Cheguei a Hong Kong no dia 23 de Dezembro de 2006, em trânsito para Macau. Com o actual aeroporto já se perdeu aquela aventura que existiria nos tempos do antigamente de aterrar quase pelo meio dos prédios da cidade a ver as donas de casa a engomar a roupa.
Mal aterrámos e passámos a Alfândega, logo fomos detectados por quem a nossa Agência de Viagens encarregara de nos encaminhar ao destino. Afirmo categoricamente que se tratava de alguém que já não era jovem mas houve duas coisas que não lhe consegui detectar: idade aproximada e género. Situar-se-ia, talvez, entre os 40 e os 70 anos de idade mas, não sendo homem, também não me pareceu que fosse mulher. O que sei é que logo ali começou uma correria por uma auto-estrada moderníssima em direcção a uma enorme estação marítima repleta de gente a subir e descer escadas rolantes em direcção a locais enigmáticos com nomes nossos desconhecidos, comprando apressadamente bilhetes numa fila interminável que quem nos acompanhava ultrapassou sem a mais pequena cerimónia para não corrermos o risco de perder a carreira, maratona esta que só cessou quando finalmente nos sentámos no ferry catamaran que disparou por ali fora, também ele com medo de perder o destino. E este interminável parágrafo é bem pequeno quando comparado com a azáfama a que fomos obrigados depois de um entorpecedor voo de 11 horas. Passar num ápice do parado à correria até pode fazer mal à saúde. Não somos carros de corrida que façam poucos segundos dos zero aos cem quilómetros de velocidade. Mas sobrevivemos. Fique aqui o registo para memória futura de que o “jet lag” e o stress fazem uma salada de gosto amargo para quem nasceu há mais de 60 anos. E a propósito de salada, lembrei-me então do dito lisboeta de que a dita de alface “só fica a preceito quando temperada por um cego e mexida por um louco”. Nós íamos cegos de cansaço e doidos com a correria. Seguiu-se uma viagem de cerca de uma hora até Macau ao longo da costa cantonesa pejada de baías, promontórios e outras belas paisagens. Gostei, a salada saiu a preceito.
Andando pescadores e piratas nas respectivas fainas, todos invocando a protecção das Divindades dos mares do sul da China, recolhiam ao seu abrigo natural quando disso era mister ou os ventos se levantavam em tufões. Eram os rododendros a planta nativa mais abundante nas encostas circundantes daquelas águas calmas. O aroma suave chegava-lhes a ocultar os odores do peixe fora de água ou de outros mais típicos da espécie humana. Por isso lhe chamaram Hong Kong, o que no nosso linguajar significa Cheiroso Porto. Se aos súbditos britânicos não choca essa inversão dos factores, nós sempre preferimos chamar-lhe Porto Cheiroso. Mas como a colónia não foi lusa, prevaleceu o nome pela ordem cantonesa.
Nessa vida andaram séculos e mais séculos até que uma época chegou em que apareceram gentes de grandes narizes, pele rosada e . . . cheirando a mortos. Não eram os mesmos que viviam em A-Mah Gao; estes não vinham para viver e não faziam tantas rezas como os outros.
Aos outros, o Imperador Celestial oferecera A-Mah Gao como agradecimento pela ajuda no combate aos piratas; a estes, o Imperador tivera que conceder a ilha de Hong Kong e a península de Kowloon por ter perdido a Guerra da Ópio; os das rezas fizeram uma fronteira de pedra e cal, as Portas do Cerco; estes fizeram uma fronteira em tapume de madeira de modo a avançarem todas as noites alguns metros para dentro do Império do Meio; os outros perfilhavam os filhos que faziam às chinesas com quem viviam; estes não autorizavam que chineses e cães se aproximassem dos seus jardins; aqueles aprendiam a falar a língua do sul da China; estes obrigavam os chineses a falar a língua que traziam lá de longe, o “ínglixe”.
E havia mais uma diferença: quando alguém fugia do Império do Meio e chegava a Hong Kong a nado ou numa sampana, estes mandavam-no de volta e os mandarins cortavam-lhe o pescoço; os outros, os de A-Mah Gao, não recambiavam os fugitivos e, se bem que não lhes dessem cama nem roupa lavada, pelo menos deixavam-nos viver.
Foi por causa destas diferenças que aqueles narizes compridos de A-Mah Gao lá ficaram quase 450 anos e estes, os de Hong Kong, só cá ficaram 150. Todos têm narizes compridos, pele rosada e cheiram a mortos mas com uns pode-se viver e com os outros . . .
Terá certamente sido o pragmatismo britânico que induziu os chineses de Hong Kong a substituírem os rododendros por cebolas e assim foi que do aroma ficou o nome que quanto a rododendros, só estilizados aparecem na bandeira. As cebolas foram a boa desculpa para as muitas lágrimas vertidas pelo desprezo a que os da terra se sentiam votados pelos forasteiros.
Hong Kong é um centro comercial em ponto grande e parece que não dorme. Digo que parece pois não fui testemunha do que por lá se faz a horas menos cristãs. Fui dar um giro depois de jantar à zona em que há comércio daquelas bugigangas que as Senhoras tanto gostam de ver: barraquinhas ao longo do eixo da rua, de costas voltadas para as lojas de pedra e cal, mercadoria bem insinuada pelos olhos dentro de clientela menos mexedora que a espanhola, algum artefacto mais útil a constituir excepção à futilidade da regra definida. Mas ao longo de Nathan Road, aí sim, lojas de marca, luxo a sobrar. Deliciei-me ao ver a loja da portuguesíssima “Aerosoles” assim como já gostara de ver em Macau a da “Vista Alegre”. Afinal, não são só as lojas dos 300 em Portugal que pertencem a chineses, na China também há lojas portuguesas por muito mais que 300.
Basta reparar no tamanho dos edifícios dos inúmeros Bancos para se constatar que Hong Kong deve ser uma mega-praça financeira. Não dá para saber se a hegemonia regional se manterá por muito tempo pois está visto que Xangai quer subir ao pódio mas, de momento, a actividade parece ser febril com a Bolsa de Valores mais activa daquelas partes do mundo. Basta sabermos que em Dezembro de 2006 ali se movimentou algo como o equivalente a 1,71 triliões de Dólares americanos para podermos imaginar que o que por ali vai . . . não vai na rua: em número de empresas cotadas, é das maiores a nível mundial. Este, sim, o grande item do modelo local de desenvolvimento.
O edifício da Bolsa tem mais de 50 pisos, o que é banal em Hong Kong
A super-dimensão do edifício que alberga a Bolsa é de facto impressionante mas como por lá todos os edifícios são muito altos, quase olhamos para ele com alguma indiferença. É que quem por lá tiver menos de 40 pisos, passa por abarracamento do Casal Ventoso. Edifícios com 50 pisos são banais e a competição está em curso para saber onde se constrói o prédio mais alto do mundo. De momento, o record está em Taipé mas Xangai já lhe vai no encalço. Os cálculos de engenharia devem ser notáveis mas temo que a sensatez não ande por ali ao rubro.
O Pico Vitória, na Ilha de Hong Kong propriamente dita, tem escassos 400 metros de altitude mas, um pouco além de meia-encosta, existem duas torres de apartamentos com 80 pisos. Quase no topo do Pico, existe um miradouro donde se desfruta uma vista deslumbrante mas . . . os últimos pisos de alguns dos prédios da cidade ultrapassam a altitude do miradouro. Exactamente no Pico Vitória existe uma antena de rádio ou televisão mas bem junto dessas instalações, uns bons metros acima do miradouro, há prédios de habitação com vários pisos. Se há ocasiões em que se diz que o Céu é o limite, creio que em Hong Kong só vão sossegar quando, do lado de fora da janela da cozinha de um desses apartamentos, se encontrar alguém a tocar harpa, sentado numa nuvem.
