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A bem da Nação

“Memória das minhas putas tristes”


Obra de Gabriel Garcia Márquez com copyright de 2004, tradução de Maria do Carmo Abreu, edição de 2005 da Dom Quixote.

Li num ápice estas 114 páginas bem escritas, impressas em letra boa para míopes.

É livro para homens. Acho que uma Senhora não entende quase nada do que lá está escrito; no máximo, entenderá pouco. Presumo que a tradução seja boa; pelo menos, a versão que li está num português correcto.

“No ano dos meus noventa anos quis oferecer a mim mesmo uma noite de amor louco com uma adolescente virgem.” - esta, a primeira frase do livro. A implausibilidade segue quase ininterrupta até à última frase – “Era por fim a vida real, com o meu coração a salvo, e condenado a morrer de bom amor na agonia feliz de qualquer dia depois dos meus cem anos.” Foi precisamente na última frase que encontrei uma vírgula a anteceder a conjunção “e”, não fazendo qualquer sentido, puro erro matemático; tomo-a como um lapso de revisão da tradução pois não acredito que o laureado Nobel escreva dessa maneira.

Algumas frases que ficam na memória do leitor:

“A moral também é uma questão de tempo (…)” para justificar que quando se chega a velho se pode pensar de um modo diferente de quando se é novo e que, portanto, se pode ser libertino aos 90 anos depois de se ter sido casto até lá. Não terá sido o caso do personagem que na juventude faltara ao próprio casamento porque a festa de despedida de solteiro que as amigas lhe organizaram no bordel em que trabalhavam “(…) incluiu uma cerimónia final que só podia lembrar a um padre galego calejado na concupiscência, que vestiu todo o pessoal feminino com véus e flores de laranjeira para que todas se casassem comigo num sacramento universal. Foi uma noite de grandes sacrilégios, em que vinte e duas delas prometeram amor e obediência e lhes correspondi com fidelidade e sustento até para além do túmulo.” A bruma dos tempos a fazer das suas levando o personagem a achar que se “(…) os factos reais se esquecem, também alguns que nunca existiram podem estar nas recordações como se tivessem existido” e que “(…) os loucos mansos adiantam-se ao futuro.” Finalmente, “é impossível não acabar sendo como os outros julgam que somos.”

Lê-se bem mas falta-lhe o estofo das obras que marcam a literatura. Deu-me a sensação de que depois de se receber o Nobel se pode escrevinhar qualquer coisa na ponta dum guardanapo que não faltará quem lhe cante loas e garanta sucesso de vendas andando por aí muito livro mais interessante de escritores desconhecidos a quem os editores dão negas sucessivas.

Mas além do mais, Gabriel Garcia Márquez está moribundo e é amigo de Fidel Castro, atributos que lhe abrem portas especiais nas livrarias.

Lisboa, Junho de 2005

Henrique Salles da Fonseca

OS LOBOS E OS FAUNOS – 1

Fauno, rei do Lácio, filho de Pico e neto de Saturno a quem estabeleceu culto público, elevou a mulher – Fauna – e o pai à honra dos altares privados acabando ele também por ver os romanos reconhecerem-lhe atributos divinos e prestarem-lhe culto oficial. Ficou na mitologia romana como divindade campestre assobiando em conjunto com centenas de melros a melodia que nos campos ouvimos das flautas mágicas em protecção da fecundidade dos rebanhos.

 

Hoje ainda os melros assobiam do alto dos galhos prometendo paraísos onde escorram o leite e o mel atraindo os rebanhos sedentos e gulosos na esperança de um futuro prenhe de todas as benesses que a imaginação dite. Mas os lobos andam à solta e o engodo rapidamente se transforma em anzol; à espera do leite e do mel está um sedento enxame de moscas verdes; o paraíso é, afinal, próximo do purgatório; o rebanho sente-se abandonado pelos deuses.

 

O assobio dos melros é sempre o mesmo: a cada um segundo as suas necessidades para uma sociedade mais justa, melhor nível de vida, maior transparência nas decisões, Justiça mais rápida, combate à fraude, perseguição aos bandidos e mais um rol de notas maviosas enchendo pautas que só os iniciados decifram mas que muitos outros escutam no inocente deleite dos néscios incautos.

 

Ah! Não esqueçamos: redução dos impostos! Já!

 

E agora vamos a votos, meu povo!

 

Só não apregoam o “dois em um” do género do «vote por dois cada vez que cá vem» porque a Comissão Nacional de Eleições não gosta desse tipo de marketing.

