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A bem da Nação

CRÓNICAS DO BRASIL

Título II - Cap. 1 - Art° 5 - I

«Todos os homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações... » (Constituição brasileira)

 

Naquele tempo... o Coelho, moço de recados da maior empresa do país, chega ao trabalho e recebe do seu chefe, o Bocagrande, lágrimas de crocodilo a aflorarem, a notícia: -Seu coelho! Morreu hoje o nosso diretor presidente! Era um asno bom. O coelho reage: -Eh! Pá! Que maravilha! O chefe, espantado: -Porque você se alegra? - É uma vaga, uma vaga que se abre!

Após as convenientes funebridades logo outro asno assume as funções, e no discurso de posse afirma: "Vamos reduzir despesas para sermos mais eficientes. Ouvem-se uns apoiados, inclusive do coelho, e logo no primeiro dia surge a medida base: -Para maior eficiência, anunciada, duplicam-se os salários dos diretores. E para encolher as despesas despedem-se os funcionários não operativos. - Quem vai ser despedido? Pergunta o coelho. -Você!

No país do "faz de conta" a alegria corre solta pelas multidões! Há miséria, assaltos quotidianos, mais mortes à bala do que no Iraque, mas uma luz, uma luz forte surge no finalzinho do túnel. E não é daqueles túneis feitos sob encomenda, aliás muito bem feitos, que vão dar aos cofres dos bancos, não siô. Juízes e promotores dobram os seus salários, que já eram os maiores do país, os deputados procuram fazer o mesmo, a seguir serão os ouvidores e fiscais da receita federal, deputados estaduais, vereadores, governadores, administradores e outros contraventores e.... tchan! Tchan! Tchan! Tchan! O povo se alegra: - Vai chegar a mim! Vão dobrar os salários de todo o mundo! Vivam os gatunos e congêneres. E... viva eu que vou ter que pagar a conta!

Diz o presidente (daquela empresa...) que só pode haver investimentos e evolução social se se reduzirem as despesas gerais. Falou e disse, com muita propriedade, e como pela Constituição todos são iguais, aumentam-se os proventos dos que mandam e reduzem-se aos que obedecem.

O coelho, desempregado, cavou uma toca no morro sobranceiro à cidade e passou a viver de expedientes: assaltava vez por outra, descobriu uns fungos que deixavam os asnos doidões e começou a enriquecer com a venda desses produtos que os grandes chefes diziam ser proibidos, mas "nada viam" com os presentes que o coelho, esperto, lhes dava para se calarem.

0002sq94 Será este o morro dos coelhos?

Até que um dia, já o coelho rico, riquíssimo, decidiu enfrentar aquela cambada de asnos com as mentalidades apodrecidas, e, num abrir e fechar de olhos tomou o lugar do presidente. Coelhos, ratos e outros tantos roedores, bem como os pequenos sáurios chefes menores aplaudiram. E ele, ufano, camisa e gravata de seda, oferecidas por um marqueteiro, botou discurso também:

- O país estava no caos. Houve que tomar providências. Assim, em nome dos abandonados, desempregados e desprotegidos decidi assumir a presidência. Mas vamos ter que cortar despesas, se queremos progredir. Os asnos são todos despedidos e os coelhos, ratos, ratazanas, camungongos e até as capivaras assumem os ministérios todos. O controle aéreo, dos despassarados será da responsabilidade dos beija-flores, os únicos habilitados a voar parados e para trás.

  Pai !  Porque me abandonáste?

Um grande hurra acolheu este pronunciamento. Os animais continuam por lá circulando, cada um pensa que faz o quer, mas não faz, e as luzes no fim dos túneis, apagaram-se de vez. Sem elas a esperança... também se foi.

Rio de Janeiro, 26 de Dezembro de 2006

Francisco Gomes de Amorim

CRÓNICAS DO BRASIL

O PAÍS EM CRISE MORAL

 

O planeta Terra está mudando muito rapidamente. É a natureza, é a história geopolítica, é o Homem em transformação.  E isso é visível no Brasil que, além das alterações drásticas e violentas do meio ambiente,  passa por uma crise moral.

É de assustar as mudanças comportamentais do brasileiro nestes últimos anos. Em meio século a população mais que duplicou. E esse aumento se deu de uma forma desarmoniosa e equivocada. Para aqueles que o conheceram em épocas passadas é mais perceptível essa mudança. O país cresceu, de uma forma desarmoniosa, em número de habitantes, em pobreza, em desigualdade sócio-cultural. Nas décadas de 50 e 60 a população era bem menor, mas era mais cultivada e tinha valores morais firmados. Humildade poderia ser sinónimo de pobreza material, mas havia nela dignidade.

Em recente entrevista a destacada revista da mídia brasileira, um famoso escritor de novelas, sexagenário (Sílvio de Abreu), declarou-se chocado com a modificação dos valores morais do brasileiro, demonstrada em pesquisa junto à população, no curto período de cinco anos. Disse:

“...esse encontro com o público me fez pensar que a moral do país está em frangalhos.... “. “Uma parcela das espectadoras já não valoriza tanto a rectidão de carácter, para elas o fazer o que for necessário para se realizar na vida é o certo”. “...O nível intelectual do brasileiro está abaixo do que era nas décadas de 60 e 70, porque as escolas são piores e o estudo não é valorizado. O valor não é mais fazer o que é dignificante. As pessoas querem subir na vida e dane-se o resto”.

   Sílvio Eduardo de Abreu (São Paulo, 20 de Dezembro de 1942), é actor e autor de telenovelas

É triste ver essa gradativa decadência moral de um povo que viu os seus sagrados direitos de segurança, saúde, trabalho e educação serem desrespeitados por governos despreparados e corruptos. As pessoas tornaram-se desiludidas com tanta impunidade e se insensibilizaram de tanto verem o mal prevalecer. Hoje o povo brasileiro nada sabe, nada ouve e nada vê, mas  se identifica com o nosso digno representante e presidente, quando ele diz ”o importante é vencer”.   O esforço, o trabalho sério e o estudo aprofundado são valores para alguns velhos, “trouxas”e lunáticos, que ainda acreditam que o homem vale pelo seu carácter e pelo respeito que inspiram no seu semelhante. 

