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A bem da Nação

CURTINHAS XVIII....

FATWAS À PORTUGUESA

v      Circulam pela Internet textos vários que incitam os portugas a boicotar tudo o que cheire a GM - por causa do encerramento da fábrica de Azambuja, naturalmente.

v      Tenho para mim que é sempre mau deixar que o coração tome o lugar da razão. Por norma, acaba-se dando tiros no pé, quando não pelo corpo todo.

v      Para quem viva arredado destes faits divers esclareço que a GM, nos EUA, está à beira da falência, devido a anos de gestão azarada e a um generoso esquema de pensões de reforma impossível de cumprir. Cá pela Europa, ressalvando o mercado alemão, também não goza de melhor saúde - sobretudo, depois de ter entregue à FIAT um balão de oxigénio financeiro de muitos, muitos milhões de USD que deram novo, mas curto, alento à periclitante marca italiana.

v      Perante este quadro, duas perguntas, desde logo, se impõem: Cegos ao que se passa à nossa volta, queremos continuar a apostar recursos e futuro num grupo empresarial que está em risco de se dissolver de um momento para o outro? E se a GM, entretanto, solicitar a protecção judicial face aos credores (o famigerado Chapter XI), para não imaginar pior, o que acontecerá à fábrica portuguesa e aos que lá trabalham?

v      E o que é, afinal, a fábrica de Azambuja? É uma linha de montagem mono-marca - ou seja, o troço da indústria automóvel que, graças aos robots, utiliza a mão-de-obra menos especializada de toda a fileira.

v      Interessante, sim, seria trabalhar no design de modelos, desenvolver e fornecer peças, componentes, ferramentas e acessórios - actividades que fazem apelo a maior especialização, geram maior volume de emprego e atingem clientelas mais diversificadas.

v      Bem vistas as coisas, quando se quer estar na indústria automóvel sem correr o risco de marcas próprias: (a) ou se incentiva a montagem, na esperança de induzir a formação de um cluster de fornecedores locais; (b) ou, então, começa-se por apostar no cluster de fornecedores locais para, em seguida, atrair montagens (etapa industrial final)- com o propósito último de, por razões logísticas, criar um mercado cativo para os fornecedores locais; (c) ou só resta andar ao sabor do vento – como parece ser o caso.

v      Com isto quero dizer que a verdadeira ameaça para a economia portuguesa provém, não do encerramento da fábrica de Azambuja, mas de a GM (Casa mãe) se acolher à protecção do Chapter XI ou, pior, desaparecer tout court.

v      Quando, na indústria automóvel, a nível mundial, existe capacidade em excesso, é de temer que o mercado não dê pela falta de umas quantas marcas em declínio (dito de outro modo: caso a GM entre em colapso, não é de crer que apareça alguém a relançar as suas actuais marcas e as respectivas produções). Isto, sim, é que deveria preocupar-nos a todos, pois, a acontecer, propagaria para montante a má-fortuna da GM - com efeitos directos no cluster de fornecedores nacionais.

v      Se o Governo quisesse agir sensatamente, começaria por ponderar muito bem os riscos de persistir na presença industrial, entre nós, de uma GM que luta desesperadamente por sobreviver.

v      Se viesse a considerar esses riscos aceitáveis, o Governo poderia manifestar, com diplomática fleuma, a sua disposição de apoiar os planos de recuperação que a GM, ou alguém por ela, está a gizar. Por exemplo, abrindo uma linha de seguro de crédito específica, em condições competitivas, que cobrisse as relações do cluster nacional com a GM, numa base contratual, regular e continuada.

v      Poderia também propor-se estudar com a GM a logística (complicada como facilmente se imagina) tanto das suas actividades no Sudoeste europeu, como da distribuição das suas viaturas entre a Europa do Sul, os EUA, a África do Norte e Ocidental e a costa atlântica da América do Sul. Sines existe precisamente para isto. Mas, como tudo indica, continuarão a ser os portos marítimos de Barcelona, Valência e Málaga a movimentar todo esse tráfego.

v      Enfim, como último recurso, poderia desafiar algum dos nossos empresários, tão defensores dos centros de decisão nacionais (e por que não também os sindicalistas que, depois de fazerem o mal, rezam agora pela caramunha), a correr o risco de pegar na fábrica de Azambuja em regime de outsourcing. Se não aparecer ninguém disposto a correr este risco, forçoso é concluir que a decisão da GM, por muito que nos incomode, é lógica e é inatacável.

v      Como ser simpático para o Governo português, para os sindicatos portugueses ou para os trabalhadores portugueses não consta de nenhuma alínea, de nenhum parágrafo dos estatutos da GM, ninguém de boa fé pode vir agora reclamar que foi ao engano.

v      E as atitudes “macho” a que temos assistido só agravam o custo de oportunidade da localização em Portugal, tanto para os que já cá estão, como para aqueles que para cá estavam a pensar vir.

v      Seria, na verdade, difícil encontrar uma forma mais tonta de responder a uma situação complicada.

 

Lisboa, Julho de 2006

A: PALHINHA MACHADO

UM ZURRO EM DOHA

O CARNAVAL DOS ANIMAIS

 

 

Galo francês: - Eu gosto muito da minha horta onde debico e esgravato todo o dia.

Cão inglês: - Pois é, mas a tua horta é muito cara com todo o trabalho que temos que ter com ela.

Vaca holandesa: - Oh galo! Eu também quero ter uma horta como tu mas a minha é mais pequena e não dá trabalho aos outros animais. Porque é que não hás-de ter uma horta como nós?

Galo francês: - Eu não quero as vossas hortas. Quero a minha e não tenho nada a ver com os vossos problemas.

Cavalo alemão: - Mas oh galo! O nosso problema tem a ver apenas com o dinheiro que gastamos com a tua horta e não temos problemas com as nossas que estão muito arranjadinhas e não custam dinheiro aos outros animais da quinta.

Galo francês: - Ah Vocês não gostam de mim e estão só a querer levantar-me problemas . . .

Cão inglês: - Não é nada disso. Nós não temos nada contra ti. Temos é contra o custo da tua horta, com o dinheiro que temos que pagar para que tu possas continuar a esgravatar e a debicar.

Galo francês: - Olhem vocês todos, seus invejosos, com muita atenção ao que vou dizer: se vocês continuam com essas reclamações, eu saio da quinta e faço um grande escândalo junto das outras quintas e o primeiro a que me vou queixar é ao vizinho bisonte.

Cão inglês: - Ao vizinho bisonte? Porquê a ele se sempre te deste tão mal com ele?