 

Mas quando chega a hora de parar de mentir, então a verdade azeita-se e vem ao de cima: não só não se baixam os impostos como, pelo contrário, se sobem os impostos. Ah! E de preferência os indirectos que é para todos pagarem por igual sem hipótese de fugas nem descontos como nos directos.

 

E, agora sim, chegámos às “duas numa” com uma verdade a calar duas mentiras: a verdade da necessidade inadiável de satisfação da ventosa do Estado contra a mentira de mais solidariedade e contra a de menos impostos.

 

E tudo isto porque o Estado vem encarecendo ao longo das Legislaturas tanto por proposta executiva como por decisão legislativa autónoma. E quando o próprio Governo diz que o Estado tem que emagrecer, logo se levantam brados de reivindicação de direitos revolucionários adquiridos: são as corporações que não se contentam com o que já têm e querem mais leite e mais mel. Não querem que o Estado emagreça; querem que o Governo cobre mais. E o Governo decreta um aumento do IVA.

 

Agora podemos começar a sentir a concorrência fiscal cada vez mais dentro do país ultrapassando a raia e avançando para o litoral. Até que distância fronteiras adentro se justificava irmos a Espanha comprar isto ou aquilo porque o ISP ou o IVA ou ambos eram mais baixos lá do que por cá? Pois agora, só à custa do IVA, Espanha entrou mais 2% por Portugal dentro; resta ainda averiguar qual a expressão quilométrica dessa evasão fiscal que não deixa de ser também uma invasão económica.

 

E se a concorrência fiscal se continuar a agravar, está por saber quando se justificará que os corvinos vão a Vigo comprar gasolina ou manteiga. Com os agradecimentos de Zapatero, claro.

 

Eis como os agentes da soberania se transformam nos seus algozes.

 

Estamos, portanto, no caminho errado e o assobio dos melros já não faz qualquer sentido porque o enxame das varejeiras verdes se está a transformar numa alcateia corporativa de juízes, publicanos, polícias, professores, notários e seus ajudantes.

 

Lisboa, 27 de Junho de 2005

 

 Henrique Salles da Fonseca

Carta ao Sr. Dr. Juíz

Sr.Dr.Juiz!
Nasci há muitos anos. No tempo,imagine V.Ex.ª, em que algumas pessoas se suicidavam porque não podiam pagar a Letra no prazo!
Nesse tempo, para mim, V.Ex.ª ocupava um dos lugares mais altos na hierarquia social; logo abaixo do meu Pai e um pouco acima do Médico!
V.Ex.ª decidia sobre os pecados dos Homens (com a Justiça dos Homens,claro, porque com a Justiça de Deus, preocupava-se o seu Colega Padre, por isso mesmo também pessoa muito considerada)
V.Ex.ª ouvia, valorizava o que ouvia e, com o conhecimento que tinha dos Homens, das suas grandezas e misérias,decidia. E decidia de uma forma realmente independente; não porque a Lei o determinava mas porque o Povo assim o sentia e apreciava. Nunca ouvi pôr em causa o Estatuto Social de V.Ex.ª nem dos benefícios que muito justamente tal Estatuto implicava. Vivia-se então numa República Corporativa.
Os tempos mudaram; as mudanças trouxeram coisas boas e coisas más e há pouco tempo, o Povo, foi mais uma vez chamado a decidir quem deveria governar o País. E decidiu de uma forma clara e inequívoca por um determinado partido, por um determinado programa, portanto, por um determinado Governo (note V.Ex.ª que eu votei mais à direita).
Decidiu esse Governo (eleito pelo Povo) implementar algumas medidas que, sendo controversas, como todas as medidas que mexem no "statu quo" vão contra, entre outras, alguns benefícios (não todos) que V.Ex.ª usufrui. Não sei se bem, se mal, porque infelizmente a nossa Comunicação Social, comunica muita coisa mas informa quase nada.
Eis senão quando, um dia destes, deparo com um representante de V.Ex.ª e dos seus Pares (enfim,da sua Corporação), protestando contra tais medidas o que poderia ser aceitável mas ameaçando em termos muito violentos com greve às "horas extraordinárias" e com uma "greve de zelo". Aí ruiu todo o meu esquema social. Tive então consciência de quanto injusto era colocar V.Ex.ª logo abaixo do meu Pai, ao lado do Padre e pouco acima do Médico e do Professor. V.Ex.ª é, afinal, um simples assalariado cujo trabalho é medido pelo cartão de ponto que deverá passar a picar e que talvez possa mais tarde ou mais cedo vir a ser substituído, com vantagem (por mais independente, mais rápido e mais barato) por um Computador!
Vou passar a olhar para vocês com outros olhos!