Uberaba, Dezembro de 2006

Maria Eduarda Fagundes

 

 

 

BOAS FESTAS

De Lisboa, o "A bem da Nação" deseja um Feliz Natal e

um 2007 em grande retoma

Henrique Salles da Fonseca

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 Foto: Paulo M. Guerrinha

CRÓNICA DE GOA

Homily at the Requiem Mass for Dr. Pedro Cabral Adão,

(1968 - 2006)

late Consul General of Portugal in Goa

(Don Bosco Shrine, Panjim, December 6, 2006)

 

Dear Sisters and Brothers,

I would like to begin this reflection with a prayer:

Dear Lord, we have come this evening to thank you for giving us all a wonderful gift in the person of Pedro Cabral Adão. Yes, You gave him to us. But just as you did not lose him in giving him to us, neither do we lose him in returning him to you. Because you are the God of Life. You are Life eternal. And when life returns to life, there is no loss, there is no death, really. Death is only a horizon, and a horizon is nothing but the limit of our sight. Lift us up from our smallness, o Lord, our God, that we may see beyond the horizon and realize that human life does not end: it only returns to where it came from: You! And while today you are preparing a place for our friend Pedro in your eternal mansion, make us also ready to enter that great Home, where you are, and Pedro is, and where we hope to be forever. Amen.

Sisters and Brothers, it seems to me that this prayer actually sums up what we are about this evening, and reminds us of a few eternal truths that we should not lose sight of.

The first truth is that Pedro belongs to God. He always has, and he always will. Our God gave him to us, briefly indeed, as a companion on our earthly journey, to be known and to be loved as a sincere friend, an endearing chief, a charismatic Consul. Yes, for a brief moment, as it were, God gave us that spark of energy infused with grace that was Pedro Cabral Adão. And today we have come to say THANK YOU to God, for the moments we shared with this man, for the goodness we received from him and for all the memories that he left behind in our hearts.

The day the news of Pedro’s death was on the newspapers, a cousin of mine phoned me up and she said: “I am mourning today – estou de luto!”  I found a perfect echo of my own feelings in her words, and I am sure that all of us who had known and grown to love Pedro Cabral Adão must have felt the same way. But today, I want to tell this cousin of mine – who is sitting in this very chapel – I want to tell all of you and myself that we need not mourn the death of our friend. For we have not lost him, in giving him back to God. Rather, Pedro continues to live in us, in our memory, in our heart, and, very especially, he continues to live in that new self that we became when he, Pedro, touched our lives, when he impacted us with his brilliance, his dynamism, his multifaceted talents and, above all, his zest for life and for beauty.

Today we have come together to celebrate this fine young man who, as the First Reading of today tells us, was reasonably free from the vices of our age, free from selfishness and greed, free from self promotion and from the ever present ego, a fine gentleman who, as the Consul General of Portugal in Goa, worked purposefully for the strengthening of Indo-Portuguese ties, who brought significant changes in the working system of the Consulate and who, for many inside and outside the Consulate, was the best Consul that Portugal gave to Goa!

The second thing that the prayer we said above reminds us of, is that death is only a horizon.  I think it is helpful to think of death as a horizon. We don’t say someone has ceased to exist just because that person has moved out of our sight. Death is a similar kind of horizon. Oftentimes at funerals we read the poem, "Gone from Sight", which describes a ship sailing off into the distance, until finally it is gone from sight. The poet points out that the ship has not changed because he cannot see it anymore. The ship is just as large and majestic as it was when it sat by the dock. In the same way, our friend Pedro, although out of our sight, continues to live in the fullness of life that is God, the fullness of life that we too one day hope to attain. The Mangaloreans have a beautiful expression in Konkani to describe death: They don’t say “to melo … to kobar zalo … to pidd’der  zalo,” as we Goans say. [ ele morreu, ele acabou, perdemo-lo ] When someone dies, they say “to sorlo” – he passed by. One can almost visualize this: he passed by my window – I can’t see him anymore, but I know he is still there. He did not die!

Finally, the prayer we said reminds us that our Lord can and will uphold us. He will lift us up so that we may see beyond the horizon and know that we are bound together with all those we love, and with all those, living and dead, who call Jesus Christ their Lord. It reminds us that, if we have died with him in our Baptism, we shall rise with him in eternal life.

Sisters and Brothers, in the midst of things that we cannot understand or explain, let us commit Pedro Adão to God's never failing love and care. May God’s mercy shine upon him and forgive him any human frailty and weakness and make him worthy of the eternal kingdom. Let us commend the members of his family to the Lord, knowing that he will give them the strength and the courage to face the days ahead, just as he gives us new life in his heavenly kingdom. Amen.

 

Fr. Joaquim Loiola Pereira.

 

 

Os Açores e Gomes de Amorim

 

Francisco Gomes d'Amorim  (1827 - 1891)

Aquelas Ilhas Afortunadas, afortunadas pelas suas belezas naturais, pela sua história bonita, agitada, e por tantos filhos ilustres, entre os quais sempre sou levado a destacar o grande e controverso mestre Antero de Quental, controverso em si próprio e mestre sobretudo pela grandeza do seu caracter, desde a minha infância exercem sobre mim um atrativo que a vida não me proporcionou concretizar: visitá-las!

Há ali pairando um misto de tradição envolvido pelo verde dos seus campos e o azul do oceano que... deve ser respirado, vivido. Um dia, ainda pode ser... e como a esperança é a última que abandona o homem...

O nosso Francisco Gomes de Amorim - meu bisavô e homónimo - como disse um dia o Dr. Macedo Vieira, Presidente da Câmara da Póvoa de Varzim, não teve adolescência. Saiu menino de 10 anos de Portugal e assim que chegou ao Brasil, na Amazónia, passou  a viver como um adulto. Fez-se homem de súbito num clima ainda hoje difícil, insalubre, e não tardou que a sua saúde começasse a pagar os rigores dessa sua vida e desse clima.

