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A bem da Nação

LIDO COM INTERESSE – 20

 

 

 

 Título: Afonso o conquistador

Autora: Maria Helena Ventura

Editores: Edições Saída de Emergência, Parede

Edição: 1ª, Março de 2007

 

 

 

Trata-se de um romance histórico em que ficamos sem saber com exactidão onde acaba a realidade e começa a fantasia mas a referência a factos historicamente conhecidos é tão frequente que dá para admitir que a ficção tenha sido remetida a um pequeno espaço.

 

Relativamente à História que todos começámos por aprender na instrução primária, neste livro é-nos dado um enquadramento da política internacional, em especial no que respeitou aos vários reinos ibéricos mais ou menos vizinhos dos então Condados Portucalense e de Coimbra. A novidade está também no papel que a Ordem dos Templários terá desempenhado na conquista das várias praças desde Leiria a Alcácer (do Sal, entenda-se). As lendas que rodearam a escolha de Tomar (Sellium, à romana) para sede templária neste extremo ocidental da Europa já são de admitir no campo fantasioso mas nem por isso perdem interesse.

 

O livro conclui com uma interessante relação onomástica e com uma explicação da própria Autora sobre o modo como conduziu a investigação e a escrita confirmando o prazer que o trabalho lhe deu: «Com essa satisfação quero dedicá-lo a todos os que nunca deixaram de ter orgulho de serem portugueses.»

 

Lisboa, Setembro de 2007

 

Henrique Salles da Fonseca

“ESPELHO MEU …

 

… diz-me se no mundo existe alguém mais bonito do que eu”

 

 

Assim pede a másona da história que as avós contam às criancinhas. E o espelho, contrariando as leis da física mas obedecendo à imaginação do narrador e dos ouvintes, responde que a fulana é mesmo a mais bonita que existe e blá, blá, blá …

 

Assim estamos com as estatísticas que são a enumeração fiel das ocorrências ao passo que a interpretação estatística com as médias, desvios e outras modas se compraz amiúde na distorção das realidades “para inglês ver”. A contabilidade também passa muitas vezes por tais vexames pois regista uma realidade e logo aparece um “Xico esperto” a apresentar uns rebuscados rácios que, conforme o interesse do cliente, assim embelezam ou desfeiam a foto inicial.

 

Aquele médico que sofria de esclerose múltipla e que, já terminal, baixou a um hospital público, esteve para ser recambiado para casa pois não havia ciência actual que lhe pudesse valer, porque a cama e maquinaria diversa poderiam ser necessárias para outro “cliente” e porque seria estatisticamente inconveniente registar mais um óbito. Só não teve “alta” por uma questão de solidariedade corporativa sendo entendido que a um colega não se faz uma maldade dessas.

 

Aquele outro que era um alcoólico inveterado a quem fígado e rins haviam entrado em colapso e baixou a outro hospital público à custa da pressão familiar na esperança – vã, aliás – de que ainda houvesse alguma coisa que se lhe pudesse fazer, teimava com o pessoal clínico que estava de perfeita saúde e que queria ir para casa. Com base no argumento de que ninguém pode ser hospitalizado contra vontade, preparavam-se para lhe dar “alta” quando a morte chegou.

 

Eis como foram prejudicados os rácios da eficácia hospitalar. E se estes são dois casos meus conhecidos, quantos haverá que desconheço com desfecho fatal, sim, mas em casa e não no hospital?

 

E depois venham-me cá dizer que a população está muito mais saudável pois ocorrem menos óbitos no sistema hospitalar público …

 

Moral da história: não se deve gerir um “negócio” em função das estatísticas.

 

Mas a questão pode ser vista numa perspectiva mais longa e recordemos o atraso com que sempre eram publicadas as estatísticas no tempo do Doutor Salazar. Dizia-se que elas só eram publicadas depois de o Presidente do Conselho emitir o respectivo “nihil obstat”. E mesmo assim, admito que o Chefe do Governo já recebesse matéria muito “lavada” por diversos crivos técnicos, políticos e tecno-políticos tais como Conselhos Superiores disto e daquilo. O que interessava era que as estatísticas que viessem a ser publicadas fossem conformes aos interesses do Regime. Mais valia o silêncio do que algum número politicamente incómodo.

 

Tempos houve – menos antigos que os do Doutor Salazar – em que a taxa de inflação só era divulgada depois de circulada pelos Ministros …

 

Na certeza, porém, de que “malgré tout”, o INE lá foi conseguindo conquistar fiabilidade e as estatísticas portuguesas têm uma credibilidade ímpar na Europa austral.

 

Só gostaríamos agora de ter uma maior desagregação das exportações para dormirmos descansados quanto à taxa de crescimento do PIB e para podermos dar todo o crédito ao défice público que se divulga. Mas isto são esquisitices de quem não tem mais nada que fazer …

 

Lisboa, Setembro de 2007

 

Henrique Salles da Fonseca

APOSENTADOS

 

 

Aposentado – subst. masc., aquele que se recolheu ao aposento, conforme dicionário Torrinha na sua edição de 1947.

 

Contudo, quando o Sol brilha, é vê-los nesses jardins de Lisboa aos magotes a jogar a bisca lambida, o dominó ou, sei lá, algum outro jogo menos inocente … E depois da batota vem um copito na tasca para alegrar o convívio. Aposento? Só às refeições e para dormir. A menos que chova pois, de contrário, a “patroa” há-de queixar-se de ter o homem sempre metido lá em casa não a deixando endireitar o mundo à conversa com as vizinhas. É que, está bem de ver, o culpado disto tudo é o Governo e eles, que andaram a estudar e até têm os livros, afinal não percebem nada disto como elas querem que seja. E agora com os homens metidos em casa é que não pode ser mesmo nada: os homens querem-se é na rua e se chegarem à noite com um copito a mais … é da maneira que se deitam logo a dormir em vez de andarem com conversas parvas a quererem baile …

 

A pensão pode não ser grande coisa mas dá para … não fazer nada. E é disso que a gente gosta.

