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A bem da Nação

ESCOLA E FAMÍLIA - 1


Eduardo Alfredo Cardoso de Miranda, Prof. Universitário
Comunicação apresentada em 28 de Novembro de 2003 na “Associação Sindical dos Professores Pró-Ordem”, Rua Prof. Vieira de Almeida, 5, 2C – 1600-664 LISBOA.


0 - INTRODUÇÃO

Pretendo contribuir para a reflexão sobre a problemática da escola tendo por base a atenção que, em termos sociológicos, recai sobre a sociedade como responsável quer pelo desinteresse manifestado por muitos jovens quer pelo abandono precoce, que no fundo, reverte para o insucesso escolar. Nesta medida referirei a família e a sua influência como instituição socializadora que imprime, face aos imperativos culturais da sociedade envolvente e do nível social a que a escola se encontra, uma marca facilitadora ou não do percurso escolar do jovem. Ainda, referirei alguns aspectos teóricos, ao nível da sociologia quer geral quer voltados para a educação para sublinhar o que fica dito.


1- A SOCIEDADE ANTES E DEPOIS DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E DA REVOLUÇÃO FRANCESA. DO SABER-FAZER AO SABER-SABER, SABER-FAZER E SABER-ESTAR


Como sabemos, as revoluções quer Industrial quer Francesa, marcam o início de um novo tipo de sociedade. A anterior, tinha por base uma economia voltada sobretudo, para a grande maioria, para a agricultura. Caracterizava-se por ser uma sociedade tradicional, de família alargada, de solidariedades etc. e em que o jovem considerado educado era marcado pela dimensão apenas do saber-fazer. Da transmissão desses ensinamentos e experiências encarregavam-se os mais velhos através da oralidade. Daí a importância dos velhos. É que estes saberes existiam no próprio meio comunitário e era por ele controlado. As corporações são disso exemplo, cujas categorias de mestre, oficial e aprendiz, na oficina de manufactura, se ia aprendendo a fazer pela observação, imitação e repetição. A tarefa era também, executada pelo mesmo indivíduo do princípio ao fim e, não espartejada como a partir de Taylor (OCT= Organização Científica do Trabalho).

Com a Revolução Francesa a escola passa a marcar a fonte de aprendizagem, a legitimar os saberes e competências, um saber que agora se encontra afastado da comunidade e se lhe impõe cada vez mais. A Revolução Industrial, por seu lado, introduz um novo dado, a divisão social do trabalho. É desta junção que a instituição “escola” adquire a importância crescente que tem. Nesta sociedade muito diferente da anterior, a possibilidade de mobilidade social toma-se como meta já que à nascença são todos tidos como iguais perante a lei. Para Durkheim, esta sociedade manifesta já não uma coesão social do tipo solidariedade mecânica mercê das suas instituições com funções especializadas e integradas. Nesta sociedade, a posição social já não é herdada à nascença, mesmo assim, a classe social (1) à qual a família pertence, marca bastante os padrões de socialização e determinam, com grande probabilidade, a sua permanência nesse espaço social. É que as crianças adquirem as formas de pensar, sentir e agir dos seus progenitores, quer dizer, que lhes trazem a marca (são formatadas). De certa forma, esta marca consubstancia os capitais a que refere Bourdieu: o cultural, o económico e o social. É que na sociedade capitalista que agora desponta passam a existir uma diversidade de classes sociais, que configuram uma estrutura desigual, por isso, palco de inúmeros conflitos de ordem diversa: políticos, culturais, económicos, de interesses, religiosos, raciais, etc.

É atendendo a este tipo de sociedade que reflectimos sobre a importância do papel da família e da escola como marcos fundamentais para a transmissão dos valores e dos saberes e competências legitimados, o mesmo é dizer, que é sobre a educação informal e formal que ambas as instituições se devem esforçar.

O problema que se coloca é como é que a escola dá resposta a esta multiplicidade sub-cultural (2) na medida em que seria impensável existir uma escola para cada uma delas. A maior discussão parece residir neste aspecto, que provoca naturalmente insucesso escolar, abandono, absentismo, insubordinação, etc.

O ser humano é um animal gregário, por isso houve desde sempre que desenvolver regras de entendimento e de relacionamento que propiciassem uma convivência equilibrada. Aquilo que cada grupo social faz relativamente aos mais novos é passar-lhes o testemunho, que é a herança do seu passado. Nesta herança, aquilo que referimos como o capital social ou popular ou ainda de senso comum, mais não é do que formas particulares do grupo: de pensar, sentir e agir. A interiorização destes valores contribui para a formação da nossa personalidade, para o sentimento de pertença ao grupo de que fazemos parte. Por isso, condicionam de certo modo o relacionamento com a sociedade envolvente.