Em 1840, então com 13 anos de idade subiu o rio Xingu para ir explorar borracha. Diz ele, na Nota LV de «Ódio de Raça»:

Saímos do Pará em duas canoas com todo o necessário para os trabalhadores e tripuladas por uns doze tapuios e um branco natural do Rio de Janeiro. ...logo que passámos a última vila (Pombal)... (já teriam navegado mais de 1.000 quilómetros rio acima) desembarcámos defronte de uma ilha que depois soubemos chamar-se de Santa Maria... Derrubámos uma porção de arvoredo junto à borda do rio... amarrámos com cipós quatro travessas nas árvores dos lados. Cobrimos tudo com folhas de palmeira e ficámos proprietários de uma casa.

Não era exatamente um hotel cinco estrelas, não tinha ar condicionado, nem levavam com eles antimaláricos ou outras «modernidades».

Dois anos depois

...Eu era caixeiro duns portugueses que fizeram um navio no sertão. Aqueles tratantes... obrigaram-me a trabalhar como carpinteiro e remador. Andávamos a tirar madeira de maçaranduba na margem austral do Amazonas, três dias de viagem acima da boca superior do rio Alenquer, quando adoeceu com sezões o mestre dos carpinteiros. ...peguei no machado do mestre dos carpinteiros e subi para cima dum grosso tronco de maçaranduba que andava a lavrar. Dei o primeiro golpe com tal força que o machado entrou dentro da linha do giz, por onde devia ser aparelhada a madeira; desci imediatamente para cortar o cavaco do lado oposto, mas, apanhando-o em falso o machado resvalou , correndo como um raio pelo pau fora, e veio dar-me um profundo golpe abaixo da articulação tíbio-társica do pé esquerdo, cortando-me o tarso obliquamente até à planta!

Perguntou a um dos tapuios:

- Que é bom para isto?

- Isca queimada.

- Dá cá.

... foi ao cesto (uru) onde se guardava, num canudo de taboca, o pano queimado que nos servia de isca, e voltou a correr. Rasguei um pedaço da camisa e limpei o sangue. O tapuio encheu o golpe com pano queimado e «um outro» pegando numa faca foi para o interior da floresta. Passados alguns instantes voltou trazendo um cipó de cujas pontas escorria um leite gomoso e avermelhado que ele me deitou no pé. Este suco grudou a isca sobre a carne.

Os remédios com que me curavam, além do pano queimado, eram cascas de árvores silvestres e leites de várias plantas.

Assim se curou o pé, depois de muitas outras peripécias, do nosso Aprendiz de Selvagem, como tão bem o retratou o Dr. Costa Carvalho no seu livro com este nome, que acaba por dizer fiquei com o pé doente mais sólido do que o outro!, homenageando deste modo a sapiência tradicional dos índios da Amazónia.

Mas sezões, pés cortados a machado e outras violências dum ambiente hostil, um dia cobram os seus impostos.

Pouco tempo depois de casar, aos trinta anos, em 1857, foi acometido duma congestão cerebral, cujas consequências o acompanharam pela vida fora, impossibilitando-o de comparecer com regularidade ao seu trabalho, retendo-o em casa com enxaquecas e quase permanente falta de saúde, que o levaram a considerar-se um «valetudinário».

À procura de solução para a sua saúde, que os médicos não conseguiam resolver, decide, não se sabe a conselho de quem, ir aos Açores, São Miguel, procurar nas águas quentes e sulfurosas de Furnas, o alívio que tanto desejava.

São de jornais de Ponta Delgada as seguintes notícias:

«Persuasão» - 24 de Setembro de 1862: Gomes d'Amorim, Francisco. Este notável poeta português que nas águas das Furnas veio procurar alívios a grandes padecimentos que sofre, vai para Lisboa nesta viagem do «Açoreano». Sentimos que o ilustre enfermo não encontrasse as melhoras que deseja mas também não se lhe agravaram os males. Sabemos que o sr. Amorim vai muito penhorado da obsequiosa maneira com que foi recebido nesta ilha e de que leva gratas impressões de todos os lugares que visitou.

 Furnas, ilha de S. Miguel

«Aurora dos Açores» - 27 de Setembro de 1862: Francisco Gomes de Amorim, desejando dar ao público um testemunho do seu reconhecimento pelas muitas provas de afectuosa consideração e simpatia, que recebeu durante a sua residência nesta ilha, e não lhe permitindo o seu mau estado de saúde despedir-se pessoalmente de todas as pessoas que lhe fizeram o favor de o visitar, tanto no vale das Furnas como em Ponta Delgada, a todos agradece por este modo, despedindo-se com profunda saudade e protestando conservar sempre viva a memória dos favores que recebeu nesta formosa terra.

Apesar de não ter obtido resultados volta no ano seguinte.

«Persuasão» - 3 de Junho de 1863:  Este mimoso poeta (Gomes d’Amorim) chegou a Ponta Delgada. Demora-se poucos dias na cidade e segue para as Furnas a fazer uso dos banhos termais.

Pior ainda se deu.

«Persuasão»  «9 de Setembro de 1863:  O ilustre poeta Gomes d’Amorim regressou das Furnas para esta cidade em muito mau estado de saúde. O sr. Dr. José Pereira Botelho, ornamento da medicina portuguesa, que tão desveladamente tratou nas Furnas o sr. Amorim, acompanhou o seu regresso e hospedou-o em sua própria casa, onde ele, sua excelente esposa e muito estimáveis filhas não poupam desvelos e carinhos na convalescença do sr. Gomes d'Amorim. Está muitissimo melhor do que veio das Furnas. Já se levanta, passeia e conversa há bastantes dias, sentindo ainda, infelizmente repetidas perturbações cerebrais. É possível que os banhos de mar, que já toma há dias, sejam proveitosos ao desditoso enfermo. Para tranquilidade de sua família e amigos do continente, asseguramos com profundo conhecimento, que o sr. Amorim, nem mesmo no meio de sua família seria tratado com mais afago e comodidades do que está sendo em casa do distinto e desinteressado médico de Ponta Delgada, o sr. Dr. José Pereira Botelho.»