 

Isto é o que se passa em Lisboa, capital do Império. É claro que no resto do país sucede exactamente o mesmo ou ainda mais.

 

Se a este cenário somarmos o encerramento de Escolas por esse país além, ficamos com uma ideia bem clara do processo de envelhecimento e paralisia por que a nossa sociedade passa.

 

E quando vejo aqueles ociosos todos, lembro-me do Sousa que em 1945 começou a trabalhar na empresa que foi fundada por familiares meus nesse mesmo ano em que nasci e que dela se reformou quando eu era membro da Administração, por meados dos idos de 80 do século passado, o XX. Já tinha direito à reforma mas não queria ir para casa e eu, sabendo disso, sempre lhe disse que enquanto ele quisesse trabalhar, o posto era dele. Nunca lhe disse que o cargo seria extinto quando ele saísse. Ele era útil pelo bom senso que lhe era peculiar e a que eu frequentemente recorria, não propriamente pelo trabalho que exercia. Mas a família dele – mãe que ainda tinha, mulher e filha – insistia na reforma e certa vez ele disse-me que já não podia aguentar mais a pressão e que ia mesmo aposentar-se. E assim se fez. Papelada tratada e o Sousa ficou certo dia em casa. Sentou-se comodamente num sofá e … entristeceu de tal modo que lhe apareceram todas as maleitas que o trabalho fizera esquecer e passada meia dúzia de meses fui ao seu enterro.

 

É claro que ninguém cá fica para semente e que por isto ou por aquilo todos havemos de conjugar o verbo ir mas se esta história do Sousa confirma o ditado que reza que “parar é morrer”, os da bisca lambida acham que só trabalha quem não sabe fazer mais nada. E o que será melhor? Ser-se ergomaníaco ou madraço? Ou muito me engano ou também agora se justifica o conceito de que “in medium virtus”.

 

Eu explico: àqueles a quem sobra o tempo e se sentam, enferrujam-se-lhes os neurónios e doem-lhes as cãibras ou as varizes numa intensa inactividade; os da bisca lambida não têm problemas de consciência por se transformarem em meros consumidores de oxigénio e peso bruto na despesa pública; os do meio-termo tentam gozar a vida e trabalham um pouco para não enferrujarem rapidamente.

 

E onde me localizo eu próprio? Algures num ponto que o mais sofisticado GPS não vai conseguir determinar com exactidão: estou aposentado, nada tenho formalmente que fazer e, contudo, o meu horário está de tal modo preenchido que não consigo arranjar tempo para actualizar o “A bem da Nação”.

 

Mas eu prometo que vou retomar o ritmo. Só peço que me deixem aproveitar esta onda de alguma animação do mercado de arrendamento, antes que o BCE decrete alguma descida – espúria, aliás – das taxas de juro e os senhorios voltem à tradicional situação de caridosos benfeitores de inquilinos pobrezinhos que querem ir para o jardim jogar à batota da bisca lambida e às manifestações do Sindicato com deslocação de autocarro paga pelo Partido exigindo melhores reformas … para poderem tomar mais um copito lá na tasca da esquina.

 

Prometo.

 

Lisboa, Setembro de 2007

 pintura de Francisco Gomes de Amorim

Henrique Salles da Fonseca

VICE-REINADO DO PRATA - DOMÍNIO INGLÊS DO PRATA - 3

                                         A ANARQUIA E O CAUDILHISMO - A ÉPOCA DE ROSAS
  Rio Paraguai
 
    Resumo final da parte 2: Economicamente, todo o litoral dependia do porto e do comércio de Buenos Aires. Mas, a cidade capital das províncias, acabou por fechar a navegação do rio Uruguai fortificando a ilha de Martín Garcial e ao mesmo tempo, fazia guerra comercial a Montevidéu barrando o seu progresso.
 
    A navegação a vapor forneceria, por outro lado, ao Brasil, o meio de ligar o seu centro político situado às margens do Atlântico, à província de Mato Grosso. Seus roteiros terrestres de comunicação com o litoral, insuficientes e precários, estavam praticamente abandonados. Interessava ao Brasil manter a linha platina de comunicação como também manter o comércio com o Paraguai por intermédio de Itapuá (Encarnacion), com o Uruguai via interior ou por Montevidéu e ainda com as províncias argentinas do litoral e do interior liderados por Buenos Aires. A política brasileira, por isso mesmo, orientou-se no sentido de assegurar a independência das províncias do antigo vice-reinado que, com o movimento emancipador, haviam libertado da liderança de Buenos Aires. Orientou-se também e particularmente em assegurar a independência do Paraguai. 
 
     "Assim, vemos Buenos Aires ocupar-se da dupla função de consolidar em suas mãos o domínio dos rios para garantir  o seu monopólio, não só em relação às províncias, senão também em relação ao Brasil e à Banda Oriental".
"Era razoável a exigência do Brasil, porque oito de suas províncias e algumas delas fortes não tinham outra comunicação com o mar, com a sua capital e com o mundo, que os canais de Martim Garcia. Desejava, pois, razoavelmente, que a República Argentina lhe assegurasse, no tratado de paz, a livre navegação dos rios, para não sufocar as suas províncias internas". (E. Zeballos: discurso na Câmara dos Deputados da República Argentina, em 6 de dezembro de 1915).
 
