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A bem da Nação

AS CONFERÊNCIAS DE LISBOA – 11


“DEBATE SOBRE A POLÍTICA ENERGÉTICA”


Numa organização conjunta do Forum para a Competitividade e da SEDES, realizou-se esta conferência em 5 de Dezembro no auditório da Ordem dos Engenheiros tendo o MIBEL como tema central.

Os oradores foram Luís Mira Amaral que coordenou os trabalhos na qualidade de Presidente do Forum para a Competitividade, Manuel Ferreira de Oliveira, Demétrio Alves, António Galvão Lucas e Henrique Neto.

Eram três os temas que interessavam a assistência:

 A política energética portuguesa
 O MIBEL
 A arquitectura empresarial portuguesa no sector energético

Sendo o painel de oradores constituído por personalidades de algum modo afectos aos vários Partidos com assento parlamentar e fundamentalmente conhecedoras dos temas nas três perspectivas enunciadas – técnica, estratégica e económica – fácil seria à plateia obter um amplo leque de argumentos com vista à criação de opinião própria.

Mira Amaral dissertou sobre a “Situação do Sector Energético em Portugal” e da sua intervenção realço passos que chamaram a minha atenção: - A saída da PETROCONTROL do capital da GALP e a entrada da ENI colocam questões de legalidade que só agora, passados vários anos e vários Governos, estão a ser mediatizados quando o deviam ter sido logo na altura em que as operações se realizaram; - Quanto à junção da GDP à EDP, a Comissão Europeia (cujo Presidente actual era o Primeiro Ministro português que desencadeou o processo) vem a reprovar a operação ao mesmo tempo que deixa passar caso semelhante em Espanha; - O MIBEL só fará sentido se enquadrado numa integração mais vasta pela ultrapassagem dos Pirinéus pois, caso contrário, ficaremos completamente nas mãos dos espanhóis; - A nossa dependência do petróleo tem que ser reduzida e isso só tem praticamente a ver com o consumo automóvel em que não entram as outras fontes energéticas; - A energia nuclear não pode mais constituir o tabu que os ecologistas lhe atribuíram e tem que ser discutida; - A GALP deve investir mais na exploração petrolífera e alargar substancialmente a rede de distribuição antes de divergir para outras energias.

De Ferreira de Oliveira, que intitulou a sua intervenção de “O petróleo e o gás no contexto da política energética portuguesa”, retive afirmações que me pareceram muito significativas como por exemplo, logo de início, a nossa dependência relativamente ao petróleo e ao gás em cerca de 70% do consumo energético nacional. Achei curiosa a afirmação de que desde há 30 anos que as reservas de petróleo se diz serem suficientes para o consumo mundial durante os 40 anos seguintes. Portanto, se há 30 anos somássemos os actuais 40 de perspectiva, teríamos naquela época um horizonte de 70 anos. O orador referiu os progressos técnicos e tecnológicos como a razão deste prolongamento mas a mim cheira-me sobretudo a especulação com vista à manipulação da opinião pública mundial. Gostei da afirmação que proferiu no sentido de que a energia define a nação mas eu diria de um modo diferente pois acho que a independência energética é essencial para a definição da soberania nacional. Quanto à manutenção dos níveis de reservas petrolíferas mundialmente contabilizadas pelas empresas do sector, isso significa apenas que essas empresas não acreditam na manutenção da actual cotação do barril nos US$ 60 pois que se acreditassem já teriam trazido muito mais reservas para os respectivos activos. Perspectiva-se deste modo alguma redução nos actuais preços, claramente especulativos. Quanto à GALP, preconiza que, em paralelo com a actual política de reforço das reservas, se caminhe no sentido da maior complexidade das refinarias a fim de se obterem produções mais sofisticadas e, consequentemente, mais valor acrescentado.

A Demétrio Alves cabia dissertar sobre as “Opções políticas no Sector Energético” mas resumiu sobretudo as matérias que vêm gerando grande consenso a nível nacional nesta questão da energia. Das suas afirmações retive sobretudo duas questões que considero relevantes:

1. Porque é que Portugal continua num processo de intensificação energética da sua Economia quando todos os outros países estão a fazer o contrário?
2. Para extrair dois barris de petróleo consome-se um.

Fiquei a pensar nestas duas questões. Relativamente à primeira, temo que os actuais preços, não convidando ao esbanjamento, revelem no nosso tecido produtivo alguma falta de tecnologia que permita poupanças energéticas; relativamente à segunda, julgo que o consumo de um barril para se extraírem dois não passa de uma referência à tecnologia da antiga União Soviética, ou seja, uma produtividade ridícula e escandalosamente baixa.