A família Salles da Fonseca sentiu que era justo posar perante o valioso equipamento do fotógrafo chinês que ganha a vida no miradouro do Pico Vitória
A regra dos 45 graus vulgarmente aplicada em Portugal – e creio que na Europa, de um modo geral – diz que do topo de qualquer edifício deve poder extrair-se uma linha nesse ângulo que tem que chegar ao solo. Assim se definem as alturas máximas em função da distância às edificações circundantes. Pois bem, essa regra deve ser proibida naquelas paragens e quem a ela se referir, correrá certamente o risco de internamento em hospício para alienados mentais. É vulgar que a metade inferior de cada prédio nunca receba a luz directa do Sol e, em contrapartida, cada um fique na intimidade dos vizinhos da frente. Lúgubre é a palavra cuja sonoridade mais se aproxima desta realidade. Contudo, as populações continuam a querer afluir a estas condições de vida. Dá para imaginar como será o estilo de vida do outro lado da fronteira, na Província de Cantão...
Certa noite fomos jantar ao restaurante “Aqua” que se situa no 29º piso de um prédio perto do cais, em Kowloon. O luxo sóbrio da arquitectura do átrio prometia agradáveis surpresas e assim foi até ao topo, incluindo o próprio elevador. As recepcionistas do restaurante esperam os clientes à saída do elevador e logo nos encaminham para a sala através de uma porta que à nossa aproximação se abre automaticamente sobre uma plataforma em degraus até uma janela “de corpo inteiro” que nos apresenta uma paisagem deslumbrante de néons, navios acostados a nossos pés, a ilha de Hong Kong e seus arranha-céus piramidais, o Pico Vitória e as torres descomunais, a loucura transformada em paisagem num repente para que não estávamos preparados. Já conheço um pouco mais do mundo para além do meu bairro em Lisboa mas confesso que dei por mim extasiado, de boca aberta, feito saloio. Lindíssimo! O jantar foi bom mas quase nos esquecemos que lá íamos para isso. Passados os olhos pelo restaurante propriamente dito, éramos todos europeus com excepção de quem nos servia.
Deslumbramento completo. Não me lembrei de perguntar como se diz "féerie" em cantonês
No território, à falta de um, há dois hipódromos de corridas de cavalos e as apostas são um negócio muito importante para milhões de apostadores e alguns milhares de correctores, jockeys, tratadores, proprietários de cavalos, etc. O vício do jogo está profundamente arreigado nos chineses e se não fosse conduzido para entretenimentos com alguma sanidade, certo seria que havia de degenerar para vias pecaminosas. Porque será que só o legislador português é que não vê esta evidência?
Deixo para o fim um mistério que propositadamente não esclareço: como é que na língua cantonesa falada em Macau “porto” se diz “gao” e no cantonês de Hong Kong se diz “kong”? Confesso que não me preocupo muito com a questão e atribuo a diferença a um qualquer sotaque regional semelhante à “vaca” no sul de Portugal e à “baca” lá no norte. Ou então foi a dureza de ouvido dos ingleses que levou a esta diferença; pela nossa parte fomos muito mais genuínos e só usámos apócopes e corruptelas . . .
O final da primeira parte relata que as lutas entre a Inglaterra e a Espanha seriam prolongadas, tanto no cenário europeu quanto no americano, na medida em que a rota do Atlântico alcançava importância.
Até ao século XVIII, as colónias espanholas na América tinham dois núcleos destacados: México e Nova Granada próximos do Caribe e Peru do lado do Pacífico. Na fase da luta marítima do corso, o comércio da Espanha com suas colónias americanas baseava-se no sistema das duas frotas. Ambas saíam e regressavam a Cádis. A primeira frota destinada ao núcleo de Nova Granada; a segunda, ao núcleo do Peru. Na parte sul do continente os interesses espanhóis estavam concentrados principalmente no Peru. Callao era o porto da frota do sul e Lima a sede do governo colonial. Do porto de Callao, as mercadorias trazidas pela frota eram distribuídas e a ele afluíam as que se destinavam à Espanha para distribuição na Europa por intermédio de Cadiz. De Lima, sede política e administrativa, derivavam os actos e benefícios de que dependiam as colónias espanholas na área do vice-reinado do Peru.
Cadiz - por aqui "respirava" a Castela imperial
O progressivo desenvolvimento de áreas de posse espanhola ao sul do continente distante de Lima, dela dependentes por longos roteiros terrestres, de percurso difícil e perigoso, tornou inconveniente para elas a subordinação a uma sede colonial que não tinha condições para exercer a sua função. Inconveniente, também, a subordinação a um porto cuja distância onerava os transportes e os preços, além da sobrecarga devido ao transbordo de um mar a outro, por via terrestre, na zona do Panamá. Enquanto as áreas da parte sul permaneceram pobres, mantiveram-se em posição secundária e suportaram as dificuldades da dependência de Lima e Callao. Essa situação começou a mostrar as suas graves dificuldades a partir do século XVIII e na medida em que aquelas áreas conheceram o desenvolvimento que antes não tinham. Não se deve a tais factores, unicamente, as alterações que a realidade começava a exigir.
Madrid decide, por essa época, implantar mudanças significativas no sistema colonial por causa da prolongada crise que o enfraquecia. A persistência dessa condição era um risco para a posição da Espanha no cenário internacional.
A conjuntura mundial e as dificuldades da burguesia espanhola permitiram que essa nova classe em ascensão no ocidente europeu encontrasse, no caso da Espanha, condições para trabalhar em aliança com a classe feudal dominante no país. A burguesia espanhola pode disputar novamente, como na primeira fase da expansão ultramarina, uma parcela dos lucros da exploração comercial das áreas coloniais.
A principal mudança efectuada por Madrid foi a do desenvolvimento do comércio até aí submetido a numerosos entraves. Essa medida libertaria as colónias de impedimentos para as trocas com a metrópole em primeiro lugar; com as outras colónias depois e por último com os países não concorrentes. À Espanha ficaria reservada uma posição monopolista, ou seja, o impedimento da produção, nas colónias, daquilo que a metrópole estivesse em condições de fornecer. As colónias teriam a função de fornecedoras de matérias-prima e alimentos. À metrópole caberia o suprimento de produtos ou mercadorias elaboradas, de sua produção ou não. Esta política proteccionista comercial e industrial impôs ao império colonial uma carga funesta, pois o aparecimento de qualquer ramo da manufactura importava em concorrência desleal aos olhos da burguesia espanhola e da Coroa. A nova política económica conferiu novo sentido às leis. Desde os tempos da conquista era proibido a produção e exportação de bens nas colónias. Pela primeira vez as leis tiveram aplicação efectiva. Até fins do século XVII as restrições estendiam-se principalmente aos ramos mais nobres da agricultura (vinho e azeite) e tratavam sobretudo o comércio intercolonial. No século XVIII as medidas eram destinadas a impedir o surgimento de manufactura colonial.
Estas mudanças ocorriam na fase em que o Atlântico sul emergia em importância como área de troca e a Inglaterra conquistava o mercado sul-americano ao eliminar, dentre outras, a França, sua principal concorrente. O sistema de duas frotas regulamentado em 1720 é substituído pelos navios de registo. As rígidas rotas comerciais em vigor deixaram de ser obrigatórias. O tráfico sempre rigorosamente articulado apenas por meios oficiais é liberado em benefício intencional da burguesia espanhola e da Corôa. Esta representante da classe feudal. Todo esse conjunto de medidas resultaria em benefício também dos grupos mercantis coloniais.
