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A bem da Nação

O VICE-REINADO DO PRATA – 6 (última parte)

                                

 

AS RAZÕES DA FRAGMENTAÇÃO

 

 

   O final da quinta parte relata o interesse da Inglaterra pela autonomia dos povos americanos de colonização ibérica.

 

   

   A Inglaterra aproveita a crise de autoridade proporcionada pela fase napoleónica e começa a remover os últimos obstáculos à conquista plena dos mercados antes vedados da América. Depois de atacar a colónia holandesa do Cabo, que já fora lusa, uma esquadra britânica desembarca forças em 1806, em Buenos Aires. No ano seguinte repete a operação. A presença inglesa estava lançada no Prata. Antes mesmo de chegar à capital da colónia, Rio de Janeiro, a corte de Lisboa decreta a abertura dos portos, em 1808 e estabelece na colónia um governo europeu e metropolitano. O ministro inglês Strangford conseguira não só o acto relativo aos portos, mas o encaminhamento dos Tratados chamados de aliança e amizade, firmados em 1810.  Eram concedidas às mercadorias britânicas direitos de entrada inferiores aos que incidiam sobre as mercadorias da metrópole. As acções da Inglaterra na luta pela emancipação das colónias ibéricas da América exterioriza o domínio que vinha exercendo na esfera comercial. Um exemplo da associação da Inglaterra naquela luta foi a participação de um almirante inglês no comando da frota que transportou as tropas de San Martin do Chile ao Peru. Essa mesma frota serviu à consolidação do poder do príncipe D. Pedro no Brasil. Operou para submeter as províncias do norte e nordeste ao governo do Rio de Janeiro e contra a própria frota lusa no Atlântico.

 

Carlota Joaquina quis ser raínha em Buenos Aires mas os ingleses não gostaram da ideia

 

   O grupo mercantil de Buenos Aires imporia, com as forças das circunstâncias e a própria força, o direito de comerciar com todos os povos. O Vice-Reinado organizado sob o sistema de comércio livre com a metrópole, dá assim o primeiro passo para a autonomia. Após a independência do poder político,   as colónias hispano-americanas começaram a traficar com os ingleses que abasteceram os seus mercados. Os navios espanhóis ficaram impossibilitados de navegar no Atlântico já dominado pelos ingleses.

 

   Da queda da monarquia espanhola à consolidação da autonomia platina transcorre um período em que o comércio daquela área se desenvolve extraordinariamente com a Inglaterra e o Brasil. O movimento pela autonomia liderado por Buenos Aires e vitorioso, somado às novas condições comerciais, agravam ainda mais a situação de desequilíbrio já existente entre as províncias do litoral e as do interior. As do litoral colhem os benefícios da liberdade de comércio:  - enriquecem e desenvolvem. O grupo mercantil dirigente da revolução e possuidor de meios materiais para manter forças militares, resiste e combate remanescentes espanhóis, estendendo a emancipação a outras áreas e subordinando-as em muitos casos.  As do interior com sua indústria precária fora prejudicada pelo sistema de livre comércio. Empobrecia gradualmente. Nelas reinavam a desordem e o caudilhismo e os seus produtos ficavam onerados pelos fretes de transporte e taxas cobradas sobre eles em Buenos Aires. Havia, ainda, uma diferença entre o porto do estuário e as províncias litorâneas não dotadas de alfândegas. Elas não auferiam, por isso, os mesmos benefícios de troca com o exterior.

 

   Essa contradição minou a unidade do Vice-Reinado, que se fragmenta após a sua autonomia.

   O sistema comercial firmado na função da alfândega de Buenos Aires e a primazia da cidade portuária correspondia a uma liderança sobre a nação recém nascida e contra essa liderança levantariam todos os prejudicados: - O Paraguai, a Banda Oriental, as Províncias do interior. Buenos Aires defrontaria sérios obstáculos ao desenvolvimento. De um lado, a luta contra os remanescentes espanhóis; do outro, o desequilíbrio interno com as partes em luta pondo em perigo a própria autonomia.

 

   Enquanto confusão e tumulto geram a nacionalidade argentina, no Brasil corresponde a um período de desenvolvimento pacífico; de consolidação de reformas, em que o príncipe D. João, regente e depois rei, esboça o aparelho de Estado, firma a autonomia da Corte sobre a extensa área geográfica da colónia; estrutura a sua administração sempre com o apoio da Inglaterra,   consegue alcançar empreendimento externos, como a conquista de Caiena e a expansão para o sul. Ao mesmo tempo, D. Carlota Joaquina aproveitando as circunstâncias e as condições dinásticas, pretende estabelecer um trono para ela em Buenos Aires. A crise, no Brasil, deflagraria mais adiante e demandaria imensos esforços. Na área platina vinha de longe: - a autonomia apenas a fez explodir. Se a maioria das províncias do interior se colocavam dependentes da cidade portuária sem condições de resistência, outras desde cedo repudiaram a liderança de Buenos Aires como Lima, Paraguai e Alto Peru. Esta é uma das explicações para a guerra contra o Paraguai empreendida na segunda metade do século XIX pelo Brasil, Argentina e Uruguai. O antagonismo económico e social impôs a separação política. Depois de 1617,   quando o Paraguai se separou administrativamente de Buenos Aires, ficou privado do contacto directo com o Atlântico e manteve-se isolado sem conseguir superar essa dificuldade, apesar do comércio com os portugueses.

    

    A crise era generalizada: - o retrocesso do sector industrial era consequência exclusiva da crescente entrada de mercadorias estrangeiras que regulavam no mercado colonial as relações de oferta e procura.  Enquanto na Europa a decadência do artesanato é superada com o surgimento da manufactura nacional, nas colónias não aconteceu este factor substituição.

 

    Do outro lado do estuário surge o protesto de Montevideu, que com o passar do tempo ganha impulso e começa a rivalizar com Buenos Aires. No fim do século XVIII, a luta da cidade oriental manifesta-se abertamente. No início do século XIX, a rivalidade cresce entre os dois portos. Buenos Aires acusa Montevideu de "maus patriotas, piores súbditos, espanhóis só de nome, traidores ao Rei e à Nação" e até mesmo de "colónia inglesa". Mas as crónicas da época apontam a entrada, em Montevideu, em 1805, de 22 navios norte americanos. Onze deles transportavam escravos. Em 1806,   este número cresce para trinta. Vinte transportavam escravos. Desde os fins do século XVIII, o Prata vinha merecendo os cuidados e as atenções norte-americanas, que via nesse amplo mercado uma área pela qual devia lutar.