«Persuasão» « 30 de Setembro de 1863:  Sr. Redator.- Próximo ao movimento de seguir viagem para Lisboa venho pedir-lhe o favor de me conceder um cantinho do seu jornal, para eu dar público testemunho do meu sincero reconhecimento pelas muitas provas de afectuoso interesse que recebi durante a minha residência nesta bela ilha.

Vapores de enxofre para tratar as enxaquecas . . .

 

. . . como a Medicina evoluiu entretanto . . .

O doloroso estado em que vou partir, impede-me de agradecer pessoalmente os favores que me honraram, e tira-me toda a esperança de tornar a ver os que mos fizeram; mas creiam todos aqueles a quem devi um cuidado ou um afecto, que a minha memória e o meu coração lhes serão sempre fiéis enquanto eu viver.

Os banhos de Furnas, propícios para tantos males, não me foram favoráveis; e a não serem os estremecidos cuidados com que me rodeou a mais pura, a mais caridosa, a mais fervorosa afeição, eu teria achado no meio das formosuras d'aquele vale, um lugar de repouso eterno, em vez do alívio que buscava.

Não o quis Deus assim. Ao lado da desventura, que agravou os meus padecimentos, surgiram logo milagres de zêlo, grandes afectos, uma nova família, que Deus mandava para substituir a que tinha longe: tudo, enfim, quanto o favor do céu produz na terra! Se a saúde fosse possível, eu tê-la-ia recobrado. De todos os lados me amparavam mãos abençoadas pela providência; e, ao partir, não posso deixar de derramar sobre elas todas as lágrimas da minha gratidão e da minha saudade.

Se me não é permitido citar nomes, nem dirigir mais claramente os meus agradecimentos àqueles a quem mais devo, e a quem mais amo, tenho-os todos no pensamento, ao dizer este último adeus à terra que os viu nascer.

Adeus, pois, formosa e querida ilha! Adeus, pátria dos bons corações! Que Deus te dê sempre destes belos frutos, e pague por mim  as dívidas que eu aqui deixo.

Ponta Delgada, 28 de Setembro de 1863. F. Gomes de Amorim.»

Não ganhou saúde o nosso poeta, mas ganhou uma família nova, a família desse grande médico e grande homem que foi o Dr. José Pereira Botelho. Grande e muito conceituado médico, sendo o filho, homem, mais velho de 10 irmãos, como morgado, devia herdar a quase totalidade dos bens de seus pais. Fez questão de abdicar do morgadio e dividir a herança com os irmãos, coisa rara, e talvez única no seu tempo, o que demonstra o valor do seu temperamento moral.

É pois o Dr. Pereira Botelho, sem qualquer favor, uma das grandes figuras de São Miguel. Salvou a vida do nosso Gomes de Amorim e ganhou mais um admirador e um grande e reconhecido amigo.

Na biografia deste médico, publicada na revista «Insulana» em 1954, escreve António Augusto Ripley da Mota em «O Dr. Botelho e o seu tempo»:

Havia clientes que o adoravam. Daqui e de fora da Ilha! ... distinguiremos Francisco Gomes de Amorim, o conhecido biógrafo de Garrett que viera experimentar (aliás sem resultado) as águas termais de Furnas;

Mais adiante: Todos ficavam agradecidos, alguns permaneciam seus íntimos amigos, como Gomes de Amorim que bem o manifesta numa longa correspondência de mais de 20 anos ... e no Cap. IV do seu livro «Fructos de Vário Sabor» (Lisboa, 1876), intitulado «Saudades» e dedicado ao Dr. J. P. B..

Deste modo, acabou Francisco Gomes de Amorim entrando para a história dos Açores.

Rio de Janeiro, Junho de 2002

 Francisco Gomes de Amorim

 

 

QUANDO A ANSIEDADE É UMA DOENÇA

   

A doença,  como a moda, sofre influência dos tempos, necessidades e conquistas. E é também parâmetro político de qualidade de vida de uma comunidade. Se nos tempos antigos era reflexo das "indisposições" divinas, onde tentar curá-la era sinal de infidelidade ou bruxaria, na “ditadura" médica da actualidade, até o que é natural, como a gestação e a velhice, é tratado como patologia, precisando do parecer de especialistas, para nossa tranquilidade!

 

Situações de stress vivemos quotidianamente desde o momento do nascimento até à morte. Viver é superar e administrar uma sucessão de eventos conhecidos e desconhecidos do dia-a-dia que nos leva a um estado sublimado de ansiedade normal, permanente. É através dele que nos mobilizamos, actuamos e fazemos as coisas acontecerem. A ansiedade em níveis de alerta é uma reacção normal do organismo, mas quando passa a interferir no bem-estar, na capacidade de desempenho das tarefas rotineiras ou nos relacionamentos, passa a ser patológica, necessita então de tratamento.

 

Apesar da evolução tecnológica e das conquistas científicas que produziram um sucesso excepcional na aplicação da Medicina, muitas doenças, antigas e modernas, continuam a desafiar a inteligência humana, como o cancro, as viroses e as doenças psicossomáticas que ainda estão sem uma explicação definitiva.

 

Quando Willam Cullen, no século XVIII, levantou a teoria da irritabilidade, como sendo uma propriedade das células nervosas, e a que deu o nome de Neurose, não imaginava o tanto que esse termo seria aplicado nos séculos seguintes às doenças psicossomáticas do indivíduo moderno.

 

As dificuldades em responder às demandas crescentes e cada vez mais exigentes de uma sociedade globalizada cria em certos indivíduos, de alguma maneira mais fragilizados ou despreparados, "le malade imaginaire" que os tira consciente ou inconscientemente das suas responsabilidades. Na Medicina procuram o alívio, o temporário afastamento, a compaixão do outro que, medicando-os,   vai legitimá-los. "Medicalizados",  terão suas necessidades confirmadas e assegurados os seus direitos às escapadas da dura realidade!