Com o passar do tempo, a extensa faixa entre o Peru e o Prata desenvolveu-se acentuadamente e o porto de Buenos Aires, no estuário platino, alcançou posição de destaque. Ao mesmo tempo e progressivamente acontecia a implantação da nova política colonial. O Atlântico sul ganha importância como área de troca. A ocorrência de transformações internas no sul do continente de dominação espanhola resultou em extraordinário desenvolvimento da criação pastoril ao lado de outras actividades de menor importância. Crescia o comércio de couro. Já a mineração, dependente da administração de Lima, buscava saída por Buenos Aires sem observar as determinações legais e usuais dos governantes do vice-reinado do Peru.
A prática do contrabando foi consequência dessa dificuldade e operou enquanto o sistema das duas frotas não chegava ao fim. Uma nova estrutura de produção e de troca estava a exigir normas diferentes. O regime dos navios de registo proporcionou uma verdadeira mudança nos processos comerciais vigentes. Buenos Aires iria destacar-se como líder comercial de extensa área. A burguesia mercantil encontraria oportunidade extremamente favorável ali. Buenos Aires e a região platina que liderava estavam preparadas para enfrentar as transformações em curso. O mesmo não acontecia com Lima e a região sob a sua administração, onde imperavam as condições remanescentes do que era mais velho no sistema colonial. Não havia possibilidade para o aparecimento de um grupo mercantil destacado. O início da liberação do Prata do domínio económico peruano, fez aumentar a resistência limenha. Buenos Aires adoptou, por longo tempo, medidas administrativas para fiscalizar os metais preciosos oriundos do Peru. Elas impediam o escoamento daquele bem que a Espanha tanto prezava e Lima temia esta fiscalização.
Prejudicada pelas imposições de Lima, Buenos Aires busca mercados externos não espanhóis principalmente o Brasil, centro activo de contrabando. Esse tráfico ilegal gera protestos do governo de Lima. Em consequência dos protestos o édito de Andonaegui expressa a intolerância sobre o envio de mercadorias à Europa por intermédio do porto de Buenos Aires em desrespeito ao costume de remessas via porto do Panamá e Porto Belo para assim fomentar o comércio dessa rota.
Os protestos de Lima são acolhidos enquanto a política colonial obedece às normas do velho sistema. Quando o novo surge não encontra eco nas autoridades metropolitanas. As concessões de registo aumentam em número e o volume comercial sulino ascende. O Prata consolida-se em actividade de comunicação e troca até então desconhecida ou vedada. Na Espanha, além de Cadiz, outros portos são franqueados para fins de trocas com a América, enquanto as barreiras comerciais são rompidas entre as colónias. Buenos Aires habilita-se como porto de crescente importância e consagra a sua posição. As autoridades de Lima, no Peru, reconhecem essa supremacia.
Para coordenar o novo sistema económico era indispensável uma repartição política e administrativa. Foi por força das referidas alterações, progressivamente introduzidas e com efeitos também progressivos, que o coroamento formal da primazia de Buenos Aires aconteceu a partir da criação do VICE-REINADO DO RIO DA PRATA.
vA operação de titularização dos créditos fiscais a que, nos idos de 2003, uma Ministra em desespero de causa e um Banco mais espertalhão deram vida era já exemplar por três razões: (a) deixara bem patente o grau superlativo da nossa ignorância em matéria de finança; (b) revelara o desrespeito atávico pelos contribuintes, quando um Governo aceitou, sem pestanejar e com absoluta impunidade, encargos financeiros desmesurados; (c) ia permitir, creio que pela primeira vez, a observação directa do que se passava com a cobrança dos principais impostos – a razão mais útil, sem sombra de dúvida.
vPor esses dias, a Administração Pública, com muito esforço, lá fez um apanhado do que tinha acontecido nos impostos e nas contribuições para a Segurança Social entre 1993 e 2003 – e essas estatísticas ficaram transcritas no prospecto das emissões das Obrigações que o Veículo de Titularização (Sagres, SA, do Grupo Citigroup) emitiu para financiar os fundos que adiantava ao Estado Português.
vA dificuldade com que a Administração Pública então preparou informações que qualquer um diria serem instrumentos de trabalho indispensáveis a quem tenha por função cobrar receitas, nem sequer foi o mais surpreendente. Verdadeiramente aterrador era a imagem de total descontrolo no processo tributário, da liquidação à cobrança, pelo menos desde 1993, que daí emergia – sem que ninguém, dos Governos às Oposições, passando pelo Tribunal de Contas e pelos sempre vocais sindicatos da função pública, tivesse levantado voz que se ouvisse.
vOs “Investments Reports” (sim, sim, tudo o que se refere a Sagres, SA, vem escrito só em inglês) que, por força do referido prospecto e por imposição das normas aplicáveis a quem emita valores mobiliários no mercado português, o Veículo de Titularização teria de divulgar semestralmente, iam proporcionando, um após outro, uma visão bastante aproximada da (in)eficiência da máquina fiscal no capítulo da cobrança. Da cobrança de créditos fiscais em mora, sem dúvida. Mas também daqueles acabadinhos de nascer, já que só com estes o Estado poderia saldar uma dívida que nunca deixou de o ser.
vRecentemente, alguém tomou consciência de que os “Investment Reports” não passavam despercebidos. Vai daí, o do período 01/03/06-31/08/2006, que deveria ser publicado em meados de Setembro de 2006, já não viu a luz do dia – sem que, até à data de hoje, a sempre zelosa CMVM tugisse ou mugisse.
Mas que ensurdecedor silêncio . . .
vE, com isso, ficámos todos a saber duas coisas mais: (d) que as normas do mercado de capitais cedem o passo aos interesses do Governo; (e) que o Governo se furta a prestar contas, quando as contas que tem para prestar o envergonham.
«Deixai vir a mim as criancinhas...» disse Jesus, «porque delas é o reino dos céus»! Muito me tenho perguntado o significado destas sábias palavras, como tudo aliás quanto o Senhor nos disse.
As criancinhas são más p´ra caramba! Roubam brinquedos umas às outras, mordem-se, maltratam os mais fracos, põem aos colegas alcunhas ou apelidos que por vezes os marcam negativamente por toda a vida, nas brincadeiras da escola não dão a mão a uma que tem a infelicidade de ter a mão ligeiramente defeituosa, xingam e chamam de burro a um mais tranqüilo ou menos vivo nas respostas, desprezam aqueles menos hábeis nos desportos, quebram de birra a louça, etc., etc.
Ainda ontem um amigo meu, vovô também, teve que ficar com três netos porque os pais tiveram que se ausentar uns dias em trabalho. Dois deles, meninos, passaram o tempo todo "à porrada" um ao outro e o pobre do vovô já quase com vontade de os estrangular!...
Será que Cristo não estava a dizer-nos que o melhor seria mandar todas as criancinhas para o céu para deixar este mundo... um paraíso?
Os homens não precisavam trabalhar tanto, ou roubar tanto, para a comida, escolas, roupas e futuro dos filhos, nem os granfinos se preocuparem em dar-lhes um carro para depois eles, na adolescência, drogados ou alcoolizados, se esborracharem contra uma árvore!
Ou pior, irem para a guerra!
Já imaginaram se o mundo corresse às avessas? As pessoas nasciam idosas, calmas, com um vasto somatório de conhecimentos e depois fossem rejuvenescendo tranquilamente?