 

   A nova política comercial espanhola continha a semente da contradição. A prosperidade metropolitana induz o movimento pela autonomia das colónias. O desenvolvimento delas continha, por sua vez, a semente da penetração inglesa e seu domínio posterior.  Como o grupo mercantil portenho aceitara e se beneficiara das medidas do novo sistema de comércio, ela aceitaria e se beneficiaria do sistema imposto pela expansão inglesa. Sem constituir capital comercial suficiente para construir a produção manufactureira, mantendo unicamente a esfera da circulação comercial, a burguesia portenha seria empresária de uma revolução pela autonomia frustrada, reduzida ao plano político. A Argentina constituiria – como o Brasil – dependência económica e financeira da Inglaterra, por todo o século XIX. E em grande parte do século XX, quando representou o último suporte do imperialismo inglês nesta parte do continente – o último a ceder lugar ao norte-americano.

 

 

Belo Horizonte, 25 de Abril de 2007 

 

Therezinha B. de Figueiredo

                    

 

Fonte de pesquisa:

«As Razões da Independência»

Nelson Werneck Sodré

Editora Civilização Brasileira – 3° edição

 

 

 

VALORES LUSITANOS

 

 Nem só de erudição vive a glória nacional

O futebol pode produzir grandes momentos literários, como se mostra na passagem da crónica de Rob Hughes, no IHT de 27 corrente, descrevendo o golo do Chelsea contra o Liverpool (taça dos Campeões) e que transcrevo para vosso gozo:

“But what a goal it was in London this week. Ricardo Carvalho, the defender who came from Portugal with Mourinho, began it. Carvalho can look vulnerable under pressure, but in the 28th minute  he began a counterattack in a style reminiscent that of Franz Beckenbauer.

You need to go back 30 years to remember Kaiser Franz at his imperial best. The manner with which Carvalho glided away from his own penalty box, the ball under his command, opponents too startled to intercept him, was pure Beckenbauer. The vision to look up, survey the options opening up before him was genuine class. Only when the moment was right, only when Drogba began to move menacingly toward Liverpool  goal area, did Carvalho release the ball right into Drogba’s stride.

All night long, all season long, Drogba has exhibited the physical strength to muscle defenders out of his way. In this instance, Daniel Agger was no match, in body or mind.

Drogba brushed him away, turned and rolled the ball across the face of the goal, inviting Joe Cole to hit it. Cole had anticipated the moment, his marker Alvaro Arbeola was too slow, too lacking in awareness, and Cole outpaced to score with ease. For the grace of Carvalho, the power of Drogba, the sharpeness of Cole, it was a classic piece of counterattacking soccer.

Atenção contudo. O mesmo cronista, noutra passagem, diz que: “Anyone watching the face of Mourinho after the game, the eyes smouldering, the mouth talking gibberish, would fear for his sanity in the pressure cooker that is Chelsea Football Club".

Luís Soares de Oliveira

CRÓNICAS DO BRASIL

O  VELHO  AUTOMOBILISTA

 

Para quem tem carta (ou carteira) de condução há mais de 57 anos, a sua renovação não poderia ser outra coisa além dum mais ou menos simples exame médico, as convenientes fotografias e... toma lá, dá cá, o que é usual em países que não necessitam ser do primeiro mundo, mas do mundo da lógica, do simples, do corretamente administrativo.

Mas aqui, sob o brilho do sol tropical, onde o calor convida a menos deslocações, menos tempo em filas (bichas), mais simplicidade ainda, se possível, seria recomendável. Não é. Tudo complicado, burocrático, demorado, custoso, sacrificante e muito demorado.

Como avançado em anos, valendo-me da lei que manda os idosos passarem na frente dos ainda mais ou menos jovens, pensava que ao me dirigir a um departamento do DETRAN, responsável por esse serviço, além de ser amavelmente recebido por uma funcionária, o que aconteceu, veria o meu “problema” resolvido na mesma hora. Não. Foi ouvir, atrás do mais simpático sorriso carioca, que eu não podia ser atendido sem que previamente marcasse, pelo telefone, o dia e hora para ser atendido. Para facilitar a vida do velhote. Perdi um dia!

Deu trabalho a tal ligação telefônica. Ou estava ocupado ou nos enfiavam uma musiquinha no ouvido durante uns dez ou quinze minutos até que... caía a ligação. Por acaso a musica nem era muito ruim: um concerto de Liszt! Fino, hein? Repete a cena, gasta mais uma, longa, ligação telefônica e lá acaba por aparecer uma voz, sempre docemente carioca, que agenda o atendimento para dali a meia dúzia de dias. Com hora marcada.

Volta ao tal DETRAN; ali recebe uma folha de papel informando que necessita levar os originais e mais um xerox de: carta de condução, carteira de identidade, CIC (cadastro de contribuinte) e ainda uma prova de residência, para o que serve a conta da água, da luz ou semelhante.

Como é habitual, ali perto tem uma papelaria que vive de fazer xerox para os motoristas!

Preenche um formulário onde se inclui nome de pai e mãe (os avós foram dispensados), endereço, telefone e até o e-mail! Chique! Modernidade é isto.

Depois de conferida toda aquela papelada, cujos dados são transferidos para o computador, os xerox que nos custaram dinheiro vão todos para o lixo!!! (Porque não copiaram dos originais?)

Por fim entregam-nos uma espécie de outro formulário com a indicação dum centro médico onde tem que se fazer o exame de vista. Só de vista. Também é necessário marcar dia e hora pelo telefone, e chegado o tempo, vai o teimoso motorista, lá, onde Judas perdeu as botas, ser ocularmente examinado. Antes porém do exame preenche novo formulário, outra vez incluindo pai e mãe, endereço, e-mail e outras utilirrémas indicações, paga R$ 42,00 em dinheiro vivo (não aceitam cheque nem cartão de crédito, nem dinheiro morto), até espreitar por uma espécie de binóculo com uma letrinhas lá no fundo.

