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A bem da Nação

CURTINHAS - 5


INCÓMODAS INVERDADES
Muito recentemente, Miguel Cadilhe (MC) veio a público dizer de sua justiça sobre o excesso de funcionários públicos e o melhor destino que deveria ser dado ao stock de ouro confiado ao Banco de Portugal (BdP). De caminho, sempre foi insinuando que algum deste ouro tem sido vendido à socapa, para financiar não revelou bem o quê. Verdades incómodas, concluíram muitos. Dislates, afirmo eu.
Vou deixar de lado algumas pequenas evidências, como estas de MC não ser estranho ao descontrolo que se instalou nos quadros (e na política remuneratória) da função pública, ou de não lhe pertencer nenhum mérito, nem sequer pela preservação do stock de ouro que ainda hoje o nosso país possui.
Num artigo velho de meses (“Ai, este deficit que nos desgraça!” - Ago2005), ao abordar o peso do aparelho administrativo do Estado, procurei demonstrar que o problema não tem uma solução expedita. Pôr no olho da rua 200,000 funcionários públicos (e porque diabo um número tão redondinho?) não contribuirá para a redução do deficit orçamental: a despesa apenas muda de rubrica (de “gastos com o pessoal” para “subsídios de desemprego”), mas continuará praticamente intacta, com a consequência perversa de tornar ainda mais difícil o financiamento dos direitos pensionáveis que estes novos desempregados entretanto adquiriram. Antes do excesso (que existe), o problema com a função pública reside no facto de os benefícios que os cidadãos dela colhem serem manifestamente insuficientes face ao que custa mantê-la. O bom senso diria que, primeiro, se equilibrasse benefícios e custos, se eliminassem desperdícios e, só depois, se atacasse o que for demonstradamente supérfluo ou inútil. Por onde há que começar, então, é pelas chefias na Administração Pública, de cima a baixo – e se alguns que exercem hoje tais funções tiverem de passar pelo Fundo do Desemprego, estou certo de que a economia suportará bem tal encargo. Ora MC nada diz sobre isto; melhor, o seu silêncio é revelador de que, ou não se apercebe da génese do problema que o preocupa, ou não quer desagradar aos seus pares. Tal como nada diz, também, sobre o facto de estarem reunidas num mesmo quadro legal (o Estatuto da Função Pública), de forma abusiva e disparatada, funções que coabitam bem com interesses concorrentes (médicos, professores, muitos dos organismos públicos) e funções que devem ser absolutamente preservadas de quaisquer conflitos de interesses (defesa e segurança, representação externa, ordem pública, justiça, regulação e supervisão). Acontece que este é um dos problemas estruturais, específico do deficit orçamental.
Gente mais optimista virá argumentar que menos uns quantos funcionários públicos sempre resultará em menores gastos correntes e em alguns prédios devolutos, logo alienáveis para alívio do deficit. A estes respondo dizendo-lhes que não brinquem com isqueiros junto a bombas de gasolina. A crise da economia portuguesa reclama ajustamentos “macro”, quer na esfera real, quer na esfera nominal. O ajustamento da “economia real” será feito, quase por inteiro, à custa do desemprego. E, se se eliminarem de golpe 200,000 postos de trabalho, a taxa de desemprego potencial será atirada para níveis bem acima dos 12%, com custos sociais impossíveis de escamotear. A esfera nominal, por seu turno, está “por arames”, com o endividamento monetário externo (isto é, junto de Bancos estrangeiros, mas não do BCE) dos Bancos portugueses a atingir níveis que levariam Mr. Greenspan à demissão, se não mesmo ao suicídio; com os Bancos portugueses a serem pressionados para demonstrarem o risco a que se encontrem expostos – não vendo eu como poderão fazê-lo a curto prazo; e com a solidez do nosso sistema bancário assente no mercado imobiliário local. Temo bem que a simples possibilidade de serem lançados no mercado, de um momento para o outro, uns quantos imóveis que se encontram hoje na posse do Estado, desencadeie o