(continua)



(1) - GIDDENS, Anthony – Sociologia, Lisboa, Fundação Caloustre Gulbenkian, 1997, P. 866.
“... diferenças sócio-económicas entre grupos de indivíduos que criam diferenças de poder e propriedade material.”


(2) - GIDDENS, Anthony – Sociologia, Lisboa, Fundação Caloustre Gulbenkian, 1997, p.887.
” Normas e valores possuídos por um grupo dentro de uma comunidade maior, diferentes dos da maioria”.


Divagando pela utopia – 10ª parte


Resumo da 9ª parte: João Paulo II teve um papel muito importante no derrube do comunismo em conjunto com Reagan e a sua Guerra das Estrelas; o “software” é hoje mais importante que o “hardware”.

Plausível – Cá estamos de volta mas desta vez para tratarmos de Economia.
Utópico – Seja.
Plausível – Disse antes do intervalo que nos devemos doravante interessar mais pelo “software” do que pelo “hardware”.
Utópico – Disse e repito: o “hardware” é feito com as mãos e o “software” é feito com a cabeça. Mãos baratas por contraponto a cabeças caras. Até por este motivo nos interessa mais trabalhar com a cabeça do que com as mãos.
Plausível – Mas na Índia e na China já há muita gente a pensar em vez de trabalhar só com as mãos.
Utópico – E no Brasil, há que não esquecer. Olhe como os canadianos protestam com a concorrência que lhes faz a indústria aeronáutica brasileira.
Plausível – E protestam porquê?
Utópico – Porque estavam habituados a dividir o mercado mundial da chamada aeronáutica executiva com os americanos e não estavam preparados para que lhes entrasse pelo mercado dentro um novo fabricante com tecnologia própria, custos de produção mais baixos e, mesmo assim, obtendo lucros, lucros estes que os próprios canadianos nem sempre conseguem ter como garantidos.
Plausível – Mas os canadianos falam em dumping . . .
Utópico – Não o têm conseguido provar. Em comércio internacional diz-se que há dumping quando os preços de exportação são inferiores aos praticados no mercado doméstico de origem e, pelos vistos, isso não tem sido provado pelos queixosos. Portanto, o que há efectivamente é concorrência pura.
Plausível – E o que é que vai suceder à indústria têxtil europeia com o fim do Acordo Multifibras?
Utópico – Tudo o que seja produto barato passará a ser de fabrico europeu inviável. Eu acho que não vale mais a pena pensar nessas produções maciças baratunchas.
Plausível – E o que é que se faz às pessoas que trabalham nessas fábricas?
Utópico – Ah! Essa é uma boa questão a colocar aos políticos que nos meteram nesta situação. Para já, vai tudo para o desemprego. Depois, alguns vão arranjando uns biscates por aqui e por ali, outros vão morrendo e muito poucos vão tentar aprender a fazer alguma coisa de maior valor acrescentado. Temos que reconhecer que há uma geração perdida neste solavanco da globalização. Há muita gente que não tem formação profissional adaptada às novas realidades impostas pela queda das barreiras aduaneiras.
Plausível – E acha que a deslocalização resolve algum problema?
Utópico – Vamos deslocalizar toda a população do Vale do Ave para os contrafortes do Atlas em Marrocos? A deslocalização pode salvaguardar os interesses das empresas que se dedicam a produtos baratos mas não resolve o problema do operariado europeu dessas empresas. Desemprego puro e duro e não há discussão. Agradeçam aos políticos que nos têm guiado neste processo de globalização.
Plausível – E como é que devia ser?
Utópico – Esses países deviam ter as suas exportações para a Europa condicionadas à redução devidamente controlada pela comunidade internacional dos défices que têm a nível dos direitos humanos, da democracia, das condicionantes ambientais.
Plausível – E quem é que havia de controlar isso?
Utópico – A ONU, a OMC, a própria CE. Mas não fique tão perplexo com o que lhe estou a dizer porque bem recentemente, a China legislou um aumento de 67% nas férias anuais dos trabalhadores por conta de outrem.
Plausível – Ah! Essa é uma boa notícia.
Utópico – Sim, na China os trabalhadores viram as suas férias anuais aumentarem de 3 para 5 dias! É um aumento de 67%.