     Embora com menos prejuízo no caso, Chile e Bolívia empenhavam a favor da derrota do exclusivismo portenho por causa da dependência em que se encontravam os roteiros terrestres através das províncias argentinas do interior.
O fechamento dos rios e o sistema de monopólio comercial prejudicava, por último, mas não sem importância, os interesses industriais e comerciais ingleses e franceses. À orientação de livre comércio, de acessos fáceis, que a ascensão da burguesia no ocidente europeu impunha para continuar o seu desenvolvimento, uma característica da época, Buenos Aires opunha o seu sistema colonial de monopólio e de fechamento.
 
    "Dois motivos importantes trazem a Europa a interessar-se em nossas questões americanas. O primeiro consistia no desejo de vender na América o maior número possível de mercadorias. O segundo seria exportar a maior quantidade possível de produtos americanos".
 
    Desde a invasão de 1806 e 1807, que correspondiam ao auge de um problema comercial, depois que a França voltou ao domínio dos Orleans, a Inglaterra não cessou de intervir no Prata ou diretamente ou como mediadora em questões platinas, através da ação diplomática ou pela ação da força.
 
   "França e Inglaterra participam militarmente na guerra civil que devora as províncias do estuário e suas esquadras, a canhoaços, abrem caminho pelos rios interiores". "Movia a política das intervenções o interesse comercial, que a ingênua paixão confundiu com altruísmos, identificando-o com este ou aquele dos partidos locais. Assim, a navegação do Prata e seus afluentes foi o motivo central das negociações diplomáticas. As potências queriam abrí-los ao intercâmbio universal, mas não a Confederação Argentina. Correm os anos, crescendo em desconserto o invasor. O comércio inglês clama por solução. Os banqueiros, traficantes e mercadores de Liverpool solicitam a adoção de medidas para conseguir a livre navegação no rio da Prata (petição do duque de Richmond, na sessão do Parlamento de 27 de junho de 1845). Também no parlamento articularam suas queixas os de Manchester". (L.A. Herrera: op. cit., p.98, IV).
 
Continua
Campo Belo, 19 de setembro de 2007
Therezinha B. de Figueiredo
 

Burricadas - 5

 

Chuva de molha-tolos ( V )

v      Será já a temida crise financeira que de tempos a tempos nos visita? Não creio – ainda que a miopia de uns, a insensatez de outros, a imprevisão de tantos e as desatenções dos supervisores tenham espalhado as sementes da crise por tudo quanto é sítio.

v      Comece-se pela liquidez no sistema bancário. Sabe-se hoje que não existe o que seja um stock óptimo de liquidez para a economia. Mas sabe-se também que os capitais próprios e a exposição ao risco traçam um limite à expansão dos Bancos – e, por consequência, à variação da liquidez com origem nos empréstimos bancários.

v      Ora, as nuvens de crise vieram lembrar que a liquidez conta - sobretudo quando a contrapartida da sua emissão envolve riscos em crescendo e exige capitais próprios.

v      Prossiga-se com os “derivados de crédito”. Contratos padronizados, bem testados em lides judiciais, não podem ser (mas foram) colocados em pé de igualdade, para efeitos prudenciais, com contratos avulsos, cuja interpretação nunca foi posta à prova. E, quando se trata de medir riscos, as actividades OTC não podem ser (mas foram) equiparadas às actividades que se desenrolam em mercados organizados.

v      E sem mercados organizados não há sistemas financeiros sólidos. Até porque as normas contabilisticas continuam a lidar mal com as responsabilidades contingentes.

v      Passe-se às garantias hipotecárias. Fazer vista grossa ao modo como elas aparecem valorizadas nos Balanços dos Bancos, e supô-las livres do risco de mercado, não augura nada de bom. Dispensar os Bancos de divulgar o rácio de cobertura que lhes aproveita, também não. Dizer que não há alternativa porque o mercado imobiliário está longe de ser perfeito, só dá mais força à pergunta: então porquê conceder-lhes um tratamento mais favorável em matéria de adequação dos capitais próprios?

v      Enfim, os encadeamentos de operações que, só na aparência, removem o risco dos Balanços dos Bancos, dispersando-o - sem dúvida um problema bicudo, sempre que a consolidação das demonstrações financeiras não consiga captá-los.

v      Tudo isto era por demais sabido. Tal como não se ignorava a importância da disciplina do mercado (a vigilância pelos pares) para a estabilidade dos sistemas financeiros.

v      O que passava despercebido era o modo como a desejada estabilidade dependia também de três outros factores: (1) o peso dos encargos de estrutura na margem recorrente (as receitas imunes aos riscos de mercado, deduzidas dos custos firmes para obtê-las) de Bancos, Seguradoras e afins (que vou designar por Bancos, apenas); (2) o dividend yield (a fatia dos lucros que é distribuída aos accionistas) praticado pelos Bancos de referência; (3) a atitude dos accionistas minoritários.

v      Num cenário de crise provocado por uma explosão de riscos (como parece poder vir a ser o caso), a solução óbvia passa pelo “emagrecimento” dos Balanços dos Bancos (consequência imediata de uma menor apetência pelo risco) - e, nas situações mais gravosas, inevitavelmente, por entradas de capital.

v      Em geral, a aversão ao risco é sinónimo de quebra nas receitas brutas recorrentes. Em tais circunstâncias, se os Bancos possuírem uma estrutura pesada, pouco sobrará, uma vez pagos os custos firmes (isto é, não contingentes).

v      No limite, a alternativa para a gestão dos Bancos é diabólica: (1) ou faz o que tem a fazer, e pode registar EBITDA (Excedentes Brutos de Exploração) insuficientes, quiçá negativos, que vão ratar nos capitais próprios; (2) ou foge para diante, e expõe-se a ainda maiores riscos, o que exigirá capitais próprios cada vez mais elevados para continuarem em linha com o previsível aumento das perdas.