esvaziamento da bolha especulativa que o crédito bancário tem vindo a alimentar, lançando os preços das casas numa espiral deflacionista. Acontece que os capitais próprios dos Bancos portugueses, no fecho de 2004, dificilmente aguentariam uma quebra de 10% no valor de mercado (isto é, em mark-to-market) das garantias hipotecárias que confortavam, nessa data, os seus Balanços. Dito de modo mais claro, o sistema bancário português, por força das estratégias adoptadas com geral aplauso nestes últimos dez anos, está totalmente exposto, tanto ao ciclo económico, como ao que for acontecendo em matéria de desemprego.
“Acabe-se com a tortura; afastem-se de vez as pressões sobre o Fundo do Desemprego; use-se o ouro para indemnizar os funcionários públicos dispensados” parece ser esta, em suma, a tese de MC. Não disponho de números sobre o que haveria a despender para conseguir rescisões pacíficas nos contratos de trabalho em causa: suponhamos que, em média, seria da ordem dos € 25,000/funcionário. Se assim for, a medida salvífica que MC defende custará € 5 mil milhões (cerca de USD 6 mil milhões). Como a cotação do ouro, elevada nestas últimas semanas, tem oscilado em torno dos USD 500/onça troy (1 onça troy: 31.10 gr.), estamos a falar de 373 ton. de ouro.
Aqui chegados, importa recordar uma pequena história exemplar: Décadas atrás, um jovem, mas sábio Ministro das Finanças via-se a braços com uma absoluta escassez de divisas para honrar pagamentos ao exterior. Dado a contas, viu quanto lhe faria jeito; viu a cotação do ouro; dividiu uma coisa pela outra; e, hurra! quaisquer 5,000 kg de ouro (0.8% do stock de então) deixá-lo-iam dormir sossegado por uns tempos. Venda-se o ouro, decidiu. Mal tinha acabado de ditar a decisão ao seu Chefe de Gabinete, já a cotação do ouro nos mercados internacionais caía 10%. No final, acabou por ter de vender quase o dobro do que tinha inicialmente calculado, pois só assim poderia afastar, por uns dias, o espectro da ruptura na tesouraria cambial. Alguém tem dúvidas sobre o que aconteceria no mercado do ouro se transpirasse que o Estado português estava vendedor de 373 ton? Ou viver-se-á na ilusão de que as organizações financeiras internacionais, e os principais Bancos Centrais, encaixariam o bluff, aceitando uma transacção particular, “política”?
Mas, pior que isto: o actual stock de ouro não é estranho à complacência com que os Bancos portugueses têm sido tratados nos mercados interbancários europeus. O que aconteceria se esse stock, de um dia para o outro, se visse reduzido a bem pouco? Aguentariam os Bancos portugueses uma redução drástica das suas linhas externas, sem que se desencadeasse uma crise sistémica, à moda da crise chilena (1980), ou da crise asiática (1997/1998)? E a economia portuguesa – sobreviveria à conjugação de grande desemprego e crise bancária?
Enfim, as malfadadas operações sobre o stock de ouro. O exercício orçamental só aproveitará com uma venda de ouro se a operação gerar mais valias e se o BdP distribuir essas mais valias ao accionista Estado sob a forma de dividendos (processo semelhante acontece quando o stock de ouro é objecto de uma revalorização no Balanço do BdP). Outras quaisquer operações seriam consideradas financiamento monetário da dívida pública, que o BCE certamente não deixaria passar.
Quem acompanhe, mesmo de longe, o mercado internacional do ouro sabe que, até há poucas semanas, as cotações “não saíam da cepa torta”. Ou seja, para alcançar pingues mais valias havia que transaccionar, então, enormes volumes – até porque não é de hoje, nem de ontem que o BdP contabiliza o ouro a preços de mercado (a propósito, os lucros extraordinários que resultaram da valorização contabilística do stock de ouro a preços de mercado, episódio velho de anos, souberam muito bem ao Ministro das Finanças da época). Assim, o que afirma MC só terá um módico de fundamento – se tiver – a partir dos finais de 2005.
Concluo: as afirmações bombásticas, mas insensatas, encantam-nos. Vá-se lá saber porquê.