Utopia?
Será também utopia a confabulação Chavez/Morales de construírem uma série de bases militares ao longo das fronteiras do Brasil, Paraguai, Argentina e Chile? Vão depois fazer guerra a quem? O sr. Chavez, o perigoso Bush do Sul, com a altíssima cotação do petróleo, como lhe sobra dinheiro pode fazer o que quiser, inclusive armar um exército na Bolívia, e em conjunto, por exemplo, tentarem retomar o Acre, quando o Brasil, depois de ter dado uma surra nos bolivianos e ocupar esse território, decidiu pagar-lhes 110 mil libras para os sossegar. Isto em 1903.
Antes disso a Bolívia já havia atacado o Peru, 1866/67, e após levar mais uns tapas na cara, perdeu parte do litoral do Pacífico e uns 100.000 km2 de terras que hoje são do Brasil. Em 1904 o sr. Daza, presidente boliviano novamente decidiu atacar o Chile e perdeu o que lhe restava de saída para o mar. Nada disto está esquecido no povo boliviano. E os caciques vizinhos estão de dentes afiados.
O Brasil vende aviões de combate à Venezuela e tem as suas forças armadas quase num lixo, porque o atual governo tem medo de "novo" golpe de estado militar, apesar de agora o nosso líder, por já ter o cabelo branco, se considerar de direita. O golpe teria que ser (e não será difícil isso acontecer! Notem bem!) da esquerda!
Em que sentido apontará o canhão brasileiro ? Para dentro ou para fora ?
A Bolívia nacionalizou os altíssimos investimentos brasileiros - da Petrobrás, empresa estatal - e que ainda não compensou, e ninguém sabe se o vai fazer, e o governo brasileiro já afirmou que vai continuar a investir naquele país.
Porque não propomos um «negócio» com o Senhor: «Senhor levai daqui estea gente ignorante e maldosa. Nós faremos o sacrifício de ficar com as criancinhas»!
E perdoai-me, Senhor por esta blasfêmia. Com Deus não se negoceia!
Foi com os portugueses que a história de Macau teve a sua maior evolução, após a ocupação da região, no século XVI, com a fundação de um entreposto comercial entre o Oriente e o Ocidente e a inicial permissão dos chineses.
Em 22/06/1802 chegou a Macau, como Ouvidor (autoridade da Coroa Portuguesa que superintendia todos os ramos administrativos públicos), Miguel José d’Arriaga, filho da mais alta estirpe das Ilhas, formado em Coimbra, fidalgo e Cavaleiro da Ordem de Cristo, Conceição e Torre Espada, do Conselho de Sua Majestade. Homem extremamente culto havia trabalhado como juiz, por algum tempo, em Lisboa, no Bairro da Ribeira (9/5/1800).
Nas terras do Oriente, sua personalidade respeitosa e dinâmica capacidade governativa deram-lhe logo fama. Fundou uma escola de pilotagem, uma fábrica de pólvora, um colégio para missionários, uma Casa de Seguros, criou um batalhão provincial de infantaria, mandou alguns chineses estudar em Coimbra e estimulou outros a matricularem seus filhos nessa mesma Universidade. Promoveu no pequeno espaço macaense a igualdade de direitos civis, aboliu o imposto das SISAS (imposto sobre as transacções comerciais), estimulou e desenvolveu o comércio marítimo entre os portos da Ásia, Portugal e Brasil. Fomentou a emigração chinesa para esse país no intuito de levar a cultura do chá para terras sul americanas. Diplomaticamente, apaziguou litígios entre Inglaterra e China e marcou definitivamente sua presença na história de Macau com o episódio da queda da pirataria chinesa do século XIX.
Naquele tempo quando se fazia da pirataria modalidade de vida, Cam-Pau-Sai, o Tigre dos Mares, aterrorizava o Mar da China.
Arriaga, contrariamente à posição das anteriores autoridades portuguesas que faziam vista grossa a essa actividade, porque esta mantinha distraída e em constante sobressalto a autoridade chinesa e com isso interferia pouco nas decisões macaenses, resolveu encarar o assunto de outra forma. Declarou a pirataria um crime e com a comparticipação de três mandarins mais interessados, montou uma potente armada às suas próprias custas e dos cofres do Estado para acabar com tal situação. Empenhou-se nessa tarefa de corpo e alma. Ele próprio dirigia os preparativos. Muitas vezes trabalhava como calafate, para dar exemplo e estimular a actividade dos operários. Pronta a esquadra, lançou-a ao mar, ligeira, resoluta, combativa. Mas aos primeiros embates viu-se só. Fugiram os chineses apavorados. Tiveram os portugueses que lutar e subjugar o inimigo, cercando-o na embocadura do rio Hiang-San. Miguel Arriaga, mostrando destemor e respeito pelo vencido foi até Cam-Pau-Sai sem escolta e com a rendição, tomou com ele o chá da boaamizade. Para os mandarins foi um grande milagre que transformou o Ouvidor num venerável homem, pelos chineses respeitado e admirado. Benévolo, o açoriano intercedeu pelo ex-pirata junto ao Imperador que o aceitou como funcionário.
Subjugado mais pelo nobre carácter de Arriaga e em agradecimento ao tratamento e confiança nele depositados, Cam-Pau-Sai ofereceu-se para combater uma esquadra pirata que não se rendera e que ainda fazia estragos. Desconfiado, o Imperador do Celeste Império não aceitou a oferta e resolveu enviar uma armada chinesa, que foi de logo desmantelada. Mais uma vez o Ouvidor foi procurado e outra vez Arriaga recomendou a que aceitassem a oferta de Cam-Pu-Sai. O que de facto ocorreu. Derrotados os piratas, levou-os para Cantão, onde foi recebido com triunfo e ovação.
Quando Miguel José d’Arriaga morreu (13/12/1824), minado por doença prolongada, após ter ficado exilado em Cantão devido a intrigas e invejas palacianas e ter voltado a Macau em glória, como queriam os macaenses, com honrarias e reconhecimento reais pelo grande trabalho feito nessa parte do mundo português, foi pranteado por todos que viram nele o exemplo de homem enérgico e de carácter, o filantropo e grande estadista que serviu de modelo e orgulho para todo o Português.
Uberaba, 6 de Janeiro de 2007
Maria Eduarda Fagundes
-Nota complementar:
MIGUEL JOSÉ D'ARRIAGA
Nasceu a 22/03/1776 no Faial
Morreu a 13/12/1824 em Macau
Casou em 1808 em Macau com Ana Joaquina de Almeida, filha dos Barões de São José de Porto-Alegre
Os Arriagas, faialenses, descendem de João d' Arriaga primeiro deste nome que se estabeleceu na Ilha do Faial no ultimo quartel do século XVII. Ele era natural de Baiona, França,. O pai, Salvador d' Arriaga, era fidalgo espanhol, que lá tinha casado com fidalga francesa.da Casa Berendi.
JOÃO d'ARRIAGA ( Jean d'Harriague) nasceu em 1652 ( Baiona, França) e morreu em 30/6/1716. Casou em 8/9/1688 no Faial ,com Catarina Brum da Silveira ( da freguesia dos Flamengos), e onde se estabeleceu no ultimo quartel do século XVII, como mercador o homem de negócios..
Ref. Familias Faialenses ( Marcelino Lima)
Subsidios para a história da Ilha do Faial
Livro Composto e Impresso nas Oficinas da Tipografia Minerva Insulana em 1922.
