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A bem da Nação

LIDO COM INTERESSE – 11

 

 

Título: “Bem-Aventurados os que Ousam! A Liberdade de Existir em Questão”

Autora: Isabel Abecassis Empis

Editora: Palavra

Edição: 1ª, Novembro de 2003

 

 

 

Se há boas badanas, a deste livro é disso exemplo. Dela retiro uma óptima apreciação: “(…) não é um livro sobre Psicanálise, embora se inspire na experiência da autora como psicóloga ao longo de mais de trinta anos. É um registo em tom confessional e bem-humorado sobre temas actuais e incontornáveis na sociedade dos nossos dias, que ao sabor da pena a autora vai desfiando: a religião, a sexualidade, a relação entre pais e filhos, os dogmas instituídos socialmente. Com uma escrita acessível, Isabel Abecassis Empis desconstrói preconceitos e desafia normas ao mesmo tempo que nos oferece um conjunto de reflexões sensatas e de um profundo humanismo sobre o que é estar vivo no mundo de hoje.”

 

Logo na introdução ficamos a saber onde a autora nos quer fazer chegar e sempre é agradável saber que essa meta consiste em:

 

                   «Transformar o mau em bom

                     Os obstáculos em oportunidades

                     As discussões em ocasiões de iluminação

                     A solidão em saber-se ser a sua própria companhia

                     As regras impostas em regras úteis

                     O inevitável em fonte de crescimento

                                         (…)»

 

E se ao longo das páginas nos deparamos com a descrição de situações cheias de plausibilidade e sensatez, há frases que – por caracterizarem muito bem algumas situações tão nossas conhecidas – não resisto a transcrever:

 

«O que observamos na sala de espera de um centro de saúde ou de um consultório médico é ilustrativo. As pessoas competem pela doença e pelo sofrimento, suspiram, gemem e sem escutar o interlocutor até ao fim, interrompem e atropelam o seu discurso, clamando para si o primeiro lugar da doença, do sofrimento, da desgraça … “Isso não é nada, se a Sr.ª visse as varizes que eu tenho nas pernas … Olhe!” Ao que segue normalmente uma demonstração prática das partes doentes do corpo … e a outra: “Olhe, mas o meu marido teve muito pior! (…)» e assim sucessivamente até que alguém chame uma delas à consulta.

 

«(…) o sofrimento e a infelicidade têm sido confundidos com profundidade, seriedade, inteligência, humanidade, altruísmo, generosidade … enquanto que a felicidade e a alegria são muitas vezes conotadas como sinónimos de superficialidade, estupidez, egoísmo, frivolidade, falta de seriedade, irresponsabilidade, leviandade …

Como é possível o sofrimento e a infelicidade – que é doença – ser tão bom e felicidade e alegria – que é saúde – ser tão mau?

Esta classificação tem sido, no entanto, uma tentação nacional.

É importante entender que o refúgio na doença é uma forma corrente do ser humano chamar a si a atenção do outro, uma espécie de “regressão” à infância, época em que se ocupavam de nós. Ser doente é obrigar o mundo a ocupar-se de nós, obrigar quem está à volta a suprir as nossas necessidades, como quando ainda não éramos autónomos. Deste modo, uma pessoa chama a si a protecção do outro ficando no papel do protegido. Este comportamento liga-se, muitas vezes, a um sentimento de grande solidão interior, que existe quando uma pessoa ainda não aprendeu a ser a sua própria companhia e pensa que a força só lhe pode vir de fora de si mesma. A solidão é, sem dúvida, um dos factores que pode facilitar esta “tentação doentia” e prevenir a solidão pode ser o equivalente a prevenir a doença e o desejo (inconsciente) de adoecer. (…)»

 

 O prazer de estar doente ...

 

Sem me dar ao luxo de grandes exageros, estou em crer que se este livro fosse lido por todos e cada um dos portugueses residentes em Portugal com alguma capacidade de interpretação de um texto escrito, o Serviço Nacional de Saúde não seria tão assediado por solitários neuróticos que vão regularmente aos Centros de Saúde preencher o vazio da vida que assumiram em laudatórias tristezas.

 

Lisboa, Outubro de 2006

 

 

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 Henrique Salles da Fonseca

CRÓNICA DO BRASIL

By the people, to the people

 

Estão a terminar os primeiros quatro anos de governo "popular" e vamos continuar na mesmice. Na mesma mentira.

Durante este tempo assistiu-se, além da roubalheira e corrupção desenfreadas, ao choro da "herança maldita" (por que tanto lutaram!) e a um enriquecimento inédito dos bancos e investidores na bolsa. (by the people!)

Os juros básicos têm vindo a cair, devagar, devagar - malembe, malembe (atenção à cultura africana!) - mas ainda não sobra coisa alguma para investimentos em infraestruturas porque o custo do juro da dívida interna, que já ultrapassa um trilhão - um trilhão de reais, igual a quatrocentos milhões de euros! - come o que sobra das receitas da União e dos estados!

Continuamos com a taxa de juros mais alta do mundo, o que favorece unicamente a alta finança. Custa a acreditar, mas os últimos valores divulgados pelo Banco do Brasil sobre as taxas médias anuais de juros cobradas pelos bancos são estas enormidades:

Crédito pessoal   -    80 %

Cheque especial  -  156 %

Cartão de crédito -  200 %

to the people

Proliferam por todas as esquinas de todos os bairros "financeiras" a oferecer dinheiro a aposentados, com a garantia de receberem da Segurança Social, a militares, e semelhantes. Uma dúzia de jovens nas redondezas dessas "financeiras" procura atrair os incautos para que levantem dinheiro. Fácil. Esses jovens também ganham uma miséria, uma comissão sobre o valor emprestado e, logo, logo o devedor fica engasgado sem meios para solver um compromisso ignorantemente assumido.

O juro é muito alto e as financeiras NUNCA perdem, mesmo que um ou outro miserável acabe inadimplente.

A isto por aqui se chama democracia. O nome certo seria plutocracia. Violência. Sem vergonhice, mas jamais governo. Desgoverno, sim.

E o people ?  Que bicho é esse de people ?

Rio de Janeiro, 29 de Outubro de  2006

Francisco Gomes de Amorim

O Barroco Mineiro

 Barroco Autêntico e Nacional

Igreja de S. Francisco de Assis - Ouro Preto - Minas Gerais

 

 

 

A religiosidade católica, o fascínio pelo ouro e o desejo de afirmação e autonomia, unidos num só sentimento, explicam, nos planos psicológico e social, a criação da arte em Minas.

