O que é música portuguesa?

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Há em Genève uma linha de autocarros que começa em Cornavin, a praça central onde fica a principal estação ferroviária, cujo terminal é em Annemasse, já em França. Uma vez por ano, em data secretamente marcada, a Polícia suíça manda parar um autocarro dessa linha e identifica os passageiros. Trata-se dum mero exercício de soberania sem quaisquer consequências que não as de alguma demora para quem pretenda chegar ao destino do outro lado da fronteira. Assim se assinala quem manda onde e se estabelecem as diferenças.
E que diferenças há e tem havido? Muitas foram e, no entanto, são hoje quase nenhumas. Serão? Hoje, dum lado circula oficialmente o Euro e do outro o Franco Suíço mas, na prática, o Euro está a invadir Genève e em França não há atracção pela moeda suíça. Durante muito tempo, de um lado era a CEE e do outro a EFTA; hoje, são a UE e a EFTA mas tudo é Espaço Económico Europeu pois a EFTA existe sobretudo no papel e foi uma pena não ter servido de antecâmara aos países que saíam do comunismo e queriam entrar na UE; de cada lado há perspectivas fiscais bem diferentes com a tradicional vantagem suíça a marcar pontos mas os preços a favorecerem o lado francês; a Suiça a aderir ao Espaço Schengen e França a suspender o Tratado e a dizer (blá-blá-blá) que reintroduz o controle nas fronteiras; alguma xenofobia suíça recusando licença de residência a gente que arrenda casa em França e se fica a rir com as poupanças que assim consegue; Annemasse a pertencer à República de Vichy do Marechal Pétain e de Pierre Laval e a democraticamente anónima Genève a dar guarida a judeus; Genève aderindo à Confederação Helvética quando Victor Emanuel II oferece a Alta Sabóia e Nice a Napoleão III em pagamento do apoio que o Imperador francês dera ao rei italiano na batalha de Solferino em 24 de Junho de 1854 contra o Imperador Francisco José I da Áustria que não queria sair do Veneto e da Lombardia; Genève como abrigo do francês Jean Jacques Rousseau que teve que se refugiar na minúscula ilha na boca do Rhône para fazer a República que a cidade rejeitou; o francês Calvino do lado suíço, o Papa romano do lado francês; o Rhône durante séculos a fazer ali fronteira entre romanos e gauleses; a via romana ao longo da margem sul do lago Léman a servir uma linha de fortificações estratégicas contra os bárbaros. Evian, a cidade francesa mais conhecida nesta região; Yvoire, a vila mais típica de todas as que se banham na margem sul do lago, nela esperamos a todo o momento ver Astérix sair duma porta ou cruzarmo-nos algures com a família Flintstone. Flores por todo o lado, desde as varandas até aos vasos pendurados nos candeeiros de iluminação pública, vacas em profusão a fazer concorrência às minhas cornúpetas amigas açorianas da crónica anterior.
E cá volta a pergunta do costume: e do que vive esta gente? Prestar serviços a quem vive em França e trabalha na Suiça é por si só um negócio: desde o arrendamento de habitações ao «mènage», todos os serviços que uma cidade de arrabaldes comporta e sem os quais já não sabemos viver. Com maior substância há sempre que referir a agricultura, a tal actividade que só os portugueses desprezam e que aos outros povos serve de base multiplicadora de indústrias e serviços. Para além disto, o turismo deve ser a actividade mais importante, nomeadamente na vertente do termalismo com um fulgor máximo regional em Evian. É suíça a exploração naval do lago mas do lado francês também perdemos a conta às marinas pejadas de barcos e barquinhos de recreio.
E a propósito de turismo, não posso esquecer André Malraux que, enquanto Ministro da Cultura de de Gaule, legislou no sentido de o Estado francês co-financiar as obras de restauro e até mesmo de reconstrução de monumentos privados de interesse histórico. Assim foi com o castelo de Saint Michel d'Avully cujos primórdios remontam à época romana, com um auge militar medieval que só é suplantado pelo zénite de hoje a servir casamentos e baptizados aos endinheirados da região e cuja visita sugiro em
http://www.chateaux-france.com/avully/
E a quem visite, informo desde já que não tenho absolutamente nada a ver com o nobre ali referenciado François de Sales cujas armas figuram no salão em que se servem os banquetes e a que tirei uma fotografia para eu próprio não esquecer que... nada tenho a ver com isso. O meu Salles é de Lisboa e um dia conto a história.
Lisboa, 19 de Julho de 2005
Henrique Salles da Fonseca
(em Lisboa, no Jardim da Estrela, com o «Caramelo»)
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