Plausível – Mas isso é ridículo!
Utópico – Tão ridículo como a abertura dos nossos mercados a produtos fabricados por esse mar de ignóbil exploração. Está-se mesmo a ver que antes que o princípio dos vasos laborais comunicantes funcione entre a China e a Europa, já morreu pelo menos uma geração de europeus desempregados.
Plausível – E acha que o Governo português deve apoiar a indústria têxtil?
Utópico – O Governo português – como todos os outros Governos europeus – tem que optar entre aceitar o fim puro e simples do Acordo Multifibras como já decidiram ou apoiar a indústria têxtil. As duas coisas em simultâneo não faz qualquer sentido. Fizeram asneira e agora têm que responder perante o eleitorado desempregado. A sorte desses Senhores é que no espectro político não aparecem cá na Europa forças políticas alternativas com um mínimo de credibilidade. Portanto, em cada país vão alternando entre dois ou três Partidos que fingem que dizem coisas diferentes e tudo segue paulatinamente como os americanos querem.
Plausível – Os americanos?
Utópico – Se não fossem os americanos, acha que a globalização se fazia como está a correr? Tudo começou com a visita de Nixon à China no tempo em que Chu En Lai era Primeiro Ministro e o Presidente Mão Tsé Tung já não dizia coisa com coisa. E quem é decidiu a mudança do GATT em OMC?
Plausível – Os americanos também?
Utópico – Claro que foram eles. O enquadramento dos Serviços no comércio internacional era fundamental para os Estados Unidos. Naquela altura a economia americana já tinha cerca de 50% de Serviços e hoje já ultrapassa os 60%. A Europa anda completamente a reboque dos americanos também nesta matéria.
Plausível – E acha que a Europa consegue ter uma política autónoma, por exemplo em relação a África?
Utópico – Todos sabemos que a solidariedade europeia é uma fraude completa. Então na perspectiva comercial, o que interessa a uns, desinteressa aos outros e só não se esgatanham em público se não puderem: tira-te tu para me pôr eu.
Plausível – E no plano da cooperação?
Utópico – Esse é um grande negócio para muita gente de ambos os lados. Dos que dão e dos que recebem.
Plausível – Como assim?
Utópico – Façamos de conta que estamos a lidar só com gente séria, que só pugna pelos legítimos interesses do respectivo país. Não metamos aqui o “bakshish”.
Plausível – Pelo tom irónico que está a usar, vejo que se trata de um cenário apenas teórico.
Utópico – Um Governo de um país pobre dirige-se a um país rico e negoceia uma linha de crédito com um sindicato bancário para a compra de equipamentos necessários ao desenvolvimento. “Muito bem, tome lá o dinheiro que está a pedir”, diz o rico. O Governo pobre agarra nesse dinheiro e compra os produtos ao país rico que fornece os ditos equipamentos a troco do dinheiro emprestado. O dinheiro regressa assim de imediato ao país rico (ou nem dele chega a sair). O Governo pobre leva os produtos, usa-os melhor ou pior e começa a amortizar o empréstimo. Quando a amortização chega ao fim, eis que no país rico acaba de entrar pela segunda vez a verba emprestada. Negócio saldado? Não, faltam os juros do empréstimo. Eis como se acumula a dívida do terceiro mundo. Então agora, junte-lhe o “bakshish” e vai ver como tudo se complica.
Plausível – É, então, a favor do perdão da dívida dos países do terceiro mundo?
Utópico – Não, não! Não concordo minimamente com o perdão dessa dívida. Na encenação que fiz há pouco, apresentei macro-dimensões mas as relações objectivas são de dimensão micro. O sindicato bancário que emitiu a linha de crédito a favor do país pobre emprestou dinheiro e tem que o receber de volta acrescido dos juros previamente negociados e os equipamentos foram fornecidos por empresas que têm que receber o respectivo valor. Portanto, aquela encenação inicial é verdadeira mas apenas numa escala macroeconómica e não é miscível com as múltiplas dimensões micro que actuam na cena. A pressão internacional tão em voga actualmente para o perdão da dívida do terceiro mundo está a ser liderada por quem não distingue macro e microeconomia. São normalmente pessoas e instituições religiosas que não têm uma cultura técnica económica que lhes permita distinguir os diferentes planos que de facto se colocam e propõem soluções que não fazem qualquer sentido. Estamos a lidar com o materialismo e não com o esoterismo.