v      Por isto, o peso dos encargos de estrutura na margem recorrente é um indicador que as Autoridades de Supervisão devem acompanhar de perto. É ele que revela a sensibilidade do risco sistémico a cenários de credit crunch (redução abrupta do volume de novos empréstimos bancários). Foi ignorado até hoje. Vê-se, agora, ao que isso conduziu.

v      Nas actividades sujeitas a capitais mínimos (como Bancos, Seguradoras, etc.), é comum a ideia de que parte substancial dos lucros deve ficar retida para reforçar a capitalização dos Bancos. Com algum exagero, dir-se-ia: Bancos, quanto mais capitalizados, melhor. Será assim? Sim e não.

v      Sim, se o Banco em causa estiver insuficientemente capitalizado e/ou se existirem no mercado mais oportunidades de negócio com um grau de risco que os seus capitais próprios permitem ainda acomodar.

v      Não, se, na esperança de manter a rentabilidade dos seus capitais próprios, o Banco for levada a assumir riscos cada vez maiores (ou a praticar condições que não comportem a perda esperada a que se expõe). [Vem a propósito recordar que o binómio retorno/risco (ou máximo retorno para um dado risco; ou mínimo risco para uma dada taxa de retorno) tem por solução óptima uma carteira com uma determinada composição, é certo, mas sempre, sempre de dimensão finita.]

v      Pode parecer paradoxal, mas animar os Bancos a aumentarem indefinidamente os seus capitais próprios agrava o risco sistémico. Em conjunturas de bolha especulativa, é mesmo recomendável que os lucros sejam integralmente distribuídos.

v      Mas, para isso, o regime fiscal não pode tributar duplamente os dividendos (num primeiro momento, no património da empresa que os paga; seguidamente, no património do accionista que os recebe), muito menos pode dar às mais valias (que reflectem, em parte, o direito aos lucros retidos) um tratamento de maior favor.

v      Regressando por momentos aos empréstimos hipotecários subprime: nos últimos anos, a pretexto de que os choques sofridos não estavam ainda completamente superados, o dividend yield no sector financeiro norte-americano ficou sempre abaixo da média histórica. A crescente capitalização, combinada com a descida das taxas directoras, ia levar muitos Bancos a exporem-se a maiores riscos para aguentar a rentabilidade dos seus capitais próprios.

v      E é aqui que entra a atitude esclarecida, exigente e interveniente dos accionistas minoritários. Sem estes a pressionarem, a tecno-estrutura (à J. K. Galbraith) dos Bancos tende a prosseguir objectivos próprios de dimensão (quota de mercado) que, com o tempo, vão abalar a solidez do sistema financeiro. Mas não se vê como possam surgir minorias assim, quando o regime fiscal as penaliza.

v      São ainda os accionistas minoritários, com as suas perguntas incómodas, que podem complementar a disciplina do mercado (o 3º pilar do Basileia 2) e a supervisão (o 2º pilar) em tantos aspectos da actividade dos Bancos. São eles que estarão na primeira linha contra o empolamento das estruturas e o aumento dos custos fixos. São eles quem mais beneficia com dividend yields elevados. São eles, enfim, que ao pugnarem pelos seus próprios interesses, acabam por ajudar a conter o risco sistémico.

v      E, ironia do destino, são eles que, em termos relativos, irão suportar o maior quinhão (em inglês soa perfeito: more than their fair share), quer das medidas destinadas a prevenir a crise, quer das consequências da própria crise, se ela se desencadear.

v      Mentes cínicas concluirão que eles têm o que merecem - por acreditarem naqueles que dizem existir só para os proteger. (FIM)

A. PALHINHA MACHADO

Setembro 2007

800 Anos do Tratado de Alcanices

Torre do menagem do castelo de Olivença

Torre de menagem do castelo de Olivença




Na sequência de esclarecida política diplomática, o Rei D. Dinis assinou com o Rei de Castela, em 12 de Setembro de 1297, o Tratado de Alcanices, pelo qual se fixou a fronteira entre os dois Estados peninsulares, sendo reconhecida a soberania portuguesa sobre os territórios e povoações de Riba-Côa, Ouguela, Campo Maior e Olivença.
Os limites então estabelecidos mantiveram-se até hoje, assim se constituindo a mais antiga e estabilizada fronteira nacional da Europa.
Todavia, o Estado vizinho, que sob variadíssimos pretextos e em diversas ocasiões questionou a existência de tais limites, ocupou a vila portuguesa de Olivença em 1801. Situação esta que permanece, indignamente, apesar das determinações e acordos internacionais (designadamente o Tratado de Viena de 1815), apesar dos próprios compromissos assumidos pelo Estado espanhol, apesar do Direito Internacional.
Na passagem de 800 anos sobre o Tratado de Alcanices, o Grupo dos Amigos de Olivença, denuncia - como sempre o fez desde a sua fundação por Ventura Ledesma Abrantes, oliventino refugiado em Portugal, há mais de 70 anos - a ocupação daquela parcela de Portugal.
Esta associação de cidadãos que não abdicam do exercício dos seus inalienáveis direitos de intervenção pública - continuando o testemunho de tantos vultos que pugnaram pela portugalidade de Olivença, como Fernando Pessoa, Hernâni Cidade, Jaime Cortesão, Queiroz Veloso, Torquato de Sousa Soares, Humberto Delgado, Miguel Torga, Ricardo Rosa e Alberty - reclama-se, muito simplesmente, daquela que é a posição jurídico-política portuguesa, consagrada constitucionalmente: Portugal não reconhece legitimidade na ocupação de Olivença por Espanha, considerando que o território é português de jure.
Sabida a delicadeza da Questão de Olivença no relacionamento peninsular, como ponto de fricção e causa de desconfianças e equívocos, o GAO entende que só a assunção frontal, pública e desinibida do diferendo, colocando-o na agenda diplomática luso-espanhola, permitirá ultrapassá-lo e resolvê-lo com Justiça.
Todavia, desde já e como primeiros passos, as Autoridades nacionais deverão assumir e levar por diante uma política de defesa e salvaguarda da Cultura Portuguesa em Olivença, contra a qual, decerto, não serão levantadas obstruções pelo Estado espanhol.
O Grupo dos Amigos de Olivença, exorta os portugueses, detentores da Soberania Nacional, a exigirem e sustentarem o reencontro com Olivença, repudiando dois séculos de alheamento e dando satisfação à História, à Cultura, ao Direito e à Moral.