Galo francês: - Sim, às vezes temos uns problemas mas isso não quer dizer que eu não goste dele. Até lá mandei um Alfaiate quando ele nasceu.

Cão inglês: - Bem sei, bem sei. Fizeste isso quando pensaste que me conseguias tirar aquela quinta ficando tu a mandar nela . . . Só não estavas à espera que ele te mandasse embora e não te ligasse nenhuma importância.

Galo francês: - Então, se não vou fazer queixa ao bisonte, vou à ursa russa.

Vaca holandesa: - E que lhe vais dizer? Que nós não queremos pagar os custos da tua horta? E vais perguntar-lhe se ela quer pagar para que continues a debicar e a esgravatar? Já estou a ver a resposta que vais levar . . . E há mais: ela nem sequer pertence cá à Associação das quintas . . .

Galo francês: - Olhem bem: eu não repito o que já disse e se vocês continuam a maçar-me . . .

Cavalo alemão: - Olha galo! Só te damos mais sete anos para que debiques e esgravates. A partir de 2013 acaba-se esta coisa de termos que pagar os custos que a tua horta nos dá. Organiza-te até então e não venhas para cá com mais ameaças. Não tens para onde fugir se não quiseres ficar connosco e sabes isso muito bem. Não há elefante indiano nem tigre chinês que te valham e quanto aos macacos africanos . . .

Galo francês: - Tenho os guanacos sul-americanos que são meus amigos . . .

Cão inglês: - Teus amigos? Espera até veres o que te pedem para serem teus amigos. Julgas que vais dançar o tango e que não tens que pagar por isso?

Galo francês: - E o que me pedem eles?

Vaca holandesa: - Nem imagino . . .  Então tu não sabes que aquela quinta pertence na realidade ao bisonte? E queres lá meter o bico? Deves estar alucinado, galo!

Galo francês: - Mas a quinta do bisonte também é cara e acho que podemos fazer alguma coisa para o calar. Se vocês me ajudarem a calar o bisonte, eu vou pensar em dar uma volta à minha quinta para ela ficar mais barata.

Cavalo alemão: - Ora bem, parece que começamos a entender-nos . . .

Touro espanhol (em surdina, junto à crista do galo): - Oh galo! Não te armes em parvo; não me estragues o arranjinho. Enquanto tu tiveres a tua quinta assim, eu também vou tendo a minha parecida com a tua e a mim ninguém me chateia porque estão à espera de me venderem uns pregos e umas redes de galinheiro.

Galo francês (em surdina, junto à orelha do touro): - Posso então contar contigo?

Touro espanhol (em surdina, junto à crista do galo): - Claro que podes. Mas ninguém pode saber que somos aliados.

Galo francês (em surdina, junto à orelha do touro): - Não há problema. Eu até sou capaz de chamar o Vasco e fazer de conta que sou amigo dele . . .

Touro espanhol (em surdina, junto à crista do galo): - E não és amigo do Vasco?

Galo francês (em surdina, junto à orelha do touro): - Isso é uma conversa que havemos de ter mais tarde. Agora vamos lá tratar de embrulhar esses outros que me querem chatear, antes que te comecem a chatear a ti.

Touro espanhol (em surdina, junto à crista do galo): - Boa, vamos embrulhá-los.

Galo francês (em altos berros): - OUÇAM TODOS!!! Estou pronto a negociar desde que me ajudem a convencer o tigre chinês de que os meus pregos são os melhores e a convencer o elefante indiano de que os meus porta-aviões são os mais rápidos.

Cão inglês: - Bem, vou conversar com os outros animais da quinta para saber se estão de acordo . . .

O cão foi conversar com a vaca, com o cavalo e com o touro esquecendo-se do burro português e do rato italiano que não têm voz na matéria.

Cão inglês: - Oh galo! Estamos de acordo com o que pedes mas é claro que os nossos pregos e os nossos barcos também não são mauzinhos de todo . . .

 

Drriimm . . . drriimm . . . Alguém bate ao portão da quinta. Naquele semestre, o porteiro de serviço era o cão inglês.

Cão inglês: - Ah É o bisonte! Seja muito bem aparecido, bisonte! Em que lhe posso ser útil?

Bisonte: - Oh cão! Ouvi dizer que vocês andam aqui na vossa quinta a imaginar uma conversa com o tigre chinês e com o elefante indiano e eu não quero ficar do lado de fora dessa conversa.

Galo francês (metendo-se na conversa): - E vamos falar também com o guanaco argentino, com a lula brasileira, com a tartaruga chilena . . .

Bisonte: - E os macacos africanos ficam de fora?

Cavalo alemão: Ninguém fica de fora, a menos que não queira entrar.

Vaca holandesa: Já fizemos uma prospecção de mercado e só não conseguimos convencer a ursa russa e o abutre iraniano a entrarem na conversa.

Bisonte: Óptimo! E onde vamos todos conversar?

Grilo suíço: A minha gaiola está aberta para vos receber a todos . . . desde que paguem a renda.

Cão inglês: - Está arrematado, vamos conversar para casa do grilo suíço.

 

Estabelecidos em casa do grilo, todos acharam que era melhor andar a passear em vez de se ficarem pelo Lago Léman. E assim foi que se encontraram uma vez no Uruguay, outra em Doha, outra em Hong-Kong e o que mais se verá . . .

 

Começaram por se convencer uns aos outros de que a livre troca de produtos era a panaceia para todos os males da bicharada; passaram a combinar a maneira de os ricos conseguirem entrar na casa dos pobres evitando o sentido inverso; esbarraram num impasse completo quando os pobres compreenderam que estavam a ser enganados e quando os ricos perceberam que os pobres são efectivamente pobres mas não são estúpidos.

 

E agora?

 

Agora estamos prestes a reconhecer que o bisonte, o cão, o galo e o touro têm que cortar as unhas bem rentes para não arranjarem mais sarilhos com os outros animais enquanto a lula brasileira, o elefante indiano e o tigre chinês se entendem entre eles passando ao lado dos das unhas compridas sem lhes ligar patavina e dando umas bananas aos macacos africanos que assim se sentem muito importantes por serem alvo das atenções de novos amigos que lhes entraram pelas portas dentro e não reparam que, mais uma vez, nenhum se veste de ave de rapina – o que na verdade também são.

 

Mais: tudo ficará assim até que . . . tudo continue na mesma e o galo francês possa debicar e esgravatar à vontade, “Doha a quem doer”.