 

Mas nem todos seguem os mesmos caminhos. Num mundo que supervaloriza a beleza, a perfeição, o equilíbrio e a estabilidade, submeter-se a uma consulta psiquiátrica traz desconforto emocional pois é assumir que está doente, condição  que nem todos entendem ou aceitam por acharem nisso sinal de fraqueza mental ou de personalidade. Quantos "chatos", "cri-cris", "depressivos" ou "drogados" não escondem os antigos hipocondríacos e histéricos, vitimas das mesmas doenças da alma!   Enquanto isso os consultórios continuam atendendo pacientes ansiosos com suas fadigas crónicas e dores errantes,  somatizadas,  na esperança de obter respostas às suas dificuldades emocionais e ambiguidades do seu EU.

 

Mas é preciso não esquecer que a ansiedade pode apresentar semelhança com um estado ansioso produzido pelas alterações físico-químicas de certas doenças  ou medicamentos. A hipo ou hiperglicemia, o hipo ou hipertiroidismo, certas epilepsias (da região temporal), algumas medicações psicotrópicas podem levar o indivíduo a apresentar sinais e sintomas parecidos com os do distúrbio emocional, só identificado por um profissional qualificado.

 

O ansioso patológico vive em estado de agitação psico-motora, não coordenada, improdutiva. Sente falta de ar, refere palpitações e dores pré-cordiais. Tem alterações gastrointestinais, transpira excessivamente, tem boca seca e problemas de comunicação e desempenho. Sentindo-se inseguro ou ameaçado cai em isolamento e prostração. Com frequência o desencanto com o mundo  leva-o  a uma tristeza profunda, à depressão. Abandonado à própria sorte, desenvolve doenças dermatológicas, cardio-respiratórias e de ordem digestiva.

 

O paciente fóbico passa a evitar os contactos sociais, as viagens e as multidões. Nos quadros psicóticos não reconhece os outros e o medo do objecto real é substituído pelo imaginário. Quando o pânico se instala,  as crises agudas de mal estar o levam ao Hospital, acreditando que está enfartando, em risco de morte eminente.

 

A compreensão e o tratamento da ansiedade patológica podem levar a  um controle da doença. Tratá-la exige, além de um terapeuta e de medicação apropriada,  o apoio dos amigos e o carinho da família.

 

Uberaba, Dezembro de 2006

 

M. Eduarda Fagundes

CURTINHAS XXV

O gato e o rabo do dito

v      Tempos atrás, escrevi sobre a controversa “questão turca”. Por esses dias preocupava-me mais o modus faciendi do que propriamente ponderar os “prós” e os “contras” (na óptica dos “do lado de cá”, naturalmente) da adesão da Turquia à UE. Agora, o que me preocupa é saber se as portas da Europa rica se abrirão à Turquia ainda em nossas vidas.

v      Suponhamos que a Turquia preenchia finalmente todas as condições de adesão, por mais abstrusas que elas fossem (e o tempo se encarregará de demonstrar que muitas exigências abstrusas vão ser ainda servidas à mesa das negociações). Entrará? Talvez não. E porquê? Porque há um último e intransponível obstáculo que tem passado em silêncio. Surprise! surprise! Isso toca-nos de perto...

v      Tudo começou com o Tratado de Nice. Até então, a CEE tinha sido uma união económica entre iguais, fossem quais fossem o peso económico e a dimensão populacional desses “iguais” – e fazia grande alarde disso. Quem não se lembra do argumento decisivo para convencer aqueles de entre nós que se mostravam menos entusiasmados com a ideia de aderir à CEE: “Vamos falar de igual para igual!”.

v      Não sei se alguma vez falámos verdadeiramente de igual para igual. Mas se tal não acontecia seria talvez mais pelo papel de “pedinte profissional” que representávamos a preceito (havia piores, bem entendido) do que pelos números exíguos (quer quanto a PIB, quer quanto a gente) com que lá íamos contribuindo para o prestígio do clube.

v      É certo que a dado passo entrou em cena o Parlamento Europeu para preencher o deficit democrático – e aí, democraticamente, os Estados membros não estavam, nem estão, todos por igual representados. Mas tratava-se de um órgão decorativo, ainda que caro: fazia, de vez em quando, uns juízos políticos que passavam despercebidos, servia de cortina discreta para se negociar nos bastidores e pouco mais. Não era por ele que os iguais deixavam de ser iguais.

v      Au fure et à mesure que o clube se alargava, a igualdade começava a pesar aos “grandes da Europa”: “Ter de tratar de igual para igual com países pequenos, mas ricos, ainda vá que não vá – afinal, pensamos todos igual; agora, com países bem menos desenvolvidos e que ainda por cima não é seguro que pensem sempre como nós – isso é o diabo”. E foi. Dá pelo nome de Tratado de Nice.

v      Neste Tratado, que é o quadro actual da UE, todos os membros continuam iguais, mas passou a haver o grupo daqueles que são ainda mais iguais. Finalmente, os “grandes da Europa” estavam de volta aonde nunca deixaram de querer estar: ao leme (com uma ou outra concessão). Os poderes do Parlamento Europeu, entretanto reforçados, ainda acentuaram mais a assimetria que passou a ser regra na Comissão (recordo que a Comissão é o órgão comunitário que detém, em exclusivo, o poder de propositura).

v      É claro que por este critério (o da população) tão bem congeminado eles, os “grandes da Europa”, só contam no concerto mundial graças ao contrapeso dos not so big – mas isso não gostam que se lhes recorde. Como não é menos claro que esse critério é suficientemente soft (quase what else?) para que os little fellows não fiquem irrequietos.

v      A entrada da Turquia na cena europeia iria trazer ao de cima a artificialidade que sempre rodeou este critério de predominância pelo peso populacional. Hoje, a população da Turquia (72.6 milhões) só é ultrapassada pela da Alemanha (82.4 milhões) e excede largamente a da França (62.9 milhões). Dentro de 10 anos, prevê-se que a população turca seja igual, mais coisa menos coisa, à da Alemanha e cerca de 1/3 superior à da França (ou do Reino Unido). O que é dizer, com um tal critério, de um momento para o outro, uma conjuntura de votos polarizada pela Turquia poderia pedir polidamente aos “grandes da Europa” que passassem para o banco de trás e apertassem os cintos.

v      Seria isso desejável? Algo me diz que não. Mas introduzir um outro critério baseado na riqueza económica revelar-se-ia, nos dias de hoje, demasiado acintoso para muitos dos Estados membros que se vissem relegados para posições secundárias. Afinal, diriam estes, não tinham aderido à UE para trocarem soberania por mais um prato de lentilhas. Por razões de segurança, sem dúvida – mas a segurança provêem-na melhor as forças militares da NATO que as legiões de burocratas em Bruxelas.

