que bem tentou democratizar e muito menos a meia dúzia de escopetas revolucionárias que – mais tarde viemos a saber – nem munições tinham.
Mas eu estou aposentado e posso dar-me a diletâncias, cumulo de livros e saladas de ideias desde que me concentre nas coisas importantes e tudo o mais cesse quando disso fôr o caso. O pior é quando a diletância impera no espírito dos que estão ao activo, quando há quem se considere especialista em assuntos gerais, quando o profissionalismo baixa as guardas e é invadido pelo amadorismo. E quando há cada vez menos activos para cada vez mais aposentados, corremos o risco de inventarmos uma sociedade diletante e quiçá flatulenta que se compraz a saltitar de tema em tema sem nada aprofundar e muito menos concluir.
Se isto se passa no âmbito de um processo de globalização em que impera a competitividade nua e crua, tudo se verga à produtividade e a vitória é a única palavra do léxico dos sobreviventes, então há que temer o pior se não tomarmos muita atenção ao que estamos colectivamente a fazer. É que na globalização que encetámos no séc. XV fomos nós que ditámos as condições mas nesta segunda, totalmente friedmaniana, pertencemos ao grupo das vítimas e não nos poderemos distrair com diletâncias, poesias e divagações.
Bom seria que pudéssemos admitir a hipótese de um retorno às ideias de Friedrich List mas está visto que esse caminho foi vedado por Milton Friedman e que só nos resta descobrir um modelo de desenvolvimento compatível com o curso que a História tomou e que não podemos mais discutir. Sem qualquer vocação albanesa dos tempos de Enver Hoxa, resta-nos correr para apanharmos o comboio e arranjar um lugar na classe de luxo em vez de nos relegarmos para os bancos corridos da terceira.
E se o retorno à produção de bens transaccionáveis é um imperativo já inquestionável para que alcancemos algum reequilíbrio na balança comercial, na de transacções correntes e na de pagamentos, bem podemos aproveitar o actual ciclo especulativo nos preços mundiais das commodities para relembrarmos David Ricardo e a sua teoria das produções marginais. Só que nada disso funcionará se não houver transparência nos mercados e um método lógico de formação de preços. E nada sucederá também enquanto Sua Excelência o Ministro da Agricultura se não convencer de que o problema agrícola português não existe e que o único problema que efectivamente afecta os agricultores é comercial.
E mesmo que Sua Excelência se convença disso, ainda faltará saber se as grandes superfícies autorizarão que alguma coisa de jeito se faça para salvar o que resta da produção.
Isto não são diletâncias, é pão para a boca. Alternativa? Sim, claro: mais um ou dois bancos comerciais portugueses para a posse de capitais estrangeiros.