Findo este, o formulário (o primeiro), recebe um carimbo, que deveria dizer “Olho Vivo”, mas que nada diz. A peregrinação continua. Dali volta ao tal DETRAN, preenche novo formulário - a funcionária já não se lembrava quem eu era! - insistem em que é necessário o nome dos pais, mandam o paciente sentar-se em frente de outra colega que lhe tira um retrato “virtual”.

Pronto. Pronto? Nada. Agora tem que ir fazer um exame de leis de trânsito. Chamado de Prova Simulada. Até eu, que tenho carta há mais de meio século ?!?  Agora é que preciso mostrar que conheço as leis de trânsito? É.

Dão-nos um folheto muito bonito para que o incauto motorista estude aquilo que ele faz já, mecânica ou instintivamente, há décadas. Pelo sim, pelo não, abre o folhetinho e... é uma delícia. Explica o que é um choque, um atropelamento, e outras aventuras usuais, que colisão frontal ocorre quando um dos veículos circula na faixa errada (o que foi uma tremenda novidade), descreve o que se chama de Acidente Misterioso - quando o motorista não sabe explicar o que lhe aconteceu (freqüente nas madrugadas de sextas e sábados)-, tem uma tabela com o custo de cada multa, não na moeda do país mas em Ufirs (Unidade de Referência Fiscal, já extinta por Decreto Lei mas... ainda em uso!), e ainda destaca que o cidadão é o indivíduo consciente do seu papel na sociedade. Um “baita” tratado de filosofia popular.

A segunda metade do folheto traz uma série de perguntas com as várias alternativas de resposta certa ou erradas. Uma BELEZA. Fala em inércia e cinergia, que para um povo culto é o mesmo que arroz e feijão, indica que a resposta certa para o caso de se encontrar um acidente na estrada é deixar o acidentado morrer (porque o Simulado não distingue entre babaca e médico, por ex.) e por aí vai nessa festa.

Mais uns detalhes: para se fazer esta “Prova Simulada”, há que, pela “enésima” vez, marcar dia e hora pelo telefone! Dez ligações infrutíferas, outros tantos minutos de música e esperar mais dez dias pela sua vez. Chegada a hora o desgraçado lá vai, para lá... longe, faz a prova num computador, rodeado de gente que nunca viu um bicho eletrônico.

Terminaram as andanças!

Não. Há que voltar ao tal DETRAN e, por fim, receber a nova carteira, cabisbaixo, sabendo que daqui a três anos terá que repetir todo este peregrinar!

Há dois dias este delicioso DETRAN, mandou para os jornais a seguinte nota:

”O DETRAN-RJ pede desculpa pelos transtornos causados aos usuários e informa que o pedido de alteração da Carteira Nacional de Condução solicitado pela usuária “x”já foi encaminhado para o posto... O prazo de conclusão do processo, citado pela usuária, varia de acordo com a demanda sendo, geralmente, concluído em menos de noventa dias”!

Que delícia. Menos tempo do que isto levou o Cabral para aqui chegar e a Carta de Caminha a ser entregue ao Rei!

Será que o arquivo do DETRAN ficou esquecido em Lisboa quando o Dom João VI para aqui veio? Como temos progredido!

 

Rio de Janeiro, 23 de Abril de  2007

Francisco Gomes de Amorim

Curtinhas XXXIX

o novo aeroporto de lisboa (nal) – IV (cont.)

(O custo de uma decisão “à portuguesa”)

v      Tudo indica que a restruturação da indústria da Aviação Comercial está ainda longe do fim. Após terem sido introduzidas novas formas de explorar o tráfego aéreo, com as companhias aéreas a distribuírem-se por agrupamentos de âmbito mundial, numa clivagem entre cooperação e concorrência, seguir-se-á fatalmente o redesenho da rede mundial das infra-estruturas terrestres - sobretudo os hubs, que são os pilares sobre os quais os ATA assentam.

v      E é, justamente, a esta luz, e só a esta luz, que a pergunta seguinte poderá ter uma resposta pertinente: Porque não replicar o que a Portela hoje é - um aeroporto regional com algum tráfego intercontinental, carreado quase em exclusivo pela TAP?

v      Primeiro, porque é, muito provavelmente, do interesse estratégico do Star Alliance dispor de um hub que lhe confira uma vantagem competitiva decisiva nas rotas transatlânticas sul-oeste. Se não encontrar no NAL facilidades à medida do tráfego aéreo que planeia captar, irá procurá-las, ou em Madrid/Barajas, ou, associada ao Sky Team, em Casablanca (que se tornaria, assim, no primeiro hub a ser promovido, se não mesmo financiado, por uma consórcio de ATA).

v      Depois, porque, a TAP perderia para outras companhias aéreas boa parte do seu tráfego intercontinental - e, uma vez limitada à procura nacional de transporte aéreo, não sobreviveria à introdução da política open sky nas rotas transatlânticas sul-oeste. Não sobreviveria, pelo menos, tal como hoje a conhecemos, se tudo o que lhe restasse fosse competir com as companhias low cost nas rotas europeias e servir uma parte do tráfego intercontinental gerado por Portugal.

v      Desde já, ao projectar-se o investimento – e, mais tarde, uma vez pronto o NAL, quando for chegado o momento de estabelecer tarifários para valer - não se poderá perder de vista, nunca, de onde vem a concorrência: vem de Casablanca e da possibilidade de os ATA, por uma vez, se libertarem dos constrangimentos que os Governos se habituaram a colocar-lhes quando se trata de definir a localização de um hub ou de fixar as condições para aí operar.

v      Em conclusão: quando se discute o projecto NAL, está-se a discutir mais do que a simples localização de um aeroporto. Estão em causa, sim, coisas bem mais importantes, como sejam:

a)       A estratégia nacional para uma indústria, a do transporte aéreo, em profunda mudança

b)       O modelo de gestão conjunta para os aeroportos portugueses

c)       O tipo de aeroporto em Lisboa

d)       O custo máximo admissível para o investimento, em função dos tarifários que possam ser praticados

e)       Associar ao projecto o Star Alliance de que a TAP faz parte

f)        Manter o NAL competitivo, mesmo se o hub de Casablanca avançar

v      E, noutra vertente

g)       Que futuro para a TAP?

h)       Que papel para a ANA no redesenho da rede mundial de infra-estruturas aeroportuárias?

v      Pode soar estranho, mas é pela resposta a estas perguntas que o Project Finance do NAL deve começar.

v      Cuidou o Governo de saber o que pensa o Star Alliance de um NAL (não necessariamente este que o Governo tem na ideia)? E o Sky Team? Ocorreu-lhe, alguma vez, que são estes ATA, pelo menos o primeiro, que vão fazer do NAL um sucesso, ou transformá-lo num desastre financeiro de graves consequências para todos nós? E está consciente do que representará para a TAP um NAL falhado?