António Galvão Lucas falou das “Causas e Consequências do MIBEL”. Relatou sucintamente o que se passou na última Cimeira Ibérica realizada em Évora e considerou vantajoso avançar com o MIBEL em vez de voltar tudo para trás pois actualmente está-se numa situação que não é carne nem peixe. Ou seja, não há um verdadeiro mercado ibérico de electricidade a funcionar com preços transparentes e as ligações entre os dois países já existem mas são insuficientes. Na sua opinião, haveria que aumentar o número de ligações entre as duas redes e definir preços.

Henrique Neto dissertou sobre “Os avanços e recuos da política energética” e considerou que não há razões de verdadeiro interesse nacional que justifiquem o avanço do MIBEL nem tão pouco a presença dos italianos da ENI na GALP.

Seguiu-se um largo período de perguntas e respostas do qual retenho:

 A referência de que Portugal é o país europeu com maior potencialidade de crescimento da produção de electricidade por via hídrica
 A tónica que mais se evidenciou foi a de uma enorme desconfiança das boas intenções espanholas ao ponto de, quando alguém referiu que o MIBEL poderia eventualmente ser vantajoso para Portugal, se terem levantado dúvidas sobre se então os espanhóis deixariam que o MIBEL avançasse, apesar dos esforços daqueles que, do lado de cá da fronteira e de quem foram citados os nomes, muito têm feito para lhes entregarem o nosso sector energético.

Eis as minhas conclusões sobre o que nesta conferência se disse:

1. O MIBEL só fará sentido se integrado numa rede que ultrapasse os Pirinéus
2. Não à ENI ou quaisquer outros estrangeiros na GALP
3. Fim do tabu posto à questão nuclear
4. Fim do tabu posto a Foz Côa

Lisboa, 7 de Dezembro de 2005

Henrique Salles da Fonseca

CURTINHAS SOBRE A NOSSA ECONOMIA - 2

CURTINHAS II....

Miguel Magalhães, leitor atento, pergunta-me com perspicácia, onde pretendia eu chegar com a minha primeira “Curtinhas...” Na verdade, pretendia chegar a vários sítios: desde logo a um local que me abrigasse dos críticos que me acusam de eu escrever a metro; depois, ao fundo do problema português.
Quem sonha com bens que não produz, produzindo, em contrapartida, coisas que os outros pouco apreciam (hoje diz-se, de escasso valor), em circunstâncias normais, fica-se pelo sonho, porque não terá dinheiro para mais – ou, então, empreende uma promissora carreira como “amigo do alheio”. Entre nós, porém, os sonhos têm estado ao alcance da mão e do cartão de crédito e de todas as variantes do crédito ao consumo – tantos, à vez, a esgatanharem-se para financiar os nossos sonhos. Só isto nos tem permitido sonhar, comprar – e ir seguindo empregados. Até ao dia em que as dívidas tenham de ser pagas – e o desemprego disparar. Perigosíssima conjunção, no desfecho de uma longa série de circunstâncias anormais.
Quem quer ganhar bem, trabalha bem, produz melhor – caso contrário, se as circunstâncias forem normais, só encontrará produtos caros para comprar ou, pior do que isso, não encontrará comprador para os seus produtos (os outros também gostam de pechinchas), não terá dinheiro nem para comprar barato – e acabará no desemprego. Para comprar aos outros mais do que aquilo que eles nos compram a nós, alguém terá de entrar com a diferença – no caso, financiando os deficits da Balança de Transacções Correntes. É o que os Bancos têm feito alegremente, desde 1998. Mas, como a capacidade de endividamento dos Bancos (igual a qualquer outra empresa) é função dos seus capitais próprios, e como, para os Bancos, a capacidade de captação de fundos no mercado de capitais depende também do risco a que eles próprios se encontram expostos – tudo tem um limite. No caso, Bancos fortemente endividados, com dívidas de prazo muito curto (no mercado interbancário internacional), expostos a riscos positivamente correlacionados com o ciclo económico (perdoe-se-me o calão) e garantidos por bens não transaccionáveis (imóveis) - as perspectivas não são risonhas. A isto nos conduziram outras mais circunstâncias nada normais.
Foi o crédito bancário promovido com agressividade – e, sobretudo, o destino que lhe foi dado – que tornou possível que prolongássemos por tanto tempo um desequilíbrio externo que não pára de crescer (atenção, o crédito bancário, em concreto, amorteceu temporariamente o desequilíbrio interno). Aqui, como na praia, a banhos, o problema é ir mar adentro, longe de mais, e perder o pé.
Olhando em volta, o que se vê? Uma turba de pelintras que só quer imitar o fidalgote de província: viver de rendas e com regras feitas só para ele. O mundo já não é assim. Mudou. É hoje um imenso mercado, com regras universais muito estritas, onde para sobreviver é necessário ter algo para oferecer e que outros estejam na livre disposição de comprar. Mas nós continuamos personagens do Júlio Dinis.
Repare-se como no sector público e no sector cinzento (sector privado que mais parece público pelos hábitos em que caiu): àquele que deixou de estar, os que estão apontam logo um lugar acolá, para que não lhe falte, nem o sustento, nem as benesses a que qualquer “fat cat” se sente com direito. E nunca há ninguém que lhe pergunte, uma vez por outra, o que fez para que os seus gastos pudessem ser pagos. Em resumo. O problema é o dinheiro (excessiva criação de moeda através do crédito bancário), o endividamento (excessivo, sobretudo, o dos Bancos aos seus congéneres, algures, no exterior) - a falta de rigor na governação das organizações, que se perpetua porque a ninguém são exigidas responsabilidades de forma consequente (a supervisão pelo método “só nós dois é que sabemos”, à Tony de Matos, é pior que ineficaz - é nefasta).
Soa a anarquista? Soa a comunista? Soa a esquerdista? Engano. Trata-se do mais puro modelo de mercado, que se alicerça em realidades muito simples: (boa) governação, (consequente) prestação de contas e restrições nominais equilibradas.

