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A bem da Nação

“L’ÉTAT C’EST MOI” OU NEM POR ISSO?

                               Luís XIV, o rei-sol

 "Eu quase esperei" - disse o Rei Sol quando as visitas chegaram pontualmente ...

       L’État já foi você, Luís XIV, mas hoje l’État somos todos nós, ou, pelo menos, temos direito a pensar assim. Somos, pois, titulares dos direitos da Res Publica,  essa “grande propriedade comum” que é o Estado e é sustentada pelos impostos cobrados em função do nosso trabalho, da actividade que desenvolvemos ou das riquezas que o nosso engenho permite criar.

     E, não obstante, comportamo-nos como se ignorássemos ou não valorizássemos essa faculdade que nos foi outorgada pelo Liberalismo e se tornou uma realidade palpável com a Democracia. Temos nas nossas mãos a possibilidade de eleger o governo que queremos, e, no entanto, incorporamo-nos nas hostes abstencionistas,  que cada vez são mais expressivas nos actos eleitorais. Temos a possibilidade de denunciar ou tolher o passo aos que lesam a nossa riqueza comum, e, no entanto, calamo-nos ou refugiamo-nos em silêncios timoratos, para não dizer cúmplices. Interesses de grupo (corporativos), alheios ao interesse comum, manifestam-se despudoradamente contra o Estado, em nome das suas próprias conveniências, e, no entanto, muitas vezes juntamo-nos ao coro dos seus protestos sem nos darmos conta de que estamos a agir contra nós próprios. Enfim, ficamos estupefactos com a denúncia ou o conhecimento público de graves crimes de corrupção, mas raramente nos perguntamos se não seremos todos, também, parceiros inconscientes de muitas situações de incumprimento tributário que connosco se cruzam no rame-rame das nossas vidas. Diria, ainda, que, não contente com tudo isso, tornou-se hábito fazer da figura do Estado uma espécie de “puntching ball” onde desferimos as pancadas da nossa raiva ou frustração, numa atitude tão patética como é detestarmos a nossa própria figura reflectida num espelho.

     E, para citar alguns exemplos, vem-me à memória o pequeno empreiteiro que me apresentou há três anos um orçamento para a remodelação das duas casas de banho do meu apartamento. O preço pareceu-me deveras inaceitável, com custos excessivos e aparentemente injustificáveis face a outros valores comparáveis. Mas, sem me deixar respirar, logo adiantou o empreiteiro que, se tivesse de passar factura, ao preço apresentado teria ainda de adicionar 17% de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA). Percebi então o jogo sujo e rasteiro do homem. O elevado custo da proposta de orçamento, já de si tão elevado que normal seria estivesse nele incluso o IVA, era um estratagema para me dissuadir de exigir a respectiva factura, a qual, a efectivar-se, não o livraria das devidas obrigações fiscais perante o Estado. Claro que não vou confiar ao leitor a resolução que tomei. É cá com os meus botões, não é?

      Continuando a rever a conta corrente dos meus escrúpulos e desleixos cívicos, vêm-me também à mente as ocasiões em que nos restaurantes pago a despesa contraída e só me é entregue um simples talão de máquina registadora, e às vezes nem isso, em vez da factura legalmente exigida. E quem diz restaurantes diz de outros inúmeros bens e serviços adquiridos em circunstâncias similares, em que há sempre um evasor ao fisco à espreita. Só os empregados por conta de outrem e os reformados é que se podem gabar de não figurar na lista do opróbrio, porque a dedução, no próprio vencimento, do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) os vinculam à obrigatoriedade do dever fiscal.

      Estes são apenas exemplos comuns de como se ludibria o Estado com a conivência passiva ou parceria do cidadão comum, as mais das vezes por sua incúria e demissão, outras por insuficiente coragem moral para assumir as suas responsabilidades cívicas. E depois, ironicamente, depositamos nas costas largas do Estado todas as responsabilidades e encargos, esperando que ele resolva o que esteve ao nosso alcance prevenir, dissuadir ou evitar. E esperamos sempre que ele seja um cofre inesgotável de recursos para satisfazer todas as nossas justas necessidades e todos os nossos legítimos anseios. Porém, tudo seria mais fácil se déssemos todos uma ajudinha, não fugindo cobardemente às nossas responsabilidades de intervenção e de vigilância em torno daquilo que é nosso, essa “grande propriedade comum”.

      Ficaríamos surpresos se pudéssemos imaginar as somas que fogem ao fisco pelos mais variados desvãos, desde os mais irrisórios, mas numerosos e frequentes, aos mais sofisticados pelos valores em presença e pelos métodos utilizados. Os casos corriqueiros que eu mencionei não podem ser desvalorizados por envolverem quantias menores quando comparadas com os valores abrangidos pelos crimes sofisticados. Entre uns e outros a diferença é apenas de grau de frequência. Basta imaginar que os ilícitos mais baratos se assemelham a milhares e milhares de galinhas que vão enchendo o papo diária e paulatinamente. Somando o total dos grãos ingeridos ao fim do ano, o normal é atingir cifras de milhões, variáveis, evidentemente, com a população e a riqueza económica de cada país.

      Passando os olhos por dados oficiais divulgados, ficamos a saber que o país com menor índice de corrupção é a Dinamarca, que recebeu nota 10 (corrupção zero). Depois vêm Finlândia, Nova Zelândia, Suécia, Canadá e lslândia. O maior índice de corrupção está nos Camarões, que recebeu 1,5. Em penúltimo lugar vem a Nigéria, seguida pela Indonésia, pelo Azerbeijão, pelo Uzbequistão e pelas Honduras. Se atentarmos nos países em causa, somos levados a concluir que tudo tem a ver basicamente com a educação e com o civismo dos povos.

      É um facto que cabe ao Estado, na pessoa jurídica dos nossos representantes na administração dessa “grande propriedade comum”, promover os meios e os processos organizativos susceptíveis de velar pelo interesse da comunidade, quais sejam, polícias fiscais, inspectores, auditorias, tribunais, etc, mas em moldes que se traduzam em eficiência e celeridade na detecção do ilícito e no seu julgamento. Mas tudo isso não dispensa obviamente o sistema imunitário que, pela natureza da sua proximidade e da sua convivência celular com o organismo que é a sociedade, em melhores condições se encontra para cortar o mal à nascença. Ora, esse sistema imunitário somos nós, os cidadãos comuns. Quem recusar o seu papel nesse sistema imunitário nunca poderá dizer: “l’État c’est moi”.

