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A bem da Nação

REFLEXÕES SOBRE O ESTADO NAÇÃO

                              

                       Adriano Miranda Lima, Coronel

    

      Ralf Dahrendorf, ex-reitor da London School of Economics, conclui assim um seu artigo publicado no passado dia 24 de Abril, no La Vanguardia: “Los estados nación son bienvenidos; son elementos importantes del orden liberal mundial. Pero tienen que abrirse a la cooperación y a la coordinación con otros. Debemos estar alerta para resistir el comienzo de una tendencia que recuerda el desarrollo en los primeros años del siglo XX, una tendencia que rápido condujo a un desastre global.”

      Em consciência, não vejo razões para partilhar a esperança que o autor ainda parece depositar nas virtudes do estado nação. Ele não reconhece severidade no diagnóstico dos sintomas do organismo que ausculta, preferindo uma avaliação do estado geral. Mas se insistirmos com o estetoscópio sobre o corpo do mundo em que vivemos, acabamos por auscultar arritmias no seu coração pulsante: o estado nação. E o nosso diagnóstico é que o estado nação é um paradigma com sintomas de caminhar para o esvaziamento do seu sentido. Alicerçado nos conceitos de “nação e “cidadania”, o estado nação é uma invenção da cultura ocidental, nascida e/ou consolidada com a Revolução Francesa. Se virmos bem, esse paradigma tem propiciado à humanidade mais motivos para infortúnio do que para felicidade, como foram os sangrentos conflitos que estão associados ao surgimento e afirmação do estado nação: as guerras napoleónicas, a Guerra Franco-Prussiana, a I Guerra Mundial, a II Guerra Mundial, etc. Isto para não irmos mais atrás e analisarmos a barbárie que tem sido uma constante da humanidade desde que ela, há mais de 3000 anos, começou a construir os alicerces daquilo que hoje consideramos ser a nossa civilização, com a nacionalidade na sua génese.

       O estado nação tem falhado na legitimação das soberanias nacionais para a busca de um ideal de pacificação interna e de aglutinação de princípios e valores a favor da paz e da estabilização de uma ordem internacional. Pelo contrário, tem sido um fautor constante de ameaça à paz e de permanente desagregação e conflito à escala regional e mundial. Em vez de servir para despertar no homem a reflexão serena e lúcida sobre as melhores vias conducentes ao progresso civilizacional e à harmonia entre os povos, o estado nação tem sido o acicate de autênticas sanhas que fazem regredir o homem na escala civilizacional. No século XX, houve recuos que não são motivo de orgulho para o homo sapiens, cuja mente não parece tão evolutiva para ganhos morais como é para avanços tecnológicos.

      Quando aludimos aos conflitos sangrentos que ensombram a história humana,  constatamos que o continente europeu, precisamente o mesmo que modelou o estado nação e a hodierna democracia, foi dos mais bárbaros nos seus conflitos internos. E espanta que seja o mesmo continente que gerou os pensadores que inspiraram o progresso civilizacional e moral. Aparentemente, é como se houvesse uma disjunção entre a consciência moral e a consciência ontológica. Há bem poucos anos, imaginávamos que a loucura nacionalista na Europa tinha ficado definitivamente desmantelada e exposta na vitrina dum museu da História para que os povos ali pudessem dar largas à sua estupefacção e exorcizar tristes memórias. É o caso de Auschwitz, Birkenau e Treblinka. Mas, por incrível que pareça, meio século decorrido desde aqueles tristes acontecimentos, voltámos a ver reeditado o rosto da barbárie em plena Europa (ex-Jugoslávia), que só não chegou a ser uma réplica tão acabada como a da década de 1940 porque o mundo interveio com firmeza e em força. E o que se passou então nos Balcãs, com a dissolução do estado federal, acontece um pouco por outras regiões do planeta, embora nalguns casos com menos visibilidade mediática, porque no mundo subdesenvolvido as tragédias humanas são avaliadas com outro peso e outra medida. É tudo uma questão de relatividade, embora o tal homo sapiens seja o mesmo, apenas diferenciando-o a geografia e a etnia, consequentemente, o progresso material e cultural.

     

      Enfim, tudo o que de mal tem assombrado o mundo tem na sua génese a questão das nacionalidades, estas com um rosto mais sombrio quando misturadas com o ingrediente da religião. Transformam-se então num cocktail altamente explosivo.

        

      Entendo que a divisão do mundo numa multiplicidade de estados soberanos, ou seja, a balcanização planetária, foi a solução possível e mais fácil, porque ao sabor de estirpes de nacionalidade que eram tão primevas quanto baseadas no instinto de agregação e de sobrevivência dos povos. Fizeram história, é um facto, mas a História não lhe poderá ser muito benevolente ao analisar com rigor a conta corrente dos seus êxitos e fracassos. No entanto, o processo não parece encerrado. O processo continua a abrir-se com novos episódios porque o ideal nacionalista é bandeira que se arvora contra mapas políticos feitos por conveniências conjunturais do passado, sinal de que o velho paradigma do estado nação é ainda apelativo e tem força. Mas se tal acontece é porque a humanidade pouco evoluiu na arquitectura de um edifício político a uma escala mais ampla, à medida do seu destino planetário. Dir-se-á que, presa a uma visão mesquinha dos problemas, a humanidade continua sujeita aos apelos dos seus instintos mais básicos, sem conseguir transpor o limiar da razão e da crença que lhe permita entrever saídas mais promissoras de um futuro melhor. O mesmo é dizer, acomodou-se no reestruturar do pensamento e no lançar dos alicerces de uma ordem moral e política a nível global que rompa com os arquétipos do passado.

     

       Há alguns anos, Francis Fukuyama escrevia que a humanidade já tinha chegado a “O Fim da História”. A tese de Fukuyama é que o actual estádio civilizacional (estado nação, democracia) é o limite dos sonhos depurados do homem. Ao considerar a democracia ocidental a obra final do humanismo planetário, penso que Fukuyama se equivoca e se mostra pouco ambicioso na sua previsibilidade. Além de que dá mostras de excessiva credulidade nas virtudes dessa “obra do humanismo”, eximindo-se a uma leitura crítica dos sinais inquietantes que a actualidade nos vai permitindo enxergar.