Lisboa,  12-09-2007.                                                                            

GRUPO DOS AMIGOS DE OLIVENÇA

Burricadas - 4

 

Chuva de molha-tolos ( IV )

v      Desde sempre, a teoria económica lidou mal com o volume de moeda em circulação (isto é, a liquidez ou massa monetária). Lá terá as suas razões: de facto, assim, à primeira vista, se todos os preços duplicarem, e se os rendimentos nominais (salários, rendas, etc.) de cada um de nós duplicarem também, dir-se-ia que ninguém sai, nem beneficiado, nem prejudicado.

v      A esta luz, a liquidez é completamente irrelevante - e, talvez por isso, tem sido banida dos modelos “macro”. Mas o facto de baralhar premissas que são correntes na teoria económica também terá a sua quota-parte de responsabilidade no desprezo com que é habitualmente tratada.

v      Um exemplo: nos tempos que correm, só as estratégias de política monetária em preço (isto é, baseadas na instrumentalização de taxas de juro nominais através de taxas directoras) têm foros de cidadania por esse mundo fora (apesar de o BCE, forçado pelas circunstâncias, ter vindo a reconhecer cada vez maior importância à variação da massa monetária).

v      Acontece, porém, que o que assim se retrata não é a liquidez com que nos deparamos na vida real. [Aliás, a ideia que resumi mais acima só é válida: (1) se o equilíbrio for estático e assim se mantiver indefinidamente; (2) se a liquidez for distribuída sob a forma de “mesadas” (por dádiva) e, não, através de trocas monetárias; (3) se a riqueza não existir ou, existindo, não puder ser transferida de período para período; (4) se as escalas de preferências individuais forem igualmente invariantes (mas não forçosamente idênticas). Tudo muito longe da realidade, como é bem de ver.]

v      Na vida real, o volume de moeda em circulação varia constantemente – e os empréstimos bancários são uma causa importantes dessas variações. Na vida real, as trocas monetárias, as operações financeiras e as transferências de rendimento estão a modificar, continuamente, a distribuição da liquidez pelos sectores de actividade, pelas empresas e pelos indivíduos. Na vida real, os Bancos Centrais estão, umas vezes, a injectar liquidez nos seus sistemas bancários, outras, a removê-la – prova provada de que a liquidez conta. Na vida real, os mercados de bens e serviços e o mercado do trabalho reagem às variações da liquidez – e são especialmente sensíveis às variações bruscas, aos “saltos”.

v      Ora são precisamente estas duas formas de encarar a liquidez – variação temporal e dispersão – que têm consequência a nível “macro”. Até porque o equilíbrio dinâmico de uma economia não se compadece com todo e qualquer “salto” na massa monetária, e esfuma-se quando a liquidez está mal distribuída.

v      Perdoe-me, Leitor, a deambulação. Mas penso que, sem estas noções, muito do que está a acontecer será, no mínimo, desconcertante.

v      Quis o destino que a economia dos USA registasse nos últimos anos ritmos de expansão da massa monetária que eram, numa perspectiva histórica, muito elevados.

v      Causas próximas? O financiamento do deficit orçamental e do deficit da Balança de Transacções Correntes (os tais deficits gémeos); uma política monetária acomodatícia por parte da Federal Reserve, ainda preocupada com as consequências do 09/11, do crash (suave, apesar de tudo) das Bolsas e de um ou outro escândalo financeiro; o superavit da Balança de Capitais não monetários - tudo terá contribuído, certamente, para uma tal expansão.

v      Mas era da actividade bancária que partiam os impulsos decisivos, tanto mais que os Bancos americanos, em geral, haviam entrado no novo milénio bastante capitalizados e com apreciável liquidez (fruto da evolução económica na década de ’90, que não cabe aqui descrever).

v      Vê-se agora para onde se encaminhou essa liquidez que a Federal Reserve tardou em esterilizar primeiro, e em remover depois: esvoaçou pelas Bolsas de Valores e acabou por poisar, em grande número, no sector imobiliário.

v      E aqui fez a sua aparição outra das “leis económicas”: se as taxas de juro nominais baixam, é “natural” que a massa monetária se expanda. Provavelmente terá sido por estar convencido da inevitabilidade desta “lei” que a Federal Reserve ia olhando com alguma complacência para a expansão acelerada da liquidez que as estatísticas monetárias americanas revelavam, mês após mês.

v      O certo é que um sistema bancário que se baseie unicamente nesta “lei”, ignora o risco – e os que ignoram o risco caminham para o desastre.

v      Preservar a estabilidade financeira implica reconhecer que, quando na origem da expansão da liquidez estão os empréstimos bancários, o que acontece com a exposição dos Bancos ao risco é tão importante quanto o que se passa com as taxas directoras. Aparentemente, na Federal Reserve os indicadores do risco a que os seus Bancos se iam expondo tardaram em dar sinal – deviam estar mal calibrados.

v      Ou, talvez, o problema não fosse ainda a desafinação dos indicadores. Desde logo, porque as operações de titularização faziam crer que os Bancos (originadores) se haviam livrado do risco (passado o diabrete...) e que o risco já não residia no sistema bancário, mas algures - ainda que não se soubesse muito bem onde.