A.PALHINHA MACHADO
Janeiro de 2006

HISTÓRIA DIPLOMÁTICA - 2

O "apaziguamento", segundo Vasco Pulido Valente.

 

Eu gosto de ler Pulido Valente que considero um dos mais lúcidos observadores da política nacional e que muito nos tem ajudado a compreender a sua especificidade fenomenológica. Mas, desta vez Pulido Valente induziu os seus leitores em erro.

 

A propósito da situação criada pela aposta atómica iraniana, VPV discute a pertinência como paralelo histórico da tristemente famosa Conferência de Munique 29 de Setembro 1938, [PUBLICO 21/01/06] e diz : “O apaziguamento tinha uma lógica que o fracasso fez esquecer. O tratado de Versailles impusera à Alemanha uma paz cartaginesa, universalmente condenada e que a própria Inglaterra estava pronta a corrigir. Até certo ponto [difícil de estabelecer], não era extravagante pensar que a reafirmação nacional da Alemanha a pudesse trazer a posições mais moderadas. Só agora sabemos (!) que Hitler queria a guerra desde o princípio, os contemporâneos não sabiam.”

 

A lógica do apaziguamento (appeasement) não pode ter sido, como diz VPV, a vontade britânica de corrigir o erro de tratado de Versalhes e muito menos, como infere, a ingenuidade da diplomacia britânica.

 

Ao tempo de Munique, a Paz “cartaginesa” já estava morta e até enterrada. O seu funeral foi a ocupação militar da Renânia [Março, 1936]. Munique só se explica à luz do entendimento tácito que, por mor da eclosão da Guerra Civil em Espanha [Julho, 1936], se estabeleceu entre as “burguesias” democráticas [e não tão democráticas] ocidentais no sentido de consentir a Hitler mãos livres para neutralizar a URSS de Estaline.

 

Salvo por este entendimento, a mudança de atitude da Grã Bretanha em relação à Guerra Civil espanhola e outros factos então ocorridos no domínio diplomático quedariam falhos de sentido. Nesta matéria, Hitler a ninguém enganou. Aliás, será difícil acusar Hitler de duplicidade, pelo menos neste assunto. Ele declarou no “Mein Kampf” que era seu objectivo atacar a URSS e logo que chegou ao poder passou a preparar o ataque. Para o efeito, celebrou o Pacto com o Japão e a Itália de Mussolini. Internamente, obrigou o povo alemão a passar fome, com a célebre política “mais canhões menos manteiga”. Os contemporâneos estavam cientes destes propósitos e progressos. Uns gostavam, outros não. Em Munique, Chamberlain deixou à disposição de Hitler um milhão de operários e toda a indústria de armamentos checoslovaca [mais avançada ao tempo do que a alemã], elementos indispensáveis para acelerar a montagem da máquina de guerra do III Reich.

 

Factos desta magnitude e natureza não resultam de acasos, falta de informação, ou pura ingenuidade. Temos que admitir que os participantes na Conferência estavam unidos por um sentimento que [mantiveram oculto] inspirado pelo receio causado pelo expansionismo ideológico-territorial soviético. Chamberlain ter-se-á enganado não foi em relação às intenções de Hitler, mas talvez na avaliação da receptividade da opinião pública britânica à belicosidade anti germânica da oratória de Churchill. O erro de avaliação não foi externo [intenções hitlerianas] mas sim interno [o sentimento atlanticista britânico]. Nesta matéria, Churchill foi mais perspicaz.

 

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O hábito de explicar a história diplomática à base da ingenuidade dos estadistas e diplomatas é muito próprio de académicos –- gente sabida –- mas nunca satisfaz os profissionais do ramo. Estes sabem que “ingenuidade dos outros” é exactamente o factor com que nunca devem contar. E isto foi exactamente o que aconteceu. Com efeito, Veiga Simões, então Ministro de Portugal em Berlim já vinha avisando o governo português, desde o Congresso de Nuremberga, de 1937, que “«Quando se forja um exército poderoso sem que um inimigo próximo ou remoto ameace os horizontes e que, para o forjar, se força um povo que ama a mesa em quantidade a dispensar essa quantidade, só se pode ter uma finalidade – a GUERRA, A GUERRA OFENSIVA. Poderão os seus dirigentes clamar meios roucos que o seu propósito é a construção da paz. O que eles pensam construir é o Sacro Império … e, através dele, ocupar pontos estratégicos que sejam canais de matérias prima e de riquezas, mercados que sejam verdadeiras colónias, aliados que sejam verdadeiros servos»”[1].