    

       Pelo contrário, sou mais levado a defender que os actuais modelos de cidadania, democracia e organização política podem ter esgotado definitivamente os seus recursos, com poucas hipóteses de auto-regeneração e afinação dos seus motores. Se, por analogia, associarmos os fenómenos humanos aos do todo universal, como o comportamento da matéria cósmica, poderemos aceitar, como é o postulado de alguns pensadores como Edgar Morin, que os actuais sistemas organizativos das sociedades humanas estão também sujeitos às leis da termodinâmica, atingindo um estádio em que começa a desintegração e se caminha em regressão ao ponto zero. Geram-se, a partir daí, novos processos de unificação e solidariedade que marcarão a cadência da regeneração de que resultará uma sociedade outra, verdadeiramente global e comprometida com os grandes e inimagináveis desafios planetários. Essa sociedade só poderá ser uma sociedade de vocação planetária, construída sobre as ruínas do edifício que actualmente apresenta fissuras preocupantes na sua estrutura. Mas Deus nos livre de uma regressão total, que só poderia ocorrer com uma catástrofe nuclear, como a ficção nos tem mostrado na literatura e no cinema.

     

      Como nota de optimismo, é de admitir que a consciência planetária possa já estar a esboçar-se. A globalização está a ganhar os seus contornos com a incipiente liberalização dos mercados e a criação de estruturas económicas, técnicas e de comunicação de magnitude planetária. Ainda que em fase preliminar. Não se tem ainda uma noção completa do efeito que a Internet poderá vir a representar, acelerando as comunicações e esbatendo as fronteiras nacionais, e com isso atenuando as clivagens étnico-culturais que são a origem do estado nação. Mas se a globalização da economia tem já o seu esboço, muito tem de ser feito ainda ao nível dos instrumentos jurídicos e das instâncias de decisão, de modo a que o objectivo seja aplanar uma via planetária comum e não o confronto permanente entre os interesses divergentes. Os problemas ecológicos do mundo como um todo são um exemplo bem elucidativo daquilo que só uma verdadeira consciência colectiva conseguirá resolver, sobrepondo-se aos interesses particulares de cada estado nação.

 

      É absolutamente imperioso reformar a ONU (e outras instituições internacionais como a FMI, as OMG, o TPI, etc) de forma que o ideal organizativo sirva não apenas para dirimir conflitos, divisões e antagonismos, mas para se arvorar em verdadeira instância de agregação de vontades e de cooperação comunitária. Quando começar a funcionar em outros moldes, credibilizando-se e fazendo-se respeitar, estará dado o mote para resoluções mais ambiciosas.

       

      Para concluir, não me parece que o futuro da humanidade esteja na continuidade do estado nação tal como o conhecemos. É preciso reinventar tudo e para muito melhor.

 

 

 

                                       Adriano Miranda Lima

 

LIDO COM INTERESSE - 6

Título: “O AEROPORTO DE LISBOA – A eminência do desastre técnico e económico;

O parâmetro enjeitado e a pedra angular”

 

Autor: José Krus Abecasis, Major-General, Força Aérea Portuguesa (Ref.)

 

Editor: Sociedade de Geografia de Lisboa – Boletim Janeiro-Dezembro – 2004, pág. 37 e seg.

 

 

Sociedade de Geografia de Lisboa

 

É zeloso pelos interesses da Fazenda Nacional? – eis a questão inicial sobre a qual o Autor disserta para afirmar no intróito: Absorvido pela mentalização contemporânea de uma globalização universal e gratuita que “digeriu” como “mesinha” benfazeja de todas as benesses e ansiado óbulo de “fundos perdidos” a desbaratar, o português passou a olhar o pecúlio europeu como mais valia ao seu alcance. O Pacto de Coesão e o Pacto de Estabilidade e Crescimento seriam manipulados de acordo com os seus interesses. Forte em imaginação e megalómano em projectos, sonhou com um “hub”, ofuscando e deslumbrando “gentios” da Europa, o . . . “Aeroporto do Século XXI” para a Ota!!– O “Novo Aeroporto de Lisboa!”

 

Não discutindo nesta fase qual a cor do elefante, o Autor cita um perito americano que em 1998 proferiu uma conferência na Sociedade de Geografia de Lisboa: Os aeroportos de nível internacional, por mais portentosos que sejam os investimentos neles empenhados, nunca serão amortizados se os potenciais utilizadores (as companhias de transporte aéreo regular e “charter”) os votarem ao abandono, optando por alternativas. É do seu livre arbítrio fazê-lo! Nos EUA temos alguns exemplos.

 

E prossegue: A veleidade de um aeroporto “Terminal da Europa” está fora de causa. Se algum dia foi compreensível, esse dia está tão afastado como estão, nos tempos actuais, tais ilusões. Será que os mentores da política aérea (que tarda) conceberão a estultícia de captar tráfego a Madrid, Sevilha, quiçá Paris ou Roma, para que as transportadoras aéreas se deliciem com um portentoso “Aeroporto Século XXI”?

 

Para além disso, refere que um estudo comparativo das cartas de aproximação às pistas da Portela e da Ota dá – numa perspectiva exclusivamente aeronáutica – grande vantagem à Portela, tanto no que respeita à orografia envolvente como às habituais ocorrências meteorológicas . . . e seguem-se muitas mais referências e argumentos técnicos que seria fastidioso aqui enumerar.

 

E tem um final que me deliciou: Tenhamos presente, nós portugueses de hoje, que nem todas as realizações portentosas aos olhos da Humanidade se traduziram em proveito para os países que nelas se lançaram, embriagados com a imagem mítica da Torre de Babel e contemplando à posteriori uma Barragem de Assuão em paisagem idílica do leito do rio Nilo ou uma Barragem das Três Gargantas sobre o rio Yangtsé tão proveitosa para a China como a Grande Muralha milenar ou mesmo Cabora Bassa carpindo sobre o leito do Zambeze a sua inutilidade melancólica.