 

                               

  

Adriano Miranda Lima

VIVA GALIZA !!!

 

 

Foi a Internet que me deu a conhecer o Ângelo Cristóvão, galego com presença habitual nos “Encontros da Lusofonia” que o Chrys Chrystello anualmente organiza em Bragança.

 

Ainda não o conheço pessoalmente mas como tenciono estar presente no próximo Encontro, em Outubro de 2007, espero então conhecê-lo. O mesmo se diga relativamente ao anfitrião.

 

O Ângelo Cristóvão tem feito intervenções sobre a língua na Galiza, nomeadamente sobre o português galego que há quem teime em torpedear castelhanizando-o ao máximo por mera conveniência da política espanhola. 

 

Não creio que uma língua possa ser tratada de tal modo e parece-me que os actuais políticos espanhóis afinal nada aprenderam com a era franquista em que se espezinharam o catalão, o basco, o português da Galiza, etc. Os galegos têm tido um comportamento mais sereno que os bascos …

 

Foi essa serenidade que me levou a pedir ao Ângelo Cristóvão que nos explicasse em que situação se encontra actualmente a língua portuguesa na Galiza. Fi-lo como segue:

 

  • “ (…) Estou certo de que a questão da língua na Galiza vai motivar enorme interesse dos nossos leitores. Dado que estamos muito fora do assunto, seria interessante que Você nos explicasse do que se trata na perspectiva linguística como reflexo dos problemas políticos. (…)

 

A resposta não se fez esperar:

 

  • “ (…) Num artigo sobre a questão da língua da Galiza haveria muitos motivos para queixar-se da desigualdade legal entre o castelhano e o português da Galiza, da discriminação institucionalizada, etc. A mim interessa-me mais salientar os logros do que insistir nas lamentações, na mágoa. Certamente temos muitos problemas, mas começamos a fazer coisinhas interessantes. Há alguns contributos galegos cujo valor ultrapassa fronteiras, por exemplo, no terreno da literatura. Ora, o projecto mais importante para os próximos meses (e anos) é a criação da Academia Galega da Língua Portuguesa, e dela tratarei no meu texto. Sabe qual é o maior repto para mim ao escrever este artigo? Manter um discurso igualmente válido e interessante para galegos e portugueses, sem necessidade de explicações complementares. É difícil, porque o intelectual português em geral desconhece quase tudo da Galiza, enquanto na Galiza se regista um crescente interesse por Portugal e a Lusofonia em geral. Muitos vemos os telejornais da RTPI (através do satélite), lemos as notícias do jornal Público e o JN  (na Internet), e compramos montes de livros e revistas editados em Portugal. Na Galiza sabemos o que significou o mapa cor-de-rosa de Angola a Moçambique, que provocou o ultimatum inglês,  originando o que viria a ser hino nacional de Portugal. É curioso observar como aquele arranque de dignidade nacional, aquela agitação contra Inglaterra, tradicional aliado,  desembocou na criação da república. "Contra os Bretões, marchar, marchar". Depois foi mudado: "Contra os canhões...".

 

A expressão "A bem da nação",  lugar-comum em todo o planeta,  exprime um paradoxo e uma contradição: ao dizermos "nação" apelamos a uma solidariedade interna. Contudo, o nome em singular implica necessariamente a existência de outras nações, o que exige uma espécie de solidariedade universal. A origem desta contradição tem de ser procurada na história da Europa, mais concretamente na história social do latim europeu, na substituição da expressão  «nationes», pelo uso de «natio» em cada sociedade relacionada e identificada por uma mesma língua vernácula. São questões que não costumam ser explicadas nas aulas, e mereceriam alguma reflexão.

 

Bom, farei o artigo nos próximos dias, ou mesmo na Páscoa. (… )”

 

 

Aproveito para dizer que, no início do “A bem da Nação”, o conceito de Nação era efectivamente o dessa solidariedade interna mas que actualmente alarguei ao de “Nação Lusófona”, essa que só existirá se nós assim o decidirmos. Também comecei por tratar quase exclusivamente de temas económicos e de finanças públicas e, contudo, hoje já abordamos temas bem mais amplos. A linha editorial, essa, mantém-se incólume: identificação de problemas apontando soluções compatíveis com a democracia ocidental; debater ideias, referir factos para ilustração dessas ideias e nunca discutir pessoas, sobretudo se vivas.

 

Cá ficamos à espera da primeira “Crónica da Galiza”.

 

Lisboa, Março de 2007

 

Henrique Salles da Fonseca

 

 

 Bandeira da Galiza (modelo oficial)

CRÓNICAS DO BRASIL

A  BAGUNÇOCRACIA - 2

 

Continuando nas belezas desta terra, que tantas tem... O (des)governo consegue, com a comprada maioria na câmara dos deputedos, perdão, deputados, impedir investigações fundamentais para o progresso da democracia. É sabido que só se melhora a democracia, com mais democracia. Por aqui caminhamos em sentido contrário: menos democracia! E assim os escândalos, o do famigerado mensalão, o do apagão aéreo (as confusões com o controle aéreo, grave), o sumiço de milhões saídos dos Correios, etc. ficou por isso mesmo. Se vão cutucar com CPIs descobrem-se ainda mais escândalos, e o nosso grande líder pode ficar chateado. Assim entre com a votação da quadrilha e impede qye se descubram as verdades. Os deputedos, perdão, deputados, não tendo nada mais para fazer recomeçaram já a discutir o reajuste dos seus proventos - os mais altos do mundo! - e vinte e quatro depois tudo estava discutido e aprovado, na surdina, aproveitando que poucos compareceram ao plenário. Só, , aumentaram os seus imensos proventos em mais 68,5%! Nos entrementes a malandragem vai sobrevivendo roubando quilômetros de cabos da iluminação elétrica do Rio de Janeiro, os painéis de alumínio que forram, forravam, o prédio da assembléia legislativa da Cidade Maravilhosa, somem sinais e camaras de controle de trânsito, os etcs., etc.. Uma farra. Faz até mal ao coração acompanhar a corrida às eleições presidenciais em França! Doze candidatos, alguns com previsão de não obterem mais do 0,5% dos votos, mas todos, TODOS,  por lei, com igual tempo e espaço nos órgãos de informação, incluindo, óbvio, a tv. Aqui... os donos do poder ficam com horas e os pequeninos, no máximo uns vinte segundos. Viva a democracia tropical! No meio de tudo isto surge, saída da manga, uma habilidade do governo - tiremos o chapéu à grande mágica - que mandou refazer os índices do PIB desde há uma meia dúzia de anos para concluir que afinal o país cresceu muito mais do que anunciado, à imagem do que fez o vizinho Kirchner quando ficou chateado com os baixos índices de desenvolvimento da Argentina sob sua governança: despediu os responsáveis por esse departamento e mandou fazer as contas a seu bel prazer. Vivam os índices controlados pelo governo! Que pena esta gente não ler a carta de Pero Vaz de Caminha. Que beleza de encontro terá sido o dos primeiros portugueses com os índios! Dançaram, cantaram juntos, os nativos ajudando, voluntariamente, a colocar a grande cruz no local designado, a acompanharem a Primeira Missa com um profundo respeito pela demonstração de uma fé que não compreendiam, a visitarem e dormirem sossegados a bordo daquelas imensas máquinas de navegar, e tudo o mais que ali se relata e mostra como os homens, quando querem, tão bem se entendem!