 

A religiosidade veio de Portugal e era cheia de pompa: forma de reafirmação católica diante da força crescente do protestantismo na Europa e do reforço do absolutismo na monarquia lusitana. O fascínio pelo ouro dominava todas as cabeças – portuguesas, brasileiras e africanas – enquanto a vontade de ser autónoma era companhia inseparável daquela sedução.

 

A influência mútua desses três factores fez com que as manifestações artísticas das  minas fossem a imitação do barroco europeu, mas ao mesmo tempo a sua recriação original, autêntica e nacional. Além disso, as catas de ouro e diamante estavam afastadas e mesmo isoladas do litoral, que se limitava a copiar a metrópole de além-mar, e só essa circunstância proporcionou para si ambiente à improvisação, à invenção, à própria criação artística autónoma. Daí ter nascido em Minas, "a mais forte, mais farta e mais bela expressão de uma arte verdadeiramente brasileira".

 

Barroco mineiro é a denominação genérica dada às artes que floresceram em Minas no século XVIII, o século da mineração, quando o barroco já havia sido superado na Europa. Lá, predominou no século XVII, quando o estilo foi transplantado para o litoral do Brasil, como se vê nas igrejas e conventos da Bahia e Nordeste.

 

Para se entender esse movimento artístico mineiro e a própria alma de Minas, para não dizer do Brasil, o ensaísta Afonso Ávila, um dos mais importantes estudiosos do tema, chama a atenção para as diferenças entre o barroco  de modo geral,   e o antigo classicismo da Renascença: o estilo clássico representou o império das formas lineares, independentes, rígidas e bem definidas, enquanto no barroco prevaleciam maior liberdade, movimento, curvas, pinturas, noção de conjunto e uma certa indefinição das formas individuais.

 

O estilo ocorrido em Minas tem cinco aspectos principais: exuberância de decoração interna das igrejas; uso intenso da talha de diferentes cores, sobretudo o revestimento de ouro; crescente tendência à movimentação e encurvamento, primeiro da arquitectura interna das igrejas, depois da externa; realismo das esculturas e imagens; e presença simultânea de ornamentos religiosos e profanos.

 

No entanto, se as características gerais do barroco e as específicas do barroco mineiro denotam um estilo mais desenvolto e livre, como foi ele ao mesmo tempo, o estilo do absolutismo e da dominação colonial? Para Afonso Ávila, esta questão é "o desafio mais fascinante do barroco", no qual ele identifica um jogo entre duas forças: de um lado, o poder repressor, que usou da exuberância do estilo cheio de movimentos, cores e curvas para fascinar e assim subjugar o povo, e de outro a força dos desejos, sonhos e fantasias do próprio povo, que utilizou o barroco como forma criativa e apaixonada de expressá-lo:

      « (...) o barroco soube encontrar, em meio aos fantasmas da Inquisição e do poder absoluto dos reis, a válvula de escape do jogo criativo» escreveu Afonso Ávila.

 

 

Therezinha Barreto de Figueiredo

 

 

Fonte: “Minas Colonial” Editora Efecê S.A

Com a palavra, o professor (2)

  Therezinha Barreto de Figueiredo (*)

 

"Para implantar qualquer mudança, é preciso investir num projecto-piloto que permita saber de antemão as medidas necessárias para seu bom funcionamento", diz Tânia Zagury, educadora com 36 anos de carreira e autora de livros de sucesso como «Educar sem culpa», «O adolescente por ele mesmo», «O Professor Refém».

 

Para agravar o quadro existe um factor externo à escola. Trata-se da dificuldade dos pais em impor limites a seus filhos. Isso traz consequências graves para a família, escola e sociedade. Interfere na disciplina. "Ninguém pode viver fazendo só o que quer e gosta".

 

Por traz dessa realidade está a perda da noção de direitos e deveres. A cada direito corresponde um dever. Se o acesso à escola é um direito do cidadão brasileiro e obriga os pais a colocar seus filhos na escola, então a criança tem o dever de estudar. Não é estudar para ser o melhor, aquele que só tira A ou 100, mas é dever do aluno corresponder minimamente. E cabe aos pais (é dever deles) acompanhar de perto esse processo. Cuidar para que o filho faça as tarefas, não mate aula, olhar o boletim, etc. Outro problema externo à escola é a falta de motivação. Isso interfere na 1° causa externa: (o dever de estudar) – a disciplina. Torna-se difícil manter a disciplina se o aluno não se interessa pelo que está sendo ensinado. Existem os apelos externos à escola: televisão, Internet, sonhos de consumo de tal magnitude, que dificulta seduzir a criança para aprender.

 

Se a escola é mal aparelhada como a maioria é, fica ainda mais difícil. E se os pais não se comprometem com o aprendizado dos filhos, o desafio torna-se praticamente intransponível.

 

Esta é a opinião de Tânia Zagury (profissional da educação).

 

Outra profissional, Maria Inês Fini, discorda da avaliação de que a família é responsável pela indisciplina dos alunos na escola. Para ela o professor é despreparado e o ensino desinteressante. É nisto que é preciso mexer, avalia. A professora é favorável à progressão continuada; assim como o economista Cláudio de Moura Castro, colunista de “Veja” e nome respeitado internacionalmente em matéria de educação. Para ele, no conjunto, a reprovação é mais nociva ao aluno do que a aprovação com lacunas de conhecimento. A pontuação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) de 2003 mostra que os alunos que já sofreram uma reprovação têm pior desempenho (146 pontos) do que aqueles que nunca foram reprovados (180 pontos).

 

O Grande mérito de «O Professor Refém»  está em dar voz aos profissionais responsáveis em colocar em prática a política educacional para que eles apontem suas dificuldades e dêem opinião sobre temas a respeito dos quais não são normalmente chamados a se manifestar.  "Trata-se de tentar promover uma maior integração entre os que pensam a educação e os que a transmitem a seus alunos", resume Tânia Zagury. É inequívoca a ligação entre a melhoria da formação dos professores e o desempenho de seus alunos como avalia o próprio Ministério da Educação. Entre os factores que contribuem para uma boa escola, o documento do SAEB acentua a escolaridade do professor.