v      E talvez uma outra “lei”, uma “ideia feita” mais, das muitas que giram por aí, impedisse que a realidade fosse vista com olhos de ver: afinal, tratava-se de empréstimos hipotecários – e as casas de habitação sempre são garantias rock solid. Ou não?

v      Não, não são - por muitas e excelentes razões que não vêm aqui ao caso. O que vem ao caso é constatar que as casas de habitação são também activos financeiros e, enquanto tal, oferecem risco: risco de mercado.

v      Ora, acontecia que, ao tempo, os Bancos americanos (como os Bancos europeus, também) não tinham de divulgar: (1) o valor, a preços do mercado (mark to market), das garantias reais que lhes aproveitavam; (2) o rácio entre esse valor e o crédito assim garantido. Quase todos agiam (e agem?) como se o valor das garantias hipotecárias fosse certo e imutável, sempre e só aquele que os levara a decidir pelas operações, em primeiro lugar. Puro engano.

v      O que hoje se teme, também, é que todas essas garantias hipotecárias poderão não ser suficientes se, em desespero de causa, começarem a ser executadas, inundando o mercado imobiliário de casas para venda. Isso afectará, certamente, o valor de mercado de todas as garantias hipotecárias, mesmo daquelas que respaldam empréstimos de baixo risco (mais um exemplo de que, nos mercados, nada está ao abrigo dos riscos que se propagam à velocidade da luz).

v      E as parcelas dos empréstimos hipotecários que as garantias não cobrirem poderão exigir que alguns Bancos, sem alternativa, tenham de reforçar os seus capitais próprios – levando-os a recorrer ao mercado de capitais. Novas emissões a puxar para baixo as cotações....como estranhar, pois, esta sensação de crise?

v      A agravar tudo isto, alguns financiadores (sobretudo, Bancos locais e financeiras), na corrida aos empréstimos hipotecários, não recuaram perante nada. Sabe-se que há um número ainda por apurar de operações com capitalização de juros (eufemisticamente, “amortizações negativas”) que podem levar os devedores a esforços financeiros incomportáveis, e os Bancos credores a ficarem expostos a riscos superiores aqueles que têm vindo a divulgar.

v      Em suma: é de esperar uma boa dose de happening naquilo que o futuro nos reserva. (cont.)

 

A. PALHINHA MACHADO

 

Setembro 2007

O VICE-REINADO DO PRATA – DOMÍNIO INGLÊS NO PRATA - 2

                    A  ANARQUIA E O CAUDILHISMO – A ÉPOCA DE ROSAS

 

 

    Resumo da primeira parte: As localidades servidas pelos rios e roteiros terrestres ressentiam do contacto directo com o exterior, contacto este monopolizado por Buenos Aires, de que dependiam. O advento da navegação a vapor possibilitava o uso das águas interiores, o transporte rápido, barato e volumoso; os portos fluviais passaram a ter nova importância a partir da navegação a vapor. Nela estava o progresso das áreas ribeirinhas. Abertos os rios, livres para o comércio, desenvolver-se-iam extraordinariamente e também as regiões delas dependentes.

 

  Segunda parte: O cenário político platino conturbado, apresenta o grave problema da liberdade fluvial que o advento da navegação a vapor coloca ainda mais pendente. Na luta pelo domínio dos rios platinos estavam implícitas as rotas comerciais, que a navegação a vapor acabou por transformar em necessidade de primeira ordem. Mas nesse conflito havia antagonismo: de um lado, Buenos Aires desejava fechar os rios para garantir o seu monopólio e permanecer como único porto distribuidor. Do outro, as províncias do litoral tais como Santa Fé, Corrientes, Entre Rios dependentes dos rios para o seu desenvolvimento, pleitearão a liberdade de navegação e de comércio. As províncias do interior que poderiam escoar seus produtos com mais facilidade por aqueles portos, insistem na luta contra a primazia de Buenos Aires situada na "boca" do rio detendo o direito sobre toda a sua extensão para abrir ou fechar a passagem aos estrangeiros.

 

       "Buenos Aires, ela somente, na vasta extensão argentina, está em contacto com as nações europeias; ela somente explora as vantagens do comércio estrangeiro; ela somente tem poder e renda. Em vão as províncias lhe pediram que lhes deixasse passar um pouco de civilização, de indústria e de população europeia: uma política estúpida e colonial fez-se surda a esses clamores".

 

Buenos Aires no séc. XXI

   O problema tem aspectos amplos e graves e podem ser assim resumidos:

  • Aspectos internos: a luta das províncias contra o predomínio exclusivista de Buenos Aires;
  • Aspecto platino: a luta do Paraguai e do Uruguai contra aquele predomínio;
  • Aspectos continentais: o choque entre aquele predomínio e os interesses comerciais e políticos do Brasil em primeiro lugar seguido pelos interesses do Chile e da Bolívia;
  • Aspectos internacionais: o choque entre aquele predomínio e os interesses comerciais ingleses principalmente e franceses em distribuir as suas mercadorias ao imenso território servido pelos rios platinos.

 

    O problema platino resulta da fragmentação do antigo vice-reinado somado ao problema interno da unidade nacional argentina, que Buenos Aires procurava solucionar sob sua liderança. O Paraguai e o Uruguai lutariam para assegurar suas autonomias. O Paraguai estava isolado no interior do continente e precisava de liberdade comercial para manter-se. Lutaria por ela tenaz e prolongadamente de 1810 a 1865. Toda história moderna do Paraguai resume a um conflito de cinquenta e cinco anos com Buenos Aires sobre a sua soberania. "Sobre as indústrias do Paraguai pesavam diversas travas: estanco para o tabaco, múltiplos impostos sobre a erva até aos seus múltiplos consumidores. Economicamente, todo o litoral veio a depender do porto e do comércio de Buenos Aires". O Uruguai dependia do acesso livre pelo rio a que tomaria o seu nome e da liberdade para a praça de Montevideu. Desse antagonismo faria a base para a sua autonomia, que Artigas definiu em sua luta. Buenos Aires fechou a navegação do Uruguai fortificando a ilha de Martín Garcial e, ao mesmo tempo, fez guerra comercial a Montevideu barrando o seu progresso.  