 

Estou certo que os diplomatas portugueses continuam a manter o espírito crítico e a não confiar na "ingenuidade dos outros".

 

Estoril, Janeiro de 2006

 

Luís Soares de Oliveira.jpg Luís Soares de Oliveira

 

[1] Citado em “Correspondência de um diplomata no III Reich”, compilada por Lina Alves de Almeida; Mar da Palavra, 2005.

A MINHA OPINIÃO JÁ NÃO MORRE SOLTEIRA

Cadilhe defende rescisão com 200 mil funcionários públicos
Pelo menos 200 mil funcionários públicos deveriam ser atraídos por indemnizações atractivas para se reduzir o peso das despesas do Estado, defende Miguel Cadilhe numa entrevista ao programa «Contas de Cabeça», da rádio TSF, em parte antecipada esta sexta-feira.

Se o Governo assume «custos de mudança, porque não ir mais fundo mais extenso nas reformas?», questiona o antigo ministro das Finanças de Cavaco Silva no programa que será transmitido, na íntegra, no próximo domingo.
Referindo-se aos objectivos de redução da despesa, Cadilhe estima «em torno de 200 mil», o número de funcionários públicos que estão a mais na Administração Pública e que, na sua opinião, «têm de ser atraídos pelas rescisões amigáveis».
De acordo com o autor do livro que fala do sobrepeso do Estado, algumas da medidas adoptadas pelo actual Governo coincidem com a sua receita, mas só uma «maior ambição» na redução da despesa corrente primária pode reduzir o peso dos gastos do Estado, actualmente nos 42% do PIB, para níveis em redor dos 30%.
Noutra parte da entrevista, Cadilhe diz que não há qualquer argumento técnico que impeça a venda maciça do ouro do Banco de Portugal para financiar a reforma do Estado. O ex-director da Agência Portuguesa do Investimento (API) questiona-se sobre o destino dado ao produto das operações realizadas pelo Banco de Portugal com o ouro.
Nos últimos quatro anos, segundo as contas do economista, o banco central já colocou no mercado 1/3 das reservas contabilizadas em 2001. «Para quê?», questionou para argumentar que esse dinheiro não serviu para nenhuma reforma de fundo.
27-01-2006
in "DIÁRIO DIGITAL"