 

Ainda hoje, em muitos países, como na Índia, os noivos só se encontram e conhecem nas vésperas do casamento. Não há namoro. Há um imenso desejo, de parte a parte de se entenderem e respeitarem, e raros são os divórcios. Nos países «avançados» namora-se muito (hoje, na cama) e quando casam logo se divorciam. Ninguém respeita ninguém, o sentimento de família parece ser coisa do passado e a sociedade se desintegra. Se isto se dá nas células base das sociedades modernas, como se pode querer que os governos se preocupem com os seus cidadãos, se estes sãos os primeiros a destruir a possibilidade de qualquer entendimento?

Rio de Janeiro,  23 de Março de 2007

Francisco Gomes de Amorim

 

Marquês d’Ávila e Bolama

Mais um faialense no topo da política da metrópole portuguesa

 

 

Apesar da falta de escolas nos vários níveis educacionais na maioria das ilhas atlânticas, os açorianos deixaram no universo português a sua marca não só como colonizadores e desbravadores mas também como homens de expressão na política e nas letras.

 

António José de Ávila nasceu na Horta a 8/3/1806 e faleceu em Lisboa a 3/5/1881.

Era um dos quatro filhos sobreviventes dos 10 filhos de Manuel José de Ávila, sapateiro descendente de picoenses, e de Prudência Joaquina Cândida, lavadeira, faialense.

 

Desde cedo mostrou vocação para o estudo e ainda na cidade da Horta deu os primeiros passos na gramática, no latim e na filosofia. Mas no Faial, como nas demais ilhas açorianas daquele tempo, para seguir os estudos a níveis superiores era necessário ir para o exterior, na maioria dos casos para o Continente, mais exactamente para Coimbra, berço da instrução universitária portuguesa. E para isso era necessário ter-se recursos financeiros, coisa difícil para aquela gente que mal tinha para viver. O estudo era só para os nobres e morgados, possuidores da riqueza e do poder. Sorte teve António José, seu pai enveredou pelos caminhos do comércio e melhorou de vida e assim, percebendo o potencial do filho, pode matriculá-lo em Coimbra no ano de 1822.

 

Formou-se em filosofia com brilho e distinção. Voltou para a Horta e lá ocupou a vaga do então falecido professor Roque Taveira. Mas seu espírito curioso e esclarecido almejava mais do que aquela pequena ilha podia lhe dar. Sonhava ir para a França, queria estudar medicina em Paris. As perturbações políticas não deixaram realizar o seu intento.

 

Sua cultura e prestígio insular levaram-no para a política faialense. Eleito para a presidência da Câmara, suscitou nas famílias abastadas e notáveis da ilha, o sentimento mesquinho da inveja, a ponto da morgada Labat, progenitora de larga prole, comentar aos amigos, o que se tornou piada na cidade: “Este mundo... O filho do Manuel José na Câmara e os nossos meninos em casa...”.

 

Já nessa ocasião redigia à rainha D. Maria II medidas urgentes para o progresso da nação. Galgou os vários postos políticos. Passou para o Senado em São Miguel, lá criou um batalhão de voluntários para guarnecer a ilha durante a guerra Constitucional. Activista e conservador, pugnou e conseguiu  a elevação da então vila da Horta a cidade. Defendeu a autonomia do Faial no Parlamento. Ascendeu rápido e alto, foi um caso de sucesso atípico, no meio da elite daquele tempo, onde as pessoas de origem humilde praticamente não tinham chances de projecção e aceitação social. Venceu pela sua competência e qualidades de político. De subprefeito de São Miguel foi para deputado, par do Reino. Foi eleito Governador Civil do distrito de Évora e aos 34 anos deram-lhe a pasta da Fazenda, que por sinal ocupou por quatro vezes. Quando a assumiu, as finanças portuguesas estavam de rastros, a economia debilitada e desacreditada. Suas acções, mesmo desagradando a muitos, conseguiram salvar o tesouro público português e restauraram a credibilidade económica da nação. Sua competência levou-o a ministro dos Negócios Eclesiásticos, dos Negócios Estrangeiros, e teve nas mãos a presidência do Ministério Português. Representou Portugal no Congresso de Estatísticas em Bruxelas, Berlim e Paris. À Espanha e a Paris foi enviado como ministro plenipotenciário. Mas célebre foi a sua actuação na questão da Ilha de Bolama, quando a Grã-bretanha, que tanto havia esbulhado o património português, queria mais essa pequena ilha, era questão de honra detê-la. E foi advogando em prol da causa portuguesa, fazendo valer os seus direitos junto ao árbitro da questão, o presidente americano, que conseguiu a resolução a favor de Portugal.   Esse episódio valeu-lhe o título de Marques de Ávila e Bolama (mais tarde de Duque) em reconhecimento da Coroa pelo seu excelente trabalho em defesa do património português.

 

Esse açoriano filho de sapateiro de ascendência picoense teve muitas outras actividades de importância. Foi Governador do Banco de Portugal e Vice-Presidente da Academia Real de Ciências. Recebeu tantas condecorações e comendas que foi chamado pelo caricaturista Bordalo Pinheiro de “Calvário de Condecorações”.  

