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A bem da Nação

INVOCAR A SANTA PRODUTIVIDADE EM VÃO - I


Em Portugal, de há uns dois anos a esta parte, por tudo e por nada se apela à produtividade – como se estivesse aí a causa primeira de todos os nossos males (porque é baixa) e a panaceia definitiva para melhores dias (quando aumentar). Mas será que este conceito aceita uma interpretação assim tão clara, tão rigorosa e tão unívoca que basta referi-lo para que o quadro da economia portuguesa fique logo, num só traço, resumido e todos se ponham, enfim, de acordo?
O meu amigo Zé dos Grilos, e a história exemplar da sua vida, podem vir em nosso auxílio. Desde pequenino que Zé dos Grilos revela uma habilidade incrível para fazer gaiolas para grilos (daí a alcunha, que se lhe colou como se fosse o apelido baptismal). Era ver a rapidez e o cuidado com que ele, ainda criança, alisava as tabuinhas de madeira; cortava os pedaços de arame e encaracolava uma das pontas; escolhia os troços de cana que serviriam de pequenas aduelas; pintava e retocava o que seria um palácio para qualquer grilo cantante. Todos gabavam o seu trabalho – mas infelizmente, só de quando em quando alguém, mais por mercê que por conveniência, lhe comprava uma dessas magníficas gaiolas. Adulto, Zé dos Grilos tornou-se artesão para fazer, principalmente, o que mais lhe apetecia: gaiolas para grilos. Fazia-as como ninguém. Tomara aos “chinas” fazê-las tão depressa e assim tão bonitas, dizia, orgulhosa, a vizinhança. Mas ninguém as comprava – e o pobre lá ia vivendo como podia de outro artesanato modesto e baratucho, que sempre encontrava comprador. Do alto das estatísticas (nacionais, regionais, locais), o Zé e as suas gaiolas era como se não existissem. A produtividade dele era nula – por muitas gaiolas que conseguisse fazer numa hora, e por mais que deixasse a perder de vista os seus congéneres chineses. Só o que vendia entrava nas estatísticas.
Um dia (há sempre um dia...), os caprichos da moda poisaram no feng shui – e ter grilos em gaiolas penduradas nos sítios que só os iniciados conheciam passou a ser um must para quem quisesse viver em fumos de harmonia no conforto do lar. Por uma sorte extraordinária, de todas as gaiolas (que nem eram tantas assim), as que melhor atraíam energias positivas eram, segundo asseveravam os entendidos, as do Zé dos Grilos. De um momento para o outro, o nosso Zé viu as suas queridas gaiolas atingirem preços que nem na Sotheby’s. - e o seu labor, num repente, tornou-se visível até nas Contas Nacionais. O pulo na produtividade da economia portuguesa surpreendeu mesmo os analistas mais incréus – quando, afinal, o que tinha acontecido era que uma coisa que não interessava a ninguém passara a ser procurada avidamente por todos. O que era, até então, um passatempo tornou-se mercadoria com enorme procura por esse mundo fora (um bem transaccionável, no dizer dos economistas entendidos).
Sem problemas na venda, nem na cobrança, Zé dos Grilos contratou quem lhe aparasse as tabuinhas, cortasse e enrolasse o arame, percorresse os canaviais – guardando para ele a montagem das gaiolas e os retoques finais. Não se podia dizer que as coisas lhe corressem mal – mas também não corriam por aí além. Apesar de ter arregimentado, primeiro, dois ajudantes, depois mais três e, por fim, outros dez, o certo é que o número de gaiolas para grilos que conseguiam fazer por dia apenas tinha quadruplicado – e os analistas foram céleres em concluir que, neste nóvel subsector, a produtividade tinha rapidamente caído para 25% do ponto que atingira ao princípio, quando só o bom do Zé trabalhava que nem um mouro. Os ajudantes que ele escolhera até nem tinham sido mal escolhidos: gente que não se poupava a esforços, que não temia o trabalho e que não se fazia rogada. O problema talvez estivesse no facto de terem de esperar que Zé dos Grilos, agora patrão, lhes indicasse, a cada momento, o que fazer, lhes aprovasse o trabalho feito, lhes desse as necessárias instruções – e, por força do êxito, ele agora ausentava-se bastante. Acontecia, também, que umas vezes era a grossura dos arames que não encaixava perfeitamente nos furos que as tabuinhas traziam (e lá ficava alguém à espera que a peça fosse corrigida); outras, eram os arames e as caninhas que saíam com comprimentos diferentes (e iam uns minutos mais na discussão sobre quem é que tinha falhado). Mas havia mais. Como tudo continuava a desenrolar-se na velha casa de Zé dos Grilos, uns reduzidos metros quadrados com um cubículo por lavabo, era frequente alguém ter de interromper o que estava a fazer para que outro pudesse ir e vir, ou formarem-se filas à porta da casa de banho, para marcar vez. Um consultor internacional diagnosticaria imediatamente: deficiente lay-out e erros de organização. Fosse como fosse, Zé dos Grilos tinha contado com maior produção, o mercado pedia-lhe cada vez mais gaiolas – e a produtividade, pimba! por aí abaixo. Andava preocupado, e com razão. Os seus empregados, esses, não – porque finalmente tinham emprego “prá vida” (criam eles...).