HISTÓRIA DIPLOMÁTICA - 1

DIPLOMACIA ECONÓMICA CASO ESTUDO N.º 1 UMA INICIATIVA BEM SUCEDIDA Em 1968, exercia eu o cargo de Cônsul Geral em São Paulo quando, por ocasião de uma passagem por Lisboa, fui convocado ao gabinete do então Secretário de Estado do Comércio, Dr. Valentim Xavier Pintado, o qual me explicou que um dos mais graves gargalos da economia portuguesa do tempo se situava ao nível da distribuição dos produtos agrícolas, campo infestado de intermediários cuja acção tinha por resultado o encarecimento do produto no consumidor e o barateamento do mesmo no produtor. Só via uma solução: a instalação das grandes redes de supermercados. Sabendo que os supermercados do Brasil eram controlados por portugueses radicados em São Paulo, pedia-me que os incitasse a montar redes similares em Portugal. Encontrei imediatamente boa recepção junto de Valentim Santos Diniz, Presidente da cadeia Jumbo-Pão de Açúcar. Porém, seu filho Abílio, enviado a Portugal, concluiu que os hábitos de consumo dos portugueses não eram de molde a vaticinar a viabilidade do empreendimento. O abastecimento caseiro era feito por empregadas domésticas, com instruções específicas. Também encontrara resistência por parte do Presidente de CML, General França Borges, o qual considerava o supermercado uma instituição anti-social, pois era “uma forma de levar as pessoas a comprarem o que não precisam”. A negociação entrou assim num impasse. Não deixei contudo que o assunto ficasse esquecido, mantendo vivo o interesse do Sr. Valentim Santos Diniz com quem conversava frequentemente, graças sobretudo ao facto de frequentarmos o mesmo clube – a Sociedade Hípica de São Paulo. Valentim considerava o projecto sob um ponto de vista emocional – fazer algo por Portugal – mas não queria contrariar o filho. O acaso veio ajudar a desencalhar o assunto. E isto aconteceu quando se deu a visita dos finalistas do ISCEF, entre os quais figurava. João Flores. Embora estudante, Flores geria já um negócio de instalação de balcões frigoríficos. Dispunha por isso de dados reais sobre as práticas e virtualidades do consumidor português, que projectavam um quadro mais animador do que o desenhado inicialmente por Abílio. João Flores e Abílio Santos Diniz entenderam-se rapidamente. Falavam a mesma linguagem. Faltava o espaço físico. O problema resolveu-se durante a visita a São Paulo do Sr. José Manuel de Melo. O Grupo CUF formou uma joint-venture com o grupo Pão de Açúcar e cedeu os armazéns de que dispunha em Alcântara, para instalação da primeira loja. Flores ficou com o quinhão de desempate. Este entendimento nasceu durante uma recepção que ofereci em minha casa aos empresários dos dois grupos e foi ali apadrinhado pelo Governador do Estado de São Paulo, Dr. Roberto de Abreu Sodré, também presente. Xavier Pintado encarregou-se de contornar a resistência do Presidente da CML e a do pequeno comércio. No fim, a CML proporcionou novos arruamentos e alterou o trânsito no local por forma a facilitar cargas e descargas e o acesso do público pagante. O empreendimento foi um êxito, embora os sócios se tenham posteriormente desavindo. [O grupo CUF retirou-se]. Lisboa habituou-se rapidamente a comprar em Alcântara. A visita ao Pão de Açúcar converteu-se em passatempo familiar. Gradualmente, o Jumbo estendeu a sua rede em Portugal e Angola. A economia [e a sociedade] portuguesa conheceu como consequência um grande surto de modernização. O Embaixador Calvet de Magalhães, atento observador da fenomenologia económica, diz, na sua contribuição para o livro “ Depois das Caravelas”, [página 246] que “a instalação do Pão de Açúcar em Lisboa constituiu um começo da concretização da nova política económica luso-brasileira e provocou uma verdadeira revolução no sistema tradicional do consumo de produtos domésticos em Portugal”. Eu diria mais: na mentalidade dos portugueses. Mas Calvet diz bem, pois foi de facto a primeira cousa concreta que saiu de um relacionamento até então votado ao verbalismo. Apenas um pequeno reparo: a génese do fenómeno descrita no livro não traduz a verdade histórica. A AIP e a FIESP nada tiveram a ver com o assunto, nem me parece que sejam entidades que possam tomar iniciativas ou prestar grande cooperação em matéria de atracção do investimento estrangeiro. É matéria que escapa [e até contraria] a sua lógica existencial. No meu entender, a cousa resultou porque 1. Correspondeu a virtualidades – até aí não concretizadas – da economia portuguesa, na fase de desenvolvimento em que sem encontrava; 2. A estratégia foi definida a um nível suficientemente alto para reduzir resistências burocráticas e políticas; 3. Houve acompanhamento por um número suficientemente numeroso e influente de participantes e 4. A intervenção da diplomacia limitou-se aos aspectos subliminares, estabelecimento de contactos potencialmente interessantes, selecção dos participantes, motivação dos mesmos, acompanhamento no âmbito oficial – deixando à iniciativa privada o desenvolvimento do processo. CASO ESTUDO N.º 2 UMA INICIATIVA NÃO TÃO BEM SUCEDIDA Logo que cheguei a Seúl [1988-1991], como embaixador, procurei estabelecer relações com Kang Jin Gu, presidente da Samsung Electronics. Levava uma apresentação do seu amigo Lun Yoo, embaixador coreano em Lisboa. A Samsung é o grupo económico coreano com maior volume de vendas. O Sr. Kang tinha tido uma boa experiência com a instalação em Alcoitão de uma montadora de televisores, um investimento pequeno, na ordem do milhão de dólares, feito no início dos anos 80. Era então considerado, em termos de retorno de capital, o melhor investimento feito pela Samsung no estrangeiro. O Grupo projectava no final da década de 80 estabelecer na Europa uma fábrica de electromecânica, investimento de grande porte que acarretaria transferência de alta tecnologia. Candidatavam-se a anfitriões da nova fábrica vários países e regiões, sendo os principais concorrentes a Irlanda e a Catalunha. Graças ao golfe consegui multiplicar os encontros com o Sr. Kang e ouvir as suas opiniões sobre as potencialidades dos vários destinos alternativos do investimento da Samsung. Na passagem por Seúl, em 1988, o então Ministro do Comércio, Eng.