 

Ao som dos acordes da 9ª Sinfonia de Beethoven, arvorada em melodia da Europa Unida, o sonho do “Aeroporto de Lisboa do Século XXI” na Ota não passará de um pesadelo ou … uma “manada de elefantes brancos” em tropel pelas baixas lezírias do Carregado-Azambuja, envoltas em denso nevoeiro.

 

D. Sebastião, como sempre, não aparecerá!

 

Lisboa, 26 de Abril de 2006

 

Henrique Salles da Fonseca

 

25 A

Algumas reflexões sobre dois temas que aparecem sistematicamente interligados: a descolonização e o regime político actual.

 

Os cravos incolores

A) A descolonização

Para uns, o que foi possível. Para outros, o que nunca deveria ter sido feito. Que concluir?

Os políticos que emergiram com o 25A sabiam bem: (i) que, enquanto durasse o conflito colonial, Portugal nunca entraria no clube dos países europeus ricos e com “algibeiras fundas” (pertencíamos já a um outro clube de países europeus, tão ricos como aqueles outros, mas muito menos propensos a subsidiar por tudo e por nada, e mais exigentes quanto a resultados palpáveis - ou seja, mais pragmáticos e menos ideológicos); (ii) que, sem a perspectiva firme de melhor passadío logo ao virar da esquina, o povo português dificilmente resistiria aos encantos dos “ámanhãs que cantam”; (iii) que eles, nóveis políticos, não entravam no guião que o PCP tinha preparado para o instante em que conquistasse o poder; (iv) que a deriva esquerdista calava fundo num povo invejoso e mesquinho, que desde meados do sec. XVI se comprazia na intriga e na delacção.

Acabar rapidamente com os conflitos coloniais era, para esses políticos que procuravam o apoio das potências ocidentais e um lugar na História, uma questão de sobrevivência pessoal. E, por isso, fizeram-no como puderam - de qualquer maneira e sem grande cuidado. “Ai, não nos aceitam “na Europa” com as colónias em brasa?” terão pensado “então borda fora com elas, e quanto antes!” Foi o que se viu.

Mas o cenário alternativo deve ser igualmente ponderado. Persistir na ligação aos territórios continentais africanos (sobretudo estes) - ainda que sob um novo quadro, que ninguém sabia qual fosse nem como levá-lo à prática – resultaria, conforme tudo então parecia indicar, no extremar dos antagonismos. Por esse tempo, era clara a linha de fractura que dividia a instituição militar em dois grupos de desigual peso e que atravessava a sociedade portuguesa de alto a baixo - sem que ninguém soubesse predizer, com segurança, em que proporções. Como reagiria essa mole silenciosa, desde sempre excluída da política, perante a perspectiva de mais uns quantos anos de vida dura e sacrificada, que dessem tempo à diplomacia? Poderia uma sociedade em ebulição, permanentemente atiçada, revelar coesão moral e disciplina social, condições sine qua non para a resolução pacífica do problema colonial? Apesar de todas as incertezas, este era um cenário de grande conflitualidade - se não mesmo de guerra civil declarada, atendendo ao que se passava no interior das forças armadas.

Sob este ângulo, a descolonização atabalhoada foi o preço que os de África pagaram para que nós, os da Europa, não nos atirássemos às goelas uns dos outros. Poderia não ter sido assim?

Poderia, se...e são vários estes ses. Poderia ter sido diferente (a ordem é irrelevante): (i) se o PCP não fosse, ao tempo, a única força político-militar no terreno (embora dispusesse, na realidade, de efectivos muito inferiores àqueles que os seus adversários temiam) nem tivesse como objectivo primordial subtrair os territórios africanos à influência ocidental; (ii) se o Estado português, essa amálgama de governantes e governados, inspirasse mais confiança, tanto aos de dentro, como aos de fora; (iii) se os próceres do anterior regime tivessem sido mais abertos a parcerias internacionais, em vez de olharem as colónias como mercados cativos; (iv) se, no confronto leste-oeste, os territórios africanos não tivessem a importância estratégica que ambos os lados lhes reconheciam; (v) se o processo de globalização competitiva, a que a desmonetização do ouro (em 1972) dera início, tivesse arrancado uns dez anos mais tarde.

Num discurso premonitório, logo após os primeiros incidentes em Luanda e o abortado golpe palaciano de Botelho Moniz, Oliveira Salazar (1962) disse: “Se esta atitude tem uma explicação – essa palavra é: Angola”. Dissesse ele “territórios africanos (províncias ultramarinas, no léxico da época)” e estaria a descrever, com meridiana clareza, o leit motif de todos os que se envolveram activamente, doze anos mais tarde, no post-25 A. Uma prova? Assim que ficou assente que a descolonização era uma viagem sem regresso, o PCP mudou de rumo em matéria de política nacional, por reconhecer que não contava, portas adentro, com meios suficientes para aguentar o poder (a deriva esquerdista tinha-lhe feito muitos estragos) - e por não alimentar ilusões sobre a ajuda que, de fora, lhe chegaria. E só então as potências ocidentais terão percebido que as estratégias que se digladiavam em Portugal coincidiam num ponto: a quebra de todos os vínculos entre a “Metrópole” e o “Ultramar”. Para uns, tratava-se da missão principal. Para outros, era apenas o movimento táctico inicial. Para a tendência globalizante, era uma questão de tempo.

 

B) O regime político actual

A estratégia que ganhou vencimento, em Portugal, mal a guerra fria regressou aos seus teatros habituais, alinhava pelo modelo democrático ocidental. Mas só superficialmente. No fundo, era a expressão de grupos políticos que tinham vivido em conjunto, primeiro, a ameaça de aniquilamento (pelo PCP e pelos variados esquerdismos) e, mais tarde, de subjugação (pelo Conselho da Revolução). Não surpreende, pois, que a principal preocupação que todos eles, vencedores, partilhavam fosse, não tanto a pureza de um modelo democrático à l’ anglaise, mas a conservação do poder, ora na mó-de-cima, ora na mó-de-baixo. Basta atentar em dois pontos da Constituição de 1975, mantidos praticamente intactos em todas as sucessivas revisões: o semi-presidencialismo e o processo das candidaturas a deputados.