(cont.)

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A. Palhinha Machado

Abril 2007

Marcas dos Açores nos Sertões de Minas Gerais

“Eles chegaram empoeirados das andanças

Poeira do chão e das lembranças

Sonhos carregados de esperanças

O dourado sol brotou da terra

Do seio centenário rasgado a fundo

Burros e caçambas num segundo...”

 

(Mário Edson Ferreira Andrade)

  

  

 

Nelson Rodrigues, polémico escritor e jornalista pernambucano, já dizia:

“Nós esquecemos o passado. Um dia desses quando acordarmos seremos um povo sem história”. Nunca um pensamento foi tão verdadeiro como este para aqueles que vieram para os sertões brasileiros.

 

Após se embrenhar nas matas seguindo as picadas abertas pelos bandeirantes, à cata das riquezas do eldorado, esses homens afastados de tudo e de todos, lutando contra o gentio e a natureza selvagem, desbravaram a terra e a colonizaram. Nela tornaram-se donos e senhores todo-poderosos, deixando para trás histórias e raízes às vezes não tão nobres e respeitáveis.

 

Faiscadores, militares, padres, aventureiros, oportunistas, vaqueiros, peões, homens e mulheres que procuravam uma nova vida, eram as pessoas que se atreviam a enfrentar o inóspito sertão. Necessidades de toda a ordem e fome grassavam entre esses mineiros pioneiros. E assim foi necessário abastecer o interior das Minas Gerais de carne, que vinha através dos caminhos do sertão do sul, região meridional do país, onde imigrados açorianos criavam gado e plantavam trigo. Tocando os bois chegavam os vaqueiros e tropeiros do sul que nas novas terras do sertão se juntavam a outros migrantes, e acabavam por ficar quando recebiam como pagamento parcelas de terra e percentagens de gado que dividiam desigualmente com os donos pioneiros das sesmarias.

 

Isoladamente ou com suas famílias, mais açorianos foram chegando a essas paragens. Traziam hábitos e costumes ilhéus que foram ao longo dos anos se adaptando à medida que a relação com o meio ambiente exigia. A farinha de trigo, no sertão não produzida, foi substituída pela farinha de mandioca do silvícola. A carne bovina, mais farta, passou nessa nova terra a ser mais consumida. A religiosidade, a administração doméstica, a culinária, as expressões culturais receberam acréscimos e alterações africanas e gentílicas numa demonstração de capacidade de assimilação e integração com outros povos, sem contudo  perderem as características que os tornavam culturalmente identificáveis.

 

A distância das origens, o isolamento, a rusticidade do meio, a união com o gentio e o africano, as lutas pela sobrevivência e pelo chão, fizeram desse imigrante um forte, o pai de um novo povo. Mas como a herança que vai de pai para filho,   também nas gerações que se sucederam apareceram as marcas destes pioneiros.

 

Os açorianos que emigraram inicialmente para o Brasil foram na nova terra bandeirantes, desbravadores, colonizadores, vaqueiros, escravos brancos, construtores de fortalezas, fundadores de vilas, cidades e comunidades, agricultores, criadores de gado, políticos, padres, militares, enfim homens que ajudaram a construir as Minas Gerais e outras regiões deste país. Era o ilhéu daquele tempo homem rústico, desassombrado, profundamente religioso, amável, porém místico e desconfiado, curioso, rijo de físico e de carácter.

 

Nas festas populares, em geral de cunho religioso com laivos pagãos, nos hábitos de formarem irmandades, no amor à família, no apego às tradições, no espírito independente, na hospitalidade, na vocação feminina para o artesanato, no ciúme de suas mulheres, na mesa farta de doces, pães e queijos vemos nos mineiros a herança vocacional dos seus antepassados açorianos. Muitas famílias que nestes solos aportaram (Terra, Brum, Silveira, Dutra, Faria, Fagundes, Rosa, Rezende, Cunha, Garcia, Neves, Bittencourt, Goulart) e que hoje são referência na história mineira,  vieram das ilhas de bruma e lava, e com muita peleja e dificuldade ajudaram a construir no Brasil um novo mundo.

 

Uberaba, 14/04/97

 

Maria Eduarda Fagundes

Curtinhas XXXVIII

o novo aeroporto de lisboa (nal) – III (cont.)

(Uma oportunidade única)

v      Quando se pensa em construir um hub intercontinental (e é este tipo de aeroporto que vem imediatamente à ideia a propósito do NAL), há que assegurar, antes, tráfegos aéreos e utilizadores competitivos em rotas de longo curso. Dito de outro modo, há que encontrar parceiros entre os ATA.

v      Presentemente, os hubs europeus que servem as rotas transatlânticas para a metade sul do Golfo das Caraíbas, para a América do Sul e para a África Ocidental (que designarei por rotas transatlânticas sul-oeste) não são tantos assim: Londres (com três aeroportos), Paris (com dois aeroportos), Madrid (Barajas) e Lisboa (quase a rebentar pelas costuras). Frankfurt e Milão estão já demasiado afastados da bacia atlântica para permitirem, nas referidas rotas, uma gestão rentável de aeronaves e tripulações.

v      One World - É importante notar que Londres e Madrid são, ambos, aeroportos-base de companhias aéreas (BA e Iberia) que integram um mesmo ATA, este, e que competem directamente nas rotas transatlânticas sul-oeste, sendo pouco provável que, numa óptica de optimização do agrupamento como um todo, alguma aceite ceder à outra determinados fluxos de tráfego. A instabilidade do One World nestas rotas é ainda mais patente se repararmos que dele faz parte uma terceira companhia aérea (LAN Chile) que tem também objectivos ambiciosos no tráfego aéreo entre a América do Sul e a Europa, e que, por enquanto, é livre de escolher o hub europeu que melhor lhe convier.