 

    

Montevideu no séc. XXI

   

       "A metade dos couros enviados ao velho mundo pelo vice-reinado saíam de estabelecimentos uruguaios. O regulamento de 1778 consentia sua exportação por Montevideu, simples arrecadadora de fundos que, sendo próprios, iam enriquecer o bolso alheio. Economicamente nenhuma vantagem havia para os orientais em entregar à alfândega de Buenos Aires os direitos impostos ao "intercâmbio". Por decreto de 4 de Março de 1836, o governo de Buenos Aires fixa direitos diferenciais para as mercadorias estrangeiras reembarcadas de cabos para o interior, que entrassem em portos argentinos. A recarga esmagadora era de 25%. Essa medida draconiana impunha lesão grave ao florescente tráfico estabelecido entre as capitais do estuário, ferindo de morte o porto de Montevideu, cuja maior propriedade repousava no transbordo de cargas para Buenos Aires".

 

 

Continua.

 

Campo Belo, 12 de Setembro de 2007

 

Therezinha B. de Figueiredo           

     

 

Curtinhas XLVIII

Que fazer desta Portela que tanto nos apoquenta?

v      Descem estas Curtinhas do esquecimento etéreo onde haviam sido merecidamente arrumadas, só por causa do NAL. Uma vez mais. Foi agora um artigo de opinião assinado pelo Eng. Luís Pinto Coelho que “O Expresso” publicou (em 08/09).

v      Defende o articulista, com argumentos fortes, que a Portela não tem condições, nem de espaço, nem de níveis de ruído, para continuar a ser o aeroporto de apoio aos voos comerciais regulares que demandem Lisboa. E, conclui, a opção “Portela+1” não faz qualquer sentido. Concordo plenamente.

v      Então, o que me traz? O que me traz é a 2ª conclusão que ali aparece defendida – a saber: que a única solução válida é a “1”, com o consequente desmantelamento da Portela.

v      Eu, por mim, continuo convencido de que a boa solução é “1+Portela”. Mesmo que a voz me doa, não desistirei de proclamar:

a)       Que a Portela é uma infra-estrutura de transportes em excelente forma, solução definitiva para um problema que desde os anos ‘50 anda por aí à espera que alguém o resolva;

 Aeroporto da Portela, anos '50

b)       Que poderá ser convertida no interface de transportes da região de Lisboa, reunindo num mesmo local a central de camionagem (passageiros e carga) que Lisboa nunca teve e o terminal ferroviário (passageiros e carga) com que Lisboa sempre sonhou – tudo servido por uma rede de transportes urbanos pesados rejuvenescida com um módico de bom senso (sem interferir com a malha urbana), e adequadamente protegido por medidas de ordenamento do território menos permeáveis à construção civil (Leitor, convido-o a olhar para o mapa);

c)       Que a pista e os equipamentos aeroportuários existem, e existem num local de eleição – sendo de exigir que se explique, muito bem explicado, em linguagem que todos compreendam, porque fás e porque nefas têm de ser desmantelados;

d)       Que não pára de crescer, no espaço europeu, o tráfego aéreo que está disposto a pagar mais para beneficiar da proximidade ao centro da cidade – justamente o benefício que a Portela oferece espontaneamente (refiro-me: aos voos privados, aos voos charter e aos voos low cost - em que os passageiros, por razões de comodidade, aceitam pagar taxas aeroportuárias mais elevadas);

e)       Que a indústria das convenções tem enorme potencial – e que, na competição para a captar, a Portela, de tão próxima, tem sido um argumento decisivo (apesar do péssimo serviço nas ligações aeroporto/cidade);

f)        Que só por negligência grosseira, Lisboa não se tornará, dentro em breve, no principal porto europeu de cruzeiros para a rotação de passageiros e tripulações entre viagens – o que requer um aeroporto internacional capaz nas proximidades, e acessível a soluções de transporte aéreo muito flexíveis (os tais voos charter e low cost);

g)       Que o estuário do Tejo (em menor grau, o do Sado) tem condições únicas na Europa para se tornar num centro de marinas de recreio de dimensão internacional (é, aliás, o último que resta ainda por explorar) - onde os que residem em países com meteorologias menos propícias virão guardar os seus barcos, e para onde se dirigirão sempre que puderem, em qualquer altura do ano, só para navegar (e aqui encontrarão, como sempre, condições de vento e mar à la carte);

h)       Que o futuro da TAP está também em jogo, ainda que ninguém queira reconhecê-lo;

i)         Enfim, que ao discutir-se o NAL, está-se a debater o futuro de Lisboa no concerto das grandes cidades ibéricas e europeias, durante este século.