 

A análise é baseada no resultado atingido pelos alunos, o que continua sendo o melhor termómetro da qualidade do ensino. “Quando o profissional em sala de aula possui formação superior, a média dos seus estudantes no Sistema de Avaliação é de 172 e, quando a formação é de nível médio, cai para 157 pontos diz o documento final do último SAEB, realizado em 2003”.  O exemplo da Escola Joaquim Venâncio, do Rio de Janeiro é eloquente. Trata-se de uma escola pública – pertencente, portanto, a um grupo que apresenta resultados médios e sofríveis no exame. Além de trabalhar com o dobro da carga horária média das escolas brasileiras e ter boa infra-estrutura, 70% de seus professores possuem mestrado ou doutorado.

 

A melhor constatação de «O Professor Refém» é que a maior parte dos professores, a despeito de suas próprias deficiências, se empenha em fazer o melhor possível. Num país que tem instrumentos de avaliação que não ficam nada a dever aos utilizados em países de bom padrão educacional, é importante que se preste mais atenção ao que se passa na vida real das escolas. “Temos as sementes, toda a tecnologia e todo o conhecimento para isto”, diz Cláudio de Moura Castro.

 

 

Alguns “Mitos” da Educação Actual

 

- O afecto e o carinho dos professores são imprescindíveis para que os alunos aprendam.

   O bom relacionamento em sala de aula não envolve necessariamente afecto e carinho. Não é razoável atribuir um eventual fracasso às características pessoais do professor – desde que suas aulas sejam boas.

 

- Com um bom professor os alunos aprendem sem fazer nenhum esforço.

   É claro que uma boa aula, bem planeada e com recursos adequados, é mais motivadora e agiliza o aprendizado. Mas nada disso substitui o empenho do aluno, que tem o direito à educação e o dever de cumprir a sua parte – estudando.

 

- A participação da comunidade é essencial à qualidade do ensino.

  A participação da família na vida escolar é importantíssima, mas tem sido confundida com a ideia de que o aluno sempre tem razão – o que provoca conflitos (confrontos) e esvazia a autoridade da escola e do professor. Escola e família têm de ser parceiras.

 

- A reprovação traumatiza.

  Mecanismos de avaliação bem elaborados e critérios claros de verificação de aprendizado ajudam a preparar o aluno para um mundo cada vez mais competitivo.

- A memorização deveria ser banida das salas de aula.

  Ninguém pode ser a favor da decoreba, que é a memorização mecânica, sem objectivo. Mas não se pode considerar razoável que um aluno conclua o ensino médio sem saber, por ex., o nome das principais capitais do mundo ou de figuras importantes da história.

Therezinha Barreto de Figueiredo

(*) Esta a verdadeira foto da Autora e não outra que figurou durante alguns dias no artigo homólogo anterior. O engano deveu-se a que não conheço pessoalmente a Professora Therezinha que tem uma homónima com a mesma grafia. O meu pedido de desculpas pelo erro obviamente involuntário.

Henrique Salles da Fonseca

CRÓNICA DO BRASIL

O  absurdo  das  leis

 

Naquele tal país, cheio de riquezas... lá... muito longe (graças a Deus que não é aqui...), era uma vez...

Reinava o caos. O rei e seus conselheiros não sabiam mais o que fazer. A banditagem corria solta, e cada vez mais gente procurava nas cidades uma migalha e sobretudo o sonho de enriquecer casando com um príncipe, ou princesa, milionário. Os mais modestos sonhavam só com um emprego, uma casinha, algo que lhes desse a sensação de participarem, um pouco que fosse, do bolo nacional. Mentira. Os governantes jamais pensaram neles. Ignoraram-nos. Não lhes deram emprego, nem casa, nem instrução, e a marginalidade tomou conta do país.

Os "cientistas sábios" (e ricos, claro) declararam ao rei (que não sabia de nada do que se passava no seu reino) que tudo isso era um simples caso de polícia. "Contratem policias!" Parecia lógico. "Mas onde procurar essa gente para policiar?"  - "Entre os marginalizados, que não precisam de ganhar muito!"

Assim se fez. Uma lei e para o cumprimento da mesma votou-se uma verbazinha. Pouco.

E os policiais, que têm que controlar os iguais marginalizados, são eles próprios uns miseráveis. E assim o reino, desgovernado que era, virou uma baderna generalizada.

Os homens da corporação da lei, pelo menos na cidade que devia ser maravilhosa, e não é mais, alguns estão há quatro anos sem receber fardamento! Patrulham de botas rotas, remendadas, roupa surrada e em carros, perdão, viaturas, grande parte a cair de podre! Já se tem visto bandidos dando uma mãozinha a empurrar as tais viaturas que não pegam com o motor de arranque! Descaso. O parque automóvel (ou viaturóvel ?) tem mais de 40% de unidades em inatividade por falta de manutenção.

Em compensação os policiais deste reino do «faz de conta» são muito bem pagos: ganham menos de 10% do que um colega nos USA e menos, por ano, de um londrino por mês! Nestes países nenhum policial pode sair em serviço sem estar impecavelmente fardado e com as viaturas em perfeito estado de mecânica e aparência. A única alternativa para os nossos defensores é viverem nas favelas e a pactuar com os bandidos que as dominam para que as famílias não sofram represálias (o que faria qualquer cidadão nessas circunstâncias), muitos deles acabando por ter que fazer jogo duplo!

Na campanha eleitoral não se ouviu falar do problema. Grave. O grave, gravíssimo, problema social... É um simples caso de polícia, e assim vai o reino!

Nos entrementes vão saindo mais leis. Uma das últimas é obrigar as padarias a venderem a quilo, e não à unidade, os pãezinhos comuns de 50 gramas (conhecidos por «pão francês»), para que o consumidor não seja enganado... e os fiscais não tenham que pesar uma montoeira de pães à procura de fraude! Parecia uma medida acertada. Não foi. Esqueceram-se de dizer aos padeiros que não podiam aproveitar a oportunidade para aumentarem o preço de venda em vinte ou trinta por cento! Aumentaram.

Quem se danou mais uma vez: o consumidor. O povo. Os sábios, os cientistas políticos, os que ditam a lei não fazem idéia de quanto custa um pão. O pobre sabe.

Dantes dizia-se «Deus guarde a vossa majestade». Hoje: «Deus nos acuda!»