 

É preciso lembrar às gerações que descendem dos açorianos que apesar de todas as limitações impostas a esse povo, ele não perdeu a capacidade de sonhar, de fazer e de se orgulhar, mesmo nas dificuldades e pobreza.

 

Uberaba, 24 de Março de 2007

Maria Eduarda Fagundes

   

Referência bibliográfica:

 

Anais do Município da Horta (Marcelino Lima)

Subsídios para a História da Ilha do Faial

 

CRÓNICAS DO BRASIL

A BAGUNÇOCRACIA – 1

Está difícil comentar a vida político-social desta terra. Falar em crimes, como homicídios, assaltos a pedestres, residências, bancos, automobilistas e outros similares, é redundância. Assassinatos de policiais, mais ainda. Revoltas nas cadeias, idem. Mas agora, para amenizar a situação, o nosso grande líder decidiu dar um prémio às famílias dos menores infractores!!! Uma mensalidade, tipo Bolsa Família, já apelidada de Bolsa Crime. O de menor assalta, rouba ou mata, tanto faz que para ele é igual e o estado (de sítio) passa a dar aos familiares uma espécie de salário mensal para combater a pobreza.

Em vez de dar antes de cometerem crimes e aos que se comportam, Deus sabe com que sacrifício e pressões contrárias, humanamente, provendo a sua educação e integração no mercado de trabalho, premeia assim e parece até estimular o banditismo.

Mas isto está muito bom. O glorioso governo, ao fim de quatro meses de REeleito o tal líder, ainda não está formado; apontam-se ministros com diversos processos-crime a correr nos tribunais e a briga pelos lugares chaves não acaba. E o governo... não governa. Aliás, quanto mais tempo ficar nesta inércia, melhor para o Brasil. Menos asneiras se fazem.

"A orgia e a peste" - Hieronymus Bosch (1450-1516)

Pelos vistos, no Brasil o crime vai passar a compensar

O Estado burocrático e corrupto cresce e o dinheiro não chega para tapar a buraqueira da máquina (des)administrativa, de modo que nada sobra para o tal desenvolvimento que foi anunciado como a grande esperança do crescimento.

Agora o minino Bush veio acenar com a possibilidade da compra de etanol ao maior produtor do mundo e há no ar uma espécie de esperança desesperançosa, uma vez que jamais os EUA irão querer depender do Brasil. Preferem invadir um outro Iraque qualquer se necessitarem de mais petróleo do que vergar-se à eficiência (?) dos latinos, que eles, cronicamente, odeiam. E os usineiros, grandes plantadores de cana, vistos até agora como latifundiários, reaccionários, extrema direita, esclavagistas e outros simpáticos ápodos, viraram os heróis do Brasil!

E o país corre atrás de investidores, venham eles da China ou da Coreia, para se produzir ainda mais etanol, porque a prata da casa mal chega para pagar a buRRocracia corrupta.

Mas como isto vai muito bem, obrigado, entretanto um vereador do Rio de Janeiro, depois de condenado em tribunal por orgias com menores... voltou a ocupar a sua cadeira na Assembleia Municipal.

Não perguntem se o Carnaval ainda não acabou. Ninguém saberia responder.

Rio de Janeiro, 20 de Março de 2007

Francisco Gomes de Amorim

Abade de Baçal

 

 

 

Francisco Manuel Alves

(1865 – 1947)

 

Personagens da cena que segue, ocorrida em Novembro de 1930:

 

  • Maria d’Assumpção d’Abreu Castelo Branco (1892-1972), filha dos Condes de Fornos d'Algodres, casada com Francisco de Barros Ferreira Cabral Teixeira Homem (1889-1966), proprietário da Casa de Samaiões, Concelho de Chaves, local da cena;

  • Padre Francisco Manuel Alves (1865-1947), Abade de Baçal

 

                         

Interior da Casa de Samaiões,  actualmente uma unidade de turismo rural

À mesa do almoço, a dona da casa deu a sua direita ao convidado especial e, após o agradecimento,  deu-se início à conversa:

 

- Hoje sucederam-me três coisas pela primeira vez.

- E que coisas foram, Senhor Abade?

- A primeira foi que me lavei duas vezes.

- Mas estava assim necessitado de tanta lavagem?

- Não, não. É que a certa altura da noite acordei e vi uma luz tão magnífica que julguei ser dia. Levantei-me, lavei-me e arranjei-me para começar o dia mas quando ia a sair do quarto, olhei melhor pela janela e foi então que vi um luar tão brilhante que me pôs na dúvida das horas. Olhei para o relógio e vi serem ainda 4 da manhã. Voltei a deitar-me e pelas 7 levantei-me, lavei-me de novo e comecei mesmo o dia que já despontara de verdade. Assim foi que hoje me lavei duas vezes.

- E qual foi a segunda novidade que hoje lhe aconteceu, Senhor Abade?

- Dormi com uma colcha de damasco.

- Mas, Senhor Abade, cá em casa sempre assim fazemos as camas: sobre as cobertas temos sempre uma colcha para afagar a rudeza das lãs.

- Pois foi esta a primeira vez que não senti a rudeza das lãs.

- E isso perturbou-lhe o sono, Senhor Abade?

- Ah! Claro que não, dormi lindamente até que vi a tal luz que me fez levantar.

- Estimo que se tenha sentido confortável. E qual foi a terceira coisa que lhe sucedeu hoje pela primeira vez?

- Na Celebração, fui acolitado por um fidalgo.

  Capela da Casa de Samaiões

Na verdade, o anfitrião fazia questão de ajudar à missa sempre que ela era celebrada em sua casa e, daí, o facto de o Abade de Baçal ter sido acolitado por um fidalgo.

 

Mas o que significam estas três novidades?

 

Revelam uma vida na maior austeridade em casa sem conforto e com portadas de madeira nas janelas, sem vidros que permitissem a entrada do luar. Revelam uma enxerga de conforto duvidoso, com a rudeza das lãs a roçar o rosto. Revelam a Celebração da Eucaristia para as gentes humildes, sem o recurso aos poderosos para obtenção de prebendas. Uma vida humilde ao serviço de uma Igreja humilde.