º Ferreira do Amaral, manifestou grande interesse em captar para Portugal este investimento. Proporcionei o encontro entre os dois, após o que, Portugal passou a figurar na lista dos destinos possíveis, contando à partida com a simpatia do Sr. Kang. Porém, Kang encontrou uma forte corrente interna contrária à escolha de Portugal. Fundamentavam-se os opositores na escassez local de técnicos recrutáveis e no maior afastamento em relação aos centros de consumo situados no centro-norte europeu. Além disso, Dublin e Barcelona ofereciam incentivos financeiros e fiscais que Portugal não poderia igualar. Outro aspecto, e talvez o mais importante, era o instinto gregário dos coreanos. Para qualquer empresa coreana, o destino mais favorável para o seu investimento externo é aquele que reúne condições para atrair maior número de outras empresas coreanas, mesmo que concorrentes entre si. A montadora de televisores em Portugal fora uma história de sucesso, sem dúvida, mas uma árvore – sobretudo quando pequena – não faz a floresta. Dava-se a circunstância de Kang ser o único Presidente de uma empresa do grupo Samsung – e logo uma das maiores – que não era membro da família do fundador, Lee Byung Chull. Daqui derivava o seu grande prestígio, mas também a sua vulnerabilidade. Procurei multiplicar os motivos para manter o interesse do Chairman Kang, propondo-lhe alguns exercícios. Kang promoveu a constituição do comité luso-coreano na Federação das Indústrias da Coreia e assumiu a sua presidência. O comité promoveu um seminário sobre investimentos em Portugal, no qual Kang expôs aos seus confrades presidentes de empresas as virtudes e potencialidades do nosso país como ponto fulcral do investimento coreano na Europa. Procurava-se dilatar a visibilidade portuguesa aos olhos dos responsáveis pelo investimento coreano na Europa. O exercício resultou na medida em que o Ministro do Comércio coreano decidiu incluir Portugal na lista dos países onde o investimento coreano poderia beneficiar de créditos bonificados da banca coreana. Entretanto Kang visitou a Europa: em Portugal, foi condecorado pelo Primeiro Ministro. O Prof. Cavaco Silva lembrou a propósito que a Samsung tinha sido a primeira grande empresa que decidira investir em Portugal, quando ninguém acreditava na nossa capacidade económica. As negociações para o estabelecimento da fábrica entraram então numa fase mais concreta. Os incentivos fiscais e financeiros portugueses foram sucessivamente dilatados, até se aproximarem do nível da concorrência. Finalmente, Kang conseguiu ultrapassar as resistências dentro do seu grupo e Portugal foi a escolha. A Samsung Electro-Mecânica Portuguesa foi instalada em Ranholas, [Sintra], onde passou a produzir de raiz componentes electrónicos. Este investimento arrastou posteriormente novo investimento da Samsung, em joint-venture com a Texas Instruments, numa fábrica de microchips, instalada na Maia. Nos anos seguintes, a nossa exportação beneficiou largamente destes dois empreendimentos. Os quadros portugueses também: a gestão intermédia da fábrica de Ranholas foi assumida por portugueses treinados na Coreia. Nenhum destes empreendimentos estava porém fadado para longa vida. O mercado mundial de microchips caiu nos finais da década de 90, o que levou ao encerramento da fábrica da Maia. Pior porém, actos de má gestão financeira – relacionados talvez com a crise cambial asiática dos anos de 97/98 – provocaram a falência da Samsung Electro-Mecânica Portuguesa, que foi encerrada. O abastecimento do mercado europeu deste tipo de produtos passou a ser feito pela Samsung-Hungria. Entretanto, Kang terminou a sua carreira ao serviço da Samsung e foi reformado. O efeito demonstrativo foi negativo. No meu entender o caso apresenta alguns aspectos significantes 1. A estratégia inicial, embora definida ao mais alto nível, foi abandonada quando se deu a mudança de Governo, em 1995. Os novos detentores do poder entendiam que Portugal não reúne condições para atrair IDE e não se interessaram por programas deste tipo. O projecto deixou de ser acarinhado. 2. Falta em Portugal um Código de Investimento que dê um mínimo de garantias, tanto ao investidor nacional como ao estrangeiro. Pior ainda, a lentidão das decisões judiciárias agrava consideravelmente o grau de incerteza e risco próprio do ambiente económico. Em tais condições, o IDE só pode sobreviver quando as autoridades se dispõem a apoiá-lo de forma continuada e empenhada. Tal não aconteceu. Em vez disso, as condições logísticas, laborais e burocráticas portuguesas mantiveram-se rígidas e desfavoráveis ao projecto. 3. A iniciativa não ganhou número suficiente de adeptos. Nasceu e cresceu baseada na vontade de poucos indivíduos. Afastados estes dos seus cargos, a iniciativa não resistiu às vicissitudes do mercado e ao ataque dos que a ela se opunham. 4. Tratava-se talvez de um investimento tecnologicamente muito avançado para a economia portuguesa. No momento em que o gestor estrangeiro saiu, não havia localmente quem fosse capaz de aproveitar as instalações e a tecnologia parcialmente transferida. O avanço tecnológico, tal como a evolução na Natureza, não se faz aos saltos. ESTORIL, JANEIRO DE 2006 Luís Soares de Oliveira