João Franco

CHARLATANICE MATEMÁTICA


Numa das minhas habituais visitas à biblioteca da AIP deparei com um livro escrito por Michel Godet intitulado “MANUAL DE PROSPECTIVA ESTRATÉGICA – DA ANTECIPAÇÃO À ACÇÃO” (ed. Publicações Dom Quixote, 1993) em cuja pág. 37 se pode ler:


“A validade de um modelo depende da boa representação que faça dos fenómenos reais e não da sua abstracção ou da elegância da sua formalização. À força de simplificar a realidade pelo prazer de utilizar a matemática, acabou-se por transformar os modelos em esquemas deformadores da realidade. Convém aqui denunciar com Maurice Allais (1989), a «mathematical charlatanry» de que é vítima a ciência económica: «Desde há quase quarenta anos, a literatura económica contemporânea desenvolveu-se numa direcção totalmente errónea: o desenvolvimento de modelos matemáticos absolutamente artificiais e completamente desligados do real; e está cada vez mais dominada por um formalismo matemático que, fundamentalmente, representa uma imensa regressão».”


Sim, já deparei com prospectivas baseadas em modelos que desconheço mas em que os resultados finais chegaram a registar desvios da ordem dos 400% e num outro caso a variável fechou em negativo quando se prospectivara um valor positivo. Quase me apetece dar vivas à regra de três simples.

Lisboa, Junho de 2005

Henrique Salles da Fonseca

Reflexões sobre um equívoco

A propósito das acumulações de reformas e salários, muito se tem protestado. Também os regimes especiais de reformas, entre as quais se encontram na primeira linha (embora não sejam as únicas nem as mais escandalosas) as atribuídas aos deputados, têm sido alvo de muitos e vivos comentários.
Reuniu o Governo e botou leis: limitando a acumulação de reformas com salários; retirando parte dos subsídios aos deputados (excepto aos com mais de 12 anos, claro! pois são os que fazem parte do aparelho e que são sempre colocados em lugares elegíveis); aumentando a idade de reforma dos funcionários públicos com excepção das forças de segurança.( não percebo porquê) e outras virão.
Leis demagógicas e injustas.
Convém aqui esclarecer que considero um autêntico escândalo (por ser baixo) o valor do salário do Presidente da República, do 1ºMinistro, Ministros Secretários etc. e até, teoricamente dos deputados.
O escândalo não é o Sr. Ministro das Finanças ganhar € 15000 (devia ganhar mais!); o escândalo é um Administrador do Banco de Portugal ( digam o que quiserem mas não é uma empresa privada propriamente dita) ter direito a reforma ao fim de 6 anos de serviço, quando o comum dos mortais terá que trabalhar 30 ou 40 anos para que tal aconteça!
Porque será que um funcionário público só se poderá reformar aos 65 anos e um elemento das forças de segurança mais cedo?
Porque é que qualquer trabalhador deste País, quando é despedido por reorganização da empresa onde trabalha, recebe subsídio de desemprego (quando muito mais uma indemnização) e um deputado não?
Os Srs. Deputados, Ministros e etc. deveriam descontar para a Caixa de Aposentações e, quando chegassem à idade, receberiam a reforma calculada como a de qualquer mortal.
Porque é que um porteiro, um motorista, um serralheiro tem que trabalhar até aos 65 anos e um polícia não? Está velho e doente e não pode andar pela rua?Faça serviço de escritório!!
Deixem-se de demagogias e paguem-lhes bem (para os deputados, até que era simples: reduzia-se o número a um terço e triplicava-se o ordenado)
Parece-me pois, por aquilo que vou vendo, que as medidas de saneamento prometidas vão ficar-se pela demagogia pelo que, tendo sido um pagador de impostos irrepreensível ( embora o Fisco não o reconheça pois me chama todos os anos para confirmar o que escrevi), estou farto e, pela parte que me toca vou usar todas as possibilidades ( e são muitas) para pagar menos.
João Franco

OBRIGADO, DR. CUNHAL

 

Álvaro Cunhal.jpg

 

No dia da morte do Dr. Álvaro Cunhal, sinto a obrigação de lhe agradecer o trabalho que ele teve para dar à minha geração as condições utópicas de sobrevivência com que ele sonhou para os trabalhadores portugueses.