v      IBERIA - Em particular, as fragilidades da Iberia nas rotas para o Brasil e para a África Ocidental são notórias – talvez porque a BA, sua parceira no One World, lhe rouba espaço de manobra junto das feeders.

v      Sky Team - Paris é o aeroporto-base da companhia aérea líder do Sky Team (Air France/KLM), forte no tráfego aéreo com a África Ocidental e com a América Central e Caraíbas, mas mais fraca nas rotas para a América do Sul, sobretudo para o Brasil.

v      Star Alliance – É o ATA com melhor cobertura do espaço aéreo europeu (principalmente nas rotas norte/sul) e nas rotas para oriente, sendo igualmente muito competitivo nas rotas que cruzam o Atlântico Norte. Após o colapso da VARIG, o Star Alliance só conta com a TAP para as principais rotas transatlânticas sul-oeste (sobretudo para o principal hub sul americano, S. Paulo), onde a presença da Lufthansa (a companhia aérea líder neste ATA) conta pouco – situação que tem beneficiado muito a TAP.

v      Nem Star Alliance nem Sky Team dispõem, na Europa, neste momento, de um hub bem localizado para as rotas transatlânticas sul-oeste (dado que o aeroporto da Portela, pela sua exiguidade, está longe de oferecer as condições de operação/exploração adequadas aos volumes de tráfego aéreo que, pelo menos, o Star Alliance pode encaminhar através de Lisboa).

v      Tudo somado, fácil é concluir que estão reunidas, por uma vez, as condições que apontam para a localização, em Portugal, mais a sul que a norte, de um hub intercontinental de importância estratégica:

v      Os concorrentes directos, (Madrid/Barajas) e IBERIA, têm, nas rotas transatlânticas sul-oeste, as fragilidades que apontei mais acima.

v      Convém ter presente, também, que a tendência actual, em matéria de Aviação Comercial, vai no sentido dos acordos open sky – e não é de crer que as rotas transatlânticas sul-oeste escapem, por muitos anos mais, a esta evolução.

v      Na perspectiva de as principais rotas transatlânticas sul-oeste, pelo menos essas, ficarem abrangidas, mais dia, menos dia, por acordos open sky, é fundamental para a continuidade da TAP, tal como hoje a conhecemos: (a) estar baseada num hub que sirva a estratégia de longo prazo do Star Alliance; (b) ser vista pelos seus parceiros no Star Alliance como uma transportadora aérea de referência nas rotas transatlânticas sul-oeste. Só assim a TAP será poupada à pressão concorrencial vinda dos seus próprios parceiros (à imagem do que acontece com a IBERIA no seio do One World). Porque a concorrência que os outros dois ATA hoje lhe movem, essa, só poderá intensificar-se.

v      Não é líquido que o Sky Team venha a adoptar o hub de Lisboa para as rotas transatlânticas sul-oeste. E, se o fizer, poderá ser em articulação permanente com Paris, para onde continuarão a seguir os maiores volumes de tráfego aéreo de e para o Atlântico Sul.

v       Mas sabe-se já duas coisas: (a) Que está fora de questão a AIR FRANCE/KLM usar Madrid/Barajas para as rotas transatlânticas sul-oeste; (b) Que a AIR FRANCE/KLM tem em estudo a construção, em Casablanca, de um hub intercontinental orientado, precisamente, para estas rotas (com todas os receios que a insegurança da área suscita).

  Virá o novo aeroporto de Lisboa a situar-se em ... Casablanca?

v      Mas, se este projecto for por diante, será exemplar a, pelo menos, dois títulos: (a) é o primeiro hub intercontinental construído num país que não possui, nem intenta possuir, uma transportadora aérea de longo curso; (b) é o primeiro hub promovido e patrocinado por um ATA. Ou seja, será um projecto percursor do futuro a consolidação e reforço dos ATA está a traçar: à revolução nos céus seguir-se-á a revolução na rede mundial das infra-estruturas aeroportuárias.

v      A presença de um hub intercontinental concorrente um pouco mais a sul levará, quase de certeza, a que a rentabilidade do NAL diminua (por ter de praticar, então, tarifas a rasar os custos marginais dos hubs mais eficientes, ainda que localizados noutros quadrantes).

v      Daqui concluo que a decisão sobre o NAL não pode ignorar a possibilidade de Casablanca – e limitar o custo do investimento será, também por esta razão, uma questão de sucesso para uns, e de sobrevivência para outros.

v      Conhece-se o que pensa o Governo sobre as consequências de um possível hub em Casablanca nas contas que faz ao NAL? Ou sobre o papel dos ATA no redesenho das infra-estruturas aeroportuárias por esse mundo fora? Ou, enfim, sobre o posicionamento do NAL na rede de hubs que vai dar forma a todo o tráfego aéreo durante as próximas décadas?                                                                               (cont.)

a. palhinha machado

Abril 2007

Viagem a Itália

 

"Mãe, temos de comprar os passes" e eu, concentrada na minha pronúncia italiana, "Voglio tre passi, per favore". E o homem, fazendo 3 passos com os dedos no balcão do guichet, "ah..tre passi non ce l'ho" muito educado e composto, tirando os olhos a rirem,  "ah.. e tre biglietti, ce l'ha?" eu, com a mesma compostura, "si, tre bighlietti ce l'ho"...   diálogozinho cheio de ironia e humor pela banal tarefa de comprar bilhetes para os vaporetti, os barcos de transporte público, muito frequentes.

 

Veneza – lindíssima, La Serenissima está limpa e bella, silenciosa e sem pombos (quase). Ficámos numa casinha no Dorsoduro. No r/c, a salinha de pequenos-almoços e em cada andar (3) um quarto com casa de banho. Os venezianos andam sempre depressa, distinguem-se tão bem dos visitantes, que andam sempre tão devagar. E como não andar devagar se de centímetro em centímetro há coisas bellas para admirar?

 

De carro, seguimos para Siena. Auto-estrada de montanha, estreita,  com filas contínuas de camiões na faixa da direita, se fosse eu a guiar ainda vinha atrás do 5000º que  era um TIR enorme.

 

A praça de Siena é muito mais fantástica ao vivo do que nas fotografias, todo o conjunto é lindo, espectacular, dá para imaginar os cavalos do Palio a correrem no topo, às voltas, multidões a torcerem, belíssimas bandeiras e distintivos... sentámo-nos no chão para a nossa sanduíche e, entre as pedras do pavimento encontrámos  um cravo de ferradura enterrado... atirado pelo cavalo em furioso galope? Que loucura, que beleza.