O semi-presidencialismo era, e é, indispensável para estabelecer um segundo mecanismo de equilíbrio entre os partidos com representação parlamentar – mecanismo este que não dependeria linearmente das composições que o Parlamento fosse tendo. Sob a ideia - bem imaginada, mas falsa - de que assim se consagrava o poder moderador, esteio do princípio da separação de poderes, o que se fazia era assegurar uma divisão (ou repartição) de poderes entre os partidos vencedores que nunca ultrapassasse as conveniências.

Por seu turno, o processo das candidaturas a deputados, centrado e mediado pelos aparelhos partidários, visava assegurar que os partidos vencedores dos dezoito meses de chumbo nunca perderiam representação parlamentar. Dito de outro modo, cairia no deserto quem quisesse intervir activamente na política sem recorrer à boa vontade e aos bons ofícios desses aparelhos que tinham sido expressamente pensados para preencher os cargos públicos.

Tudo seria diferente se o Presidente da República fosse designado pelo Parlamento (parlamentarismo puro) ou fosse eleito, em simultâneo, com os deputados (dando realidade à consigne “Um Presidente. Uma Assembleia. Um Governo”, já em terrenos do presidencialismo). Ou se os deputados fossem eleitos por círculos uninominais, tornando-os assim mais responsáveis perante quem os elegeu (o eleitorado do círculo) do que perante quem os seleccionou (os aparelhos partidários). É claro que a defesa de círculos uninominais esbarra logo no argumento do caciquismo local, tão ao gosto português. Mas, olhando de mais longe, a diferença entre o caciquismo local e o caciquismo instalado nos aparelhos partidários (os célebres “barões”) mal se nota. Talvez o cacique local propenda mais para o caricato. Mas têm a vantagem inexcedível de se sentir malgré tout na obrigação de prestar contas, de “dar cavaco” ao seu eleitorado – enquanto que o “barão do aparelho” não responde senão perante a sua própria capacidade de arregimentação.

 

C) Uma última pergunta fica no ar: o que faz o PCP no concerto dos partidos vencedores do post-25 A, ele que, no plano nacional, mas não na cena internacional, foi o grande vencido?

Ah! Isso é outra conversa!

 

A.Palhinha Machado

 

DE ESCACHA PESSEGUEIRO

 

Na edição de Fevereiro/Março de 2006 publica a “Economia Pura” a páginas 78 e seguintes um artigo de Teodora Cardoso intitulado “A obra de Cavaco Silva, a ciência económica e a política” a que a Direcção da revista deu especial relevo e que me “encheu as medidas” pelas questões abordadas e pela profundidade da análise; já quanto à oportunidade política, tenho qualquer coisa a dizer.

 

Pelo destaque editorial se depreende previamente qual o teor do texto: “A política económica facilmente engendra expedientes de curto prazo para obter resultados e criar uma ilusão de crescimento económico no momento oportuno. Mas tais expedientes instabilizam as economias onde são usados e provocam distorções que agravam o crescimento a médio/longo prazo”.

 

Com este destaque, a revista resume todo o intróito do artigo nos dois primeiros parágrafos intitulados respectivamente “A Economia enquanto Ciência” e “A Economia enquanto instrumento”. A partir daqui, a autora revê a fase anterior a Cavaco Silva, nomeadamente entre 1977 e 1985 em que a AD não sai tão bem tratada como eu gostaria mas em que Ernâni Lopes, esse sim, é elevado a um pedestal importante.

 

Ao entrar na fase de Cavaco Silva como Primeiro Ministro, então a análise inicia-se com o impacto da adesão à então CEE na perspectiva dos factores de curto prazo (“preço do crude caiu para metade”; “abertura do mercado espanhol”; “transferências de fundos da CEE”) como na dos factores estruturais [“políticas profundamente conservadoras em matéria de emprego, burocráticas (…), confusas em matéria de ambiente (…), ineficazes no respeitante à formação profissional (…)”; “apoio às empresas portuguesas em subsídios”; etc].

 

 Daqui passa à evolução das despesas públicas e a (não) reforma da Administração Pública em que faz uma retrospectiva da política relativa às remunerações do funcionalismo público, às carreiras, aos regimes especiais.

 

Finalmente, aborda a questão das implicações para o futuro em que fundamenta as medidas em curso do Governo Sócrates aduzindo inúmeras referências a Val Koromzay, Director da OCDE que em Março de 2004 dissertou sobre a política económica reformista.

 

O artigo conclui com uma frase que me parece lapidar: “É tempo de tanto a esquerda como a direita perceberem que as rendas de Cavaco acabaram e que as reformas agora necessárias já não consistem em aumentos de rendimento sem contrapartidas. Têm, pelo contrário, que começar pelo aumento das contrapartidas, num contexto que assegure a protecção dos mais fracos, mas que não use como capa para ocultar a ambição pelo poder.”

 

Para quem como eu sempre achou que o combate de Cavaco Silva à inflação se fez pelo desbragamento do comércio externo e pelo incentivo das “grandes superfícies” com o maior prejuízo da produção nacional e do comércio tradicional, sem um mínimo de preocupação com a promoção da transparência dos mercados nem com os mecanismos de formação de preços e muito menos com a moderação da despesa pública, este artigo “encheu-me as medidas”.

 

Já quanto à oportunidade política, refiro apenas que Cavaco Silva não tem actualmente acesso constitucional às questões da política económica e financeira e é por isso que me parece que a oportunidade política deste artigo é deontologicamente discutível.

 

Acho que é muito feio “bater nos velhinhos” e daqui sugiro a Teodora Cardoso que nos tempos mais próximos não vá passear para os jardins de Belém nem sequer visitar o Museu dos Coches.