 Será a Turquia ainda o verdadeiro destino do "Expresso do Oriente" ou é, pelo contrário, a origem de um grande molho de bróculos?

v      O dilema em que se encontra a UE tem pouco de choque de civilizações e muito de choque de interesses: (a) ou continua a defender à outrance a bondade do critério populacional (ainda que mitigado), e a entrada da Turquia baralhará de tal maneira o jogo que nada nem ninguém poderá garantir que as orientações políticas dos “grandes da Europa” continuarão a prevalecer; (b) ou não vê alternativa à adesão da Turquia (ainda que arrastada por anos a fio) e os “grandes da Europa” terão de encontrar outro critério de predominância (ou outro modelo organizacional) que seja aceitável, simultaneamente, pelos restantes Estados membros actuais e pela própria Turquia.

v      Creio que é agora bem visível o erro que a, ao tempo, CEE cometeu quando, empurrada pelo aguilhão Delors e pelos sonhos de grandeza de uma França que não se conformava com o seu modesto estatuto mundial, saltou para o trilho da integração política. Poderia, deveria nesse instante ter-se dotado com uma organização que permitisse a continuidade ao leme dos “grandes da Europa” – sem subentendidos, nem subterfúgios, nem meias palavras. Quem, daí em diante, quisesse aderir já sabia ao que ia; quem quisesse ficar, já sabia o que o esperava; e se fosse aceite no círculo restrito dos “grandes da Europa”, tanto melhor.

v      Bem vistas as coisas, aquilo com que a Turquia sonha é unir-se economicamente à Europa rica (porque na NATO já está ela, e na NATO conta muito). O mesmo, sem tirar nem pôr, que tantos dos países que aderiram à UE (e atrevo-me a dizer, Portugal) queriam. É justamente para isso que existem as zonas de comércio livre, as uniões aduaneiras e as uniões económicas. E não se provou ainda que estes arranjos inter-estaduais só são plenamente eficazes no contexto de uma unidade política total. Basta-lhes, ao que sei, um módico de harmonização em matéria de princípios políticos.

v      Não é difícil ver que tudo ficaria bem mais simples se a matriz comum voltasse a ser uma união económica capaz de comportar, aqui uma união monetária, ali uma união política, acolá um espaço de livre movimentação de pessoas. Perderiam os impulsos de grandeur dos “grandes da Europa”? Não forçosamente. Mas também não se pode ganhar sempre.

Lisboa, Dezembro de 2006

 A. Palhinha Machado

DIÁLOGOS PLATÓNICOS

 

II Série – Nº 3

Casas de Correcção

 

Discípulo: – Estavam boas, as suas castanhas assadas?

Mestre: – Sim, mas estavam quase no fim; já só consegui comprar meia dúzia. Aquela empresária fez uma deficiente gestão de stocks . . .

Discípulo: – Qual empresária?

Mestre: – A vendedora de castanhas.

Discípulo: – Empresária?

Mestre: – E por que não? Não será uma empresa, aquele carrinho, as castanhas cruas, o assador e o produto acabado? Dá-se é a circunstância de o Presidente do Conselho de Administração, o Director dos Recursos Humanos, os Chefes de Compras, de Vendas e de Logística serem uma e a mesma pessoa mas que é uma empresa, não oferece qualquer dúvida. Uma empresa ambulante.

Discípulo: – Economia paralela?

Mestre: – Não obrigatoriamente. Não reparei nos pormenores mas acredito que o carrinho tenha matrícula camarária e que a fulana pague as taxas de vendedora ambulante. Se assim acontecer, é Economia formal e não paralela.

Discípulo: – Com contabilidade organizada?

Mestre: – Nos termos em que Você imagina, duvido seriamente mas olhe que estas pessoas que se dedicam por inteiro a um negócio que é deles e só deles, raramente se enganam na gestão que praticam. Mais vale só ter meia dúzia de castanhas assadas para me vender – porque eu não quis ficar à espera da produção de mais produto final – do que ficar com meia dúzia de castanhas assadas por vender; no dia seguinte estariam incomestíveis e seriam pura perda. É claro que desconhecem por completo as taxas de amortização que tanto nos preocupam nas imputações que fazemos aos custos sectoriais de produção mas a complexidade daquela empresa não é propriamente a mesma da daquelas a que nós estamos habituados . . . Mas não quer fazer um resumo da nossa conversa anterior antes de retomarmos o fio à meada?

Discípulo: – Sim, claro. O que eu retive da sessão anterior foi que há a economia oficial, a de meia-tigela e a clandestina que se subdivide em actividades criminosas, ilegais e «macquizardes». Lembro-me também de que considera que a grande vontade popular de obtenção de um título académico permitiu o aparecimento de muitos cursos que não servem para nada e que foram vendidos como lebres quando, na verdade, não passavam de gatos. São esses licenciados que hoje enxameiam os Serviços do Desemprego.

Mestre: – Muito bem, para resumo não está mau. E agora para que paragens quer navegar?

Discípulo: – Bem, eu notei que a inadiável vontade de comer castanhas assadas surgiu quando nos preparávamos para falar dos restos de corporativismo que existem em Portugal.