Plausível – E, então, qual é a solução?
Utópico – A solução tem sido procurada na doação de capital; os países doadores de capital reúnem-se regularmente nas chamadas Conferências de Doadores e analisam a situação do país recebedor.
Plausível – E isso porque se considera que as Economias pobres não conseguem alcançar a acumulação de riqueza suficiente para lhes permitir o arranque?
Utópico – No plano da teoria, sim, é essa a razão.
Plausível – E no plano da prática?
Utópico – A cooperação é financeiramente inócua para quem dá. À semelhança do que há pouco encenei, a maior parte do dinheiro que é dado – se chega a sair do país doador – regressa passado pouco tempo numa percentagem que ultimamente se estima em cerca de 80%. Portanto, o custo da cooperação rondará os 20% no curto prazo e poderá mesmo ser nulo no médio prazo ou até mesmo lucrativo pela dependência que os novos hábitos de consumo possam criar. E, entretanto, alimenta-se essa grande indústria que hoje já são as ONG’s. E enquanto os ONGueiros europeus andarem entretidos com essas acções, não incomodam no desemprego e ficam devedores do Poder. E o Poder gosta de ter essa gente como refém das suas benesses.
Plausível – Sim, isso do lado de quem dá. Mas e do lado de quem recebe?
Utópico – Do lado de quem recebe, nada se discute porque “a cavalo dado não se olha o dente”. Melhor dizendo: os receptores não chegam mesmo a dizer nada porque são as ONG’s que se dedicam de motu próprio a esta e àquela causa, que angariam os fundos com que funcionam e que os aplicam. Só na cooperação entre Estados é que pode haver algumas matérias a discutir mas de um modo geral quem recebe limita-se a aceitar.
Plausível – E acha que essa cooperação institucional Estado a Estado ou através das ONG’s tem sido positiva?
Utópico – Respondo-lhe com outra pergunta: como seria se não houvesse esta cooperação?
Plausível – Não sei.
Utópico – Não sabe Você nem sabe ninguém. Eu quero acreditar que há ONG’s boas e outras que não valem nada; que há ajudas de Estado bem aplicadas e outras que apenas alimentam vícios. Deve haver de tudo: do bom e do mau, do importante ao irrelevante, do que tem efeitos a prazo imediato e do que só actua no longo prazo. Não é, contudo, esta disparidade que põe a cooperação em causa; as dúvidas têm sobretudo a ver com a transparência dos regimes políticos nos países receptores, com o “bakshish”, com o carácter mais ou menos filantrópico ou mais ou menos interesseiro do país doador.
Plausível – E como é que acha que o processo deve evoluir?
Utópico – Na minha opinião, as ONG’s devem cada vez mais funcionar sem quaisquer subsídios públicos. Se não são governamentais, então assumam-se como tal e captem apoios privados. Mostrem trabalho credível e publicamente medido em conformidade com parâmetros claros de modo a que possam pertencer a listas aprovadas pelos Estados como elegíveis para efeitos de aplicação da Lei do Mecenato aos financiadores.
Plausível – As lutas e cunhas para que se enquadrem nessas listas . . .
Utópico – Mas essa será mais uma das missões a atribuir aos Institutos para a Cooperação: a distinção das ONG’s que pertencem à seara do trigo e as que não passam de joio.
Plausível – Mas voltando à questão inicial: acha que a Europa é capaz de desenvolver uma política coerente com África?
Utópico – Não. Acho que a Europa é uma fraude na perspectiva da solidariedade e, portanto, não é sequer politicamente viável como um todo.
Plausível – Nunca o julguei tão euro-céptico. Quer explicar todo esse seu cepticismo?
Utópico – Sim, quero. Mas só o farei depois do intervalo. Até já.
Plausível – Até já.