 

Lisboa, 19 de Abril de 2006

 

Henrique Salles da Fonseca

CRÓNICA DE UM DOMINGO DE PÁSCOA

JAFANAPATÃO

 

 

Acabara-se o tempo das luzidas fragatas e quando o último português regressava à pátria lambendo as feridas do Império perdido, sobrevoou a antiga fortaleza de Nossa Senhora dos Milagres no Cabo de Jafanapatão e à sua frente viu o Sol pôr-se em terra por trás de Madurai e Pondicherry.

 

Nesse momento lembrou-se dos outros portugueses que por ali tinham andado vendo aquele belíssimo pôr-do-Sol nos recifes que dão para o estreito que agora se chama de Palk.

 

Hoje, o cabo e a península de Jafanapatão regressaram ao seu nome mais antigo de Jaffna e aquelas gentes já não falam português nem praticam o cristianismo; falam tamil e são um bastião hindu da ortodoxia saivita, adoradores de Shiva, ou são budistas que morrem às mãos dos tigres radicais. Eles, que chegaram a ser totalmente católicos . . . hoje ensanguentam-se como se nada tivessem aprendido com o passado.

 

E como foi possível que tanta coisa mudasse assim tão drasticamente?

 

Conversões em massa ao catolicismo, é bem de ver, à maneira de antigamente. Frei Paulo da Trindade refere que em 1634 havia por ali mais de 70 000 cristãos adultos e as crianças eram muitas mais a receberem a catequese nas 25 Paróquias franciscanas. Nas 17 Paróquias jesuítas andavam os demais fazendo com que Fernão de Queiroz, o grande cronista português do Ceilão, chegasse ao ponto de descrever Jaffna como “totalmente cristã”. Mas o que sucedeu então?

 

Então sucederam muitas coisas nessa terra a que Camões chamou de Taprobana e entretanto muitas outras mais . . .

 

. . . em 1543, os portugueses intervieram pela primeira vez em Jaffna quando o rei local, Sankili, sequestrou alguns mareantes portugueses que por ali haviam naufragado e logo de seguida começou a perseguir os seus súbditos de Mannar, cristãos recentemente convertidos por Francisco Xavier. Pertencentes a uma casta inferior de pescadores, tinham contudo um negócio – o da apanha de pérolas – muito cobiçado pelos comerciantes muçulmanos de Calicute que constantemente lhes roubavam as preciosas capturas. A conversão deu-lhes o estatuto de súbditos portugueses e a esperança da inerente protecção militar. Eis o que fez soar o alarme de Sankili como uma verdadeira ameaça à economia e segurança de Jaffna, com Mannar a servir de testa-de-ponte dos invasores portugueses. Foram 600 os cristãos convertidos chacinados pelas tropas ao serviço de Sankili mas o apelo de retaliação que o Padre Francisco Xavier logo fez só teve resposta em 1558 quando Constantino de Bragança capturou Jaffna obrigando Sankili ao exílio em Trincomali.


Foi já sob a tutela dos portugueses que Sankili regressou ao poder. Contudo, isso ocorreu sem que lhe fosse reconhecida a soberania sobre a região de Mannar nem sobre a navegação e comércio no estreito de Palk, o que significava uma drástica redução nas suas antigas receitas. Imagine-se quem ficou com tais prebendas . . .


Jaffna acentuou deste modo a instabilidade política por que vinha passando e, à semelhança do que era habitual no resto da ilha de Ceilão, os opositores do rei foram sempre pressionando os portugueses – verdadeiros detentores do poder – para verem as suas reivindicações atendidas. E tanto esses opositores fizeram que em 1570 pusemos o nosso protegido Periyapulle no trono. Só que em 1582 o filho de Sankili, Puviraja Pandaram, derrubou Periyapulle e deu de imediato início a uma política anti-portuguesa aliando-se com o Samorim de Calicute e atacando Mannar. Só que esta expedição militar falhou e Mannar manteve-se-nos fiel. Assim fomos aguentando a situação mas em 1591 avançámos sobre Jaffna, derrubámos o rei que tanto nos incomodava e substituímo-lo por um amigo nosso, Edirmanasingham, que reinou até à morte natural em 1617. Mas o seu sucessor foi assassinado e quem subiu ao trono foi Sankili Kumaran que pediu o nosso reconhecimento. À falta de resposta, voltou-se contra nós e em 1619 tivemos que tomar Jaffna passando a assumir a governação sem mais reis, quer fantoches quer inimigos. Entretanto, na dúvida, o rei deposto e toda a família foram deportados para Goa.

 

Filipe de Oliveira, o comandante das tropas portuguesas, classificou os habitantes de Jaffna como “pacíficos e fracos” e um seu oficial de alta patente, Lançarote de Freitas, descreveu-os como “sossegados, calmos e sem experiência militar” pelo que qualquer rebelião só poderia ser consequência da instigação externa. Essas pressões vinham sempre da Índia e, mais concretamente, de Tamil Nadu e de Kerala cujo domínio sobre Jaffna cessara com a nossa chegada à região.

 

Esta conquista abriu as portas às conversões em massa pela prática do baptismo colectivo. Segundo testemunhos da época, a chegada dos missionários às aldeias era anunciada por tan-tans, os aldeões reuniam-se e os missionários “perguntavam” se queriam rejeitar os seus falsos deuses e se queriam aceitar o “único Deus verdadeiro”. Evidentemente, estas cerimónias eram testemunhadas pelas tropas portuguesas . . .

 

E assim foi que por ali ficámos até Junho de 1658 quando os holandeses nos expulsaram sem que opuséssemos resistência. Mais: os portugueses que lá estavam tiveram que ser evacuados pois estavam todos doentes ou já a morrer com as febres que por ali grassavam. Hoje sabemos que era paludismo, razão mais do que suficiente para explicar o característico sossego dos habitantes de Jaffna. Afinal, eles não eram pacíficos nem sossegados nem indolentes: eram doentes.

 

A tradição dos reis de Jaffna de se servirem dos mercenários de Tamil Nadu, terá feito com que estes se habituassem a considerar aquela região como um feudo inalienável: o mercenário transformou-se em patrão, senhor da guerra, a ponto de hoje a guerra civil cingalesa colocar a questão da secessão política da península que se afirma hindu enquanto o resto da ilha se mantém budista. E, afinal, tudo isto por causa dumas febres que assolavam os ditos indolentes . . .