Mestre: – Ah!, sim, isso foi uma mera coincidência. O adiantado da hora no dia de S. Martinho exigia que saíssemos para ir à procura das castanhas, sob pena de furarmos a tradição. Não tenho qualquer receio de tratar do tema e de afirmar que considero completamente aberrante que os cursos tenham que ver previamente os respectivos curricula aprovados pelo Ministério da Educação e, depois, os licenciados só poderem exercer a profissão se devidamente aprovados pela respectiva Ordem. Trata-se de uma gaguez cacafónica, entorpecedora da fluidez com que a recuperação do nosso atraso relativo tem que acontecer.

Discípulo: – Está a referir-se a quem?

Mestre: – À medicina, ao direito, à farmácia, à contabilidade, à arquitectura, etc. Têm o curso completo, de acordo com as regras definidas pela Autoridade da Educação, não faz sentido submeter esses licenciados a mais formalismos verificadores da competência que formalmente já adquiriram. Ou então, a Autoridade da Educação é delegada nas Ordens e o Ministério deixa de fazer a aprovação prévia dos curricula. Das duas, uma; as duas, não fazem qualquer sentido. Era o que se passava com os registos notariais e com as Conservatórias mas, em boa hora, o Governo está a acabar com essa redundância. Em tempos que já lá vão, era o que se passava com os Despachantes Oficiais. Assim como o lobby dos Notários fazia com que fossem obrigatórios inúmeros registos sem qualquer valor acrescentado perante os homólogos nas Conservatórias, com as profissões que citei muito – ou tudo – tem a ver com a restrição à concorrência no seio dessa mesma profissão. Os médicos não querem que haja mais médicos para além dos que já existem; os advogados acham que já há advogados a mais, os contabilistas não querem mais concorrência, etc., etc., etc.

Discípulo: – Então para que serviriam as Ordens?

Mestre: – Para organizarem uns jantares, umas viagens, uns descontos nas lojas de conveniência . . . Ah! E poderiam também promover acções de actualização profissional ao longo da vida dos associados, os ordeiros, nas perspectivas técnica e científica.

Discípulo: – E não deveriam ter alguma acção disciplinar?

Mestre: – Veja-se o caso bem recente da Ordem dos Advogados e do seu ex-bastonário . . .

Discípulo: – Então não reconhece às Ordens algum poder disciplinar?

Mestre: – Não. Absolutamente nenhum. Se um profissional se meter em sarilhos, responde perante o Poder Judicial. Quando muito, as Ordens poderiam ser chamadas a opinar sobre as matérias em que o Tribunal sentisse necessidade de alguma assessoria técnica.

Discípulo: – Isso poderia inclusive levar à constituição de tribunais especializados.

Mestre: – E por que não? Isso seria do maior interesse para a melhoria da qualidade da Justiça se não mesmo para alguma celeridade processual.

Discípulo: – Bem, isso funcionaria para todas as Ordens com excepção da dos Advogados.

Mestre: – Muito provavelmente.

Discípulo: – Então é por causa desse corporativismo que as Faculdades de Medicina são de acesso tão difícil?

Mestre: – Estou convencido de que sim. Os médicos não querem que a profissão seja invadida por muitos portugueses. Não deviam era estar à espera da invasão espanhola nem das invasões que ocorrerão futuramente de médicos de outros Estados membro da UE. E com o livre direito de estabelecimento na UE e o reconhecimento mútuo e automático dos diplomas, o melhor é as Ordens começarem a mentalizar-se de que o 25 de Abril já aconteceu em 1974 e que o prazo de validade do corporativismo caducou há 32 anos.

Discípulo: – E com a Ordem dos Economistas?

Mestre: – Não é imprescindível ser-se membro da Ordem dos Economistas para se poder exercer a profissão. A minha Ordem não tem esse espírito corporativo; é uma instituição do séc. XXI, não calçou botas-de-elástico nas margens do Mondego.

Discípulo: – Ainda a propósito dos médicos. Deveria haver mais cursos de medicina?

Mestre: – Se a oferta não responde à procura, então há que instalar mais cursos ou abrir mais vagas nos existentes. Mas já que em Portugal ainda se entende que só o Estado tem competência para ensinar medicina, parece-me elementar que as Forças Armadas assumam um curso de medicina aberto a alunos civis. Aliás, creio que há muitos casos de ensino ministrado pelas Forças Armadas que têm o maior interesse para os civis e que estes estarão dispostos a pagar propinas como se se tratasse de Universidades privadas.

Discípulo: – Por exemplo . . . ?

Mestre: – Dentre as que ainda não existem, refiro a medicina, a farmácia, a veterinária; das que já existem, cito os vários ramos da engenharia e a enfermagem. Temo que a Escola Militar de Electromecânica de Paço d’Arcos – num nível pré universitário – tenha fechado as portas em vez de se abrir a civis e por essa via meter dinheiro nos cofres do Estado. Mas não conheço o assunto em profundidade e é por isso que, em vez de referir casos concretos, prefiro centrar a minha atenção no princípio geral de que há que admitir civis em certos cursos militares com o objectivo de promover um maior número de pessoas com formação adequada sem com isso aumentar a despesa pública e, pelo contrário, aumentando a receita.

Discípulo: – E acha que as Forças Armadas têm essa vocação, a da formação profissional?

Mestre: – As Forças Armadas portuguesas têm uma larguíssima experiência de formação dos seus próprios Quadros, a todos os níveis: superior – o dos Oficiais; médio – o dos Sargentos; básico – o dos Soldados. Têm muito que ensinar e em tempo de paz como este que atravessamos deveriam assumir-se como um instrumento do desenvolvimento nacional.

Discípulo: – E os alunos civis também deviam fazer Ordem Unida?

Mestre: – Se forem fisicamente aptos, não lhes faria mal nenhum. Mas isso são matérias não relevantes para o que estamos a tratar.

Discípulo: – Seria importante para a educação cívica dos alunos civis?

Mestre: – Admito que sim. A disciplina anda em grande crise: toda a gente tem todos os direitos; ninguém tem obrigações.

Discípulo: – Haverá que militarizar os civis?

Mestre: – Não propriamente. A nível do secundário há que reintroduzir a responsabilização da juventude. Chumbar por faltas e fazer os trabalhos de casa têm que voltar a ser imperativos. A indisciplina tem que voltar a ser penalizada. Deixar passar todos de ano só para não estragar as estatísticas tem conduzido a nossa Nação a níveis de irresponsabilização ímpares na nossa História e nem com esse laxismo conseguimos baixar o abandono escolar precoce.