Nota:
Este livo é uma raridade. Pode ser encontrado na UNIVERSIDADE DOS AÇORES ( na Bibiloteca)- Ponta Delgada, Açores, Portugal.
Aquele início das histórias da vovozinha, «era uma vez», já está gasto! Hoje tudo se repete num ritmo de rotina destrutiva, de ganância, etc. O que hoje se pode chamar de trivial (trivial no dantes era o que se exigia de conhecimento de uma cozinheira, hoje chamada empregada doméstica!).
No século XVIII, pelo menos no Reino da Bohemia (e não da boemia!) os assentos de batismo classificavam o povo de forma simples, e em latim: vicinus, inquilinus, hortulanus e rusticus, que eram os naturais de terra, os que tinham vindo de fora, os que viviam nos arredores e cultivavam hortas e os camponeses.
Os vizinhos, antigos e tradicionais moradores do lugar, tinham o direito de recusar a chegada de alguém de fora. Aceite, seria «inquilino» e só os seus descendentes vizinhos. Vizinhos e inquilinos eram os nobres, funcionários, artesãos, alimentados pelos hortulanus e rusticus.
Ainda hoje assim é, com algumas diferenças: naquele tempo do «era uma vez», os países tinham 80 a 90% da população nas áreas rurais e hoje a situação inverteu-se com cerca de 80% de citadinus.
Nestes países segundo ou terceiro mundistas a situação dos hortulanus e dos rusticus agrava-se cada vez mais. O agro negócio produz em condições não concorrenciáveis pelos pequenos, que sem mais possibilidade de vida no campo se acolhem às cidades onde, de forma geral, vivem de sub empregos e de forma sub humana.
O agro negócio produz em grande escala o que permite baixar consideravelmente os preços dos alimentos que por sua vez beneficiam todos aqueles vicinus e inquilinus que vivem nas cidades, e até os sempre novos inquilinus, que chegam a todo o momento abandonando hortas e campos.
E fica-se perante uma situação complicada: quanto mais se estende o agro negócio mais se vai deixando em situação insustentável os pequenos hortulanus e rusticus, e mais satisfeitos, sem que disso se dêem conta, os consumidores das cidades.
O que estes sabem . . . É claro que perdoamos mas não esquecemos.
Clama a pseudo esquerda, aliás a extrema esquerda, os MSTs da vida, contra o agro negócio, e monta o teatro da necessidade duma reforma agrária para acabar com o tal agro negócio e distribuir as terras pelos «desempregados». Admitindo até que isso fosse possível, num instante os preços dos alimentos subiriam muito consideravelmente de custo, e exportação então... já era.
A solução não é fácil. De um lado a pesquisa, investimento pesado e produção com redução de custos, do outro cada vez mais miseráveis. O estado não tem capacidade para subsidiar a pequena agricultura de forma a que ela possa produzir e ser remunerada e sobreviver com dignidade. E assim esta luta falsa, política, desestabilizadora, maoísta, que os movimentos de extrema esquerda insistem em manter, só nos pode conduzir a um caos.
Diz a Bíblia que a terra no principio era o caos... mas a seguir levou bilhões de anos para se recompor!
Vamos permitir que destruam o que já alcançámos só para deixar os tais extremistas avançarem? Isso é ser de esquerda, vandalismo ou terrorismo? O ser-se de esquerda é uma espécie de aforismo covarde. Quem não for de esquerda é mal visto. E, no fundo, ninguém sabe o que é ser-se de esquerda ou de direita, até porque se perdeu a noção do que é ser-se DIREITO, correto, honesto.
vA recente imposição, por via legislativa, da regra de arredondamento à décima de ponto-base (um ponto base é 1%x1%; assim, esta regra obriga a arredondar para o múltiplo de 0.001% mais próximo) nas taxas de juro nominais foi celebrada, urbi et orbi, como uma vitória de todos nós sobre a Banca rapace.
vAqueles que devem empréstimos onde a taxa de juro nominal era, até agora, obtida através de um arredondamento mais grosso (ao múltiplo de 1/16%, 1/8% ou, mesmo, de 1/4% imediatamente superior) saem, naturalmente, a ganhar com esta iniciativa do legislador: se tudo o resto no seus contratos de empréstimo se mantiver na mesma, vão suportar de agora em diante um custo do capital ligeiramente inferior àquele com que contavam.
vCusto do capital: eis o cerne da questão. E o que é isso de custo do capital – coisa de que ninguém ouviu falar em toda esta história?
vPor todo o lado, quem vende não tem rebuço de mostrar ao seu cliente o preço redondo que este terá de pagar. Nanja os Bancos. Por tradição, em vez de dizerem quanto levam por emprestar dinheiro (ou por subscrever uma determinada posição neste ou naquele contrato financeiro), ponto final, desenrolam uma longa lista de “mais isto e mais aquilo”, a fazer lembrar os problemas de aritmética na instrução primária. E, quantas vezes, o “mais isto” é um débito com que o cliente, em seu perfeito juízo e bem informado, não contava de todo.
vNaturalmente, o custo do capital num empréstimo é a súmula de todos essas quantias que o Banco, prevalecendo-se da sua condição de credor e a pretexto dos fundos que emprestou, resolve debitar, quer à cabeça, quer no decorrer do prazo, quer quando esse empréstimo é finalmente pago. De modo aproximado, relaciona duas quantias: (a) aquela que o Mutuário pode efectivamente dispor para os fins que o levaram a contrair o empréstimo; e (b) aquela outra que ele terá de reembolsar. Porque das quantias que o Banco entender debitar-lhe não poderá o cliente dispor livremente.
Grão a grão enche a galinha o papo e . . .
. . . põe ovos de ouro
vOs juros são uma parcela importante do custo do capital – e, para calculá-los em cada período de contagem há que recorrer à taxa de juro nominal (por definição, de base anual) que o contrato de empréstimo estabelece. Mas não só. Há que saber também: (a) quantos dias tem o ano que está na base dessa taxa nominal (360? 365? 366, se o ano for bissexto?); (b) como se passa da taxa anual (a taxa de juro nominal) para a taxa reportada ao período de contagem dos juros (usualmente, três ou seis meses; raramente, um ano); (c) se os dias são contados pelo calendário (dias decorridos) ou de acordo com uma qualquer outra convenção.
vNão são, porém, a única. Agravam o custo do capital, e não tão pouco assim: (a) as comissões que os Bancos debitam como tal; (b) as despesas sem qualquer proporção com o real valor dos serviços que os Bancos dizem prestar - e que são, afinal, comissões mascaradas (como a generalidade dos gastos de avaliação, ou de expediente, por exemplo); (c) as despesas registrais inúteis ou redundantes que os Bancos entendem exigir; (d) tantas e tantas despesas, umas grandes, outras miudinhas, sem utilidade comprovada – que a imaginação dos Bancos, nesta matéria, é especialmente fértil; (e) o modo arbitrário como é determinado o indexante nos empréstimos com juros indexados; (f) enfim, a carga fiscal (IVA, Imposto de Selo) que incide sobre todos estes débitos e que o Mutuário lá terá de suportar também.
vÀ vista disto, fácil é concluir que o que se passava com os arredondamentos nas taxas de juro nominais nem sequer teria um peso por aí além no custo do capital. E que, para incutir mais transparência nas operações bancárias, importante, importante, era levar as Instituições Financeiras (e, não só, os Bancos) a demonstrar e a divulgar, em letras bem visíveis, daí em diante, o verdadeiro custo do capital dessas operações (nada que não se exija a um lojista: preços finais bem à vista). Elas depois que desdobrassem esse custo e o facturassem como melhor lhes parecesse – desde que o respeitassem. E o que digo para os empréstimos é igualmente válido para os depósitos bancários.