 

E do que se tratou?

 

Resumidamente, ele foi decisivo para a consagração de um mês de férias anuais e respectivo subsídio (1), ao contrato vitalício de trabalho, à vulgarização e imperiosidade da Segurança Social (2), à gratuitidade do ensino e dos cuidados de saúde. E só me refiro a estas questões porque se trata daquelas que teoricamente perduraram até à actualidade; hoje, data da sua morte, calo as guerras que ele há muito já tinha perdido.

 

Pertencendo eu à geração que concluiu o Serviço Militar em 1973 e começou a trabalhar pouco antes da Revolução, fui aos poucos usufruindo daquelas “conquistas revolucionárias” até que há pouco antecipei a reforma com todas as mordomias consignadas na lei. Por isso, eu digo: “Obrigado, Dr. Cunhal”.

 

Sempre estive politicamente do lado contrário ao do Dr. Cunhal e seus apoiantes, tanto por razões doutrinárias como pragmáticas mas isso não obsta a que lhe agradeça a utopia que ele me proporcionou.

 

Não beneficiei nem um avo a mais do que aquilo que a lei consignava mas, convenhamos, não tendo sido eu a fazer essa mesma lei, nunca abdiquei das benesses que ela me facultou em cada momento pois nada me pesava na consciência por alguma vez ter legislado em proveito próprio.

 

Aliás, sempre considerei que Portugal não tinha – e continua a não ter –uma Economia suficientemente robusta para poder arcar com a vulgarização de tais benesses sociais e chego mesmo ao ponto de discordar totalmente com os contratos colectivos de trabalho, com a rigidez funcional consignada na maior parte desses “acordos”, com a ilegalidade do “lock-out”, com a inoperância do apoio judiciário à entidade patronal, com o automatismo da actualização salarial por conta dos ganhos de produtividade e da erosão monetária (vulgo, inflação). Sempre que pude, negociei individualmente as minhas remunerações; sempre que pude, mantive-me do lado patronal; sempre defendi a manutenção da viabilidade das empresas tentando que ninguém esticasse a corda a ponto dela poder rebentar; sempre pensei que mais vale um emprego modesto do que um desemprego aviltante; sempre pensei que quem tudo quer, tudo perde.

 

Nunca pensei que o interesse dos trabalhadores se opusesse ao dos empresários uma vez que sem estes, não há empregos; sempre pensei que os empresários devem defender os interesses dos trabalhadores pois é destes que o mercado se forma e sem mercado não há negócios; sempre pensei que sem negócios não há lucros e sem lucros não há acumulação de riqueza; não havendo riqueza, nada haverá que distribuir e se nada houver para distribuir, tudo será miséria.

 

Foi isso que o derrube do Muro de Berlim trouxe à evidência mostrando a realidade de que, afinal, o “fabuloso” parque industrial comunista não passava de um autêntico monte de sucata, que as grandes conquistas socialistas de nada valiam perante o bem-estar dos “explorados” ocidentais, que qualquer ser humano prefere conduzir um “BMW” do que um “Trabant”, que a ecologia nasceu no Leste para impedir o desenvolvimento da nuclearização do Ocidente e que, afinal, “em casa de ferreiro, espeto de pau” pois no Leste a energia nuclear estagnara num perigoso primarismo enquanto no Ocidente não tivemos tempo para ficarmos quietos à sombra de propaganda política mal engendrada.

 

Por tanta falta global de tacto, então eu digo: “Obrigado, Dr. Cunhal.”

 

Sempre pensei que todos os homens nascem iguais e por isso mesmo não reconheço a ninguém a posse da unção que o destine ao comando dos não ungidos. E penso o mesmo na escala colectiva: não concebo que qualquer estrato social tenha o direito de se sobrepor aos demais. Não aceito que os “nobres” mandem no povo e por isso sou republicano; não aceito que os proletários se outorguem direitos especiais e por isso sou anti-comunista. Mas se eu tenho estas convicções profundas e nunca me deixei iludir por discursos que utilizavam palavras tão bonitas como “«a defesa das mais amplas liberdades»”, se referiam “à «justa luta dos trabalhadores»”, preconizavam “uma «sociedade verdadeiramente democrática»” porque significavam exactamente o contrário do que a cassete dizia, então eu tinha era medo de que a Portugal chegasse um Enrico Berlinguer, um Santiago Carrillo ou qualquer outro euro-comunista de falinhas mansas que enganasse o eleitorado e o levasse a votar significativamente na doutrina soviética. O Dr. Cunhal nunca teve essas falinhas mansas, nunca enganou ninguém, os eleitores votaram sempre e massivamente (3) a favor da democracia ocidental e, portanto, directa ou indirectamente, contra ele. Por isso também, eu digo: “Obrigado, Dr. Cunhal.”