Discípulo: – E os professores estarão em condições para desempenharem essa função?

Mestre: – Os professores e os pais! Os professores não têm que ser vítimas do abandono da função disciplinadora a que os pais se votaram. Deixemo-nos de demagogias: a função dos pais não tem que ser substituída pela dos professores. Aos professores não cabe aturarem más-educações. Aluno mel-educado vai para a rua com falta disciplinar não justificável e chumba se exceder o número de faltas permitido. Se isso suceder significa que é um delinquente; a Escola é destinada a gente normal e os alunos normais têm o direito de não serem prejudicados por vândalos que têm que ser tratados desse modo, como alienados.

Discípulo: – Está a promover a exclusão escolar?

Mestre: – Estou a promover a disciplina escolar e a protecção dos interesses dos alunos normais que são a clara maioria.

Discípulo: – E que propõe para os excluídos?

Mestre: – Não, não proponho pancada. Disso já eles devem ter que sobre nos ambientes que frequentam fora da Escola, nomeadamente a nível familiar.

Discípulo: – Então?

Mestre: – Qualquer coisa que se assemelhe com o regime de ensino napoleónico, ou seja, com o ensino oficial francês.

Discípulo: – Mas isso é à pancada.

Mestre: – Nem pouco mais ou menos mas é claramente um regime disciplinador.

Discípulo: – À maneira da tropa?

Mestre: – Não anda muito longe. Um pouco de Ordem Unida talvez faça bem a esses gandulos destabilizadores e a terapia ocupacional talvez seja indicada para a indolência tão em voga em certas cabeças rebeldes.

Discípulo: – E isso seria em regime livre ou de internato?

Mestre: – Não me refiro às Casas de Correcção mas sim a um regime mais benigno. Disciplinador, com certeza. O que temos é que garantir que a maioria disciplinada não seja incomodada na Escola por uma minoria mal-educada, indisciplinada, eventualmente portadora de vícios. Os casos que saem da normalidade têm que ser tratados com métodos especiais. Só isso.

Discípulo: – Estou mesmo a ver que esses vão acabar na rua.

Mestre: – Talvez nunca devessem de lá ter saído em vez de virem incomodar gente normal que quer estudar.

Discípulo: – E que faz a esses marginais quando se constituírem em bandos?

Mestre: – Ponho-lhes a Polícia no encalço.

Discípulo: – Acha isso democrático?

Mestre: – Poderá não ser politicamente correcto segundo os parâmetros dos telejornais actuais mas democrático é: proteger os interesses da maioria defendendo-a da marginalidade.

Discípulo: – Bem, proponho que façamos um intervalo para vermos a Polícia a correr com os marginais. Tem algum tema para a próxima conversa?

Mestre: – Proponho a matemática e desejo um Santo Natal a todos.

Discípulo: – Muito bem, falaremos de matemática. Boas Festas.

 

Lisboa, Dezembro de 2006

  

Henrique Salles da Fonseca

HINO NACIONAL DA GALIZA

 Bandeira nacionalista galega

OS PINHEIROS

(por Eduardo Pondal)

 Eduardo Pondal (1835-1917)

Para interpretar melhor:
«Os rumorosos» são os pinheiros
«Arume harpado» são as folhas dos pinheiros
Breogão foi um líder celta que, vindo de Irlanda, desembarcou na Crunha (hoje Corunha) em tempos recuados, e representa a antiguidade, nobreza e liderança que era negada aos galegos. Lembremos as primeiras linhas de «Os Lusíadas»: «As armas e os Barões assinalados. ..»


Quê dim os rumorosos,
Na costa verdecente,
Ao raio transparente
Do plácido lüar...?
Quê dim as altas copas
De escuro arume harpado
C'o seu bem compassado
Monótono fungar...?

Do teu verdor cingido
E de benignos astros,
Confim dos verdes castros
E valeroso clã,
Não dês a esquecimento
Da injúria o rude encono;
Desperta do teu sono,
Fogar de Breogão.

Os bons e generosos
A nossa voz entendem,
E com arroubo atendem,
O nosso rouco som;
Mas sós os ignorantes,
E férridos e duros,
Imbecis e obcuros,
Não nos entendem, não.

Os tempos são chegados
Dos bardos das idades,
Que as vossas vacuidades
Cumprido fim terão;
Pois onde quer, gigante,
A nossa voz pregoa
A redenção da boa
Nação de Breogão

Teus filhos vagorosos,
Em que honor só late,
A intrépido combate
Dispondo o peito vão;
Sê por ti mesma, livre
De indigna servidume
E de oprobioso alcume
Região de Breogão.                          AQUI CESSA O HINO

                                                           A PARTIR DE AQUI . . .
À nobre Lusitânia
Os braços tende amigos,
Que os eidos vêm antigos,
Com um pungente afã;
E cumpre as vacuidades
Dos teus soantes pinhos,
Duns mágicos destinos,
Oh, grei de Breogão!

Amor da terra verde,
Da verde terra nossa,
Acende a raça briosa
De Ousinde e de Frojão;
E lá nos seus garridos
Justilhos, mal constreitos,
Os doces e alvos peitos
Das filhas de Breogão.

Que à nobre prole ensinem
Fortíssimos acentos,
Não os moles concentos
Que a virgens só bem `stão;
Mas os robustos ecos
Que, oh, pátria, bem recordas
Das sonorosas cordas
Das harpas de Breogão!

Estima não se alcança
C'um vil gemido brando,
Qual quem requer rogando
Com voz se esquecerão:
Mas c'um rumor gigante,
Sublime e parecido
Ao intrépido sonido
Das armas de Breogão!

[Galegos, sede fortes,
prontos a grandes feitos,
aparelhai os peitos
a glorïoso afã;
filhos dos nobres celtas,
fortes e peregrinos,
lutai pelos destinos
dos eidos de Breogão].

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