«A sabedoria deste mundo é loucura perante Deus, pois está escrito: Eu apanharei os sábios na sua própria astúcia - Job, 5,13; - Cor. 3,18»

 Rio de Janeiro,  27 de  Outubro de  2006

Francisco Gomes de Amorim

CRÓNICA DO BRASIL

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Francisco Gomes de Amorim

As  leis  do  absurdo

 

Num país longínquo, que podia ser visitado pela Alice, se fosse maravilhoso, onde milhares e milhares de indivíduos se locupletam da res publica, para isso mandatados por nós (absurdo, né?), há que inventar leis para se jogar poeira nos olhos dos eleitores. Do povo.

Inventa-se qualquer coisa que permita aos legisladores receberem os seus salários (altíssimos, além de tudo o resto) e, sobretudo, complicar a vida do contribuinte e trabalhador.

Por exemplo: a lei do glúten! O glúten é uma proteína que se encontra nos cereais: trigo, cevada, aveia e centeio, não no arroz e milho. Como há gente com doenças sensíveis ao glúten, publicou-se uma lei obrigando os fabricantes de produtos alimentícios, sólidos ou líquidos, a indicar nos rótulos, em destaque, se o produto contém ou não glúten, em vez de se obrigar a indicar unicamente os que o contém. Pasmem: agora até nas garrafas de vinho é obrigatória a indicação de «Não contém glúten»! Boa piada, né?

Corre entretanto um projeto de lei, no Rio de Janeiro, a cidade que podia ser a residência da Alice, se fosse mesmo a tal maravilha, querendo obrigar os laboratórios fotográficos a identificarem TODOS os clientes que ali mandam revelar fotografias. Isto, segundo os "cientistas políticos" para melhor se poder controlar o negócio da prostituição infantil! Já pensou: você tira fotografias dos seus filhos, da família, dos animais do zôo, do pôr do sol e... tem que ser identificado quase como um criminoso! Fantástico! Deve ser curioso pensar o que os laboratórios vão fazer para identificar os clientes, milhares e milhares deles, e depois o que a polícia fará com essa imensidão de registros bestas! Viva o Rio.

O ano passado, 2005, houve uma briga feia, nacional, por causa da venda e/ou porte de armas. O porte de armas ficou proibido, por lei federal, inafiançável, para toda a gente, com exceção dos bandidos, é claro. E a polícia. Esta com armas velhas, aqueles com metralhadoras, bazucas e até lança mísseis.

Há dias uma vovó, 67 anos, passeava o seu cachorrinho pela rua. Já tinha sido assaltada diversas vezes e resolveu ignorar a lei. Cachorrinho na trela, pistola na bolsa. Veio um assaltante e entre outras ameaças puxou duma faca. A vovó puxou da pistola e acertou a mão do marginal. Resultado o marginal foi socorrido no hospital, passou pela delegacia, onde já tinha um "brilhante currículo" e liberado logo a seguir. Num repente chegam oito - 8 - viaturas da polícia (a polícia não tem carros, tem viaturas!) que cercam a vovó que deliberadamente infringiu a lei. Na delegacia, com lei e tudo, mandaram a vovó para casa! O Ministério Público vai processá-la - Dura lex, sed lex - e a Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro decidiu condecorar a bravura da senhora, que entrevistada declarou o óbvio: "Têm que desarmar é os bandidos, não as pessoas de bem". Vamos ver se nos entendemos: a senhora infringe uma lei - não está em causa se a lei é boa ou não - e um órgão legislativo estadual condecora-a! A isto se pode chamar  de entendimento nacional!

Não é apologia da violência, mas «Quem não tem espada, venda sua túnica e compre uma» - Lc 22,36. ou então «Quando um valente armado guarda a entrada de sua casa, estão em segurança os bens que possui» - Lc 11,21 e Lc 11,22

Tem mais. Fica para a próxima.

 Rio de Janeiro, 25 de Outubro de 2006

Francisco Gomes de Amorim

CURTINHAS XXII

IRC: OS CUSTOS DE UM EQUÍVOCO

(ou o que os melões têm para nos ensinar)

v      Numa crítica bem medida a um anterior artigo meu com igual título, H. Salles da Fonseca comenta que a neutralidade fiscal em matéria de juros e dividendos pouco fará pelo investimento – e assim arruma no sótão dos detalhes pouco menos que irrelevantes a medida em que eu depositava tantas esperanças. E ele tem razão.

v      Todavia, as virtudes que eu associei a esta medida eram bem outras: (a) transparência no dia a dia das empresas; (b) redução do endividamento para níveis mais razoáveis; (c) saída da zona de risco onde a nossa economia tem vivido; (d) enfim, tudo coisas que por cá não tiram o sono a ninguém. Neste contexto, a maior eficácia fiscal nada mais era que um efeito lateral, trazido à conversa apenas porque o artigo ia cair no meio do debate sobre a redução da taxa nominal do IRC.

v      O ponto de partida do meu raciocínio (já volto ao investimento...) é que a transparência na governação (da coisa privada e da coisa pública, por igual) não se impõe por decreto, nem se protege com polícias. Em abstracto, consagra-se como princípio. No concreto, resulta, melhor ou pior, da tensão entre interesses legítimos que se confrontam – os famosos “checks and balances”.

v      Dito de outro modo, pugnar pela transparência da governação ou envolve quem esteja na primeira linha para colher os ganhos e suportar as perdas, ou não vai longe. E é justamente por aqui que passa a distinção entre investidores (sócios) “idiossincráticos” e “não idiossincráticos” (que a teoria, apressadamente designa por “racionais” - como se os primeiros o não fossem também).

v      Exemplo de investidor idiossincrático é dado por aquele accionista de referência de um grande Banco que discorda do modo, para ele demasiado generoso, como os quadros superiores desse Banco estão a ser mimados. Quando se lhe pergunta porque é que não se manifesta, usando o peso das suas acções, responde “Julgam que eu sou doido? Então depois como é que era com os financiamentos de que necessito?”. Estes são os investidores que esperam do seu investimento outros retornos para lá dos dividendos e das eventuais mais valias (semelhantes, aliás, àqueles que criam a sua empresa só para terem finalmente onde trabalhar).

v      Os ganhos do investidor “não idiossincrático”, esses, serão sempre e só os lucros distribuídos e as possíveis mais valias. Mas faço notar que um investidor não nasce “não idiossincrático”: pode muito bem mudar de campo e passar a integrar o grupo “idiossincrático” - e vice versa.