 

Neste desespero de buraco sem fundo, ouve-se um burrico a zurrar:

Burro português: - Eh pá! Estes tipos não se entendem nem se querem entender. E que tal se nos juntássemos, os animais que nos entendemos em português? Ninguém manda em ninguém à boa maneira das nossas barafundas, cada um faz o que quer, aquecemo-nos debaixo do mesmo Sol e todos ajudam quando houver alguém que precise de apoio . . . Havia de ser giro!

 

Lisboa, Julho de 2006

 

Henrique Salles da Fonseca

“GUERRAS CIRÚRGICAS”

 

UM OLHAR SOBRE O MÉDIO ORIENTE E ESTE NOSSO MUNDO

                                                      

  Sobreviverá o Líbano como Estado?

 

       Com o sentimento de quem está a fruir pacatamente a “silly season”, o olhar que me apetecia deitar sobre as paragens do Médio Oriente não é este que o leitor certamente calcula, mas outro bem diferente. Preferia deliciar-me com a imagem de um inebriante pôr-do-Sol sobre o extenso deserto da Arábia, ou com a beleza acolhedora de um oásis da Síria repleto de tamareiras, figueiras e macieiras. Mas principalmente queria confortar-me com uma idílica visão de felicidade e prosperidade estampada numa qualquer cidade do Médio Oriente, em que comunidades de credos diferentes, sunitas, xiitas ou drusos, judeus, cristãos ou protestantes, vivessem finalmente na mais pacífica harmonia, beneficiando do bem-estar proveniente das abundantes riquezas energéticas que Deus, nosso senhor e pai de todas as criaturas, decidiu um dia entesourar nos extensos areais.

     Mas não, abro o televisor e atinge-me brutalmente o choro entrecortado de uma rapariguinha libanesa de 10 anos, única sobrevivente da bomba deflagrada perto do automóvel em que se fazia transportar com sua família. Logo depois, é o olhar alucinado de uma mãe libanesa que queria fugir do inferno com os seus cinco filhinhos e não tinha transporte. O meu coração fica angustiado e, eu que sou agnóstico, ou julgo sê-lo, pergunto: Meu Deus, Jeová, Allah, quem quer que sejais, o que é isto? O que é isto?

      De há uns anos a esta parte, tornou-se paradigma das estratégias e tácticas das guerras contemporâneas o chamado “ataque aéreo cirúrgico” contra alvos de importância crítica para o inimigo, a fim de o desgastar, destruir ou reduzir o seu potencial de combate, ou então amolecer o seu moral e capacidade anímica. Mas este conceito prefigura, acima de tudo, um estratagema que se destina a evitar ou minimizar o emprego das forças terrestres, de modo a acautelar a ocorrência de baixas significativas, dada a normal reacção negativa da opinião pública dos países ocidentais sempre que as baixas atingem proporções volumosas entre as fileiras dos seus exércitos. E com mais clamor quando são guerras “inventadas” ou com propósitos políticos que não encontram acolhimento consensual na sociedade.

      No entanto, se o ataque cirúrgico poupa a vida do soldado porque o preserva do confronto directo com as forças do outro lado, o que estatisticamente significa a probabilidade de baixas volumosas, tem o contraponto de pôr em risco inevitável as populações civis no seio das quais se inscrevem as zonas dos alvos militares. Pois é, nem o instrumento tecnológico é infalível nem a mão e o olho do “cirurgião” podem assegurar uma perfeita operação, donde a consciência geral assumida de que é uma pura falácia negar a ocorrência de riscos e danos humanitariamente inaceitáveis entre quem não é parte activa na guerra. Como vimos em guerras como a dos Balcãs, do Iraque e agora do Líbano, com a maior desfaçatez se vêm bombardeando cidades e povoações sempre que, de antemão, se admite que nelas se acoitam forças inimigas, núcleos importantes da sua estrutura ou alvos considerados remuneratórios. As bombas teleguiadas e lançadas de plataformas aéreas ou terrestres são tidas como inteligentes, no mínimo susceptíveis de identificar com precisão o alvo visado, mas a realidade demonstra que isso nem sempre acontece e basta lembrarmos as numerosas vítimas civis dos bombardeamentos de Belgrado e de Bagdad e atentarmos agora nas do Líbano. Os chamados dispositivos de referenciação e guiamento das armas erram com frequência, as mais das vezes porque o alvo atingido não é o que se pensou ser quando foi identificado e visado. Além disso, nenhuma bomba pode deflagrar sem efeitos colaterais sobre o que habita o seu raio de acção, e o erro de desempenho, como se tem visto, ocorre com frequência porque quem acciona os dispositivos é um homem, um homem com todas as suas limitações de ordem física e psicológica, para não dizer de ordem moral.

      Com esta constatação, podemos então defender a tese de que os anos derradeiros do século XX e o início do século XXI vieram colocar-nos perante uma regressão em termos morais, com a agravante de pôr em causa exactamente as nações que se consideram guardiães da civilização humana. Porque para poupar os seus soldados não hesitam em sacrificar os civis do lado contrário. Ao longo da história, os exércitos se constituíram como braços armados das nações para que pudessem ser eles a fazer as guerras e a sofrer as suas agruras e não a comunidade como um todo, dentro da qual há que proteger os mais vulneráveis e indefesos. Isto quer dizer que se a nação escolhe os homens para a sua defesa, a intenção é não expor ao perigo a comunidade como um todo, acautelando sobremaneira os mais fracos, ou seja, as mulheres, as crianças e os velhos. Isto visto de um lado aplica-se reflexivamente ao outro lado oposto, salvando-se assim o conceito geral de que os soldados existem precisamente para fazer a guerra e, se necessário, morrer nela, em defesa da sua terra e dos seus. Perante este princípio, seria de esperar que o soldado olhasse para os civis do lado contrário com equivalente e retribuível sentimento humanitário. Princípio eivado de grande valor ético-moral, por que não julgá-lo pertença irrecusável da nossa bagagem antropológica? Ah, mas sabemos nós que a guerra é um fenómeno horroroso e que ao longo da história os soldados nem sempre, ou raramente, se comportaram à altura da sua condição de seres humanos.

      Do evolucionismo justo é esperar que o entrelaçamento de factores morais, filosóficos, religiosos e científicos leve o homem a aproximar-se, com o caminhar dos séculos, de uma condição espiritual mais perfeita, mais condizente com a sua racionalidade. Contudo, parece que não é conquista ainda dos nossos dias, a avaliar pelos violentos acontecimentos que têm ensombrado os primeiros anos deste milénio. Estranhamente, apesar do galopante progresso material, parece que estamos a ganhar uma carapaça na nossa sensibilidade, a aceitar passivamente uma perversão dos nossos princípios morais, na medida em que estamos a aprender a conviver com o espectro da desgraça e do infortúnio desde que ele não nos bata à porta. A desgraça humana entra pelo nosso lar dentro através da televisão, mas comportamo-nos como se tudo não passasse de uma realidade virtual. Podem acontecer algumas esporádicas manifestações de repúdio, normalmente promovidas por movimentos políticos desafectos da ideologia dos mandatários das guerras, mas sem atingirem a força e a veemência necessárias, sem que provoquem um grito de alerta que rasgue esta nossa postura acomodatícia e nos convoque a uma profunda reflexão.