vSurpreendente é que ninguém da Banca, da Associação de Bancos, do Banco de Portugal, nenhum jornalista financeiro tivesse vindo a terreiro explicar isto mesmo. Preferiram todos embandeirar em arco por uma migalha, deixando intacto o fundo da questão – a saber: a falta de transparência no custeio (pricing) das operações bancárias.
vSurpreende também que esta questão tenha sido resolvida por decreto governamental. Estou seguro de que em qualquer país financeiramente adulto o assunto teria sido tratado através da auto-regulação – vá lá, com um discreto empurrãozinho da Autoridade de Regulação.
vE é justamente pela importância que lhe foi dada, pela forma como foi solucionado e pelas manifestações de júbilo que se fizeram ouvir por tão pouco que este episódio dá bem a medida do nível a que chegou a iliteracia financeira, entre nós. Forçoso é reconhecer que os princípios básicos da finança são-nos ainda absolutamente estranhos.
vA propósito da falta de transparência nas operações bancárias muito poderá ser dito. Logo no topo, a forma peculiar que a norma supletiva reveste quando está presente um Banco. Como se sabe, o princípio fundador dos contratos é o da livre vontade das partes – recorrendo-se à lei geral, apenas, quando essas vontades forem omissas ou em caso de litígio de interpretação. Nas operações bancárias (que são sempre contratos) o princípio que vigora é completamente outro: o que não se encontrar expressamente descrito, ou estiver confuso ou for omisso compete ao Banco contraparte dizer como é. Para isso estão as remissões para tabelas que os Bancos modificam a seu bel-prazer sem se darem ao incómodo de notificar os seus clientes - mas que de imediato aplicam, seguros daquela velha máxima: “o débito em conta é notificação bastante”.
vSeguidamente, um longo rol: (a) os “dias de protesto” (2 ou 3 dias, conforme os casos) sempre acrescentados ao período de contagem dos juros e nunca corrigidos; (b) a manipulação, quantas vezes grosseira, se não mesmo contra natura, das datas/valores (e é a partir das datas/valores que os juros são contados); (c) o desfasamento entre as datas/valores nas contas empréstimos e as datas/valores das respectivas contrapartidas nas contas de depósitos à ordem; (d) os arredondamentos numéricos em tudo o que seja resultado de multiplicações e/ou de divisões (e todas as operações bancárias envolvem sucessivas multiplicações e divisões); (e) a inconsistência (isto é, a intercalação de divisões e multiplicações) dos algoritmos de contagem dos juros; (f) a adopção de indexantes que remetem para páginas reservadas a assinantes, sem que os Bancos se dêem ao trabalho de enviar aos seus clientes cópia dessa página, como comprovativo; (g) a captação do valor do indexante no dia que para o Banco seja mais conveniente; (h) o débito sem pudor de comissões não previstas contratualmente; (i) a execução irresponsável de ordens de pagamento a favor de terceiro; (j) os débitos pela pseudo prestação de serviços que o cliente não solicitou – no entendimento de que “quem cala, consente”; (k) a utilização sem controlo das contas-correntes (contas de depósito, contas empréstimos) para fazer correcções e acertos, como se fossem simples contas contabilísticas – não se cuidando de neutralizar as respectivas datas/valores; (l) a venda de pedaços do Ficheiro de Clientes a terceiros, pertencentes ou não ao mesmo grupo financeiro, sem autorização expressa dos clientes envolvidos; (m) a realização de operações de bolsa (e, no caso da gestão fiduciária de fortunas, a tomada de posições em instrumentos derivados) em nome e por conta dos clientes, mas no interesse exclusivo do Banco; (n) a apropriação pelo Banco depositário dos direitos de subscrição que os clientes não exerceram; (o) a recusa do pagamento parcial de um cheque pelo saldo existente na conta sacada; (p) a cobrança dos créditos detidos pelo Banco, ou por alguma das suas associadas, sem notificação e em prejuízo dos restantes credores com igual graduação; (q) enfim, extractos bancários (sobretudo, de contas empréstimos) totalmente incompreensíveis e enviados a desoras. E a história dos PPR (de outros instrumentos com benefícios fiscais), essa, merece um capítulo específico.
vAh! Mas temos a regra do arredondamento das taxas de juro nominais em letra de forma no Diário da República – e com isso rejubilamos.
Lisboa, Dezembro de 2006
A. Palhinha Machado
(*) - "ado" - expressão inglesa que caiu em desuso significando "agitação, excitação, confusão, barafunda".
A participação das mulheres no mercado de trabalho médico brasileiro é relevante só de uns 50 anos para cá. Em 1966 a presença feminina nas Escolas de Medicina era numericamente insignificante, pois até os finais do século XIX, no Brasil, a elas era vedado o estudo da Medicina. A primeira médica brasileira formou-se nos Estados Unidos da América e para tal enfrentou dificuldades e preconceitos enormes. Pretender ocupar o espaço, antes detido só pelos homens, era para umas poucas corajosas e teimosas mulheres.
Mesmo mais tarde, em pleno século XX, a discriminação fazia-se perceptível nas conversas com colegas e professores que “paternalmente” mostravam as situações difíceis que iríamos enfrentar. Mas com muita determinação e aplicação mostrávamos o nosso interesse nos trabalhos e na futura profissão. Assim, depois de certo tempo, ganhávamos a simpatia dos mestres e a aceitação dos colegas, principalmente quando, na Escola, fazíamos a maior parte das tarefas do grupo, para as notas de avaliação...
Após seis anos de faculdade e de estágios, formadas, íamos para mais outra batalha:
A especialização. Éramos jovens e. mulheres, defeitos vistos com certa desconfiança pelos Chefes de Serviço que, apesar dos currículos favoráveis, receavam o casamento ou gravidez de alguma médica residente que atrapalhasse a agenda das atividades clinica e cirúrgica do Serviço da Especialidade.
Terminada a especialização, logo percebemos que não seria fácil. Os homens tinham a preferência na escolha de qualquer colocação. Se quiséssemos trabalhar o que nos abria oportunidades era o concurso público, onde a prova de conhecimentos definia a contratação do profissional.
Escolher fazer Medicina, em qualquer parte do mundo e para qualquer um, requer dedicação, uma boa dose de abnegação, labutar sem horário e sem feriado, ter o doente como patrão. Se é difícil para o homem, que vive em função da profissão, para a mulher é uma maratona, com dupla jornada, fora e dentro de casa, que vai do acordar até ao deitar.
Em 1973, as Escolas de Medicina já contavam com 30 a 40 % de alunas nas salas de aula. Mas apesar desse crescimento, ainda estávamos longe dos 75% encontrados na Rússia! No restante da Europa, a situação não era muito diferente da do Brasil. A médica européia ganhava naquela ocasião menos que o homem, para exercer a mesma atividade, situação não encontrada no Brasil, onde os ganhos eram bem menores, mas os mesmos, independente do sexo do profissional. Além do que tínhamos, e no interior ainda temos, a vantagem de poder contar com a ajuda de parentes e empregados domésticos para tratar da família e da casa, a custos razoáveis, coisa que a para européia não era e nem é fácil, e nem barato. Talvez seja por essa razão que a grande maioria das profissionais brasileiras permaneça no mercado de trabalho, mesmo casadas e com filhos, diferentemente das européias que com freqüência abandonam a profissão para cuidar da família, quando optam por tê-la.