 

E foi este homem simples, vivendo nesta austeridade rural trasmontana, que certa vez foi convidado a proferir uma conferência em Lisboa, na Academia das Ciências. Foram os amigos que decidiram mandar fazer-lhe um fato para que o Abade não se apresentasse em Lisboa com a batina coçada e rudemente remendada que sempre usava nas serranias. Mandaram-no talhar “a olho” em Bragança por um alfaiate que nunca terá visto a personagem que havia de o vestir e se acertou no comprimento, sobrou-lhe por certo na largura e no aconchego. O resultado prático não terá sido de estética primorosa e o Senhor Abade apresentou-se na porta principal da Academia onde foi recebido por um porteiro engalanado que mais parecia um Doutor.

 

- O que é que Vossemecê quer daqui?

- Venho aqui para falar de …

- Vossemecê sabe escrever?

- Bem, qualquer coisa vou sabendo.

- Então escreva o seu nome.

 

Sem cartão de visita, buscou o Abade um canto de jornal onde escreveu o nome tendo o porteiro chamado um mandarete a levar o papel lá acima onde reunia a Academia.

 

E eis que passados momentos o porteiro se vê fulminado pelos olhos dos académicos que vieram em tropel ao átrio da Academia das Ciências receber com as maiores honras o conferencista por que aguardavam.

 

E o que se conclui desta passagem?

 

Conclui-se que o povo urbanizado mas ignaro não respeita os humildes de aspecto rural: “Se queres ver o vilão, põe-lhe o chicote na mão”.

 

E contudo, este homem simples, sóbrio e humilde que alguns julgavam um simplório, foi eleito membro da Academia das Ciências.

 

Lisboa, Março de 2007

 

Henrique Salles da Fonseca

 

Sacerdote secular, arqueólogo e historiador, de seu nome Francisco Manuel Alves (Baçal, Bragança, 9.4.1865 - ib., 13.11.1947), filho de Francisco Alves Barnabé e Francisca Vicente. Cursou preparatórios no Liceu e Teologia no Seminário de Bragança, sendo ordenado presbítero (13.6.1889) e logo nomeado pároco, ou abade da sua terra natal, por isso que ficou vulgarmente conhecido por Abade de Baçal, embora por vezes assinasse também Reitor de Baçal. Nunca paroquiou outra freguesia, vivendo uma vida entregue aos cuidados dos paroquianos, à sua lavoura e à investigação arqueológica e histórica, para a qual teve um singularíssimo instinto, sem necessidade de estudos científicos prévios, por isso havendo quem lhe aponte alguma assistematicidade nos estudos. Independente, modesto e sóbrio, misturado com o povo, foi nomeado (1925) director-conservador do Museu Regional de Bragança que hoje em dia ostenta o seu nome. Absorvido na arqueologia, não descurou os interesses da Igreja, participando nas polémicas que perturbaram a diocese no princípio do século XX, em defesa do seu bispo (O caso de Bragança e resposta aos Críticos, 1905, e Notas biográficas do Ex."' Senhor D. José Alves Mariz, bispo de Bragança, Porto, 1906). Deu vasta colaboração à imprensa, havendo artigos seus nos mais inusitados periódicos: (…). Em 1935 foi alvo de grande homenagem: atribuição do seu nome ao Museu de Bragança, condecoração com o Grande Oficialato da Ordem de Santiago, inauguração do monumento pelo escultor Sousa Caldas, sobre projecto do arquitecto Januário Godinho. Membro da Academia das Ciências, da Associação dos Arqueólogos Portugueses, do Instituto Etnológico, vogal da comissão de História Militar e membro de vários institutos académicos estrangeiros. A sua obra principal é constituída pelos 11 volumes das Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança, começados em 1909 e terminadas em 1947, fonte incontornável para o estudo da vida, história e valores do nordeste trasmontano.

 In http://www.bragancanet.pt/filustres/abadebacal.html

 

A riqueza do Pico

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As vinhas do Pico

Terra periférica, reserva humana e religiosa de Portugal, os Açores sempre foram tratados com algum descaso pelas autoridades da metrópole portuguesa, a ponto de muitos continentais não saberem exactamente onde ficam e quem os colonizou. Apesar de sua localização estratégica, de vital importância nas rotas marítimas dos séculos passados e nos serviços de comunicação internacional, via cabos submarinos, essas nove ilhas vulcânicas de beleza invulgar, desde o seu descobrimento, lutaram com enormes dificuldades para conseguirem subsistir.

 

A exiguidade do solo do Pico, basicamente pedregoso, fez com que os primeiros habitantes dessa ilha tivessem que picar a pedra vulcânica para terem terra para plantar e viver. A cultura do trigo, mais exigente, quase não tinha terreno, por isso era na fronteiriça ilha do Faial que os picoenses buscavam a farinha para fazerem o pão. Mas se esse solo era ingrato para o grão, para a vinha era uma dádiva.

 

Foi da Ilha da Madeira que chegaram os primeiros bacelos. A parreira agradeceu o suado chão com muita uva e da boa. Daí para o vinho foi questão de pouco tempo, da colheita de uma primeira safra, com certeza.

 

Em pleno século XVI a produção de vinho já era tão abundante que foram necessárias medidas extra para aprovisioná-lo em vasilhames. Do solo vulcânico, negro, pedregoso e ressequido, que guardava o calor do sol, brotava com fartura a videira, repleta de cachos sumarentos e doces, como uma oferenda de Baco aos cestos daquela gente.

 Os vinhedos da Ilha Montanha se expandiam e era tamanha fartura que em 1649 chegou-se a colher oito mil pipas de vinho. Houve época que era tanto que encheram tanques e embarcações por falta de recipientes para guardá-lo.

O Pico produzia o néctar dos deuses e o Faial, ilha irmã na formação e administração, comercializava-o e exportava-o através do porto da Horta. Era o progresso que chegava para aqueles ilhéus que encontravam na tanoaria, na vindima, na trasfega, na alcoolização, no estufamento, nos serviços de transporte e armazenamento do vinho, trabalho e riqueza para a Terra.  

 

Os brasis nos armazéns da ilha aqueciam o ambiente para o amadurecimento do vinho (cinco anos).   Envelhecido, limpo e graduado (14 graus), era avaliado por provas. A alcoolização para a protecção e fortificação era feita com aguardente da terra ou estrangeira, em geral francesa, a preferida pelos compradores ingleses (Casa Scott Idle De Sobradello & Cª) que no século XVIII tinham representação no Faial e revendiam-no para as Antilhas e Martinica. Os americanos e os habitantes da Nova Escócia vendiam-nos madeira e peixe salgado e levavam de volta o vinho do Pico como pagamento. São Petersburgo e Hamburgo muito apreciavam o malvasia exportado pelo Faial, que consideravam como vinho doce, um dos melhores.