Ainda hoje se discute se o que terá levado o Dr. Palpites à oficina do Zé dos Grilos foram as exigências da sua mulherzinha, ferrenha do feng-shui, ou a mão da Providência. O certo é que Palpites, num relance, logo viu o que estava errado naquele local de trabalho (“nas premises” foi a expressão que usou, que o Zé não percebeu e que teve de ser traduzida). Aquilo não era uma verdadeira empresa. Faltava-lhe espaço e arrumo, faltavam-lhe casas de banho, faltava-lhe refeitório e escritório, enfim, faltavam-lhe umas máquinas que aparassem, alisassem, cortassem, enrolassem, pintassem. Assim se fez, porque dinheiro havia – o nosso Zé já tinha algum, e o Banco estava disposto a emprestar-lhe o resto. A produção aumentou – e com ela as vendas e as receitas. Um empregado, porque sabia ler, escrever e contar, passou a dedicar-se às tarefas administrativas que o Dr. Palpites recomendara. Um outro, que ficou esquecido no meio da mudança, preferiu mudar-se para o desemprego – pois ganhar sem fazer nada sempre fora o seu projecto de vida. Como resultado do investimento, a produtividade por empregado subiu bastante, ainda que ficasse aquém daquela que o Zé dos Grilos tinha atingido quando ainda trabalhava sozinho.
Mas o Zé, malgrado ser agora dono de uma “empresa como deve ser” (no dizer do Dr. Palpites e de todos), não andava satisfeito. Reparava que uma parte dos ganhos de produtividade por empregado não lhe aproveitava a ele, patrão, mas ao Banco financiador – em ultima análise àqueles que tinham fabricado as máquinas que ele comprara por interposto Banco. Começou a perceber, vagamente, que uma coisa é a produtividade medida em gaiolas produzidas (a produtividade física, real) e outra, por vezes bem diferente, é a capacidade para gerar resultados que um patrão possa utilizar sem receio (produtividade económica). E à própria custa aprendeu que acréscimos de produtividade real que não sejam acompanhados por acréscimos, pelo menos iguais, da produtividade económica, não são necessariamente uma coisa boa para quem tenha nessa empresa o seu ganha-pão.
Pobre dele! ainda não chegara o momento de perceber que estava a viver uma situação, de todo em todo, excepcional: preços de venda constantes. Depois do salto inicial, os preços das suas gaiolas tinham-se mantido lá bem em cima, sem variar. Por isso, habituara-se a olhar só para os custos que era chamado a pagar, e associava produtividade (real, económica, qualquer) à redução dos gastos por gaiola feita. Mas o mercado não dorme – e os chineses também não. Tanto puxaram pelo bestunto que lá descobriram como fazer gaiolas exactamente iguais às do Zé dos Grilos, por metade do preço e sem limitações de quantidade – era só aviar. O bom do Zé bem coçava a cabeça dizendo de ele para ele porque diabo o Palpites não o avisara que os preços também descem? Para não fechar de vez – e a conselho do Dr. Palpites (que, de passagem, o confundiu com uma arenga sobre formação de preços, competitividade e a inevitabilidade da globalização) – o nosso Zé reduziu pessoal, endividou-se para comprar novas máquinas que nivelavam a produtividade real por empregado pela dos seus concorrentes chineses, e baixou os preços. A tesouraria compôs-se, mas a produtividade económica, essa, ficou pelas ruas da amargura. Tal como acontecera tempos atrás, o Zé dos Grilos, agora tornado empresa, não aquecia nem arrefecia nas estatísticas (nacionais, regionais, locais) da produtividade.
A cada vez maior concorrência chinesa e uma reviravolta do mercado – de súbito, mais crente nos benefícios das conjunções astrais que no feng-shui – levaram o Zé dos Grilos a mudar de ramo. Fechou a empresa, despediu o pessoal, vendeu as máquinas a pataco e pagou tudo ao Banco, porque queria dormir sossegado. A casa, que o sucesso das gaiolas lhe tinha permitido comprar, pô-la em turismo de habitação, sob o apelativo nome de “Paço dos Grilos”. Abriu uma clínica de feng shui que investiga a contribuição de grilos e pirilampos para a harmonia universal (e lhe vai mantendo a casa a abarrotar de hóspedes). E continua a entreter-se com gaiolas para grilos, que todos gabam e ninguém compra. Por aí anda.
(continua)