v      Se os sócios maioritários (individualmente ou em grupo) propendem para idiossincrasia (ou seja, para colherem por antecipação, numa qualquer das rubricas da Conta de Exploração, os seus proveitos, dispensando lucros e valorização do capital - e, vantagem não despicienda, reduzindo desse modo a carga fiscal das suas empresas), aos sócios minoritários, por regra, só restam os lucros distribuídos e as mais valias para justificar o investimento que fizeram.

v      Por isso, é de esperar que sócios minoritários activos vigiem de perto o que se passa no interior das suas empresas e contrariem as tentativas de quem não quer que os proveitos cheguem à última linha da referida Conta. Em suma: a transparência (e, já agora, a rendibilidade registada na tal última linha) é do interesse dos sócios não idiossincráticos – e, no plano “micro”, só deles.

v       Para que existam investidores “não idiossincráticos”, as empresas têm de oferecer perspectivas de retorno aliciantes aos investimentos que eles façam. Mas como – se a parcela do Resultado Operacional afecta ao pagamento de juros chega livre de qualquer forma de tributação directa ao património do investidor/credor (e só então é tributada), mas essa mesma parcela, distribuída como dividendo, será tributada em sede de IRC antes de ser recebida pelo investidor/sócio (onde é de novo tributada)?

v      E não falo já no facto de a lei fiscal tratar com maior benevolência os prejuízos de capital que sobrevenham num empréstimo ou noutra forma de crédito) do que aqueles que ocorrerem numa participação societária.

v      Neste quadro de discriminação fiscal não espanta, pois:

a)       Que, entre nós, os investidores “não idiossincráticos” se mantenham afastados da generalidade das empresas (excepto naquelas de capital aberto, mas aí o propósito deles será realizar mais valias tão depressa quanto possível, com nula intervenção no controlo da governação);

b)       Que muitas das nossas empresas sejam realidades opacas, até para os investidores “idiossincráticos” (os quais não poucas vezes se deparam com aquilo com que não contavam);

c)       Que os capitais próprios sejam substituídos por capitais alheios, já como hábil estratégia para minimizar a carga fiscal consolidada (isto é, no conjunto do par empresa/investidor), já porque não há alternativas para os fundos de que a empresa carece (e aqui começamos a tocar na história do investimento);

d)       Que a mediana do endividamento nas empresas portuguesas (ou seja, 50% das empresas apresentavam um rácio de solvabilidade superior a este que vai indicado) é ligeiramente superior a 3 (dito de outro modo, os capitais alheios são mais do triplo dos capitais próprios) – e é manifestamente excessivo à luz dos padrões internacionais;

e)       Que quanto maior for endividamento de uma empresa, maior é o risco de crédito que ela representa para os seus credores, e maior será o risco-preço a que os que nela investiram se encontram expostos (e fecha-se assim o círculo vicioso para os investidores “não idiossincráticos”);

f)        Que, através do endividamento bancário que sustenta directa e indirectamente esta cadeia de dívidas (ou “bolha” de endividamento), o risco de crédito que emerge das empresas portuguesas contamina os Balanços dos Bancos;

g)       Que para os Bancos portugueses, eles também muito endividados junto de Bancos estrangeiros, não é fácil, nem a tomada (roll over) de fundos nos mercados interbancários externos, nem a titularização de carteiras de crédito bancário cujo risco não conseguem demonstrar;

h)       Que.... fico por aqui.

v      O interessante é que a idêntica conclusões se chega através de um raciocínio mais formal que envolve explicitamente os conceitos de risco, de capital económico e pouco mais (quem quiser saber mais, contacte-me).

v      Defender à outrance o investimento sem ter em linha de conta o risco que representa a entidade que vai levá-lo por diante (e sem imprimir transparência, comparabilidade, consistência e tempestividade à informação financeira que essa entidade irá divulgar) é, objectivamente, esperar que apareçam investidores “não idiossincráticos” dispostos a dar o seu capital por perdido: Mais prosaicamente, é continuar a depositar todas as esperanças no investimento público, pois só os Governos podem investir, sem preocupação nem remorso, o dinheiro dos outros (os contribuintes).

v      Salvo melhor opinião, esta história do “investimento” (e, em paralelo, a “poupança”) é um dos vários maus serviços que a macroeconomia tem prestado ao pensamento económico.

v      Contrariamente ao que se lê nos manuais e aprende nas escolas (mas algo que nós, portugueses, já deveríamos saber de olhos fechados, por experiência própria) investimento, com as virtudes que a teoria lhe reconhece, é um conceito a posteriori, ex post.

v      Sob este ângulo, os “investimentos” são como os melões – só depois de os abrir é que sobre eles podemos opinar.

v      De certeza, certezinha, só há a despesa – e, a priori, poderão manifestar-se as mais variadas intenções de investimento. Mas só as despesas que aumentem directamente o produto potencial (definição forte), ou que evitem a redução do produto potencial (definição fraca), são “investimento” (no sentido da teoria) – o que é dizer, são intenções de investimento concretizadas.

v      O investimento, desligado por um momento do modo como seja financiado, faz-se - e é, ele próprio, uma via exposta a vários riscos. O que se promove, sim, com maior ou menor vigor, são as intenções de investimento. Mas essas são como os melões.

Lisboa, Outubro de 2006

 

A. PALHINHA  MACHADO

INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GRAVIDEZ

 Maria Eduarda Fagundes Nunes, médica brasileira de origem portuguesa, nascida nos Açores
Como  cidadã, concordo com o Sr. A. Palhinha Machado.  A interrupçao voluntária da gravidez não deve ser encarada como um simples procedimento médico. Não pode ter visão unicamente juridica. É um ato que implica em valores morais, éticos e culturais que devem ser observados pela nação.
A maneira como  se encara a vida, no caso em questão -o feto ou embrião-deve ser pessoal, pontual e cultural, e a decisão politica que se transformará em lei deve respeitar a decisão popular.
É importante que se façam debates esclarecedores, que se exponham opiniões do povo e balizadores, para que o país, no caso Portugal, não se deixe influenciar por esta ou aquela doutrina política, adotada por este ou aquele pais, pois dentro da universalidade, temos História e aspirações diferentes. 
 