Gustave Lebbe, viajante sueco que passou no Faial em 1800 escreveu “... A experiência de alguns meses me tem provado quanto é salutar o uso do vinho do Faial e posso afirmar com fundamento que o tempo o torna muito melhor, de modo que, com cinquenta anos, seria um verdadeiro tesouro numa adega. É inútil dizer que só me refiro ao vinho de boa qualidade” – (Arquivo dos Açores).

 

Para protecção da qualidade do vinho do Pico era interditada a importação de outros vinhos dos Açores, apesar das várias tentativas para introduzi-los com o objectivo de aumentar a produção, em detrimento da sua qualidade, coisa que seria um desastre para o Pico e Faial.  Felizmente por certo tempo a Câmara da Horta entendeu o problema e protegeu o comércio vinícola picoense. Porém no ano de 1810, os comerciantes conseguiram do Governo uma provisão derrubando essa protecção. O vinho importado das outras ilhas foi tratado, misturado e pelos comerciantes promovido e vendido mais barato com prejuízo para o famoso vinho do Pico, que para manter a qualidade perdeu financeiramente a colocação. Daí para a frente disputas e decretos governamentais favoreciam alternadamente produtores, comerciantes e taberneiros, enfraquecendo o comercio do excelente vinho, que era muitas vezes comprado e adulterado nas ilhas ou mesmo no estrangeiro, na busca desonesta do lucro.

 

Em 1852 uma praga (oidium) se abateu sobre as vinhas dos Açores. Foi um desastre ambiental e comercial para aquelas pobres ilhas que tinham no vinho a sua maior riqueza. Os produtores viram com horror secarem os vinhedos sem nada poderem fazer. Acabaram-se os empregos. Era o fantasma da fome que mais uma vez rondava os lares picoenses, acarretando outra leva de emigrantes para o estrangeiro.   A família americana dos Dabney, que vivia naquele tempo no Faial, importou dos Estados Unidos um microscópio para ajudar no combate à doença. Todos olhavam o parasita pelas lentes de aumento do moderno aparelho, mas... tudo foi inútil, as preciosas cepas se perderam, e como no caso da laranja, mais uma vez faialenses e picoenses amargaram o descaso das autoridades portuguesas e a pobreza.

 

Anos depois por iniciativa particular do produtor e plantador de vinhedos faialense Manuel da Terra Brum, um longínquo meu parente, para o alento dos produtores de vinho, introduziu a uva americana Isabel, mais resistente às pragas, mas de qualidade inferior. Salvou-se a produção doméstica da uva, mas nunca mais Pico e Faial produziram o vinho doce de qualidade, que tanta importância teve para o comércio dessas ilhas centrais.

 

Na actualidade estão tentando com a ajuda da ciência e tecnologia melhorar a qualidade do vinho dessas ilhas Atlânticas. Quem sabe um dia o vinho do Pico volte a ter a fama que o fez apontado de forma elogiosa por Tolstoi em um dos seus livros?

 

Maria Eduarda Fagundes

Uberaba, 22 de Março de 2007.

 

Ref. bibliográfica

Anais do Município da Horta

Subsídios para a História da Ilha do Faial

Autor Marcelino Lima

1943 Vila Nova de Famalicão

CRÓNICAS DO BRASIL

O  Rei  Belchior

 

Os textos sagrados, coevos ou não, são um tanto confusos sobre aqueles três, ou quatro, segundo algumas fontes, Magos ou Reis Magos, que foram ajoelhar em frente de um Menino.

Esses Magos seriam o que chamaríamos hoje de Sábios. Eles sabiam que algo de grande, único, tinha acontecido, quando viram no firmamento aquela estrela, nova e brilhante, que se movia, e que eles entenderam que os estava a chamar.

Um deles ficou conhecido como o Rei Belchior. O que levou um pouco de ouro para o Menino pobre que acabara de nascer. Ele sabia que aquele Menino, apesar de ter nascido em condições de total pobreza, e talvez por isso mesmo, não era um Menino qualquer.

Porquê, e para quê, o Sábio-Rei Belchior terá vindo lá da longínqua Pérsia, atravessado montanhas e desertos para fazer semelhante oferta? Talvez para, com a sua sapiência, mostrar a todos os povos da terra a submissão das riquezas materiais a um novo mundo que esse Menino vinha anunciar. Os ídolos de ouro, já condenados e destruídos por Moisés, mas jamais erradicados da cabeça e da ganância dos homens, eram assim colocados no seu verdadeiro lugar: ajoelhados perante a Verdade, o Amor ao Próximo, a Paz. Um pouco de ouro para um pobre.

Hoje, passados dois mil anos, é cada vez mais assustador continuar a assistir-se ao extrair até à última gota de suor e de ouro aos pobres de todo o mundo. Tiram-lhes o ouro e as vidas e vendem-lhes quimeras e guerras.

Por estas, depois do festival de deploráveis manifestações anti-Bush, que não levam a lugar algum, mas ajudam sempre alguém a subir um pouco mais, começa agora a reinar a euforia de que vamos inundar os EUA com etanol.

O Brasil tem muita terra agrícola disponível, o MST tem 150.000 trabalhadores vagabundeando e assaltando fazendas e prédios do governo, a quererem terra, de modo que num vapt-vupt isto até parece que poderia virar o tal El Dourado! O equilíbrio do eco sistema que se...

Infelizmente não vai ser essa facilidade. A tecnologia já tira etanol da celulose, o que deverá ter um custo inferior ao da cana, e a burocracia e ladroagem vão impedir que, com a destreza necessária, o país avance um grande passo.

Vamos assistir, quem viver, ao Brasil crescer sim, quando o aquecimento global voltar a transformar a Europa num só glaciar. Aí sim, o ouro vai chegar aos bolsos de todos. Ou quase todos. Por ora distribui-se só entre a camarilha do desgoverno.

O que será difícil é ver o ouro ajoelhar-se frente a todos os meninos pobres. Parece que o homem não tem capacidade para entender que o verdadeiro ouro é a Paz.