A guerra é infelizmente um fenómeno social de que o homem tão depressa não se vai livrar. Mas há que repensar as regras de conduta moral sobre a forma de a fazer.

 

 

                                 Quarteira, 26 de Julho de 2006

 

 

                                   Adriano Miranda Lima, Coronel

     

Eleições - Quem são os Palhaços?

  Darão estas palhaçadas alguma vontade de rir ?

Uma das músicas que mais encantam é a ópera “Os Palhaços”. Uma ópera cômica que termina em tragédia. Um drama cômico!

Lembrei-me das eleições! Teoricamente uma “música” linda, a democracia, cada um a escolher o seu representante na governança e no parlamento para conduzir a nação, o povo, à felicidade... mas na realidade aquilo a que a gíria chama de “conversa para boi dormir”!

A campanha começa como a ópera: “Senhoras! Senhores! Eu sou o Prólogo!... as lágrimas que vertemos são falsas! ...venham ver como os seres humanos se amam! E vejam os tristes frutos da paixão!”

Entre o cômico e a representação aparentemente séria, o povo, nós, os espectadores, acompanhamos o drama na esperança de no fim poder aplaudir.

Desta vez porém a comicidade da representação está ainda mais prejudicada porque o PT “proibiu” o seu candidato de fazer discursos de improviso! Privam o público de rir, vertendo lágrimas verdadeiras, com o tradicional arrazoado de asneiras com que sexa já nos tem habituado!

Haverá certamente inúmeras ocasiões de rir/chorar, algumas de expectativa, raras, raríssimas de esperança, porque o espetáculo que se adivinha mais pressupõe uma tragédia do que simplesmente uma comédia.

São os palhaços sanguessugas, os palhaços cassados, os destituídos, os indiciados, os ineptos, apresentando ao público uma corrida triste de negociatas, compadrios, alianças, trocas de favores, milagres, ameaças com a vingança do demônio, e um nunca mais acabar que sai da infelizmente fértil imaginação que tem todo o bandido que se preze. Ou prese? Não, porque andam à solta.

Roubam-nos a esperança, um ideal sonhado para um país que é rico de tudo, de milionários e de miseráveis, de luxo e de pobreza, de churrascarias onde se pode comer até à indigestão e de fome, de florestas, em perigo, a sertão seco, de praias maravilhosas e, sobretudo, riquíssimo de um povo cordial, como lhe chamou Sérgio Buarque de Holanda, mas ainda não consciente dos seus direitos de exigir que termine esta palhaçada, esta vergonha.

Recordamos então aquela área belissima, que diz: “Se o Arlequim te roubar a Colombina, ri Palhaço, e todos aplaudirão! Ri, palhaço, do teu amor destroçado! Ri, da dor que te despedaça o coração”!

Roubam-nos tanto! Parece que afinal os palhaços somos nós!

 

Rio de Janeiro, 19 de Julho de  2006

Francisco Gomes de Amorim

 

PORTUGAL ABANDONADO

 

 

 

Saído jovem de Portugal rumo a África, o José Gomes Martins acabou por se fixar na Tailândia onde já leva quase 30 anos de paz.

 

 

José Gomes Martins, um beirão na Tailândia há quase 30 anos

Nesta minha saga do resgate dos “portugueses abandonados”, conheci-o virtualmente nas minhas andanças internéticas em busca dos locais por onde Portugal andou nos tempos do Império e por onde foi abandonando, vivos e mortos, muitos dos que lhe foram fiéis e por ele deram a cara e até a vida. Mas voltando ao José Gomes Martins, falta agora conhecê-lo pessoalmente pois visito-o regularmente no seu “Aqui Maria” (v. http://www.aquimaria.com/html/aboutth.html) e ele é dos mais antigos frequentadores do “A bem da Nação”.

 

Estranhando-lhe o silêncio, procurei-o certa vez em directo e foi com preocupação que não obtive resposta. Passado mais um silêncio, procurei-o ontem de novo: que tinha vindo a Portugal, que acabara de regressar à Tailândia e que estava a arrumar as suas “coisinhas” na cabeça para retomar a escrita.

 

Respirei de alívio mas fiquei com pena de não o ter sabido por cá pois havia de o encontrar para falarmos em directo sobre o que tanto nos interessa: Portugal.

 

Aprazámos encontro em Goa.

 

Convidei-o a escrever um texto sobre o que vira em Portugal mas respondeu-me que a tristeza o invadiu e que preferia não mudar o sentido da sua vida revelando a mágoa de sentir um país abandonado. Sirvo-me das fotografias que me enviou do seu Planalto Beirão natal para fazer eu a reportagem que o magoaria de mais. Vejamos se enxergo o país que ele encontrou.

 

Terá sido pelo ano de 1930 que a Câmara Municipal de Mortágua – extremo poente do mesmo Planalto – decidiu electrificar a sede do Concelho e para isso comprou um gerador que funcionava entre o pôr do Sol e a alvorada; terá sido durante as férias escolares desse mesmo ano que o meu Pai fez a instalação eléctrica na casa paterna. Foi já pelos finais da década de 50 que se instalou o abastecimento doméstico de água e se iniciou o saneamento básico, tudo e apenas na sede do Concelho; o abastecimento doméstico só chegou às demais sedes de Freguesia com a primeira Vereação democraticamente eleita depois de 1974 e quanto ao saneamento nada sei porque, felizmente, esse tipo de obras deixou há muito de ser notícia.

 

Terá sido na década de 50 que foi inaugurado o único Hospital das redondezas sendo que, até então, qualquer caso que não pudesse ser atendido pelo farmacêutico, tinha que ir a correr para Coimbra por estradas bem menos fáceis que as de hoje. Os dois médicos a percorrerem de dia e de noite montes e vales para atenderem gente isolada e indefesa contra os males mais ou menos virulentos que amiúde davam origem à celebração do requiem.