A. PALHINHA MACHADO
FEVEREIRO DE 2005

S. Tomé e Príncipe

Notas sobre uma viagem de turismo

 

TERCEIRA PARTE

 

Resumo da 2ª parte: Périplo rodoviário da ilha de S. Tomé por concluir; notável actividade educativa perspectivando um futuro mais exigente; tradicional modelo de desenvolvimento completamente exaurido; opção urgente entre maledicência histórica de Portugal e constantes pedidos de ajuda; catarse da corrupção afasta os políticos da realidade do país; turbulência política no horizonte.

 

Constatação: a Força Aérea santomense é composta por um “Aviocar” português, servido por tripulações portuguesas; a Armada santomense é composta por duas lanchas de desembarque e o treino do pessoal do navio prometido pelos EUA está a ser feito por oficiais da Armada portuguesa; os fardamentos dos militares do Exército santomense são portugueses, fabricados nas nossas Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento, ali em Belém. Pergunta: porque é que continuam apagadas as armas de Portugal no brasão sobre a entrada principal da Fortaleza de S.Sebastião?

 

Constatação: a reforma agrária que em 1975 varreu o sul de Portugal já foi desmantelada não só porque as UCP’s faliram como porque provou à saciedade que não servia os interesses daqueles que se propunha defender. Pergunta: porque é que se insiste na nacionalização das empresas agrícolas santomenses que estão falidas, paralisadas e em ruínas?

 

Estas duas constatações e as respectivas perguntas não são capciosas porque não pretendem induzir seja quem fôr em erro mas têm respostas tão evidentes que até me escuso de as escrever. O que não me escuso de fazer é chamar a atenção para o facto de elas se relacionarem com duas realidades de dimensão de Estado, ou seja, com a Soberania Nacional e com o modelo de desenvolvimento da Economia Nacional.

 

Questão fundamental para um Estado, a soberania nacional só pode ser exercida se puder contar com o apropriado financiamento e este ou tem origem interna -– gerado pelos impostos cobrados –- ou tem origem externa – em doações feitas pelos amigos.

 

Eis como três temas, a Defesa, a Economia e os Negócios Estrangeiros, aparentemente tão distantes, estão, afinal, intimamente relacionados.

 

Já dissertei suficientemente sobre a Defesa e sobre a Economia santomenses; tratar mais delas podia ser pleonástico ou até mesmo cacofónico.

 

Resta o terceiro tema, o tal que resolve os problemas do primeiro quando o segundo não corresponde em conformidade: Negócios Estrangeiros.

 

Que política externa deve seguir um país que percorre os fora internacionais de mão estendida à procura de esmolas? Que política externa deve seguir um país que põe a sua soberania nas mãos de uma ou duas multinacionais? Que política externa deve seguir um país que se encontra na fronteira do novo Tratado de Tordesilhas do petróleo? Que novos “amigos” vêm agora ao cheiro das riquezas descobertas recentemente? As respostas parecem-me óbvias e julgo que não há melhores do que os velhos amigos.