 

A Catedral tem uma alegre fachada, branca, cor-de-rosa, verde clarinho, colunas torcidas e anjinhos. Come mai tive o pensamento vergonhoso de que parecia um bolo de noiva de Paredes (adoro Paredes, sem ofensa) mas sem pingo de excesso, como explicar, a um milímetro do excesso sem lá chegar. O domínio dos excessos que em Veneza está por todo o lado... Dentro, sobriedade, regularidade, faixas brancas e verdes escuras do chão às abóbadas, ampla, linda, mosaicos no chão, frescos nos tectos. Os bancos têm placas douradas com nomes de família – como se decide, no século XXI, a prioridade de escolha de bancos? Durante a missa ainda se observam os bancos vizinhos,  os dianteiros de preferência, calculo eu, procurando alianças e casamentos? Acendi várias luzinhas a tanta beleza.

 

Bologna é uma cidade sem trânsito, cheia de gente, cheia de comércio, com monumentos estranhos e bellos: as duas torres altas e tortas, as 7 Igrejas encaixadas umas nas outras. Na hora do aperitivo, os cafés preparam-se com longas mesas cobertas de coisas deliciosas, sempre em self-service. Muitos estudantes, de todo o Mundo,  ninguém resiste ao aperitivo...nem a encher demais os pratos da dose, aperfeiçoar imenso o equilíbrio é outra virtude do aperitivo.

 

E o chocolate quente, com menta, na esplanada aquecida?

 

No Domingo de Páscoa fomos a uma missa em Modena, tanta alegria no ar, famílias inteiras a cumprimentarem-se, enormes cestos de ovos de chocolate para as crianças! E almoço num dos poucos restaurantes abertos, o  "7 peccatti", lindo.

 

O problema de viajar por Itália? É que depois só se quer ir a Itália.

 

Linda-a-Velha, Abril de 2007

 

Maria Eugénia Múrias

Curtinhas XXXVII

o novo aeroporto de lisboa (nal) – II (cont.)

(Jogos de estratégia na Aviação Comercial)

v      De forma inadvertida ou deliberadamente, por manifesta incompetência ou por rematada “ratice”, o debate em torno do NAL começou pelo penúltimo capítulo (a localização e o financiamento) e por lá se tem mantido – sem que ninguém tenha aparecido, até agora, a perguntar como começa o enredo. Pois então, aqui estou eu.

 O que não se discute ...

v      Um aeroporto é um investimento demasiado caro e, quantas vezes, demasiado estruturante para ser decidido por capricho – por uma teimosia que malabarismos semânticos tentam camuflar.

v      Ora, um aeroporto falhado é uma oportunidade perdida por muitos e muitos anos – não havendo palavras bonitas que escondam o falhanço, ou que ajudem a pagar a despesa inútil.

v      Que oportunidades se abrem hoje em dia, e que oportunidades se poderão fechar num futuro próximo, para Portugal na Aviação Comercial, a nível global?

v      Actualmente, no nosso hemisfério, o tráfego aéreo (passageiros e carga) de longo curso é disputado, em primeira mão, por grupos de companhias aéreas tradicionais (One World; Sky Team; Star Alliance; de ora em diante, ATA - Agrupamentos de Transportadoras Aéreas) que procuram captar, também com não menor empenho, o tráfego das rotas feeder.

v      No médio curso, a concorrência é ainda mais agressiva, devido à presença das companhias aéreas low-cost (por vezes subsidiárias de companhias aéreas tradicionais integradas em ATA) – as quais, até ver, se têm limitado a operar nas rotas de médio curso que registam grande intensidade de tráfego de passageiros e que beneficiam de acordos open sky.

v      Se a utilização de aeroportos locais ou regionais é, em larga medida, uma fatalidade, atendendo às causas que geram o tráfego aéreo por eles servido, já nos hubs o argumento “localização geográfica” vai perdendo peso cada dia que passa.

v      Para que um ou mais ATA utilizem regularmente um hub, este terá de: (a) Permitir operar com segurança, mesmo em condições meteorológicas muito adversas; (b) Dispor de slots em horário que melhor convenha ao utilizador; (c) Oferecer adequados apoios de escala (limpeza e reabastecimento das aeronaves; reabastecimento e lubrificação; catering; descanso das tripulações) – e, melhor ainda, serviços proficientes para trabalhos de manutenção não programada; (d) Praticar um tarifário (taxas e/ou preços) sobre o movimento de aeronaves, passageiros e carga alinhado pelos outros hubs, seus principais concorrentes nas rotas de longo curso que nele entronquem; (e) Proporcionar ao utilizador condições de exploração comercial competitivas (designadamente, no domínio da rotação de aeronaves e tripulações afectas às rotas de longo curso); (f) Oferecer aos passageiros comodidade, quer em termos de duração total da viagem, quer quanto a escalas, permanências em terra e transfers.

v      Hubs situados no mesmo quadrante (isto é, localizados a distâncias não superiores a 2 horas de voo) relativamente às rotas de longo curso que estejam a ser programadas só não serão concorrentes directos se um deles for um hub natural – o que é dizer, se verificar pelo menos uma das seguintes condições: (a) localiza-se na zona geográfica que origina o volume de tráfego que é preponderante nessas rotas; (b) representa para esse tráfego o destino dominante.

v      Um hub natural, como bem se percebe, depende em menor grau de feeders. Mas nem ele poderá ignorar os ATA.

v      No mundo há muitos hubs naturais: uns, por se situarem em zonas com grande densidade demográfica e com enorme dinamismo económico; outros, por serem destinos turísticos particularmente apreciados. Nenhum, porém, se situa na Península Ibérica ou nos quadrantes que a compreendem, para oeste, para sudoeste ou para sul.

v      Contrariamente ao que se passa com os aeroportos regionais (e, por maioria de razão, com os aeroportos locais), os quais, relativamente aos volumes de trafego aéreo que geram ou podem gerar, são dados previsíveis, nos modelos de optimização dos ATA os hubs são variáveis endógenas (isto é, que cada ATA selecciona de entre as alternativas possíveis com o objectivo de maximizar os seus Resultados Operacionais).