 

 

População envelhecida à espera dos cânticos de requiem

Ou seja, precaríssimo conforto duma população eminentemente rural, praticando uma agricultura de subsistência e com elevados índices de analfabetismo. As crianças abandonavam bem cedo a escola para ajudarem os pais no ganha-pão da família, o pastoreio constituindo a tarefa mais suave que os esperava nas mais tenras idades. Com grande densidade florestal, não era fácil a produção alimentar fora dos lameiros e outras zonas baixas; a fomeca a apertar os estômagos, ávidos duma produtividade agrícola totalmente desconhecida de gerações sucessivas, o gado a viver bem perto das pessoas para aquecer no Inverno com o bafo e outras exalações de ruminança.

 

 

O mundo rural esvaziou-se

As feiras mensais a assumirem um papel importante no aprovisionamento doméstico e a servirem de escoadouro para as magras produções agro-pecuárias com preços formados ao abrigo do método do “sabe Deus como” mas único recurso de ligação à longínqua e, no entanto, imprescindível economia monetária.

 

Foi deste mundo sem conforto e sem esperança que saíram os inconformados com tal sina. Assim se fizeram o Brasil, Angola e tantos outros países de maravilha. Foi daqui que saiu o José Gomes Martins e foi aqui que voltou para reencontrar a sua própria meninice.

 

E que viu ele?

 

Viu aqueles que não ousaram dizer que bastava e que por isso mesmo se deixaram ficar e viu os que tinham modo de vida capaz de sustento sem frio. Mas a esses que viu também passaram os anos por cima só que, como nunca cheiraram a esperança de nova vida, encarquilharam nos horizontes da miopia a que se abandonaram. Para esses, tudo é igual: tanto o Brasil como a Tailândia ou até mesmo França e a América ficam para lá de Viseu . . .

 

 

"Quem canta seu mal espanta"

Mas Viseu cresceu mais do que alguma vez sonhou e é hoje um pequeno e harmónico centro urbano que finalmente encontrou a Universidade como a solução para a fixação da juventude e é dessa nova camada de gente educada que está a surgir uma dinâmica social e industrial impensável até há pouco.

 

Este novo Planalto Beirão está urbanizado em pequenos núcleos que esvaziaram as aldeias vizinhas, não fez evoluir a economia agrária de que estava fartíssimo, decantou-se em duas camadas – os velhos e os novos – e deixou morrer o mundo de antigamente que não era competitivo mas apenas sobrevivente.

 

Foi este Portugal abandonado que partiu o coração do José Gomes Martins e eu creio que esse é um mundo que não volta mesmo mais.

 

O meu amigo só poderá encontrar essas aldeias de ruralidade pura e inocente lá nas faldas das montanhas de . . . Chiang Mai.

 

Esta, uma reportagem de partir corações. Partamos para o futuro.

 

Lisboa, 23 de Julho de 2006

 

Henrique Salles da Fonseca

"Eles querem tudo e não deixam nada"

 

ARTICLE I - 13

Les domaines de competence exclusive

    1- L'Union dispose d'une compétence exclusive dans les domaines suivants:
 
    a) l'union douanière;
 
     b) l'établissement des règles de concurrence nécessaires au fonctionnement du marché intérieur;
 
    c) la politique monétaire pour les États membres dont la monnaie est l'euro;

   d) la conservation des ressourses biologiques de la mer dans le cadre de la politique commune de la pêche;

    e) la politique commerciale commune.

 

COMENTÁRIO

A alínea d), que em nada atinge estados como a Austria, no caso de ser aprovada, traduz-se para Portugal por uma efectiva perda de soberania sobre o seu território marítimo;

A medida nem sequer é eficaz para efeito de conservação dos recursos marítimos, que são muito mais bem defendidos pelos estados ribeirinhos (princípio da subsidariedade).

De facto, se esta medida for aprovada, os estados terão tendência para explorar ao máximo os recursos biológicos das águas dos outros, e Portugal nem sequer fica com competância para defender a sua pesca artezanal, em que a conservação dos recursos ficará a ser da exclusiva competência dos distantes burocratas de Bruxelas;

É inteiramente legítimo e desejavel, que a UE adopte normas de conservação dos recursos biológicos, que tenham de ser respeitadas pelos estados, que devem ser penalizados quando não cumprirem, mas estas normas devem ser na terra e mar e não exclusivamente no mar, e não devem traduzir-se por uma antecipada e prematura transferência de competência e soberania, como resultaria desta alínea d), se tivesse sido aprovada;

Esta alínea d) está manifestamente desencontrada das outras 4 alíneas do número 1

do artigo I-13.

Admito que só por desatenção dos negociadores portugueses foi incluida neste artigo das competências exclusivas da União.

Uma vez que o projecto da Cosntituição Europeia vai ser repensado e certamente corrigido nalguns pontos, considero urgente que os negociadores portugueses estejam atentos a esta questão e exijam a supressão desta alínea d) neste artigo.

É algo que penso que poderão conseguir, se tornarem claro que os cidadãos portugueses poderão votar contra um projecto de Constituição que preveja, sem qualquer benefício visivel, uma tão grande perda de soberania imposta ao nosso país. .

Penso que o encontro que neste momento decorre na Sociedade de Geografia de Lisboa é uma ocasião oportuna para a chamar a atenção para este assunto.

 

 

António Brotas, Professor Universitário, membro da Sociedade de Geografia de Lisboa

 

 

Nota adicional: Este texto foi entregue de mão própria, no dia 20, ao Doutor João Ferrão Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, ao Professor Aires de Barros, Presidente da Sociedade de Geografia de Lisboa e ao Professor Adriano Moreira que se referiu ao assunto na sua intervenção final em que informou haver outras instituições, nomeadamente militares e universitárias, que já por ele se interessam.

 

Navegadores, descobridores

Luís Soares de Oliveira, Embaixador (1)

Quatro perguntas sobre os Descobrimentos feitas pelos Editores Europeus de Anuários e as respostas que lhes foram dadas.

Transcendence

Question: Were The Portuguese maritime discoveries the beginning of the Modern Era ?

Answer: - The knowledge acquired as a result of the maritime discoveries, namely the exact size and shape of our Planet, the distribution of its land masses, the identification of the maritime routes connecting them, the consciousness of the diversity of human races and cultures, of the variety of plants, trees, animals, climates and telluric systems contributed largely to change men’s perception of the world and his place in it. The global view began to take shape. The profitability of intercontinental trade came to the attention of the political economists. Adam Smith, always with a keen eye for wealth creation, wrote: “The discovery of America and that of the passage to the East Indies by the Cape of Good Hope are the two greatest events recorded in the history of mankind”. Probably this was an overstatement, but traders and financiers took it in consideration and began to look outwards.