 

Rio de Janeiro, 16 de Março de  2007

Francisco Gomes de Amorim

LIDO COM INTERESSE – 13

 

 

 

Bergreen-Magalhães.jpg 

Título: FERNÃO DE MAGALHÃES – para além do fim do mundo

Autor: Laurence Bergreen

Tradutor: Inês Castro

Editora: Bertrand Editora

Edição: 3ª - Outubro de 2005

 

 

- x – x -

 

 

Fernão de Magalhães desistiu de tentar convencer o rei D. Manuel I de lhe armar uma frota para alcançar as Molucas pela rota ocidental depois de o seu pedido ter sido recusado três vezes. Voltou-se para Espanha que queria para si o comércio das especiarias. Carlos I, arqui-invejoso de Portugal, fez-lhe a vontade.

 

Naquela época não se conseguia medir a longitude com exactidão, não se sabia onde passava a linha do Tratado de Tordesilhas lá no outro lado do mundo, nada se sabia sobre as dimensões do mar que ficava do lado de lá, não era certo que houvesse passagem entre o pólo antárctico e a terra que se estendia para sul do Brasil. Temia-se que o mar fervesse e terminasse num precipício, que houvesse monstros malignos e ilhas magnéticas que despregassem os navios. O fogo-de-santelmo era protecção divina, a Ciência misturava-se com a mitologia e a imaginação ilustrava os mapas de marear.

 

São 408 páginas que um português devora mas que devem nausear um espanhol; são 19 páginas de explicações sobre as fontes bibliográficas e 9 de bibliografia; finalmente, 3 de agradecimentos.

 

Afinal, o primeiro homem a circum-navegar o mundo chamava-se Henrique e a sua história daria por certo um livro bem interessante. Dá perfeitamente para lhe imaginar o percurso e apetece estudar-lhe os passos e vivências.

 

 

 

 

 

 

 

 

Punta Arenas, Patagónia, tem um belo monumento a Fernão de Magalhães 

 

Quem ousa imaginar aquelas casquinhas de noz a que chamavam navios a enfrentar ondas com 18 metros de altura na rota do Cabo das Tormentas? E como seria com os tufões no mar da China? E com o escorbuto?

 

O Autor faz-nos seguir a par e passo o relato de António Pigafetta, o veneziano fidelíssimo cronista de Fernão de Magalhães, de um modo muito realista e nada fabuloso, em contraste com relatos épicos de balofa verosimilhança tão em voga na literatura das navegações.

 

A págs. 330, um trecho sobre Ludovico di Varthema, de Bolonha, que chegara às Molucas em 1510, que não deixo que se perca: «(…) contou-se entre os primeiros a conseguir olhar por detrás do véu do Islão.»

 

Gostei e tive pena quando cheguei ao fim.

 

Lisboa, Março de 2007

Henrique Salles da Fonseca em Curaçao (2011) 

Henrique Salles da Fonseca

A Encruzilhada de Quioto – 3 (última)

José Nunes Maia

 

Junho de 2005


III PARTE

 

 

2 – A Encruzilhada de Quioto

 

Sendo a natureza do problema sobretudo de ordem política, não se estranhará que, à medida que tal entendimento se vier a alastrar, se multipliquem as tomadas de posição sobre o Protocolo de Quioto de acordo com a diversidade de correntes políticas e ideológicas presentes no mundo contemporâneo. E, em tal contexto, certamente com crescente exuberância, já que desaparece – ou, pelo menos, se desvanece – o óbice científico e/ou técnico que por vezes condiciona a tomada de posição política em questões complexas.

 

Não custa prever que as tomadas de posição política se distribuam por um leque alargado que irá desde a rejeição do Protocolo de Quioto até à sua defesa acérrima. Notemos que, embora tenha sido subscrito por muitos países subdesenvolvidos, o Protocolo de Quioto pode no entanto vir a ser considerado como mais um instrumento de domínio dos países mais desenvolvidos, que, de resto, se destacaram na sua concepção e organização; em contrapartida, não faltará quem, de facto, o considere como um texto “evangelizador” dos tempos modernos, portanto, intocável.

 

O distanciamento, senão a rejeição, do Protocolo de Quioto pode entretanto basear-se mais em razões de ordem técnico-económica do que política [cf. MOURA (2004)], na linha da concepção de que os sacrifícios económicos que implicará não parecem ser justificados pelas eventuais vantagens que resultarão da sua aplicação.

 

Segundo a nossa análise, em face das dúvidas de ordem científica e da natureza de ordem política que parecem subjazer ao Protocolo de Quioto, também não encontramos razões fortes para a sua defesa. Mas cabe alertar para os riscos da rejeição pura e simples do Protocolo de Quioto, que, no concreto, pode começar pela rejeição do comércio de emissões (comércio, que, a nível comunitário, começa a ser organizado) e acabar no abandono do estudo do impacte das alterações climáticas. É que falta saber se, da aplicação do Protocolo de Quioto, e admitindo que esta vai conseguir evitar um retrocesso económico, resultará ou não uma dinâmica de transformações que em muito ultrapasse a questão da emissão dos gases com efeito de estufa.

 

Na verdade, independentemente da sorte do Protocolo de Quioto, importa velar por duas questões de fundo que, à partida, lhe podem vir a ser associadas: a insuficiente capacidade actual para produzir energia a partir de fontes renováveis, a nossa fraca capacidade para, em termos globais, nos adaptarmos às alterações climáticas. Trata-se de dois desafios que se colocam à Humanidade, não se vendo como se pode continuar a falar de desenvolvimento sustentável sem os encarar.

 

Quanto à produção energética, independentemente do muito que se pode vir a beneficiar das melhorias ligadas aos ganhos de eficiência no consumo, importa não escamotear que a energia é uma questão central – produção material, produção de serviços, mobilidade – na organização da vida cómoda em sociedade evoluída, pelo que, a eliminar desigualdades sociais, as necessidades de energia vão crescer muito, mesmo que a população mundial não crescesse. E se o petróleo não acaba amanhã, sabemos que a sua disponibilidade já foi muito mais significativa. A produção de energia a partir de fontes renováveis não é, portanto, um problema que possa ser adiado mais ou menos indefinidamente. Aliás, embora que em referência fugaz, a própria Comissão Europeia não deixa de colocar [cf. CE (2005)b, pp. 25 e 27] na paleta das formas de energia a desenvolver a via da energia nuclear. O que, sem esforço, pode ser aceite como uma medida prudente na procura de um leque de formas de energia disponíveis, em alternativa à forte dependência do carvão, cujas reservas são mais duradouras.