A.PALHINHA MACHADO

As conferências de Lisboa - 10

RELATÓRIO DE 2005 DA COMPETITIVIDADE DA ECONOMIA PORTUGUESA


Sob a égide conjunta da AEP, da AIP e da CIP, foi apresentado no passado dia 26 de Outubro o Relatório de 2005 da Carta Magna da Competitividade o qual pode ser consultado em www.forumcmc.iweb.pt

Com a finalidade de identificar objectivos para que Portugal possa, no prazo de 10 anos, pertencer ao grupo mais competitivo dos Estados Membro da UE, o relatório apresenta algumas dezenas de indicadores cuja evolução vem medindo desde 2003 que se baseiam em informação quantitativa credível e não contemplando quaisquer resultados das chamadas sondagens de opinião.

Como se pode verificar pela consulta das várias dezenas de indicadores, houve progressos e retrocessos e se, positivamente, figuramos em primeiro lugar na produção energética a partir de fontes renováveis, também somos o país europeu com maior taxa de abandono escolar precoce.

Indicador: Abandono Escolar Precoce
Definição: Relação entre a população no escalão etário 18-24 anos com não mais que o 1º ciclo do ensino secundário (9ºano) que abandonou o sistema de ensino ou de formação, e a população total do mesmo grupo etário.
Enquadramento: Portugal regista sistematicamente desde há vários anos a mais elevada taxa de abandono escolar precoce (39.4% em 2004) entre os países considerados, seguida da Espanha e Itália. No conjunto da UE 25, apenas Malta regista uma taxa superior a Portugal. O abandono escolar precoce em Portugal é mais significativo entre os rapazes (47.9% em 2004) que entre as raparigas (30.6%). Entre os países com mais altas taxas de abandono escolar, ao longo da última década, Portugal foi o que registou menor recuperação do indicador, embora nos últimos 3 anos tenham sido feitos progressos significativos (-5.7 p.p. entre 2002 e 2004). Trata-se de uma situação grave, nomeadamente em termos de futuro, na medida em que põe em causa a melhoria dos níveis de educação da população adulta.
Objectivos:Até 2010 reduzir significativamente a percentagem de jovens que abandonaram o sistema de ensino neste escalão etário, uma vez que é díficil atingir a meta de 10% fixada pela Comissão Europeia para aquele ano. Neste sentido será importante o desenvolvimento de acções que melhorem a qualidade do ensino, a atractividade da escola e uma adequada articulação entre os sistemas de educação e de formação, nomeadamente da formação profissional para jovens.