v       Para qualquer ATA, falhar um hub com localização óptima significa, sempre, perder capacidade competitiva: (a) ou porque, para manter custos, vai ter que oferecer percursos mais longos; (b) ou porque, para manter volumes de tráfego, verá os seus Resultados Operacionais cair. Numa combinação perversa de custos de operação mais elevados e receitas por passageiro x milha, ou carga x milha, mais baixas.

v      Sob um outro ângulo, se é verdade que os ATA necessitam fatalmente de hubs para operar, um hub, sem o tráfego que os ATA lhe fornecerem, dificilmente atingirá o break even de exploração – ficará para sempre sobredimensionado. (O aeroporto de Atenas, que era, até à década de ’90, o hub do Mediterrâneo Oriental, é hoje um aeroporto regional deficitário por causa das tarifas que o investimento aí feito obriga a praticar, apesar de parte substancial da factura continuar a ser suportada, ano após ano, pelos contribuintes gregos; Chipre está a substituir Atenas naquela função).

v      Por tudo isto, o Project Finance de um hub não coincide, ponto por ponto, com o Project Finance de um aeroporto regional ou de um aeroporto local.

v      Mais ainda: (a) O tráfego aéreo potencial para estes dois últimos tipos de aeroporto depende unicamente da realidade sócio-económica na zona geográfica onde eles se insiram (e, nalguns casos, da orientação dos fluxos turísticos transfronteiriços) – e é precisamente para captar essa procura que as companhias aéreas os demandam; (b) O tráfego potencial de um hub, esse, depende, em larguíssima medida (sem esquecer que um hub serve também de aeroporto regional), do sucesso comercial dos ATA que o utilizarem, sobretudo se eles o virem como uma plataforma indispensável ao sucesso dos seus negócios – o que é dizer, como uma vantagem competitiva.

v      Forçoso é concluir que não será sensato discutir o investimento a fazer e o modo de financiá-lo sem ter, primeiro, ideias bem assentes sobre o tipo de aeroporto a construir, que tráfegos o justificam e por que ATA irá ser utilizado.

v      Alguém ouviu já o Governo discorrer sobre isto?                                                                              (cont.)

Lisboa, Abril 2007

 

A. Palhinha Machado

LIDO COM INTERESSE – 16

 

 O prazer do voo

Foi nos idos de 70 do século passado, o XX, que li um pequeno livro do americano Richard Bach (1936, Illinois, EUA -) que na tradução portuguesa se chamava “Fernão Capelo Gaivota”. Oferecido por uma amiga na despedida de uma das minhas saídas para África, li-o duas vezes durante o voo de Lisboa a Luanda; não o li pela terceira de Luanda a Lourenço Marques. E se o li duas vezes, isso ficou a dever-se ao facto de me ter sido oferecido por quem foi e porque nele descobri o peso que ao longo da vida transportamos com tudo o que é prosaico e senti a leveza do que é profundo. Os pássaros do livro – como os da Natureza – passam a vida a tratar de comer; o pássaro-herói admirava-se como os seus congéneres ignoravam tudo o que é superior, nomeadamente a delícia do voo, ou seja, o imaterial, a espiritualidade. E se os outros perseguiam pequenas partículas e insectos, ele conseguia imaginar-se em céus infinitos e desmaterializar-se de uma nuvem para outra apenas por força do pensamento. A imaterialidade deveria reinar sobre o mundano, o espírito deveria comandar tudo …

 

É claro que me lembrei sempre do famoso conselho que nos sugere “primum vivere, daeinde philosophare” mas não esqueci aquele extremo literário do americano Bach e sempre que vejo alguém a carregar um saco de batatas ou a falar com uma linguagem muito técnica – daquela que nós, os economistas, tanto apreciamos – logo neles vejo os congéneres do pássaro-filósofo Fernão Capelo Gaivota.

 

Eu próprio tratei de arrebanhar partículas e insectos enquanto estive ao activo mas agora que estou aposentado posso deliciar-me com o prazer de voar. E é isso que sinto fazer quando leio livros como este a que agora passo a referir-me:

 

Título: A Ideia de Europa

Autor: George Steiner

Tradutora: Maria de Fátima St. Aubyn

Editora: Gradiva

Edição: 1ª, Setembro de 2005

 

 

Com 55 pequenas páginas, é da dimensão de um livrinho: breve prefácio de José Manuel Durão Barroso, ensaio introdutório de Rob Riemen e apenas 30 páginas de texto do Autor propriamente dito.

 

A contra-capa desperta o interesse do putativo leitor de um modo realmente cativante:

«A Europa é feita de cafetarias, de cafés. Estes vão da cafetaria preferida de Pessoa, em Lisboa, aos cafés de Odessa frequentados pelos gangsters de Isaac Babel. Vão dos cafés de Copenhaga, onde Kierkegaard passava nos seus passeios concentrados, aos balcões de Palermo. […] Desenhe-se o mapa das cafetarias e obter-se-á um dos marcadores essenciais da ‘ideia de Europa’.» «Com a queda do marxismo na tirania bárbara e na nulidade económica, perdeu-se um grande sonho de – como Trotsky proclamou – o homem comum seguir as pisadas de Aristóteles e Göthe. Liberto de uma ideologia falida, o sonho pode e deve ser sonhado novamente. É porventura apenas na Europa que as fundações necessárias de literacia e o sentido da vulnerabilidade trágica da condition humaine poderiam constituir-se como base. É entre os filhos frequentemente cansados, divididos e confundidos de Atenas e de Jerusalém que poderíamos regressar à convicção de que ‘a vida não reflectida’ não é efectivamente digna de ser vivida.»

 

Mas esta selecção fica longe de resumir as 30 mais densas páginas que li nestes últimos tempos, excepção feita a qualquer grupo de 30 páginas da ‘Crítica da razão pura’ de Kant que venho tentando digerir com alguma cerimónia há cerca de ano e meio.