 

Com a transferência das Colónias portuguesas para a jurisdição do Império Soviético, os novos Senhores afinavam por um diapasão materialista em que a solidariedade não passava de palavra vã de cartilha doutrinária, a convivência não existia e a mundividência bebia nas fontes das estepes siberianas. Com os portugueses a serem enxotados e as roças a entrarem em colapso, desapareceu num ápice a estrutura hospitalar privada do país, subiram as endemias em flecha, ficaram todos no desamparo que é a fórmula extrema a que naquelas latitudes chega o desemprego. A solidariedade soviética traduziu-se em hinos patrióticos pois o rublo não tinha curso internacional e não comprava o arroz que faltava como complemento habitual da mandioca e quando o estreitamento de laços entre os povos se assemelha aos definidos no sindicalismo, então estamos a lidar com uma base proletária descapitalizada, incapaz de resolver os problemas colocados pela própria pobreza.

 

A convivência não foi suficiente para gerar mulatos com traços do Gengis Kahn. A mundividência tinha sobretudo a ver com a luta de classes mas as classes ricas estavam longe de pensar em ir a S. Tomé nesses idos de 70 e os santomenses acabaram sozinhos a fazer luta de classes como o pobre D. Quixote, contra moinhos imaginários. Nesse tempo as contas públicas santomenses eram segredo de Estado. Entretanto, o próprio Império Soviético colapsou e assim se libertou o mundo dessa infâmia que se chamava colectivismo. Mas ficaram as chagas, nomeadamente nessa terra linda que se chama S. Tomé e Príncipe e nas tão simpáticas gentes que a habitam.

 

Está na hora de sarar os males e os “panos quentes” já não são suficientes. Para o bem de quem não tem culpa de ter nascido e de viver em S. Tomé e Príncipe, eu faço os seguintes votos: • Que os políticos – todos – se compenetrem de que não são donos do país; • Que os políticos – todos – sirvam o país em vez de se servirem dele; • Que o nacionalismo santomense se baseie na naturalidade do direito à autodeterminação em vez de invocar em Museu os maus exemplos de quem não representa a nação portuguesa; • Que institucionalmente se abra um debate nacional sobre política económica; • Que se consiga -– à semelhança do que oportunamente fez Cabo Verde –- um Acordo de Cooperação Cambial com Portugal de modo a evitar maior erosão da Dobra; • Que -– com o apoio da OMS e de alguma Universidade -– se consiga instalar uma Escola de Medicina Tropical que ajude a resolver os problemas endémicos e atraia estudantes de todo o mundo; • Que – no âmbito do nascente modelo de desenvolvimento – os empresários hoteleiros se associem com o principal objectivo de promoverem a instalação e assegurarem o funcionamento de uma Escola de Hotelaria; • Que – com o apoio da FAO e de várias Universidades – se organize o Congresso da Pesca e o do Cacau; • Que se façam as pazes com o investimento directo estrangeiro e, descomplexadamente, se convide os antigos proprietários a retomarem as empresas de que foram expulsos; • Que o Vaticano reconheça a soberania de S. Tomé e Príncipe e não considere mais o país como uma colónia de Angola; • Que o petróleo não seja motivo para a desgraça de S. Tomé e Príncipe.

 

Quem me quiser acompanhar, diga agora: ÁMEN !

 

FIM DA TERCEIRA E ÚLTIMA PARTE

 

Lisboa, 25 de Fevereiro de 2005

 

Henrique Salles da Fonseca

S. Tomé e Príncipe

Notas sobre uma viagem de turismo

 

SEGUNDA PARTE

 

Resumo da 1ª parte: Avião cheio, princípio de turismo à séria; estrada a precisar de atenção; Ilhéu das Rolas, paraíso na Terra; escolarização total das crianças; oferta nascente de alimentos locais com benefício imediato para a população residente; formidável ecologia e muito bom acolhimento aos portugueses; futuro risonho.