Indicador: Electricidade produzida a partir de Fontes de Energia Renováveis
Definição:Peso da electricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis (FER) no consumo bruto nacional de electricidade. As fontes de energia renováveis consideradas respeitam a energia eólica, solar, geotérmica, hidráulica, de biomassa e de gases dos aterros e das instalações de tratamento de lixos.
Enquadramento: Em 2003, o consumo de electricidade em Portugal assegurado por produção a partir de FER atingiu os 36.4% (valor próximo da meta de 39% estabelecida para 2010), sendo dos países da UE 25 considerados, o que melhor desempenho teve face a 2002. A melhoria registada justifica-se sobretudo pelo contributo da componente hidríca. No mesmo período, o consumo de electricidade proveniente de fontes renováveis representava 12.8% do total na UE 25 e 13.7% na UE 15. A distância face às metas para 2010 é de -8.3 p.p. para a UE 25 e de -8.2 p.p. para a UE 15.
Objectivos: Assegurar que 39% da electricidade consumida em Portugal em 2010 seja de origem renovável conforme assumido na Directiva 2001/77/CE de 27 de Setembro, contribuindo quer para uma menor dependência do petróleo quer para o necessário esforço de redução de gases com efeito de estufa estabelecido no Plano Nacional para as Alterações Climáticas.



No seguimento da apresentação do relatório, foram proferidos comentários da maior oportunidade de que há a destacar o relacionamento com o Fisco, questão enfaticamente referida pelo Presidente da CIP, Francisco van Zeller, citando que as empresas pagam os impostos no momento em que o Estado os exige mas que desesperam pela devolução do IVA relativo às exportações; Pedro Sena da Silva, Vice-Presidente da CIP, referiu o crescimento de 6% das exportações como variável determinante para o crescimento económico, conforme os cenários macroeconómicos que fundamentam o Orçamento do Estado para 2006; a valorização sistemática dos recursos humanos, a cultura de qualidade, a internacionalização e o desenvolvimento do ensino da matemática e das ciências foram os objectivos que José Manuel Fernandes, Presidente da Mesa da Assembleia Geral da CIP, apontou como fundamentais para que Portugal passe a ser um país realmente desenvolvido.

Entretanto, foi considerado necessário reduzir a dependência petrolífera nacional e, para que isso possa ocorrer com razoabilidade, torna-se necessário desbloquear o licenciamento dos projectos que tomam por base as fontes alternativas de energia e considerar seriamente a hipótese nuclear.

De um modo geral, foi considerado necessário reequilibrar as contas públicas mas que isso se faça pela redução da despesa e não à custa do agravamento da carga fiscal.

Inédito e do mais elevado significado, o facto de a apresentação ter sido feita na Assembleia da República sob a presidência do Dr. Jaime Gama, segunda figura da hierarquia nacional. Sala cheia de personalidades do Estado e da sociedade civil com encerramento presidido pelo Primeiro Ministro.

Se a competitividade da Economia Portuguesa ainda não figura como um objectivo constitucional, deu-se este ano um passo muito importante no sentido da responsabilização política de toda a República na prossecução de políticas conformes à defesa dos interesses económicos de Portugal no seio da globalização. A compatibilização das políticas sectoriais com o objectivo global da competitividade da nossa Economia passou, com este formalismo, a ser imperiosa.


Lisboa, 26 de Outubro de 2005

Henrique Salles da Fonseca

Publicado na edição de Novembro de 2005 da revista “Indústria”, da CIP – Confederação da Indústria Portuguesa

PEDIDO DE PACIÊNCIA

Eu peço aos leitores habituais do "A bem da Nação" que tenham paciência para alguns comentários ininteligíveis que vêm aparecendo.
Procurarei apagá-los tão rapidamente quanto os detecte e aproveito para sugerir ao autor que se abstenha de nos incomodar com excentricidades. Se necessário, optarei por só permitir comentários cujo conteúdo eu aprove, o que não deixará de ser lastimável para a transparência dos diálogos que vimos desenvolvendo com tanto interesse e elevação.

Lisboa, 4 de Dezembro de 2005

Henrique Salles da Fonseca

GATO ESCONDIDO...