 

Se tivesse sido eu a fazer a contra-capa, eventualmente teria escolhido outras frases e uma que por certo haveria de ponderar seria aquela em que o Autor afirma que «(…) este mamífero desgraçado e perigoso gerou três ocupações, vícios ou jogos de uma dignidade completamente transcendente. São eles a música, a matemática e o pensamento especulativo (…)» ou aquela outra em que cita Leibnitz quando o filósofo afirma que «quando Deus fala consigo próprio, canta álgebra». E as escolhas poderiam ser tantas que a boa solução passa precisamente pela ausência de qualquer escolha, o que na prática se traduz na leitura do livro. E o convite à leitura integral do texto resulta ainda mais explícito quando, a título de resumo, o Autor refere os seus cinco axiomas definidores da Europa – o café, a paisagem a uma escala humana, a toponímia humanizada, a dupla descendência de Atenas e Jerusalém e a apreensão do ocaso – e pergunta: «E a seguir?»

 

 George Steiner e «a demanda do conhecimento desinteressado»

Se quer saber, leia o livro e faça-o lentamente como que a saborear. Nem todos os dias nos aparecem pensadores que justificam um prefácio como o de Durão Barroso, a não perder.

 

Assim como também não é diariamente que lemos textos como o de Rob Riemen num ensaio introdutório cuja nota dominante é a de «convidar os outros para o significado».

 

Sim, porque «somos todos gregos».

 

Com a vantagem de proporcionar fácil transporte, este é dos tais livros que hei-de reler e, depois de já o entender plenamente, então vou saboreá-lo.

 

Lisboa, Abril de 2007

 

Henrique Salles da Fonseca

CRÓNICAS DO BRASIL

A Propósito do PIB, onde está o crescimento?

 

Aproveitando o bem humorado texto de prezado amigo Francisco Amorim, O PIB, A DONA MINISTRA E A CEFALOPODOCRACIA, que tem na sátira a sua marca registrada, gostaria de levantar alguns pontos que, como leiga em economia política, fico por entender. Vejamos:

 

É facto, o FMI diz que as pessoas estão menos pobres porque podem comprar uma cesta básica. Mas não é o governo quem patrocina essa cesta? Portanto não é o indivíduo que tem esse poder aquisitivo. Então é falso dizer que se diminuiu a pobreza. O que se tem é uma transferência temporária de “riqueza”. No dia em que o povo parar de receber a cesta, se não houver outra fonte estável de ganho, ele volta à pobreza. O que se depreende é que um povo que precisa da ajuda do Estado para comer é porque o governo é insuficiente para lhe dar condições de autonomia.

 

 Dizem também que o desemprego diminuiu, só não dizem que a maioria desses empregos é forjada, através do enorme inchaço do governo, que absorve gente a rodo, distribui colocações a torto e a direito nos serviços públicos e reintegra funcionários demitidos desde a época do Collor. Todos esses empregos mantidos pelos impostos dos contribuintes, para o governo, dos” menos ricos”, para aqueles que produzem, dos “menos pobres,” que trabalham de modo assalariado e que vêem nos contracheques do mês descontos pesados e imediatos nos seus salários.

 

De facto a inflação está contida, isso desde FHC, e sem dúvida o mais carente, o que ganha salário ou bolsa família, teve uma melhora no poder aquisitivo. Mas os que geram emprego e riqueza, ainda não estão crescendo!

 

Gostaria de saber dos economistas, daqueles que entendem do riscado, a explicação como pode o PIB de repente crescer. Será que é porque agora os parâmetros para os cálculos foram alterados pelo governo? E é correto comparar o actual índice com os índices anteriores, que foram calculados diferentemente?  Isso não é manipulação de dados?

 

O governo diz que aumentaram os empregos entre os jovens, mas as estatísticas da FGV (Fundação Getúlio Vargas) dizem que as ofertas para os saídos da Universidade caíram. Supõe-se que o mercado de trabalho dê emprego de preferência aos qualificados, se não o faz é porque não cresceu ou então porque está usando mão de obra barata ou não qualificada.  

Estatísticas em 1995 davam taxas de desemprego entre os jovens de 10% com ganho médio de 521 reais. Em 2007 a taxa está na ordem de 18% e o ganho médio caiu para 465 reais. Isso é crescimento?

 

 Tudo faz matutar, se o país cresceu como dizem o governo e o FMI, porque os jovens não querem sair da faculdade, prolongando o curso com estágios e subespecializações, postergando o acesso ao mercado, cada vez mais concorrido? Será que é porque eles não se sentem bem preparados? Será que não há vagas suficientes para absorver os profissionais que saem todos os anos das faculdades e dos cursos profissionalizantes? Se for por isso, onde está o crescimento?

 

 Mas o governo continua a “distribuir cultura”, e a toque de caixa. Agora dá universidade para todos, o tal programa da PROUNI. Resta saber que fazer com tantas cotas distribuídas de forma preconceituosa, com tantos cursos dados sem estofo e qualidade, que despejam a espaços cada vez mais curtos jovens mal preparados no defasado mercado de trabalho. É assim que se resolve a desigualdade, vilipendiando a educação, oferecendo diplomas como brindes, fingindo que o país está evoluindo?

 

As pesquisas dizem que o Presidente continua com alto índice de popularidade. Talvez porque ele priorize no seu governo a distribuição de cestas básicas e cotas para as Universidades, planos sociais que atingem a grande maioria da população brasileira que é carente material e culturalmente. Mas será que é por aí que se vão resolver as chagas da pobreza e ignorância generalizadas? Com certeza o que se precisa é de muito, muito mais. E a segunda fase complementar do programa que o governo diz ter que não vemos chegar? Cadê os milhões de empregos prometidos?

 

Para tentar solucionar as dificuldades do Estado, o representante do Executivo deve ter seriedade e tino administrativos, visão clara do que é desenvolvimento, decisões e prioridades acertadas para trazer progresso ao país. Mas o Presidente continua há dois mandatos acima de tudo isso, vivendo como um espectador distante e diferenciado, dando opiniões óbvias e ululantes à mídia, em mini-discursos ocasionais e bem humorados, discutindo interminavelmente com os ministros e a sociedade, como um candidato, não como o dirigente da nação, de quem se espera uma atitude enérgica e imediata para enfrentar os nossos urgentes e graves problemas. Discurso ele sabe ler, improvisações sabe fazer, mas decidir e agir...

 

A população brasileira consciente continua a esperar, ansiosa, as respostas do governo. Mas pelo andar da carruagem, tomara que não estejam construindo para o país um ídolo com pés de barro.

 

Maria Eduarda Fagundes

12/04/07

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