Se há 50 anos atrás a maioria das médicas era solteira, pesquisas recentes mostram que hoje mais de 65 % são casadas, e em geral com parceiros da mesma profissão. Quando decidem por ter filhos raramente têm mais que dois. Trabalham em tempo parcial, geralmente em Universidades, Instituições do Governo e/ ou em consultórios particulares. Quando se afastam da profissão é devido à dificuldade em conciliar a vida profissional com a familiar ou por estarem aposentadas.
Atualmente em certas áreas da Medicina a presença feminina atinge mais de 50% da atividade. Ombro a ombro, mulher e homem, dentro e fora da profissão, estão dividindo tarefas e responsabilidades. Labutar, colher e usufruir os frutos do esforço conjunto deve ser, em qualquer área, o ideal de todo o casal.
Maria Eduarda Fagundes
Nota Curiosa:
Maria Augusta Generoso Estrella, filha de português, foi a primeira médica brasileira (fluminense) a exercer a profissão no Brasil. Após vencer muitas barreiras estudou como bolsista (de D. Pedro II) nos Estados Unidos da América do Norte, pois não era permitida a entrada de mulheres nas Escolas de Medicina brasileiras em 1875.
De volta ao país, casou e montou consultório na Rua da Quitanda, no Rio de Janeiro, onde funcionava a Farmácia Normal de Antonio da Costa Moraes, seu marido.
Morreu aos 85 anos após muitos bons serviços prestados à comunidade.
Pronto! A partir de agora vamos deixar de ouvir aquela frase chave, que o nosso grande líder usou para inculpar tudo quanto de ruim o seu governo (não) fez: “A herança maldita!” Ele acaba de herdar mais quatro anos para dar seguimento (Deus permita que não dê!) à SUA presidência! Agora quem vai mandar, diz o dito, é ele. Não admira muito porque, de facto, até agora ele fez tudo menos mandar. Mas... por estas bandas está tudo tranquilo. Tudo? Bem... algumas áreas.
O “pau continua a comer”, guerra de gangs/tráfico contra milícias/polícia, morre um monte de gente que nada tem a ver nem com uns nem com os outros e, os grandes líderes... mudos e quedos que nem penedos, quando muito afirmando que está tudo sob controlo. Controlo... dos terroristas. O trivial em todo o mundo: Iraque, Al Qaeda, ETA, eta-cétera.
Mas de qualquer modo entramos amanhã na era da promissão. Já aqui foi terra de promissão e futuro, mas ficou tudo isso para... o futuro.
O PT não apoia mais o Presidente, quem já tem cabelos brancos não pode ser de esquerda (porque será atrasado mental), os juízes e a classe dos eleitos (pelo povo e por eles mesmos) dobram seus proventos, o chefe da polícia civil do Rio mancomunado com os traficantes desde há vários anos não é preso porque foi eleito deputado e o fim de ano está aí com festas e foguetes para festejar... a promissão da nova era!
Nesta república fluminense a nobreza que sai do (des)governo não vai poder continuar a roubar por esse lado (os nomes da garotona governatriz e seu amantíssimo esposo, ex-dito, com os delicados nomes de “princesa” e “príncipe” (quanta delicadeza na ladroagem!) encabeçam a listas dos pagamentos “voluntários” que os traficantes faziam semanalmente – através do tal chefe da polícia civil – e a população...
O governo ainda não anunciou a nova lista de ministros, contra ministros, presidentes de empresas públicas e outros cargos para se milionarem e a população (ou povo?) olha. Aguarda. Com a sua proverbial sensibilidade e alegria, vota nas urnas, porque é obrigatório, e na Senhora da Aparecida com o coração, mesmo que adeptos de outras religiões ou cultos.
Por aqui não há tsunamis, terramotos nem vulcões, o nível do oceano ainda vai demorar muito a subir e engolir uma parte da costa. Então vamo-nos preocupar com o quê?
Promessas eleitoreiras.... hiiiii.... tem de montão. Vamos tentar conferir.
Adeus Ano Velho. Que Deus abençoe, sempre, e não só em 2007, os homens de boa vontade.
Aos outros... Deus lhes perdoe. Eu não sou tão bom assim.
O texto que se segue foi escrito em 1956, quando o autor estava a ser julgado num processo de medidas de segurança. Iniciado na cadeia do Aljube, foi terminado poucos dias depois em Caxias.
Decreto-Lei nº 40.550, de 12 de Março de 1956
Artº 7 - Serão sujeitos à medida de segurança de internamento, em estabelecimento adequado, por período indeterminado de seis meses a três anos, prorrogáveis por períodos sucessivos de três anos, desde que continuem a revelar-se perigosos:
1º - Aqueles que fundem associações, movimentos ou agrupamentos de carácter comunista, ou que exerçam actividades subversivas, ou que tenham por fim a prática de crimes contra a segurança do Estado, ou que utilizem o terrorismo como meio de actuação, e bem assim aqueles que aderirem a tais associações, movimentos ou agrupamentos, com eles colaborarem ou seguirem, com ou sem prévio acordo, as suas instruções.
……………………………..
Artº 9 – Se houver só lugar à aplicação da medida de segurança prevista no Artº 7, o processo será instruído como processo de segurança,…..
Decreto nº 34.553, de 30 de Abril de 1945
Secção II - Do processo de segurança
Art.31º - No prazo de cinco dias depois de lhe ser notificada a nomeação, o defensor responderá o que tiver por conveniente sobre o objecto do processo, oferecendo as provas adequadas à defesa do arguido e podendo requerer as diligências que forem úteis para o mesmo fim.
§ Único – O arguido poderá no mesmo prazo juntar à resposta do defensor uma exposição pessoal sobre a sua vida, descrevendo o meio familiar e o ambiente social em que se criou, a educação, instrução e habilitação profissional que recebeu, as influências que sofreu na formação da sua personalidade, as tendências que se manifestam no seu carácter, os antecedentes próximos e remotos da sua delinquência, a sua situação familiar e modo de vida presente, ou imediatamente anterior à prisão, e tudo o mais que possa contribuir para uma caracterização tanto possível perfeita da sua personalidade.
Meritíssimo Juiz João Augusto Fonseca de Moura
do 2º Juízo Criminal da Comarca de Lisboa
Venho fazer uso do disposto no § único do Artº 31 do Decreto-Lei n.º 34.553. A exposição a que se refere este artigo, compreendo-a como uma autobiografia tratando em especial das questões que se ligam ao meu processo. Escrevendo na linguagem vulgar nos documentos oficiais, creio que só muito pouco e mal poderia contar. Escrevi-a, pois, como se fosse uma autobiografia literária, sem limitações no vocabulário e na forma. Não sabia ao certo o que seria capaz de fazer, mas agora, parece-me que na exposição que se segue está o mais importante: estou eu presente e estão indicadas as causas que mais influíram a minha formação.
I
Quando eu era muito novo o meu Avô costumava uma vez por semana reunir a família em sua casa para jantar.
Só eu e a minha irmã mais velha nos sentávamos na mesa das pessoas crescidas. Era uma mesa grande que reunia dez a doze pessoas em volta contando com nós dois.
Depois do jantar, a conversa oscilava sobre um ou outro assunto, e acabava sempre por tomar um rumo e seguir nele. Não era uma coisa planeada, mas era assim mesmo e eu já o tinha notado. Arranjara uma espécie de jogo que me interessava vivamente. Procurava antever entre os assuntos esboçados qual seria aquele que viria a ser escolhido. O próprio assunto em si o podia mostrar, ou então era o início da conversa que me dava uma indicação.