Timidamente, pé ante pé, como quem não quer a coisa, vêm surgindo notícias (deixadas cair com precisão cirúrgica aqui e ali) sobre a possibilidade de alguns Bancos portugueses transferirem os seus Fundos de Pensões para o Regime Geral da Segurança Social. Ainda não há um ano, porém, uma operação em tudo idêntica (a transferência de parte do Fundo de Pensões da CGD para a Caixa Nacional de Pensões) deu azo a choros e a ranger de dentes. Agora, os sindicatos bancários fecham-se num surpreendente silêncio, quebrado a espaços por judiciosas declarações do tipo: “Humm! Não é coisa que se faça de ânimo leve...”
Para compreendermos bem o que se está a passar há que recuar ao tempo em que quase todos os Bancos portugueses (é deles que aqui trato), num alarde de solidez, garantiam aos seus empregados que continuariam a pagar-lhes na reforma, todos os meses, uma remuneração base idêntica àquela que eles teriam se estivessem ainda no activo (o chamado salário na reforma). E faziam-no no convencimento de que os lucros futuros permitiriam acomodar sem dificuldade encargos que nem sequer se davam ao trabalho de estimar por alto. Sempre tinha sido assim – com a excepção do Banco Totta & Açores que, pelo facto de pertencer a um grupo económico (a CUF) com uma Caixa de Previdência própria, para aí transferia todas as suas responsabilidades pensionáveis (vários Bancos de criação mais recente, mas de menor dimensão, iniciaram as suas actividades desde logo ao abrigo do Regime Geral; e para o que aqui importa, as sucursais de Bancos estrangeiros não contam).
Temos assim que na Banca portuguesa (com as excepções que assinalei), em matéria de pensões (de invalidez, de reforma e de sobrevivência), prevalece, há muito, o modelo do benefício definido sem contribuição (ou com contribuições apenas simbólicas) dos beneficiários. Algures na década de ’90, contudo, as exigências do Sistema Monetário Europeu (a que, entretanto, Portugal tinha aderido), e as regras prudenciais que emanavam do Comité de Basileia (Acordo de 1988), obrigaram os Bancos portugueses: primeiro, a medir com maior cuidado as suas responsabilidades pensionáveis; mais tarde, a criar patrimónios autónomos (Fundos de Pensões) por onde, chegado o tempo, essas pensões seriam pagas. O propósito de tudo isto era conferir maior transparência à situação financeira dos Bancos e reforçar o sistema financeiro nacional. Assim seria: se esses Fundos de Pensões fossem, desde logo, dotados com capitais suficientes, em linha com as Responsabilidades por Serviços Passados (RSP) que estavam a assumir; se as futuras contribuições cobrissem, de facto, os acréscimos que as responsabilidades pensionáveis, ano após ano, fossem registando; e, não menos importante, se a realidade se aproximasse das bases actuariais que são correntemente utilizadas no cálculo do capital mínimo exigível.
Mas não foi. Com a complacência da Autoridade de Regulação: permitiu-se que a contribuição inicial dos Bancos para os seus Fundos de Pensões fosse inferior (nuns mais, noutros menos) às RSP que eles estavam a transferir; permitiu-se que o equilíbrio financeiro desses Fundos de Pensões fosse atingido só ao fim de largos anos, seguindo uma trajectória de capitalização particularmente modesta; permitiu-se que a contribuição inicial fosse amortizada (isto é, deduzida aos resultados de exercício) também em suaves prestações ao longo de muitos anos (uma vez que, até então, alguns Bancos nunca haviam reconhecido contabilisticamente as RSP que os oneravam); permitiu-se que eventuais situações de subcapitalização destes Fundos de Pensões, relativamente à referida trajectória para o equilíbrio financeiro, não fossem corrigidas em fecho do exercício, nem, ao menos, levadas a resultados, mas arrumadas numa subconta de flutuação de valores, perdida algures no poço sem fundo que são as rubricas residuais do Plano de Contas para o Sector Bancário (Outros Credores, etc.); permitiu-se que os Bancos não divulgassem com meridiana clareza o estado das respectivas responsabilidades pensionáveis (uns têm-no feito, outros nem tanto); permitiu-se que o relato financeiro não fosse comparável de ano para ano (uma vez mais, também aqui há casos e casos); enfim, permitiu-se que, em muitos Bancos, o nível das RSP e o modo como se encontravam cobertas continuassem a ser segredos bem guardados. Em suma, adiou-se e escondeu-se – na esperança vá-se lá saber de quê.