 A introdução à modernidade, à tecnologia e aos novos conhecimentos, deve ter passos pensados e adaptados à realidade das necessidades do cidadão. Temos que, como mais velhos e experientes,  lembrar às novas gerações que há valores maiores a respeitar, como o direito à vida e a posição no mundo da globalização. Povo que não considera seu passado, sua história, perde a vez, nunca sustentará uma nação! 
 Enquanto a nossa civilização prestigiar o direito de viver, interromper gravidez normal é crime que merece punição.  Achar que o aborto é a solução para nossos problemas sociais é nos tratar como meros animais. Problemas sociais se resolvem com medidas educacionais, legais e com o amparo do Estado, afinal é também para isso que pagamos impostos.
Devemos ter cuidado com soluções políticas, pois podem estar perigosamente a serviço de ideais eugênicos ou de doutrinas hegemonicas, onde alguns querem ser DEUS.  É muito importante avaliar as nuances das terminologias usadas pelos políticos para despistar possíveis manipulações. Quando o governo diz despenalizar, no contexto aborto, é uma forma indireta de o liberar, pois, em fazê-lo,  não há cobrança ou penalização. A politica e a lei devem estar a serviço do seu povo, devem refletir os pareceres dos seus cidadãos.
 
 Argumentos como aqueles que dizem que as mulheres têm direito ao seu corpo caem por terra se julgarmos que elas poderiam, nesse caso,  dispor dele, também, para a vida ou para morte, ou ainda para usá-lo de maneira ilegal ou  imoral, como na prostituição. E depois como ficariam o livre arbitrio e o respeito aos preceitos do médico, que por toda a existência se norteou pela preservação e proteção da vida do ser humano? Vai ser obrigado a executar um ato que para ele é crime? E as implicações morais, religiosas, e psicológicas que essa situação pode acarretar  na cabeça do profissional? Como é que o governo vai tratar?São muitas as questões que devem ser exaustivamente pensadas e avaliadas.
 
A procura pelo bem-estar e a felicidade é sempre um sonho a perseguir. Mas sabemos que nem sempre a vida é aquilo que idealizamos, mas nem por isso deixamos de quer vivê-la, com todos os seus turtuoso, indecifráveis e às vezes dolorosos caminhos que nos fazem valorizá-la.
 
Como médica ginecologista tenho o dever de,enquanto Deus e o conhecimento me permitirem, preservar a saúde e a vida do meu semelhante. Adotar a solução do aborto para as gravidezes não desejadas, havendo na atualidade tantos  conhecimentos e  anteconcepcionais ao alcance da midia, é assinar a declaração publica de que os programas sociais  do governo, nesse setor, estão inadequados ou mal executados.
 
Recursos tecnológicos e farmacêuticos,  cada vez mais abrangentes, restringem as antigas indicações( estupro, malformação incompativel com a vida, risco de morte para a gestante),  de  abortamento.  Procedimentos e tecnicas cirurgicas atuais permitem tratamentos intrauterinos que curam fetos e preservam a saúde das gestantes.  Medicações potentes e com poucos efeitos colaterais contornam doenças materno-fetais, antes letais. Em toda a minha vida de GO nunca vi a retirada ( por curetagem, vácuo-aspiração ou micro-cesárea) de feto vivo para preservação da vida de uma gestante.
Já fiz sim, para salvar a vida de um feto de 6 meses incompletos, uma cesariana em uma jovem mãe que agonizava, vitima de um tumor cerebral, que a levou ao coma e morte. A criança sobreviveu, graças a Deus e à competência do pediatra que a atendeu, para a salvação da vida e do coração da avó que encontrou nela forças para viver e chorar a morte de sua filha.
 
Casos como de uma mulher solteira-, pobre e humilde, arrimo de pais velhos e doentes, não tendo como sustentar uma criança, engravidando, não tendo coragem de abortar, pediu-me para  arranjar  alguém para doar o seu filho quando nascesse, mas, que ao ouvir o choro da criança ao sair do seu ventre,quis segurá-lo e aconchegando-o ao peito não quis mais deixá-lo,- mostram que a vida é mais importante que qualquer dificuldade.
 
Todas as pacientes que atendi e que provocaram aborto, sem avaliar o aspecto legal, apresentaram maiores ou menores graus de sequelas físicas ou psicológicas que lhes marcaram a vida. E isso é inteligível, porque toda a mulher sabe da sua natureza especial, fundamental e intransferirvel, até qua a máquina o faça, que é a manutenção e a propagação da  espécie humana.
 
Uberaba, Outubro de 2006
M. Eduarda Fagundes Nunes

DIÁLOGOS PLATÓNICOS - II Série – Nº 1

 

AS EMPRESAS SERVEM PARA SERVIR O HOMEM

 

Discípulo: – Mestre! Boa tarde, sou o seu novo discípulo. 

Mestre: – Ah olá, meu novo discípulo. Boa tarde para si também. Gosto em o conhecer. Donde vem?

Discípulo: – Venho lá daquele sítio em que se ouve dizer que a Nação precisa de quem dela cuide.

Mestre: – Ah!, sim. Sei muito bem de que sítio se trata. E que mais dizem por lá?

Discípulo: – Que isto está uma grande crise, que está tudo do pior, que o Governo nos “come as papas na cabeça”, que nos estão a entrar pelos direitos adquiridos e  . . . só desgraças.

Mestre: – Só desgraças . . . E que dizem por lá que é preciso fazer?

Discípulo: – Bem, acho que dizem que os Funcionários Públicos é que vão ter que pagar a crise, que as Escolas já não são o que eram, que as empresas estão todas a fechar por cá e a deslocalizar para outros lados, que não se arranja empregos . . .

Mestre: – Sim, sim. Mas e que dizem que se deve fazer?

Discípulo: – Ah! Isso eu não sei se eles sabem. O que por lá se diz é que estas mudanças são para pior e que assim não vale. Bem, eu acho que eles querem que os Funcionários Públicos ganhem mais, que as Escolas sejam dirigidas pelos Delegados dos Sindicatos dos Professores, que as multinacionais sejam proibidas de fechar as fábricas que têm cá, que seja proibido aos patrões despedir os empregados. E acho que também não querem descontar tanto IRS e pagar tanto para a Segurança Social. Ah! Já me esquecia: que essa coisa das taxas moderadoras quando se vai ao Hospital por causa da constipação da criancinha, também deve acabar.

Mestre: – Acham, então, tudo muito injusto.

Discípulo: – Sim, claro! Também já me esquecia que não se pode contar com a Justiça. Que os culpados continuam todos cá fora e que só os desgraçadinhos que não podem pagar a advogados caros é que vão dentro.

Mestre: – Bem, isso o que por lá se diz. E Você o que acha? Concorda com eles?