Eu tomava uma posição partidária. Se escolhia um assunto tinha esperanças nele, e ficava satisfeito se uma pessoa dava um impulso que o pudesse ajudar, e ficava zangado se alguém o eliminava ou lhe fazia concorrência.
Não tinha preferências pessoais, era pelos temas conforme as suas esperanças e mais nada. Quando o assunto já estava bem aceite, quando já não perigava a sua continuação, entretinha-me então a arranjar-lhe um título.
Parecem-me estes os factos mais antigos de que me lembro que tenham tido uma influência grande naquilo que sou agora. Isto se passava na altura em que minha Mãe me ensinou a contar indefinidamente.
Uns tempos mais tarde já tinha ideias do tipo daquelas que me conduzem a este processo. Foi quando fui fazer o exame da 3ª classe a uma escola oficial. Havia lá aqueles cartazes de propaganda própria que o Estado Novo mandava distribuir pelas escolas.
Eu já nessa altura achava que aquilo não devia ser, achava que aquilo era indecente, talvez achasse mesmo que aquilo era infame.
Porquê? Pelo evidente exagero e deformação, talvez porque já sabia que aquilo era feito com os dinheiros públicos, talvez mesmo porque achasse que aquilo não se devia fazer numa escola primária, mas com certeza porque sabia que aquilo não era leal, os outros não podiam fazer cartazes iguais.
O Senhor Capitão Graça, quando soube disto, declarou-se vivamente impressionado e disse-me:
- " O mal já vinha daí. Já nessa altura houve alguém que exerceu sobre si uma influência perniciosa".
Eu não disse ao Senhor Capitão Graça que nessa altura passei um mês de férias no Forte de Peniche onde brincava no meio dos presos políticos.
Não lhe quis dar o gosto de dizer:
Foi isso.
A verdade é que só me lembro de uns grandes papagaios de papel que os presos faziam e me amarravam à volta da cintura. Eu fui criado dentro de um quartel da Guarda Republicana, e devo dizer que me lembro dos presos políticos assim como me lembro dos soldados da Guarda Republicana.
Talvez ainda importante para o que se vai seguir e sobre a escola, devo dizer que tenho a impressão de que já nessa altura tinha ideias sobre a reforma do ensino primário.
Lembro-me do dia em que começou a guerra. Eu estava numa quinta com a minha família a passar as férias, quando um primo meu veio a cavalo e disse:
-"Rebentou a guerra."
Nós, as crianças, continuámos a brincar e não notei nada de parte dos adultos. Agora penso qual terá sido a angústia de minha Mãe e da outras pessoas crescidas, numa altura em que tudo se podia esperar.
Recordo-me de ter ouvido dizer que a linha Maginot resistiria a tudo.
Em 1940 entrei para o Colégio Militar.
Estive lá 7 anos. Se V. Ex.ª Senhor Juiz, perguntar a algum dos meus camaradas de então como é que eu era, certamente responderão:
-Era um tipo "porreiro".
Nós éramos todos uns tipos "porreiros".
A minha família foi para os Açores. As comunicações eram um bocado irregulares. De uma vez recebi 7 cartas de minha Mãe e uma de meu Pai.
Não se pode dizer que a guerra me afectasse muito. Eu estava num colégio que me encantava e tinha mais família em Lisboa. Fiquei numa ocasião muito zangado por me não ter sido permitido ir passar as férias aos Açores. Acabei por ir para uma praia. Afora isto, e a "campanha da batata-doce" em que as batatas do Colégio Militar foram substituídas por batatas-doces, a guerra em nada me incomodou.
A vida do Colégio enchia-nos.
Nada de verdadeiro está escrito sobre o Colégio Militar. Talvez algumas piadas, mas sobre a vida da "malta" ainda ninguém escreveu nada que se aproveitasse. E no entanto o Colégio Militar merecia um livro.
Duvido que algum dia venha a ser escrito e, na falta dele, guardo a fotografia de uma turma que não sei qual é tirada junto às escadas da Enfermaria. Gosto de ver aqueles miúdos com a cara a rebolar-se de gozo e os olhos a rirem-se para a máquina.
Tínhamos uma terrível queda para as manifestações colectivas e um código de honra muito apurado que permitia com rigor saber o que era "canalhice" e o que não era.
Havia também a vida oficial do Colégio. Ouvíamos lá muitos discursos, mas tínhamos uma sensibilidade muito apurada e quando um oficial se excedia em elogios a um Senhor Ministro, todo o Batalhão Colegial sabia perfeitamente que ele estava a lamber as botas ao Senhor Ministro.
Enquanto houver "meninos da Luz", haverá Portugal
Fazíamos muito desporto e havia lá um sentimento de irreverência e fora da lei, que muito me agradava, e que os "meninos da Luz" perdem rapidamente quando saíam do Colégio.
Aos domingos, quando o Batalhão era enfiado para dentro da Igreja, se o oficial de dia não tinha cuidado, ao atravessarmos os claustros, muitos de nós fugíamos para as camaratas ou para o alto da quinta para jogar futebol. E eu estou firmemente convencido, de que se há um Deus no Céu, ele gosta mais dos miúdos que fogem da missa para ir jogar futebol.
O meu mundo era perfeitamente sólido, mas além disso havia o mundo em guerra.
Resisti com a Inglaterra quando ela lutava sozinha. Zanguei-me com os alemães quando meteram barcos nossos no fundo e num dia em que ouvi um ardina dizer que a Rússia entrara na guerra, saí para a rua para ver de que lado é que era.
Contei aviões abatidos e submarinos metidos no fundo. Avancei com os exércitos por cima dos mapas. Entrei na marcha para a Vitória, escrevia-se então com letra grande e, no final, a ideia de que a Inglaterra tinha ganho a guerra enchia-me o coração.
Depois caiu a primeira bomba atómica e desconheci o problema humano e interessei-me pelo assunto "cientificamente".
Nessa altura começou a falar-se em Liberdade.
Numas férias em que fui à cidade da Guarda, junto à estação, ouvi dois camponeses que falavam sobre a falta de batata e a fome que tinha havido nos anos da guerra.
Achei muito estranho ouvir falar em fome. Toda a gente tinha falado em volfrâmio, mas de fome, e propriamente daquela maneira nunca tinha notado. É claro que eu sabia que as pessoas pobres passavam fome, creio mesmo que achava que os pobres tinham fome por culpa própria, mas sempre tinha identificado a palavra fome com pessoas e nunca com região.
Começou então a falar-se em Liberdade e "reviralho".
Parece que ia haver eleições.
Num sábado em que saí do Colégio, ao tomar a camioneta para a Amadora, o condutor lia alto a "República" para todos. Lembro-me que o artigo dizia que o povo "votava" rasgando os cartazes do governo.
Num domingo à noite, um carro de reparações da Carris ficou encravado no Rossio. Os operários ficaram parados sem nada que fazer e houve um que disse:
-"É uma greve de braços caídos".
E é este dito de um operário, no centro da cidade, que marca o momento em que senti pesar menos medo no meu País.
Sempre que me lembro de 1945, pergunto quem foram aqueles dirigentes da oposição que permitiram a continuação do actual regime.
Estas coisas emocionavam-nos no Colégio Militar.
Havia uma canção destas canções escolares muito cantadas que começava:
"Olé que somos da Esquerda,
Olé vivam os esquerdistas…"
O meu sétimo ano organizou-se em democracia parlamentar. A oposição estava em maioria. Eu era da oposição.
Votámos a cor dos bilhetes para a "récita". Os oficiais mandaram-nos imprimir sem nos consultar.