Não é de estranhar, portanto, que tanta complacência redundasse no que redundou: se vários Bancos não viram já os seus capitais próprios corroídos por responsabilidades pensionáveis, foi apenas porque não as explicitaram fielmente – o que tira o sono a muito boa gente, como se compreende. E é natural que quem esteja, hoje, a entrar na casa dos 50 anos – perante a perspectiva de, algures no futuro, nem Fundos de Pensões, nem Bancos (estes, afinal, solidários no pagamento das responsabilidades pensionáveis) terem por onde pagar a totalidade das pensões entretanto convencionadas – queira assegurar, o mais rapidamente possível e, se necessário, por outros meios, o seu salário na reforma. Acontece que o equilíbrio financeiro dos modelos de benefício definido (e, em particular, daqueles particularmente generosos, como é o que prevalece no sector bancário) só pode ser mantido quando exista quem esteja em condições de suprir, a qualquer momento e em quaisquer circunstâncias, os fundos que faltem, por maiores que estes sejam. Onde procurar, então, um tal conforto se não no OGE – o que é dizer, no bolso dos contribuintes? É justamente isso que Bancos e sindicatos bancários pretendem com a transferência das responsabilidades pensionáveis (e dos activos que compõem os seus Fundos de Pensões) de uns, e dos benefícios de outros, para o Regime Geral.
A integração destes Fundos de Pensões no Regime Geral, se não tiver em linha de conta, quer as actuais insuficiências de capitalização, quer as regras para a cobertura das Responsabilidades por Serviços Futuros (RSF – ou seja, o contínuo acréscimo das responsabilidades pensionáveis), será uma maneira hábil de fazer pagar uns (os contribuintes, sempre eles) aquilo que outros (os Bancos) devem, e que outros ainda (os pensionistas, actuais e futuros) exigem receber. Além de servir para reabilitar gestões que têm vindo a emplumar-se abusivamente com lucros mal apurados.
Mas se a coisa for feita como deve ser, com os Bancos ainda e sempre responsabilizados pelas insuficiências de capital existentes à data da efectivação do negócio (e, já agora, se não for pedir muito, pela qualidade dos activos que transferem), assistir-se-á a uma verdadeira re-estatização de vários Bancos (não todos) – e, em muitos deles, à súbita degradação dos seus rácios prudenciais. Porque a solução mais óbvia seria que o IGFSS convertesse esses créditos em capital, evitando assim fragilizar ainda mais o sistema bancário português – e fosse vendendo no mercado, paulatinamente, as acções que adquirira. Enfim, um novo 11/03/1975.
Muito diferente é o impacto desta operação nas contas do Estado: se for concebida como uma transacção de activos que passam dos Fundos de Pensões (e ainda de alguns Bancos) para a carteira do IGFSS, e se essa transacção tiver lugar a preços de mercado (e não às valorizações contabilísticas actuais), será neutral face aos passivos (as RSP) igualmente transmitidos - ou seja, em termos esperados, daí não resultará nem ganho nem prejuízo para os contribuintes futuros (transacção de soma nula); se, no entanto, o preço da transacção for superior ao preço de mercado, já serão os contribuintes futuros a ter de cobrir a menos-valia, mais cedo ou mais tarde; se, por fim, à la Bagão Félix, os activos transferidos forem equiparados a receita (semelhante ao prémio que uma seguradora cobra), então, o IGFSS assumiria a plenitude das RSP sem contrapartida – e não custa imaginar quem irá ser chamado para tapar o buraco.
Tudo visto, ainda persistem três questões: a primeira, sobre possíveis diferenças entre as bases actuariais que os Bancos, por um lado, e o Regime Geral, por outro, perfilham; a segunda, em torno das regras para calcular as futuras contribuições de empregadores (Bancos) e empregados (funcionários bancários), agora no âmbito do Regime Geral (uma vez que os benefícios que este e aqueles definem não são exactamente coincidentes); uma terceira, a mais importante, sobre a fragilidade do próprio modelo de benefício definido, o qual, se pretender ir mais além de um patamar de rendimento familiar (como é o caso), terá de conviver sempre com a sombra da sua própria falência. E é aqui, justamente, que entramos nós todos com os nossos impostos.
Poder-se-á argumentar, com razão, que na origem deste intrincado imbróglio esteve o excessivo aumento dos custos com o pessoal, logo das responsabilidades pensionáveis (fosse através do empolamento dos quadros de pessoal; fosse porque a remuneração total per capita disparou), que a Banca conheceu até há bem pouco. Mas o fundo da questão é bem outro: o facto de a Autoridade de Regulação ter permitido que a ficção de um modelo de benefício definido chegasse aos dias de hoje, intacta (quando deveria ter sido desfeita logo nos idos de ’90, o mais tardar), e se ter revelado complacente para lá do razoável.

A.PALHINHA MACHADO

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