 

Depois dos portugueses, os seguintes a receber a morte pela via das febres foram os holandeses a que se seguiram os ingleses mas é no dialecto português que ainda hoje em Mannar, Trincomali e Batticaloa se diz:

 

«Ave Maria, cheya de gracia
o Sinhor tem contigo
bento es tu anter as mulhers,
e bento tem o froite de tua venter, Jesus.

Sante Maria, mãi de Déos,
rogá per nós pecadors,
agora en ne hora de nosse morti,
Amen.»

 

Afinal, foram aqueles frades que acompanharam os navegadores para lhes tratarem das moléstias que deixaram a palavra, aquela que ainda hoje se pronuncia tanto tempo depois de se ter calado o fragor das batalhas que por tão longínquas paragens travámos.

 

Estes, afinal, alguns dos portugueses que abandonámos por esse mundo fora e que tardamos a resgatar do nosso esquecimento. O ferro das armas fundiu-se; vingou a palavra da Fé.

 

 

Lisboa, 16 de Abril de 2006

 


Henrique Salles da Fonseca

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

v      “Jaffna under the Portuguese”, Prof. Tikiri Abeyasinghe, Departamento de História Moderna da Universidade de Colombo, Sri Lanka, 1986

 

v      http://www.hindustantimes.com/news/7752_1671248,004100180006.htm

 

CRÓNICA DO BRASIL

Francisco Gomes de Amorim

O  BRASIL  VAI  MAL?    A CULPA  É  DO  ELEITOR! 

Grande parafernália vai ser este ano! Uma talvez maioria do povo está tão de saco cheio de políticos, governantes e similares que se tivesse a certeza de que voto nulo os mandaria todos para casa, seria essa a sua opção.

No caso da presidência da República ganhará quem tiver 50% + 1 dos votos. Se no Brasil inteiro, com uns oitenta milhões de eleitores, só dez comparecem às urnas, basta que um dos candidatos tenha 6 votos para ser eleito! É isso aí, seis votos.

Mas o pior é que este ano há que escolher: presidente, vice presidente, governador, vice governador, senador, deputado federal, estadual e distrital, ele, o eleitor, que não acredita mais em ninguém! Tem que escolher oito nomes, que em princípio deveriam merecer a sua confiança, e talvez em 90% dos casos nem faz idéia de quem são, ou já demonstraram que não prestam

Este papo furado que estão a fazer correr pela Internet de que com uma maioria de votos nulos a eleição seria anulada, é pior que pegadinha: é chantagem. Quanto mais votos nulos ou brancos aparecerem mais beneficiados são aqueles que por uma ou outra circunstância têm capacidade de “obrigar” os seus seguidores a votar. Exemplo: os evangélicos! Basta que eles digam que se não votar no seu pastor ou bispo é coisa do demônio, para que a turma saia correndo a votar noutra garotada qualquer.

Ao mesmo tempo, vem-se vendo há quase quatro anos, é óbvio que o governo guardou a “grana” dos investimentos para se reeleger, e vai agora distribuir mais bolsa família, dinheiro ao MST, inauguração de obras, mesmo não iniciadas, etc., para ver se assim os incautos votarão novamente nos mesmos.

O índice de rejeição de QUALQUER candidato, no momento, é enorme. Mas que opções são dadas ao povo para ver se, finalmente, pode começar a sair desta apatia, desta vergonha, desta corrupção e compadrio que transformam um país que podia ser rico em terra de pobres?

Opção difícil, irmão eleitor. Mas você tem que escolher. Não dê o seu voto em branco nem nulo. Escolha aquele que lhe parece menos pior, já que pelo lado melhor você não vai encontrar nenhum! Ou quase.

Informe-se bem. Não vá na conversa daquele que lhe diz que vai pôr água na sua casa, pavimentar o caminho para a sua terra ou arranjar um emprego para a sua prima. Esse só quer o seu voto, não quer o bem do país, do povo, da sociedade.

Todos eles, todos, têm telhados de vidro. Infelizmente não podemos rejeitá-los todos de uma bolada só. Mas é responsabilidade nossa, não só escolher aqueles que pensamos que melhor possam servir o país e não servirem-se a si próprios, mas sobretudo, após as eleições, não os deixarmos fazer o que eles quiserem, mas sim aquilo que o país, o povo quer e precisa.

Temos que exercer plenamente o direito da nossa cidadania. Exigir dos políticos ­que forem lá postos por nós não só o rigoroso cumprimento das suas promessas eleitoreiras, mas sobretudo o cumprimento do seu serviço de SERVIR O PAÍS.

Se fizermos isto já será um bom começo. Ótimo.

 

Rio de Janeiro, 13 de Abril de 2006

Francisco Gomes de Amorim

MODELO DE DESENVOLVIMENTO, PRECISA-SE

 Henrique Salles da Fonseca

 

 

Haverá realmente mais país para além do défice? Eis a polémica questão que há algum tempo o Presidente Sampaio lançou. E, sim, creio que tinha toda a razão para colocar tal questão uma vez que o processo de reequilíbrio das contas públicas tem sido no nosso país objecto das mais variadas imaginações contabilísticas, sempre com o objectivo de fingir que se estava a mudar aquilo que se pretendia manter.

 

Pretendia-se manter a omnipresença da Administração Pública em todos os recantos da vida nacional; pretendia-se manter a Função Pública como o local certo para se ter um vencimento tranquilo; pretendia-se manter o Estado como o grande zelador de todos e cada um dos cidadãos.