 

a. palhinha machado

 

SETEMBRO 2007

BURRICADAS - 3

 

 

Chuva de molha-tolos ( III )

v      Enquanto na esfera real decorria o “efeito-valsa” entre preços de activos e taxas de juro nominais, no restrito círculo financeiro preparava-se o cenário para o “efeito-dominó”.

v      Aí, a rede de responsabilidades cruzadas não parava de se adensar, agora com novidades de tomo: (1) já não eram só os Bancos a estruturarem-na – as EIC/Entidades de Investimento Colectivo disputavam-lhes, palmo a palmo, esse papel (exemplo claro da celebrada desintermediação); (2) muitos desses feixes de relações financeiras também não passavam já pelos mercados interbancários, nem sequer por qualquer mercado organizado (as operações OTC/Over-the-Counter, com especial destaque para os “derivados de crédito”, iam ganhando peso substantivo); (3) e, por consequência, escapavam ao controlo directo das Autoridades Monetárias situações que buliam com a estabilidade financeira.

v      Esta configuração talvez não fizesse deslocar em definitivo, dos mercados interbancários para o mercado de capitais, o centro de gravidade do sistema financeiro. Mas criava para o risco sistémico um novo epicentro, o mercado de capitais, e um novo factor de risco, o risco de mercado (aqui entendido como risco cotação, ou risco preço), que assim vinha juntar-se ao risco de crédito, enquanto causas da instabilidade.

v      Entretanto, as Autoridades de Regulação e Supervisão continuavam, como no passado, mais preocupadas em medir, com milimétrica precisão, o risco de crédito a que os Bancos se encontrassem directamente expostos (isto é, descuravam o que se escondia logo ao virar da esquina).

v      Não restam dúvidas de que, a haver crise, será o risco de mercado a desencadeá-la. Por isso, bem avisados têm andado a Federal Reserve e o BCE (tal como o BoE e o BoJ) quando, através dos Bancos, não cessam de injectar liquidez no sistema financeiro, com o evidente propósito de evitar que as EIC, para não soçobrar, comecem a despejar títulos no mercado.

v      Todavia, a medida, sendo inevitável para já, não só não é completa, como levanta, a prazo, um novo problema, aliás, bem bicudo. Vamos por partes.

v      Não é completa porque nem todos as EIC podem recorrer indiscriminadamente a empréstimos bancários: as Seguradoras, os Fundos de Pensões e tantos Fundos de Investimento estatutariamente impedidos de contrair dívida, não podem (pelo menos, nos volumes de que talvez venham a necessitar). A plena eficácia da medida fica assim circunscrita aos Hedge Funds e aos Fundos de Investimento “alavancados”. Já não é pouco, mas pode não ser suficiente.

v      Por outra parte, toda esta liquidez que está a ser lançada em circulação para conter o risco de mercado (e, assim, garantir a estabilidade do sistema financeiro) terá de ser imediatamente esterilizada - ou as Autoridades Monetárias perderão, a breve trecho, o controlo sobre a inflação. Ora, consegui-lo não vai ser tarefa fácil.

v      Enfim, a prazo, a liquidez excedentária terá de ser reabsorvida (ou seja, retirada do sistema financeiro), ou abrir-se-á um novo foco de turbulência, agora com efeitos mais duradouros, por se localizar na esfera real da economia (maior volatilidade dos preços relativos de bens e serviços, sem esquecer os salários). Como fazer, porém?

v      Goste-se ou não, o risco de mercado anda por aí, algures - na sombra de Seguradoras, Fundos de Pensões e Fundos de Investimento “não alavancados”. Tudo vai de saber como estão programados para reagir os actuais modelos de gestão automática de carteiras. Se replicarem, uniformemente, o mesmo padrão de resposta à queda das cotações, se reagirem de modo fortemente correlacionado (como reagiram em Outubro de 1987), o futuro não augura nada de bom, por mais liquidez que os Bancos Centrais injectem.

v      Tanto mais que basta um leve sinal de turbulência para que os primeiros títulos a ficarem sobre pressão vendedora, os que vêem as suas cotações cair primeiro, sejam justamente aqueles mais facilmente vendáveis – dito de outro modo, os que não se encontravam no epicentro da crise. É exactamente por isto que, no mercado de capitais, pequenos focos de instabilidade se transformam rapidamente em turbulência e que essa turbulência, de um momento para o outro, descamba em crise global.

v      A prova de fogo, contudo, será vivida pelos “derivados de crédito”. Consubstanciados, as mais das vezes, em textos contratuais avulsos, redigidos à medida dos interesses de ocasião, sem cláusulas padrão - será que podem ser sustentados em tribunal, e executados? Será que valem o papel em que foram escritos? [Não imagina, Leitor, a quantidade de gente que, por esse mundo fora, mal pode esperar pela resposta.]

v      De entre as muitas coisas que este episódio tem trazido a lume, uma é, sem dúvida, a fragilidade dos métodos de supervisão, quando dão igual valor prudencial (ou seja, quando tratam de maneira idêntica) a contratos bem tipificados, que passaram já com sucesso a prova judicial (por exemplo: aqueles que a ISDA/International Swaps and Derivatives Association certifica), e a contratos avulsos, cuja interpretação está longe de ser pacífica. Não surpreenderá, pois, que o risco jurídico entre em cena mais cedo do que daria jeito.

v      O que é dizer, a regulação e a supervisão, hoje em dia, não podem dispensar a auto-regulação e a disciplina do mercado, muito menos podem olhá-las como algo que não lhes diz minimamente respeito: verdades que as Autoridades Monetárias não aceitam facilmente.

v      Em resumo: no centro de todo este episódio (não sei se se poderá falar de crise, para já) está a liquidez...

v      A liquidez - que taxas de juro nominais excepcionalmente baixas, durante talvez demasiado tempo, lançaram na economia através dos empréstimos bancários (o financiamento dos “deficits gémeos” da economia norte-americana também terá dado uma boa ajuda).

v      A liquidez - que alimentou a bolha especulativa no mercado imobiliário.

v      A liquidez - que a teoria tem querido demonstrar, de há décadas a esta parte, ser totalmente irrelevante (uma variável espúria) na condução da política económica.

v      A realidade tem destas ironias. (cont.)

 

 

A. PALHINHA MACHADO

Setembro 2007

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