However, most important still were the defeat of superstition and the triumph of reason.  The old myths that cautioned man against adventures into the high seas fell one after the other. Man learnt to follow his own thinking and to question established wisdom. The results thus obtained proved the merit of rationality.  Attitudes changed:   man realized that his destiny was, to a large extent, in his own hands and that he could modify his own condition. No question, the age of discoveries heralded the beginning of a new era; while sailing the oceans, the Portuguese were opening the door to Modernity. 

The Iberian geopolitical fallacy

Question: Portugal turned its energy towards the high seas in order to offset the centripetal pressure of the powerful kingdom of Castile, which surrounded it?

Answer: - Apparently such theory has geopolitical substance, but the facts do not support it. At the time the Portuguese went to sea (1415), the other Iberian Christian crowns - Castile and Aragon - were still tied down in the war against the Islamic kingdoms (taifas) existing in Southern Spain. It was not until the conquest of Granada in 1492, that this fight came to an end. By then, Portuguese navigators had already found the southern passage connecting the Atlantic with the Indian Ocean and were also frequenting the North Atlantic fishing banks. The Portuguese of the XV century behaved as if they had nothing to fear from the Castilian side and as if the  eventual union of the Iberian Christian crowns would be a natural development. Crown fusion projects through marriage between first born offsprings of the royal families were contemplated on both sides of the border and occasionally consummated in one or the other of the royal beds [2]. The kings of Portugal helped their Castilian in-laws, in the fight against the Nazari kings of Granada in many ways. Portuguese troops were active at some of the decisive battles. But their best contribution was the conquest of Ceuta, on the Moroccan coast, the first Portuguese overseas expedition. The moment Islamic powers lost control of this sea port across the Straits of Gibraltar and were cut off from North African logistic support, the end of the Islamic establishments on the Northern side of the Mediterranean was a question of time. Taifa rulers’ fate was sealed.

If there was a geopolitical motive driving the Portuguese into the  sea, it was not an iberian one. Up to almost the end of the XVI century, Portugal and Castile acted as two comrades in arms.  The division of the World in two well defined areas reserved for the discoveries and exploration of each crown (Treaty of Tordesillas, of 1494) is an eloquent proof of the harmony and wisdom that prevailed in the relationship of the Iberian states. [3]

Real motives

Question: So, if geopolitical motives had no part here, what were the motives that drove the Portuguese into the maritime adventure?

Answer: - Judging from what is known regarding Portuguese behaviour overseas after acquiring control of the Oceans, we have to admit that faith and trade were paramount among their motives.  Until mid XVI century, the preoccupation of securing the monopoly of the sea route for the Eastern trade led the Portuguese to gigantic sacrifices,  almost unbelievable acts of gallantry and gave coherence to their action overseas.  The same was true regarding their proselytizing zeal. In either case, the attitude taken reflects acceptance of the undisputed priority of either of these objectives.

Of course, there were other factors. The Order of Christ, the Portuguese branch and heir of the Temple, was very influential at the time in Portugal. The Temple had been created to defend overseas Christianity and Christian places against the Islamic expansionist pressure. Forced by circumstances to many centuries of domestic activity, the order was anxious to resume its role. The idea of reaching the Islamic world through the back door, establishing a second front in the Indian Ocean, was most probably theirs. Prince Henry, as the Master of the Order, naturally felt compelled to pursue the institution’s objective.  He could do it. Abundant information and means, including financing, were then available to the Order of Christ. It was not by accident that the ships sent out to the wide Ocean in search of remote countries carried the red cross of the Order of Christ emblazoned full length on their sails.

The Crown itself had good reasons to adopt an expansionist project. John I, father of Henrique, the navigator, had been chosen heir of the crown by what we can describe as a popular vote. According to the aristocratic laws of royal succession, his legitimacy was doubtful. He had people’s support, but he needed also to gain the respect of the aristocracy. In those times such respect went for the rulers who succeeded in enlarging the territorial dimension of the state.  Furthermore, the Portuguese military class was going through a crisis. From the XII to the XIV century, they fought and eventually expulsed the Islamic authorities from Portuguese territory, and then what? They became redundant, condemned to idleness. The conquests did not alter the land tenure regime. Local people, including the Moorish, remained masters of their farms and estates. With one or two exceptions, feudalism was nonexistent in Portugal. Deprived of vast territorial domains, the influence - and very existence - of the military class that grew and prospered during the two previous centuries was doomed, unless the Crown could devise some other big military venture.

The Jewish community, another influential sector of Portuguese society in medieval times, also took a keen interest in the discoveries. Jews had been financing commercial voyages ever since biblical times. It was an area of their expertise. They knew better than anybody else how to make this practice secure and profitable. But not only financing. Some of the great Jewish scholars previously residing in Spain came to Portugal after the Inquisition initiated bloodshed on the other side of the border. The Portuguese king, John II, welcomed them and found immediate employment for their skills, especially those connected with the maritime activity. He promised them freedom of religion and protection in his realm. Unfortunately, his successor – Manuel I – equivocated on this point. 

Uniqueness

Question: Such class motives and private interests could however exist anywhere. So, why was Portugal the first? Was there something unique, specifically Portuguese?

Answer: Certainly yes! Unlike Spain and other countries, in Portugal there was no need to empty jails in order to staff the ships going after the unknown, the terrae incognitae.  As the poet Fernando Pessoa said, the Portuguese understood that “navegar é preciso” - sailing the deep seas was essential. It was not only the way to meet the Future - out went the sailors and the people prayed: “sail on, sail on; our Future is hanging on thy fate” - but was also a form of self realization. To the questions put to him by the mythological Lord of the Seas - “who are you?”, “what are you doing here?” -, the skipper of the Portuguese caravela answered:

Aqui ao leme sou mais do que eu:

Sou um Povo que quer o mar que é teu [4]




(1) Retired

 

[2] An attempt to unify the two crowns through the marriage of the widower Afonso V, King of Portugal and Isabel, the Catholic, failed. Isabel opted for Fernando, King of Aragon, among other reasons because Afonso was too old. Afonso mobilized his troops and sustained in arms his pledge to the hand of Isabel, but was defeated by his rival at the battle of Toro [1476]. However, his son João II - who never approved of his father's quixotic adventure - was soon to re-establish good relations with Isabel.

  [3] With time, the Portuguese evaluation of the Iberian union changed, but only after a Hapsburg king, holding both the Portuguese and the Spanish sceptres, attempted to engage Portugal in European continental disputes (XVII century) and showed great neglect for the overseas possessions. Such attitude went against national sensibility.  Then, and only then, the Portuguese began to realize the colossal value of the empire as a safeguard against the continental   centripetal pull. Two centuries before, at the outset of the discoveries, such understanding would have been an incredible long shot.