LIDO COM INTERESSE – 3

O Mercador Português, David Liss.jpg

 

O Mercador Português” – (título original ”The Coffee Trader”)

Autor: David Liss (americano)

Editor: SAÍDA DE EMERGÊNCIA

Tradutor: Paulo G. Silva

1ª edição portuguesa: Setembro de 2005

 

Amesterdão, meados do séc. XVII, diáspora dos judeus portugueses na sequência da perseguição inquisitorial. Os cenários principais passam-se na Bolsa e na Sinagoga; o enredo consiste na manipulação dos mercados; a grande novidade em bolsa, o café; os personagens principais são todos judeus portugueses e a maior parte dos diálogos é suposto passar-se em português.

O romanceado pareceu-me menor mas a manipulação dos mercados chamou-me a atenção se bem que devesse ter relido alguns parágrafos para compreender melhor o sentido dessas manipulações; contudo, não reli porque me pareceu que a consistência da teoria não justificava o esforço. Cheguei mesmo a admitir que o tradutor se enganara no sentido especulativo mas a partir de certo momento convenci-me de que o erro era do autor. No entanto, não me pareceu importante esclarecer a questão. Basta que se saiba que naquela época já se negociava em futuros sobre mercadorias, nomeadamente exóticas transportadas para Amesterdão pela holandesa Companhia das Índias Orientais e que os operadores podiam ter realizado todos esses lucros em Lisboa se não tivessem que fugir para aguentarem a pele sem chamusco.

Curiosidade maior, para mim que muito tenho que aprender: a existência duma organização judia chamada Ma’amad que no livro se arrogava o direito de mandar na colónia judia, de punir e até de excomungar os membros rebeldes. É claro que o autor estabeleceu o paralelo entre a Inquisição de que aqueles judeus tinham fugido com o Ma’amad em cujas malhas acabavam por se deixar enredar. Fui verificar à Internet da real existência do Ma’amad e, sim, é verdade e consiste numa organização que funciona nas Sinagogas mais ou menos como no livro.

Para quem possa estar interessado em saber mais sobre o assunto, informo que procurei em http://www.jewishencyclopedia.com/view_page.jsp?artid=3&letter=M&pid=0

Conclusão: lê-se com um interesse relativo

Lisboa, Janeiro de 2006

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Henrique Salles da Fonseca

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