Lisboa, Maio de 2005

Henrique Salles da Fonseca

MOTIVAÇÃO – PROCURA-SE


É costume dizer-se que em Portugal está tudo diagnosticado e que só falta actuar.

Então, se assim é, deve estar mais do que identificada a razão principal para o nosso subdesenvolvimento relativo e bastará actuar nessa causa para que a consequência seja automática e vejamos num ápice a resolução de todos os problemas.

Era bom que assim fosse mas é evidente que a afirmação inicial não passa de um sofisma. Por várias razões, nomeadamente porque os modelos econométricos em que alguns teóricos querem espartilhar a vida de um país não fazem qualquer sentido prático e porque à essência democrática das sociedades ocidentais subjazem leituras diferentes de uma mesma realidade e, portanto, soluções diferentes e frequentemente alternativas. Ou seja, é da essência da democracia que nem tudo esteja diagnosticado e que não haja apenas uma solução para um único problema: os problemas são múltiplos e cada um pode ter vários tratamentos. Resta-nos o debate e a necessidade imperiosa de algum poder crítico e de síntese.

Se alguém nos pedisse para apontarmos uma razão para o subdesenvolvimento relativo de Portugal, certo seria que cada um de nós seleccionaria um tema diferente. A minha selecção tem a ver com o nível cultural e de formação profissional dos portugueses, pode ter tratamentos alternativos e não se resolve rapidamente.

Dizem os chineses na sua já longa sabedoria que se um pobre nos pedir um peixe, que não lho demos e que, pelo contrário, o ensinemos a pescar. Creio que a valorização dos recursos humanos é a razão distintiva entre o subdesenvolvimento de uma sociedade e a sua capacitação para o discernimento e aptidão para o progresso.

De acordo com o relatório comunitário sobre o emprego na Europa, em 2003 a repartição da força de trabalho (grupo etário dos 15 aos 64 anos) por níveis educativos era como segue:

Países Baixa Média Alta
UE-15 36,9 43,2 19,8
UE-25 34,8 46,7 18,5
Reino Unido 16,9 55,9 27,2
Portugal 76,3 14,9 8,7


Uma vez que no último recenseamento geral da população ainda tínhamos cerca de 900 mil adultos estatisticamente analfabetos, então podemos imaginar o esforço ciclópico que teremos que desenvolver para numa década nos podermos equiparar à média europeia a 15, a 25 e utopicamente ao nível inglês.

Considerando em 2003 um universo laboral português de cerca de 4,745 milhões de pessoas, então isso significava algo como 3,62 milhões com baixo nível educativo (dentre os quais os referidos 900 mil analfabetos), 707 mil pessoas com nível médio e escassos 413 mil com formação superior.

Para nos equipararmos à média comunitária a 15, isso significaria passarmos a ter apenas 1,751 milhão de pessoas com baixo nível educativo, ou seja, seria termos que promover aos níveis médio e superior 1,869 milhão de portugueses o que – por exemplo para um programa de 10 anos – representaria uma promoção educativa anual de mais 186,9 mil pessoas. Se cada escola secundária tiver uma população média de 500 alunos, isso significaria pôr a funcionar mais 374 escolas desse nível.

Para nos equipararmos à média comunitária a 25, então o esforço seria de mais 394 escolas secundárias à média de 500 alunos mas se o objectivo fosse uma equiparação ao perfil britânico, então teríamos que fazer funcionar mais 564 escolas secundárias.

A questão está agora em saber que tipo de ensino secundário se deve ministrar. As taxas portuguesas de insucesso e abandono escolar precoce revelam mais problemas com os curricula do que com os alunos pois não se pode acreditar que os portugueses tenham algum problema genético que os incapacite estruturalmente para a matemática ou para a física e os encaminhe sobretudo para as humanidades, nomeadamente para as ciências jurídicas, a literatura, a gestão. E, dentre os que ficam pelo caminho, que razões haverá para o abandono precoce? Quando sabemos que na Alemanha as vias profissionalizantes representam cerca de 70% do ensino secundário e que entre nós elas não ultrapassam os 20%, é com alguma legitimidade intelectual que nos colocamos a questão sobre se se mantém válida a opção predominantemente generalista para o ensino secundário em detrimento das antigas escolas técnicas.

Do que não restam dúvidas é da real desmotivação de uma parte muito significativa da juventude que tem que estudar coisas que não lhe despertam o interesse e que na realidade não lhe interessam para nada no horizonte temporal de quem pretende ingressar no mercado de trabalho sem pretensões a formação de nível superior.

A quantificação desta questão dá uma ideia clara do esforço que teremos colectivamente que desenvolver para em 2015 ficarmos como estava o Reino Unido em 2003, ou seja, para ficarmos só 12 anos atrasados.

Não creio que valha a pena insistir em modelos que já provaram ampla incapacidade de motivação da nossa juventude e admito como muito vantajosa a integração da formação profissional nas hoje incipientes vias profissionalizantes do ensino secundário.


Henrique Salles da Fonseca

Publicado na revista "Indústria", Abril de 2005



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