[4] Free translation: “Here, at the helm, I am bigger than myself; I am the people who wants the sea that now belongs to you”.

 

Do Brasil, com saudade

A Mitra, a Universidade de Évora e o IPPAR

 

Há bem mais de meio século saí daquela maravilhosa Escola de Regentes Agrícolas de Évora. Nela se formaram tantos homens para a vida, e onde os professores, honra e mérito primeiros para o antigo Director e maior Amigo, o engenheiro Augusto de Matos Rosa, além de ensinarem, defendiam e lutavam, sem baixar os braços, para a conservação do património, arquitectónico e histórico, daquela antiga propriedade que, in illo temporae, pertenceu à Mitra Eborense, donde o seu nome: Herdade da Mitra.

Com a reabertura da Universidade em Évora, aquele estabelecimento de ensino foi nela incorporado e, parece, as suas instalações destinadas à investigação. Até aqui tudo bem.

Mas e o património histórico e arquitectónico (Monumento Nacional?) o que fizeram dele? Entregue à deterioração. ABANDONADO!

Ao abrir a página da web da Universidade de Évora aparece um painel de azulejos, moderno, da autoria do Prof. Nuno Mendonça que estará no Colégio da Mitra. E os edifícios históricos, parte deles únicos no país, séculos XVII e XVIII, totalmente abandonados, quando não destruídos uns quantos? Um ambiente de tristeza invade qualquer um que veja o estado a que chegou o que era, há pouco tempo ainda, além dum cartão de visita, o orgulho também dos alunos que ali estudaram.

O tanque de água, circular, com uns 12 a 15 metros de diâmetro e mais de 2 de fundo, que nos serviu de piscina, único daquele género no país, tinha cinco estátuas de pedra todas em “tamanho natural”: uma de Moisés no centro e quatro à volta, com os profetas. Estas quatro... desapareceram! Estarão guardadas para restauro ou simplesmente deixadas roubar?

E as capelas da antiga horta? Pequenas quase preciosidades. Destruídas. E assim quase todo o restante com excepção do chamado, no antigamente, Colégio Velho, pequeno mosteiro para padres ou monges, ultimamente adaptado para receber com algum luxo professores e visitantes. Neste se encontra uma capela, pequenina, linda, toda em mármore... abandonada também.

A culpa é de quem? Da Universidade ou do IPPAR? Talvez porque muitos mandem ninguém se responsabiliza? E o problema é que este estado de abandono geral está assim há pelo menos quinze anos!

Pobre país pobre, que se dá ao luxo de deixar perder o pouco de história e património que lhe sobra!

 

Rio de Janeiro, 12 de Julho de 2006

Francisco Gomes de Amorim

LISBOA DO SOL NASCENTE

 

D. Catarina, irmã de D. Afonso V, Infanta de Portugal, nasceu em Lisboa a 26 de Novembro de 1436. Pessoa culta, dominava o latim e o grego traduzindo para português algumas obras importantes da sua época mas entregou-se à vida monástica depois do falecimento prematuro do seu primo D. Carlos, príncipe de Navarra, por quem se tinha apaixonado e a quem se prometera em casamento. Morreu aos 27 anos em Coimbra a 17 de Junho de 1463, pouco antes que a casassem com Eduardo IV de Inglaterra.

Trasladada de Coimbra para Lisboa, foi-lhe construído túmulo na Igreja do então novo Hospital de Todos os Santos e depois do terramoto de 1755 foi novamente trasladada para o Convento de Beato onde ainda hoje se encontra em local que parece actualmente desempenhar a útil mas pouco ilustre missão da armazenagem de massas alimentícias.

Para quem se preparara para ser rainha de Navarra e Aragão e posteriormente se viu quase a ter que ser rainha de Inglaterra, reconheçamos que nos estamos a esquecer um pouco de um valor histórico nacional que poderia ser enaltecido de múltiplas formas e nunca abandonado sob prateleiras de vitualhas industriais.

 Para quem, como a Infanta D. Catarina, teve honras no painel de Nuno Gonçalves, mal parece que hoje esteja esquecida entre prateleiras de esparguete

Tenhamos esperanças de que o IPPAR se debruce sobre a questão com a brevidade conveniente, agora que tanto se esmerou para que nada se viesse a saber quanto ao ADN de D. Afonso Henriques. Antes que o Convento do Beato vá para obras . . .

Sim, mais vale que vá para obras do que ficar como está que não é carne nem peixe no sentido de que não está recuperado mas também não é ruína. É uma coisa assim a modos que inacabada, com materiais modernos a segurar uma mistura de várias épocas de arquitectura, desde as medievais às renascentistas, tudo a revelar que foi local importante por várias vezes e que por outras tantas terá caído no esquecimento e abandono . . . até que se passou para o esparguete e finalmente para as remunerativas festas de casamentos e baptizados.

 Convento do Beato: da serenidade monacal aos bailaricos de casamentos e baptizados . . .

Erigido por ordem de D. Isabel, mulher de D. Afonso V, no local onde se encontrava uma capela em honra de S. Bento, ali mesmo sobre a margem do Tejo, o Convento do Beato começou por se chamar de S. Bento de Xabregas e teve como primeiro Dom Prior a Frei António da Conceição, membro da Ordem dos Cónegos Seculares de S. João Evangelista. De hábito azul, chamou-lhes o povo de lóios, sinónimo da dita cor.

 

O proselitismo religioso é norma de todo o Clero mas se há os religiosos que se dedicam a servir os confessos, outros há que optam pela conquista de novas almas para o rebanho e dentre estes sobressaíram sempre estes Cónegos de S. João Evangelista praticando aquilo a que hoje poderemos chamar uma verdadeira “política de fronteira”. Por isso foi tão forte a presença dos Lóios nas terras alentejanas e daí a necessidade de disporem de um local de apoio e refúgio na retaguarda da primeira linha de combate na missão que se atribuíram. O Convento de Xabregas, implantado no então limite da antiga terra cristã, passou a servir de local de tratamento e repouso aos membros da Ordem que se apresentassem doentes e cansados das tarefas de missionação aproveitando igualmente da sua localização para servir as populações vizinhas, sempre carentes de cuidados de saúde, alimento e conforto espiritual. De tanto bem-fazer, quando Frei António da Conceição morreu, logo o povo o tratou de Santo e não perdeu a Ordem a oportunidade de encetar junto da Santa Sé o respectivo processo de canonização. Assim se formalizou a beatificação de Frei António. Mas os residentes no Convento de Xabregas começaram a envelhecer e a morrer com toda a naturalidade até que chegou ao fim da vida o último Cónego encarregue do dito processo de canonização. Não houve quem o substituísse até à extinção das Ordens religiosas em Portugal, o Beato António não chegou a Santo e o Convento de S. Bento de Xabregas passou a ser conhecido por Convento do Beato.