 

Assim se agravou a carga fiscal para níveis verdadeiramente asfixiantes da Economia e, por incrível que pareça, ainda vai aparecendo quem advogue que a redução do défice se deve fazer pelo reforço das receitas em vez de o ser pela redução das despesas. Mais: há quem apresente estatísticas mostrando que a carga fiscal portuguesa é menor que nos demais Estados Membro da UE com isso glosando o mote das taxas portuguesas em comparação com as estrangeiras esquecendo o real problema que existe de desvio da concorrência pela via da fiscalidade. Quando em toda a UE – e em especial na Zona Euro – a matéria tributável for calculada por um único método, então colherá discutir taxas. Entretanto, é do conhecimento empírico que a actual carga fiscal portuguesa é asfixiante da actividade económica. E as tais estatísticas só servem para deturpar a realidade que pesa sobre um tecido empresarial maioritariamente débil, sem estrutura tecnológica moderna, gerido “sobre o joelho” e não gerando um valor acrescentado que lhe permita enfrentar a concorrência externa e muito menos o permanente assédio do Fisco.

 

E se tanto se tem pugnado pela formação profissional da mão-de-obra e pelo retorno às vias profissionalizantes no ensino secundário, há que reconhecer que nos temos sistematicamente esquecido da formação do próprio empresariado. Não basta ser empreendedor, é fundamental saber gerir e é precisamente esta vertente que tem sido esquecida. O resultado é o choque geracional com os jovens licenciados a chegarem às empresas e a serem incumbidos de tarefas profissionalmente aviltantes porque “há que começar por baixo, a arrumar prateleiras e a varrer o chão” para se conhecer o negócio. Estas falácias incomodam muito os jovens licenciados mas na verdade só revelam a grande impreparação dos empresários que assim pensam. E é disto que somos servidos e não de outro tipo de empreendedorismo. O famoso “guarda-livros” ainda existe na terminologia empresarial portuguesa e a contabilidade é “uma coisa que só serve para eles nos virem cá buscar mais dinheiro”. E quando se começa a ensaiar uma contabilidade como auxiliar da gestão, logo o empresário tradicional começa a ficar nervoso não vão os empregados passar a saber quanto a empresa ganha ou deixa de ganhar. É também a este tipo de empresariado que a fiscalidade portuguesa se dirige e não esqueçamos que a grande maioria do tecido empresarial português é de pequenas e micro empresas e, muito provavelmente, com este tipo de liderança.

 

O quase extermínio da iniciativa produtiva já não deixa grandes dúvidas de que parece chegado o momento de questionar da irreversibilidade das “conquistas de Abril”. Deverá o Serviço Nacional de Saúde continuar a constituir um insaciável sorvedouro de dinheiros públicos? Não terá chegado o momento de dizer aos professores que deixarão de ser eles a definir a política de educação? Não terá chegado o momento de dizer aos profissionais da Justiça que têm feito um trabalho de eficácia miserável? Continuarão os contratos colectivos de trabalho a fazer sentido?

 

É claro que numa pequena economia aberta como a nossa, as condicionantes internacionais – nomeadamente a globalização para que não estávamos minimamente preparados – têm constituído um sério problema mas convenhamos que o modelo de desenvolvimento em vigor também tem muitas responsabilidades. E se sobre o ciclo económico internacional e sobre a política mundial não podemos actuar de modo decisivo, já a nível interno só a nós, portugueses, compete diagnosticar os problemas e encontrar-lhes as soluções.

 

E, se não, vejamos:

  • A pressão há decénios exercida no sentido da terciarização da nossa economia tem prejudicado muito a capacidade produtiva daí resultando grande debilidade da oferta;
  • Como o modelo de desenvolvimento se tem baseado no estímulo da procura, o desequilíbrio da Balança Comercial assume um carácter perene com grandes reflexos na Balança de Transacções Correntes e mesmo na de Pagamentos;
  • O endividamento externo do sistema bancário assim resultante pode ter reflexos na manutenção em Portugal de importantes centros de decisão.

 Há, portanto, que alterar o modelo e com urgência pôr Portugal a produzir mais e eventualmente a consumir menos.

 

A libertação da economia produtiva tem que se basear em três pilares:

 

v      Redução significativa da carga fiscal

 

É necessária uma substancial redução do número de funcionários públicos – mesmo considerando o exercício dos direitos pensionáveis – sobretudo se se criarem condições para que o tecido empresarial produtivo se sinta motivado para receber esses “dispensados” da Função Pública. Basta referir que as Despesas com Pessoal inscritas no Orçamento de Estado de 2006 representam praticamente 15% do PIB para se compreender que qualquer redução nesta rubrica implica imediatas melhorias no défice e na pressão fiscal sobre o tecido produtivo; o mesmo se diga quanto à pressão inflacionista pela transformação dos “consumidores públicos” em “trabalhadores produtivos”. Depois do congelamento das “promoções automáticas” em finais de 2005, é com agrado que se constata em 2006 a entrada em vigor da política de redução significativa dos efectivos públicos.

 

v      Redução significativa da burocracia

 

Desde os anos 40 do século passado que, com a imposição dos formalismos notariais, a envolvente burocrática da vida empresarial vinha crescendo a um ritmo entorpecedor constituindo nos últimos anos um forte obstáculo à dinâmica económica em geral e à implantação empresarial em particular. É com satisfação que constato a política em curso de anulação de inúmeros requisitos burocráticos e da anulação da obrigatoriedade do fornecimento de informações à Administração Pública sobre a vida das empresas, elementos esses de que ela já dispunha nuns Departamentos e que não disponibilizava aos outros. Calcula-se que sejam cerca de 150 mil as certidões que anualmente as empresas deixam de ter que apresentar no sentido de que nada devem ao Estado e à Segurança Social. O desmantelamento do cerco burocrático é importante para a competitividade geral da nossa Economia sobretudo porque se tornava evidente que a qualidade do negócio jurídico e o relacionamento com o Fisco já não conseguiam ser garantidos com base nos obsoletos processos em vigor.

 

Depois de um estrondoso défice orçamental em 2005, é com políticas de efectiva redução da Despesa Pública Corrente que finalmente se pode começar a acreditar que os défices previstos no Programa de Estabilidade e Crescimento vão ser cumpridos; muito desejo que as realidades se comecem a verificar já no corrente ano.