Discípulo: – Ora, Mestre: eu acho que eles têm razão mas, na dúvida, decidi passar por cá para ouvir o que o Mestre tem para me dizer.

Mestre: – Muito bem. Tenho muito prazer em conversar consigo. Está a fazer-me lembrar daquele ditado muito antigo que diz que “em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”.

Discípulo: – Não percebo . . .

Mestre: – Se houvesse fartura, se pudéssemos satisfazer as nossas necessidades sem esforço, se as benesses caíssem do Céu, todos andaríamos satisfeitos, de cara alegre. Mas, pelos vistos, a insatisfação é geral e o que interessa a uns não interessa a outros.

Discípulo: – Sim, parece que é isso.

Mestre: – Creio que o primeiro problema dessa casa onde tanta coisa se diz é o de “não ter pão”. E se não tem pão, também não o pode distribuir. Portanto, a primeira coisa a fazer é produzir o pão em falta.

Discípulo: – Mas como, se as empresas fogem para outros lados?

Mestre: – Só fogem as que têm problemas a mais e que tanto lhes faz estarem cá como noutro lado qualquer que não tenha tantos problemas. As que tenham problemas verdadeiramente endógenos continuarão com esses mesmos problemas mesmo que fujam para o outro lado do mundo. As empresas que fogem de si próprias só têm uma solução: fecharem definitivamente as portas e pouparem o esforço da deslocalização. E também, estar a Nação a suportar empresas que não prestam, mais vale fechá-las e partir para nova situação, com os problemas de concepção previamente resolvidos. Fundamentalmente, fogem de cá as que procuram mão-de-obra barata. São essas que vão acabar na China e noutros lados do género. Algumas ainda fazem a parte de passar pelos países do Leste Europeu para “comerem” algumas ajudas da União Europeia mas o verdadeiro destino delas é a China, de preferência numa zona rural bem longe das já sofisticadas Zonas Económicas Especiais e de Xangai onde há pouco tempo as férias anuais tiveram um incremento de 66,7%.

Discípulo: – O quê? Um incremento desses é perfeitamente fantástico! Tomara nós, cá na Europa.

Mestre: – Sim, é uma grande regalia para os trabalhadores dessas zonas. As férias anuais passaram de 3 para 5 dias . . . sem subsídios, claro.

Discípulo: – Mas isso é ridículo! . . .

Mestre: – Claro que é ridículo. Mas é com esse tipo de situações que a globalização nos pôs a concorrer. Portanto, empresas que pretendem esse tipo de custos, estão cá a perder tempo e não faltará muito para que se fartem das Roménias e Bulgárias. Logo que acabem os subsídios comunitários há-de ser vê-las a emalar a trouxa até às margens do Yang Tsé Quiang, de preferência a montante da longínqua barragem das Três Gargantas.

Discípulo: – Porquê para tão longe?

Mestre: – Deve ser dos locais mais próximos da escravatura.

Discípulo: – Da escravatura? E Mao Tsé Tung não fez nada pelas massas populares?

Mestre: – Claro que fez: propaganda, demagogia e exploração da miséria. Na dúvida, vou lá brevemente para me certificar de que estou a dizer a verdade.

Discípulo: – Não acha que a globalização vai harmonizar tudo isso?

Mestre: – Sim, creio que vai funcionar como o princípio dos vasos comunicantes mas para que isso aconteça é imprescindível que os vasos comuniquem mesmo e essa comunicação é muito teórica e pouco prática. Repare bem: livre circulação de bens e capitais mas enormes condicionantes à mobilidade de pessoas. As migrações estão brutalmente condicionadas e disso são testemunha todas as praias da Europa mediterrânica. E quando Chris Patten – último Governador inglês de Hong Kong – impôs férias anuais de um mês e o correspondente subsídio, os Sindicatos içaram bandeiras de contentamento mas os trabalhadores não partiram em gozo dessas férias com receio de encontrarem o posto de trabalho ocupado quando regressassem. Portanto, a comunicação entre os vasos vai demorar muito tempo até que se torne efectiva e, entretanto, temos que fazer alguma coisa a favor da nossa própria sobrevivência. Ou seja, temos que partir para outra, não nos podemos deixar ficar a lamber a feridas, pendurados num desemprego de longa duração pois não haverá mais quem pague as verbas necessárias ao subsídio por que esperamos.

Discípulo: – Mas fazer o quê?

Mestre: – Deixarmos de pensar nas empresas que usam trabalho de pouca qualificação produzindo artigos de pequeno valor acrescentado e passarmos para a produção de bens e serviços de alta tecnologia com base em novas ideias. Mas mesmo nos Sectores tradicionais, não vale a pena perder tempo a produzir chinelas de meter o dedo que a China e a Indonésia produzem muito mais baratas nem se justifica produzir confecções téxteis “à façon” para etiquetas muito chiques e caras nas lojas mas fracas pagadoras. Interessa competir nas linhas mais sofisticadas e caras de sapatos e ter etiquetas próprias de confecção topo de mercado, tudo enquanto por cá houver mão-de-obra disponível para esse tipo de trabalhos tão mecanizados quanto possível. A partir do momento em que escasseie essa mão-de-obra, as empresas lá terão que zarpar para regiões onde exista disponibilidade laboral para o exercício desse tipo de funções ou, então, lá terão que mudar de negócio e em vez de sapatos terão que passar a produzir sofisticados circuitos integrados de aplicação na informática moderna e em vez de saias e casacos poderão ter que diversificar para a concepção de geradores eólicos de uma qualquer nova geração . . .

Discípulo: – E acha que essas mudanças tão drásticas são possíveis?

Mestre: – O que eu acho é que quando um negócio deixa de ter condições para funcionar, deve cessar e os seus proprietários devem “partir para outra”. As empresas servem para servir o homem. Se deixam de exercer essa missão essencial, devem ser extintas sem mais delongas nem paninhos quentes. Não faz sentido manter em laboração uma empresa à custa de subsídios. Esse dinheiro – habitualmente público – pode ser alternativamente aplicado em investimento com remuneração mais evidente e socialmente mais útil do que travestir asilos em fábricas.

Discípulo: – E o que se faz ao pessoal? Vai para o Desemprego?