 

Era relativamente próximo do Convento que existia, mesmo junto à margem do salgado Tejo, um poço de água doce que servia não só os frades mas sobretudo a população ribeirinha. Realidade geológica de clinais e anticlinais que fazem a separação das águas que ainda hoje desperta a curiosidade científica mas que naquelas épocas por certo evocaria misteriosos motivos divinos.

 

Séculos mais tarde, D. Tomás de Almeida, arcebispo de Lisboa, mobilizou cabedais próprios e mandou erigir junto ao Tejo a sua residência pessoal de modo a que se pudesse deslocar de barco até ao sopé da colina em que se situa a Sé em vez de ter que penar por veredas dos arrabaldes da cidade ou ter que sofrer das insalubridades típicas de intra-muros. Essa nobre residência, a que o povo passou a chamar de “Palácio da Mitra”, também do referido poço se servia.

 

 D. Tomás de Almeida, 1º Cardeal Patriarca de Lisboa

Foi com faustosas mordomias que D. João V conseguiu da Santa Sé que o Arcebispo de Lisboa fosse elevado a Patriarca e à honra cardinalícia mas se essa nova pompa tanto agradava ao Rei, teve este que providenciar ao Patriarcado os rendimentos que permitissem o financiamento de tanta pompa e circunstância. Assim foi que a Quinta de Marvila, ampla unidade agrícola sobranceira ao Tejo, passou do património real para o do Patriarcado.

 Palácio da Mitra - por esta porta acedia o Cardeal à praia do Tejo para navegar rumo à Sé

 

Mas D. Tomás de Almeida, irmão do Conde de Avintes e futuro Marquês de Lavradio, tinha grande experiência de administração do seu próprio património e tomou as providências necessárias para que a Quinta de Marvila deixasse o estado de abandono em que se encontrava passando a produzir em conformidade com as necessidades financeiras do dispendioso Patriarcado de Lisboa. Uma das decisões mais importantes que o Cardeal tomou foi a de murar a Quinta de modo a que não mais fosse devassada por “estranhos ao serviço”. Mas teve o cuidado bem cristão de deixar extra-muros o tal poço junto ao rio a que o povo acorria para se dessedentar. E o povo, agradecido, passou a chamar-lhe o poço do Bispo. Houvera nesta cidade mais cuidado com as histórias que por ela correm e teria eu encontrado uma imagem do poço que parece estar hoje enclausurado em traseiras de prédio de arquitectura apócrifa.

 

Nada do referido nesta charla é importante mas a História não se faz apenas de Aljubarrotas.

 

Lisboa, Julho de 2006

 

Henrique Salles da Fonseca

CRÓNICA DO BRASIL

O  VELHO  E  O  NOVO  MUNDO 

 

Em matéria de política tem-se a sensação que a diferença entre os dois mundos é que no velho as pessoas estão cansadas de votar e no novo não vale a pena! As razões são mais ou menos as mesmas: a “governança é deles”, mas apesar de tudo há uma distância muito grande. No velho o povo já se habituou e exigir (quando exige!) que lhe dêem satisfações do que fazem com a res publica, enquanto no novo a apatia tomou conta da população. O “isto é deles” transformou-se quase numa sina.

Aproximam-se as eleições, em Outubro. No Brasil há 126 milhões de eleitores inscritos. Possivelmente muito destes já mortos. Mas de qualquer modo são muitos, e vão ter que votar num monte, sim, num monte de gente. Presidente, senadores, deputados de todas as qualidades – geralmente baixa – e regra geral ninguém sabe a quem dar o voto. Não acredita em mais alguém, mas vai ter que votar. MESMO.

E assim, o país não muda? Lá diz o velho rifão: tem que se dar um primeiro passo mesmo, quando a caminhada seja imensa.

Se não se pode votar em gente boa, capaz, honesta, trabalhadora, etc. (ainda há disso?) pode e DEVE, a seguir, exigir, tenazmente, com insistência, enchendo o saco de toda a gente envolvida, para que prestem contas das promessas feitas em campanha e do modo como estão a malbaratar o nosso dinheiro.

Num mísero município do Nordeste há um Prefeito que dá mil reais quando uma mulher dá à luz uma criança. Brilhante ideia. O dinheiro é do contribuinte e os votos (pensa o tal imperfeitíssimo Prefeito) que irão para ele. Resultado: há dezenas de jovens garotas, 14 e 15 anos, grávidas, à espera dos tais mil reais, o único dinheiro que a miséria local lhes possibilita alcançar! E algumas famílias vão tendo um filho por ano para comprar fogão, geladeira, e... e as crianças? Ah! Bem, as crianças... que comam capim, que vão para as escolas públicas que lhes dão – as que dão – um ensino da pior qualidade e nenhuma cultura! Sabe-se, fala-se, aponta-se o indivíduo – um gangster – mas ninguém toma uma atitude para o transformarem em carne picada!

Assim, vamos continuar na mesma, mesmíssima, ad perpetuum. E ver publicadas leis que são um espanto de violência em cima dos menos favorecidos.

Por exemplo a lei do inquilinato: Lei 8245/91, diz na Secção IV - Dos deveres do locador e do locatário - 

Art 22, que o locador é obrigado a:

VII – pagar as taxas de administração imobiliária, se houver, e de intermediações, nestas compreendidas as despesas necessárias à aferição da idoneidade do pretendente ou de seu fiador;

VIII – pagar os impostos e taxas, e ainda o prémio de seguro complementar contra fogo, que incidam ou venham a incidir sobre o imóvel, salvo disposição expressa em contrário no contrato;

Onde já se viu não se debitar ao locatário as despesas de informação sobre a sua idoneidade e capacidade? Então o número VIII é uma afronta à dignidade de cidadãos pensantes: “O locador tem que pagar os impostos e taxas.. .salvo expressa condição em contrário!!! No contrato”.

Como quem faz o contrato é o dono do prédio, e normalmente da grana... faz o contrato como lhe convém, e o locatário paga!

A violência da plutocracia. É inadmissível que se façam leis em que se definem obrigações, mas que no mesmo corpo da lei se deixa a opção ao mais poderoso para abusar do mais fraco!

E quem reclama disto? Possivelmente ninguém.

Continuamos de braços cruzados ou vamos exigir, no mínimo, igualdade, decência, ética?

 

Rio de Janeiro, 11 de Julho de 2006

Francisco Gomes de Amorim

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