Diz-se que de Espanha . . .

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Fauno, rei do Lácio, filho de Pico e neto de Saturno a quem estabeleceu culto público, elevou a mulher - Fauna - e o pai à honra dos altares privados acabando ele também por ver os romanos reconhecerem-lhe atributos divinos e prestarem-lhe culto oficial. Ficou na mitologia romana como divindade campestre assobiando em conjunto com centenas de melros a melodia que nos campos ouvimos das flautas mágicas em protecção da fecundidade dos rebanhos.
Também nós elevamos à honra dos altares quem faz dúbia doutrina.
Ávido de pureza na doutrina da Fé, D. João III trouxe para o Reino a Santa Inquisição; ávido de dobras e dobrões, concedeu as Mesas de Despacho nos portos e nas praias instalou as Lotas. A Santa Inquisição de tão triste memória existiu até 1821, as Mesas de Despacho ainda funcionam mas apenas para a cobrança de direitos sobre mercadorias oriundas de países terceiros e as Lotas devem estar na fase em que Sua Alteza fundadora as concebeu.
Se a Inquisição se preocupou em assar quem ousava pensar, já as Mesas de Despacho se revelaram até à adesão à CEE como uma das mais importantes fontes de receita do Estado e o Imposto sobre o Pescado actualmente cobrado é capaz de ser inferior ao custo de funcionamento das Lotas (1). Leilão decrescente, contém uma essência deflacionária que facilmente pode trazer o preço para baixo do custo da captura. Basta que alguém “encalhe” num cardume de certa espécie para que o valor em lota se precipite das alturas. Nunca um ecologista pensara tão sublimemente para desincentivar as sobrecapturas. O próprio Estado sai prejudicado com o método pois reduz o valor global das transacções e, concomitantemente, o Imposto cobrado. Certeira pontaria no “Tiro ao Pé”.
Ainda agora comecei e já detectei que o Estado é prejudicado com o método de fixação dos preços. Uma vez que a génese da Lota é a cobrança do Imposto, então ela deixa de fazer qualquer sentido quando funciona com base num método que produz os efeitos contrários ao desejado. Não vou ao ponto de pugnar pelo fim das Lotas; preconizo, isso sim, a alteração do método. E desde já sugiro que se deixem de excentricidades e alinhem pelo método do leilão comum, de baixo para cima que, esse sim, é congruente com a Lei da Procura e da Oferta.
É nessa lógica que se define o nível mínimo de preços a partir do qual a Oferta se disponibiliza a oferecer o produto mas, sobretudo, o nível máximo que a Procura está disponível para pagar pelo produto. A inversão dos termos de negociação faz com que a Oferta comece por embandeirar em arco num nível decretado sem método e vá esmorecendo à medida que o pregoeiro vai cantando até se ver vencido por um “chui” propositadamente tardio da Procura. Trata-se de um método que só beneficia a Procura, neste caso o Comércio e prejudica a Oferta, neste caso a Pesca.
E o mais curioso é que “na praça” o peixe fresco é mais caro que os outros alimentos não transpondo para o consumidor o esmagamento dos preços em Lota.
Prejudicados com o sistema: o Estado, as Pescas, os Consumidores. Beneficiados com o sistema: o Comércio.
Portanto, não podemos reconhecer transparência a um mercado cujos preços se formam com base num método claramente errado e tendencioso a favor de uma das partes envolvidas. Mas como cada Lota funciona isolada das outras, isso traduz-se pela existência de inúmeros mercados locais e pela inexistência de um mercado global, mesmo que apenas a nível nacional. Mais: se as descargas se limitam ao porto de amarração de cada barco, então é que o sistema se autolimita ainda mais (2). Bastaria alterar o método do leilão para que cada lota passasse a ter congruência de mercado e bastaria que os preços passassem a ser transmitidos por Internet para que cada barco decidisse onde aportaria.
Senhor Ministros das Pescas, aqui lhe deixo as sugestões pelas quais nada cobro. Mas permita-me um desabafo: como é que tanta gente anda por certos cargos há tantos anos e insiste em não ver o evidente? Será para protecção dos lobos? Os faunos esperam que se faça justiça.
Tavira, Agosto de 2005
(1) – Refiro-me apenas à componente fiscal das cobranças em lota sobre o peixe fresco, por exemplo na “Docapesca” e não aos bens e serviços facturados tais como gelo, caixas, etc.
(2) - Dizem-me que se estão a instalar “placards” electrónicos para anúncio dos preços fixados. Para quê? Para dar publicidade à opacidade do mercado ou para esbanjar dinheiro em equipamentos de função inútil?
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