Mestre: – A mão-de-obra indiferenciada tem sempre alguma aplicação um pouco por toda a parte, nomeadamente na Economia Biscateira, esse grande pára-choques contra as rupturas. Também admito que sejam importantes as empresas de segurança, de estafetas, de distribuição de «fast-food», de reparações de imóveis, de jardinagem, de limpezas domésticas e de escritórios, etc. Todo o tipo de negócios simples que podem absorver muita gente sem grandes qualificações profissionais. É por isso que eu acho que nem todas as actividades podem ser tratadas do mesmo modo. Uma empresa de estafetas não tem margem operacional que lhe permita pagar encargos sociais da tabela aplicável a um Banco nem sequer a uma fábrica de moldes para a indústria de plásticos. Não podemos continuar com uma tabela única de descontos. Os negócios são diferentes, as condições têm que ser diferentes. É por isso que, na perspectiva do trabalhador, a carreira contributiva de cada um não tem obrigatoriamente que ser definida por um único padrão. Mas isso já são outras questões de que poderemos falar mais tarde.

Discípulo: – Então, em vês de desemprego, falamos de um desemprego oculto à moda das economias soviéticas?

Mestre: – Não, de todo! Estas empresas de baixo valor acrescentado desempenham uma função economicamente útil, são procuradas, têm cabimento na Economia de mercado, não são parasitas. Não podem é ser tratadas como se gerassem elevado valor acrescentado porque o que elas fazem é acrescer pouco valor.

Discípulo: – E como é que se deveria fazer para distinguir umas das outras?

Mestre: – Cada Sector de actividade tem características próprias sobejamente conhecidas. Há problemas muito mais complexos. Por exemplo, um dos problemas que tem que ser desmistificado é o do Salário Mínimo Nacional porque nem todos os Sectores – sobretudo estes de que estamos agora a tratar – consegue cumprir esses níveis de remuneração.

Discípulo: – Como assim?

Mestre: – O Salário Mínimo Nacional tem um nível determinado politicamente e não numa perspectiva de viabilidade económica. Se é ridículo para alguns Sectores, é um exagero incomportável para outros e a Economia não se faz só de Sectores ricos. O que sucede é que todos aqueles que não conseguem cumprir estes normativos, se vêem obrigados a passar à clandestinidade e então é que o Fisco e a Segurança Social perdem tudo em vez de ganharem alguma coisa.

 Jardineiros e banqueiros não têm que descontar do mesmo modo para a Segurança Social

Discípulo: – Quem tudo quer, tudo perde?

Mestre: – Nem mais.

Discípulo: – Podemos então concluir por hoje?

Mestre: – Sim, podemos.

Discípulo: – A Economia Biscateira é a salvadora da situação, tem que ser fiscalmente acarinhada e os respectivos trabalhadores têm que ter um regime contributivo especial.

Mestre: – A Economia Biscateira está na fronteira entre a Economia Oficial e a Economia Paralela. As condicionantes legais e regulamentares não podem ser iguais.

 

Lisboa, Outubro de 2006

 

Henrique Salles da Fonseca

 

PERGUNTAR NÃO OFENDE (A propósito da IVG*)

0000qp67  O n/ Premier não se cansa de proclamar que a questão da IVG (até às 10 semanas) é exclusivamente jurídica. Não é – e ele sabe bem que não é. O que está verdadeiramente em causa, não é descriminalizar a IVG (ainda que nas referidas condições), mas considerá-la um acto médico abrangido pelo SNS. Em palavras simples: pôr os contribuintes a subvencionar esse acto médico (e hospitalar).

Num tema tão delicado como este, que divide a sociedade portuguesa em duas tribos irreconciliáveis, não é de estranhar que as opiniões em confronto se façam ouvir. Mas era de esperar que os media de referência fossem mais longe e que, de moto proprio, depurassem, comparassem, verificassem e resumissem as razões que de um e de outro lado se esgrimem. Infelizmente, só uma das teses parece continuar a ter acolhimento regular, como se a outra nada tivesse a dizer em seu abono – e o trabalho jornalístico é, lamentavelmente, escasso.

E, no entanto, cada uma destas correntes tem os seus quês que, por regra, evita expôr – mas que são essenciais para o esclarecimento da opinião pública. Por exemplo: dos que defendem a vida intra-uterina desde o momento da concepção seria interessante saber que soluções propõem naqueles casos em que os progenitores recusam as suas responsabilidades paternais, ou não estão em condições de assumi-las. Dado que enviar para a cadeia os pais não resolve satisfatoriamente o problema dos filhos (e das gestações) malqueridos ou maltratados - que alternativas defendem? Como pensam regulá-las no interesse destes últimos? E como pensam financiá-las?

Os que, no campo adverso, defendem o direito da mulher ao seu próprio corpo (e sabendo-se que a vida humana não se reproduz por cisiparidade), será que omitem a responsabilidade do homem para melhor justificarem a desresponsabilização da mulher? Afinal, há, ou não razões para proteger a vida humana, mesmo quando ela seja perceptível, únicamente, no corpo que a está a gerar? Ou, sendo ainda um esboço viável, um embrião, pode essa vida, por uma vez, ficar completamente à mercê da vontade arbitária de outra pessoa, uma só, até à aniquilação?

Mais prosaicamente, o que é que está verdadeiramente em jogo: a despenalização da IVG, ou o seu financiamento como se fosse um episódio mais de saúde pública? E em período de vacas magras, em que tantos são chamados a pagar cada vez mais pelo tratamento hospitalar motivado por causas que não estava ao seu alcance evitar – como explicar mais despesas públicas só porque alguém, em seu perfeito juízo, entendeu correr riscos perfeitamente evitáveis?

As sociedades humanas só vencem o tempo quando asseguram o render das suas gerações. Como saber então que elas reúnem as condições para prosseguirem e perdurarem se os primeiros passos de uma vida nelas gerada puderem ser interrompidos sem receio e sem custo pessoal? E, se assim for, quem, nessas sociedades, sustentará os "inactivos", quando repetidos saldos demográficos negativos não mais o permitirem? É só o casal, seja qual for o modo como viva a sua sexualidade, que deve ser jurídicamente protegido? Não haverá que dar à maternidade um tratamento de excepção, premiando-a, para garantir que um certo modo de viver em sociedade se não extinga?

Ainda que não pareça, IVG também é economia – e é economia bem mais séria do que tentar adivinhar o futuro de conceitos tão abstractos como os de investimento e consumo.

Lisboa, Outubro de 2006

 

 

A.Palhinha Machado

 

 

 

* IVG = Interrupção Voluntária da Gravidez = Aborto

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