 

Mas tem que haver um terceiro pilar para que tudo volte a fazer sentido e esse é o da

 

v      Criação de mecanismos que permitam a transparência dos mercados e a clarificação do sistema de formação de preços

 

No que respeita à economia produtiva portuguesa, a criação de mecanismos que permitam a transparência dos mercados é um processo fundamental uma vez que a distribuição do risco não se faz com equidade por todos os operadores envolvidos. A gravidade da questão assume dimensões de fatalidade quando se trata de produtos perecíveis. A agricultura e as pescas portuguesas há muito que deixaram de ter voz activa na formação dos preços de transacção das suas próprias produções e por isso mesmo em quase nada contribuem para a dinâmica económica nacional. Contudo, se pudéssemos contar com um pujante sector primário, o saldo da Balança Comercial registaria “ipso factu” uma grande melhoria com inerentes benefícios para a indústria e para os serviços, a Balança de Pagamentos apresentaria melhores saldos e o risco de manutenção em Portugal de importantes centros de decisão não se faria sentir com a gravidade actual. Mas essa pujança só será possível quando houver uma clarificação no método global de formação dos preços, quando os mercados forem transparentes e sobretudo quando neles se puder transaccionar sobre futuros, única forma de distribuir o risco pelos vários intervenientes no mercado.

 

Tendo os problemas portugueses tudo a ver com a exaustão do modelo de desenvolvimento implementado depois de 1974, a adaptação a um novo modelo está a acirrar a resistência daquelas correntes políticas que implementaram o modelo exaurido. Mais: dado que as alterações necessárias no modelo implicam mudanças muito significativas no que se refere às condições laborais de muitos dos que se encontram a funcionar no âmbito do velho modelo, fácil é de admitir que a inércia seja enorme e a contestação produto de grande consumo.

 

A gratuidade de inúmeros serviços a que o Estado se viu constitucional ou administrativamente obrigado criou um clima de permanente exigência sem qualquer expressiva contrapartida por parte dos beneficiários; a terciarização quase compulsiva da actividade económica nacional provocou uma quebra radical da actividade produtiva; o fomento do consumo pela prática de uma política salarial eleitoralmente calendarizada, levou à degradação da Balança de Transacções Correntes a ponto de colocar problemas de endividamento externo e da manutenção no país de alguns centros de decisão.

 

Fechou-se o ciclo por falência do modelo; procura-se outro modelo que inaugure o novo ciclo.

 

Resta saber se haverá vontade política para voltar a dar força à actividade produtiva em Portugal.

 

Lisboa, Março de 2006

 

Henrique Salles da Fonseca

Publicado na "Economia Pura", edição de Junho/Julho de 2006

Crónica do Brasil

                                                                             
O  FRADE  E  A  PAZ



 

Não é a primeira vez que me insurjo contra declarações que ofendem a simplicidade de um ser pensante! Os declarantes podem ser quem forem que, em ocasiões como esta, calar seria um ato de covardia.

O frei Pilato Pereira lembrou-se de fazer a apologia das mulheres que invadiram uma propriedade florestal em plena produção, destruíram o laboratório de estudo e multiplicação de plantas - eucaliptos - e ainda se vangloriaram de ter praticado um ato cívico. Disseram elas que eucalipto não se come e a terra é para produzir alimentos. Tamanha bestialidade não merece comentários. Pois o frade começou o seu comentário a este ato com o título: Benditas mulheres que ocuparam a Aracruz. Creio que se enganou na sua teologia. Talvez devesse abençoá-las porque não sabem o que fazem!

E insiste o frade: "É impressionante como a sociedade do nosso tempo é incapaz de compreender gestos proféticos de quem luta pela vida."

É evidente que o capuchinho, no seu afã pela luta revolucionária esqueceu as palavras, ia a dizer do seu MESTRE, mas como não parece ser o caso, basta referir que terá esquecido a Oração de São Francisco, que certamente jamais escreveria a mesma coisa a propósito destes descalabros que grassam pelo Brasil.

Sabemos todos que eucalipto só comem os ursos Panda e os Koala, mas o frade deve ter estudado por livros, e estes vêm da celulose e esta dos eucaliptos, como deve utilizar madeira para milhentos fins e que vem também de árvores que as abençoadas mulheres não comem mas destroem, talvez não saiba que os eucaliptos, apesar de oriundos da Austrália, conseguiram ocupar um imenso espaço em todo o mundo pela sua utilidade e que têm um papel primordial no reflorestamento de terras de qualidade inferior, terrenos de encosta, e muitos outros, e que sem eles os frades, e nós, nos arriscaríamos a não ter mais papel para escrever, desenhar, imprimir livros e jornais, etc.

O reflorestar com espécies nativas é difícil e não daria para celulose. Para madeira sim, e haveria que esperar uns cem anos para a utilizar. Os eucaliptos em 4 ou 5 anos estão prontos para corte e, no mínimo as tais mulheres, supõe-se, usam algum papel, talvez só o higiênico!

Reforma agrária não se faz com destruição. Nem com as promessas falsas e hipócritas de governos ineptos e corruptos, muito menos com lideres "a la Stédile" que só sabem invadir terras produtivas, derrubando moradias, destruindo laboratórios de pesquisa, matando gado, muitas vezes reprodutores caros, para não deixarem de comemorar o ato de puro vandalismo, cujo objetivo é destruir, destruir, destruir.

Hoje a agricultura familiar só prevalece na Europa à custa de altos subsídios dos Estados contra os quais o Brasil luta e lutará e vai sempre perder. Nenhum país da Europa se quer sujeitar a não produzir o que come para ficar nas mãos de terceiros.

O Brasil vive um momento de economia relativamente folgada devido em primeiro lugar ao agro-negócio, que exige investimento pesado e tecnologia de primeira linha.

O que pensa o frade Pilato disso? Que destruir o que está feito é um gesto profético? Profetizando o que? O abandono das empresas produtoras e do capital para esse agro negócio que não se pode fazer com a terra totalmente dividida? Que sabe o frade disso? E de teologia?

Senhor,

Fazei de mim um instrumento de vossa paz !
Onde houver ódio, que eu leve o amor,
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão.

e que seja possível perdoar ao frei Pilato porque também parece que não sabe o que diz.

 

Rio de Janeiro, 7 de Abril de 2006

Francisco Gomes de Amorim

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