 

Mas agora estamos na “aldeia global” e já começamos a sentir algumas novas facetas que alteram profundamente o cenário que o Dr. Cunhal nos legou.

 

As “conquistas revolucionárias” são mesmo reversíveis porque a mão-de-obra nos países do leste europeu ex-comunista é muito mais barata do que na Europa ocidental e a deslocalização da produção começou porque os empreendedores perderam a paciência para aturar exigências sindicais e a fugir para os novos ex-paraísos, hoje autênticos caça-níqueis oferecendo condições especialmente atractivas de estabelecimento ao investimento directo estrangeiro, nomeadamente pela brandura dessa mão-de-obra barata habituada a uma disciplina laboral que só os 70 anos de ditadura proletária podem justificar. Agora está tudo a ser despedido porque se conclui que, afinal, se vivia acima das condições internacionais homólogas de valor acrescentado ou até de produtividade.

 

Pena foi que no início da revolução o Dr. Cunhal tivesse ditado que o ensino tecnológico era reaccionário, que devia ser extinto e que todos tinham que ter as mesmas oportunidades de acesso ao ensino superior. Deixámos de ter quadros médios devidamente habilitados e as empresas não passaram por isso a dispor de mais licenciados. Também por isso, os parâmetros nacionais de produtividade e valor acrescentado não cresceram o suficiente para manterem por cá a actividade produtiva. Agora eu digo: “Que pena, Dr. Cunhal”.

 

Mas se a Economia não tem capacidade produtiva, como há-se ter capacidade tributária? Então, como financiar o ensino constitucionalmente gratuito para todos? E como financiar o Sistema Nacional de Saúde que é praticamente gratuito? E como pagar o funcionalismo público que preenche as inúmeras Repartições destinadas a tutelar a mais insignificante actividade desenvolvida no país?

 

E quem estará na disposição de ter que passar o crivo de tantas dessas Repartições tutelares se quiser instalar uma insignificante actividade produtiva? Por tudo isto, eu digo: “Que pena, Dr. Cunhal.

 

O Senhor deixa-nos um cenário de desertificação empresarial, os seus mais acérrimos correligionários estão no Fundo de Desemprego a fazer biscates à boa maneira do capitalismo selvagem, na reforma antecipada ou simplesmente mortos por cansaço de uma vida sem ambição maior do que a de ver o patrão no desespero. Tudo isso em nome da luta de classes. Tudo isso para ficar com o bolo esquecendo que não é a militância política que põe as empresas a funcionar; é o engenho empresarial e esse não se decreta. Por tudo isto, eu digo: que pena, Dr. Cunhal”.

 

A geração que agora está a chegar ao mercado de trabalho receia ir de férias pois na volta pode encontrar o lugar preenchido, trabalha as horas que forem necessárias para a realização da tarefa que lhe está consignada, desconta do seu próprio bolso para a Segurança Social, paga o IVA correspondente ao recibo verde e recebe o que lhe quiserem pagar pois a oferta de mão-de-obra licenciada é relativamente abundante, a indiferenciada nacional e imigrante mais vasta ainda e os novos postos de trabalho escasseiam também por causa do tal excesso de tutela estatal.

 

Como se vê, a minha foi uma geração única nas benesses que não existiam em Portugal antes de 1974 nem haverá daqui para o futuro em qualquer outro lugar do mundo globalizado enquanto a China dita comunista continuar a puxar para baixo os direitos internacionais dos trabalhadores. Por isso digo: “Obrigado, Dr. Cunhal mas foi uma pena não ver que tudo não passava de uma utopia.”

 

Lisboa, 13 de Junho de 2005

 

 

Henrique Salles da Fonseca

(ao nascer do Sol no Estreito de Magalhães, Chile)

 

(1) – O Subsídio de Natal para o funcionalismo público foi introduzido pelo Doutor Marcello Caetano, antes de 1974

(2) – A aplicação aos trabalhadores rurais de um regime “normal” de Segurança Social foi decidida pelo Doutor Marcello Caetano antes de 1974

(3) – “Massivamente”, expressão comunista que pretendia ser sinónima da nossa “maciçamente”

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