 

Quanto às alterações climáticas, independentemente dos nossos esforços para tentarmos reduzir as nossas eventuais influências no clima, configuram-se como um dado da história geológica, pelo que se não vê como poderemos alhear-nos delas, quando, além do mais, como já referimos, se pretende caminharmos para o desenvolvimento sustentável. Não é de crer que a Humanidade logre nas próximas décadas uma situação que a imunize dos efeitos devastadores que podem estar associados às alterações climáticas; mas, da mesma forma que nos podemos e devemos preparar melhor para enfrentar as consequências doutros cataclismos (sismos, erupções vulcânicas), também as alterações climáticas devem estar na agenda científica, económica e política.

 

E se muitos estudos são necessários para entender melhor os fenómenos em causa, uma consideração elementar cabe enfatizar: quanto maior for o saber e a produção de riqueza, mais hipóteses tem a Humanidade de conseguir melhores condições para enfrentar agruras mais extremas da Natureza. Que se desenvolva, pois, a ciência e que cresça a economia, por forma a que a criação de melhores infra-estruturas seja possível bem como a segurança a nível pessoal. É claro que isto também implica a distribuição de riqueza, não apenas a sua produção, mas esse já é um velho problema político bem mais conhecido.

 

Ora, a respeito destas duas questões de fundo – produção energética sem petróleo e alterações climáticas –, nada parece estar garantido com o Protocolo de Quioto, já que não é de excluir que, a vingar, o mesmo possa vir a ser reduzido à questão da emissão de gases com efeito de estufa. Mas quem optar pela crítica pura, eventualmente combate, do Protocolo de Quioto {se é que, em verdade, vai ser preciso combatê-lo na versão actual, tal é o número de problemas que o dito tem pela frente [cf. VICTOR (2004)]}, será bom que não esqueça que, mesmo que por ínvios caminhos, o Protocolo de Quioto pode, pela dinâmica das transformações que logre introduzir, ser parte de um programa que, eventualmente, traga no seu bojo algo de muito positivo para a Humanidade.

 

Visto que, em vez de uma estrada recta e segura para a resolução dos problemas ligados às alterações climáticas, que é uma imagem que traduz a ideia que os entusiastas do Protocolo de Quioto dele gostam dar, pode o mesmo, no entanto,


configurar-se como o centro de uma encruzilhada em que podem confluir várias estradas, nem todas com direcção respeitável, é certo, mas dispondo de algumas com potencialidades não desprezáveis.

 

Por exemplo, a esta luz, a sequestração do dióxido de carbono pode tornar-se um alvo não prioritário do saber científico e técnico, bem como pode perder prioridade a procura de métodos alternativos relativos a processos de transformação não energética com libertação de dióxido de carbono (exemplo emblemático disto é a produção de clínquer, na fabricação de cimento), mas o saber para a mudança tecnológica ligada à produção e distribuição de energias renováveis já é urgente enquanto promessa de libertar a Humanidade da dependência excessiva dos combustíveis fósseis.

 

Por tudo isto pensamos que, tendo em conta o peso institucional da ONU e, em particular, o da União Europeia, será prudente, sem minimizar os riscos que um tal programa encerra, exercer uma vigilância crítica sobre a aplicação dos dispositivos previstos pelo Protocolo de Quioto e políticas e medidas relacionadas, a fim de tentar retirar proveito dos objectivos vantajosos que, eventualmente, lhe podem estar associados.

 

A vigilância crítica justifica-se tanto no âmbito das políticas e medidas internas ao programa no espaço comunitário europeu, no sentido de conceder clara prioridade à promoção de tecnologias energéticas sobre fontes renováveis, como no âmbito mais geral da sua difusão, designadamente pelos países menos desenvolvidos. No plano interno europeu e, em particular, para Portugal, importa que a promoção das novas tecnologias não implique atraso no crescimento económico; no plano da sua difusão pelos países menos desenvolvidos, se as novas tecnologias são de saudar como meios alternativos à disposição de quem procure o desenvolvimento, as mesmas não têm no entanto de se transformar em caminho único para o crescimento económico, em particular, enquanto subsistirem tão pesadas dúvidas no plano científico quanto aos efeitos da utilização de combustíveis fósseis nas alterações climáticas.

 

E se colocamos o acento tónico das conclusões da nossa reflexão na esfera da economia, em particular, das políticas industriais correlacionadas com esta problemática, lembremos, no entanto, que delas podemos retirar importantes indicações para hierarquizar linhas de investigação científica neste tema tão vasto e tão cheio de interrogações. Desde logo na esfera da economia ecológica.


 

FIM

 

BIBLIOGRAFIA

 

BAIRD, C. (2002), Química Ambiental, Tradução de Maria Angeles Lobo Recio e Luiz Carlos Marques Carrera, Bookman, Porto Alegre, Brasil.

CE (2005)a, Winning the Battle Against Global Climate Change, título da Comunicação COM (2005) 35 final, de 9-2-2005, Bruxelas, da Comissão Europeia, dirigida ao CE, PE, CESE e Comité das Regiões sobre a estratégia de redução de emissões no médio e longo prazo, isto é, após 2012.

CE (2005)b, Comission Staff Working Paper / Winning the Battle Against Global Climate Change / Background Paper, disponibilizado pela Comissão Europeia em anexo à versão draft de CE (2005)a.

CHANG, R. (1994), Química, 5.ª Edição, McGraw-Hill, Lisboa.

FELLENBERG, G. (2000), The Chemistry of Pollution, translated by Allan Wier, John Wiley & Sons, Chichester, England.

FERRY, L. (1992), A Nova Ordem Ecológica, Tradução de Luís de Barros, Edições Asa, Lisboa.

MOURA, R. (2004), Protocolo com uma morte anunciada, in Le Monde Diplomatic, Setembro de 2004, pp. 26-27, versão portuguesa.

PEREIRA, J. S. (2002), Alterações Climáticas – O Papel dos Engenheiros Florestais, in Ingenium, Mar/Abr 2002, pp. 30-34, Ordem dos Engenheiros, Lisboa.

SANTOS, F. D. et al (editors) (2002), Climate Change in Portugal. Scenarios, Impacts and Adaptation Measures. Siam Project, Gradiva, Lisbon.

VICTOR, D. G. (2004), The Collapse of the Kyoto Protocol and the Struggle to Slow Global Warming, Princeton University Press.


 

 

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