 

A estrutura rodoviária alcatroada de S. Tomé consiste no que segue: • Estrada nº 1 com cerca de 46 kms na costa ocidental da ilha, entre a cidade de S. Tomé e Santa Catarina; • Estrada nº 2 com cerca de 19 kms entre a cidade de S. Tomé e a Pousada da Boa Vista, junto à roça “Nova Moca”; • Estrada nº 3 com cerca de 97 kms na costa oriental da ilha, entre a cidade de S. Tomé e um pouco além de Porto Alegre, no extremo sul. O périplo da ilha nunca foi feito pela governação portuguesa desde o reinado do nosso D. Afonso V – primeiro rei de S. Tomé – em 1470 até ao último Governo do Professor Marcello Caetano em 1974; até ao momento em que escrevo estas linhas, a governação sequente insiste na opção de não circundar a ilha por estrada utilizável. Mistérios das opções políticas...

 

As últimas estimativas – correspondentes ao ano de 2004 – apontam o número de 150.000 para os residentes no país, ou seja, incluindo a ilha do Príncipe. Para podermos estabelecer um paralelo nesta dimensão, relembremos que em 2001 a Amadora contava com cerca de 176.000 residentes, o Algarve com um pouco mais de 395.000, Cabo Verde tinha na viragem do milénio cerca de 435.000 habitantes e em 2001 residiam em Lisboa quase 565.000 pessoas. Esta questão é importante porque traduz o tipo de problemas que se coloca, nomeadamente na falta de dimensão do mercado doméstico santomense e, portanto, na escassez da oferta. Por evidente falta de massa crítica de operadores económicos, fácil é admitir que sempre exista alguma opacidade dos mercados (por antinomia com a transparência) donde resultem difíceis políticas de formação de preços. Se a este tipo de problemas claramente insolúveis no médio prazo – - se não mesmo no longo -– juntarmos uma moeda nacional que o turista não toca nem sequer vê durante uma semana, então podemos imaginar uma realidade ainda mais penosa quando a quase totalidade da população dispõe de um poder de compra que o coloca muitas vezes à margem da economia monetária.

 

Os melhores edifícios que encontramos ao longo das estradas são as escolas e –- mais importante ainda –- cheios de alunos. Há também que assinalar o enorme número de escolas que encontramos um pouco espalhadas por toda a parte onde o alcatrão nos leva e não foi nem uma nem duas vezes que reparei que ao lado de um edifício escolar a precisar de reforma se estava a construir um novo para o substituir. Acho isto formidável e digno dos maiores encómios. O ensino primário corresponde aos 4 primeiros anos, o secundário aos 6 seguintes e, como já disse, estão espalhados um pouco por toda a parte. Depois disso, existe o Instituto Politécnico na cidade de S. Tomé. Julgo que com esta grande apetência pela educação se pode perspectivar um futuro bastante mais interessante que a situação actual mas temo que as saídas profissionais escasseiem se o modelo de desenvolvimento não se adaptar com alguma urgência a uma população cada vez mais educada e, portanto, mais exigente.

 

Dói visitar as roças de cacau. A “Rio de Ouro”, que era um ex libris do país, foi tomada pelo mato. Diz-se –- e eu ouvi dizer -– que o pessoal rouba o cacau e que o vai vender de seguida aos donos dos cacaueiros. Mas eu conto a história de outra maneira: os donos dos cacaueiros deixaram de ter pessoal assalariado, com vencimentos fixos e prémios de produção; passaram a pagar apenas “à peça” o que significa que cada trabalhador só recebe o correspondente ao que apanhar e, para além disso, recebe um pontapé no traseiro. Até nos capatazes pouparam os novos roceiros. Deixou de haver o “trabalho forçado” de que tanto falam os historiadores mas eu sou mais lacónico e digo apenas que deixou de haver trabalho. E era no tempo dos portugueses que havia exploração . . . Last but not least: a roça “Rio de Ouro” passou a chamar-se “Agostinho Neto”... et pour cause... desencontrei-me dos médicos que servem no hospital... E os do hospital de “Água Izé”? E os dos outros hospitais que havia um pouco por toda a parte e que hoje estão destelhados e tomados pelo mato? As perguntas poderiam seguir quase interminavelmente se quiséssemos continuar a apontar o dedo acusatório à História mas isso seria pura perda de tempo porque eu acho mais interessante não discutir a História e, antes, aprender com ela.

 

Mas se eu faço um esforço para não discutir a História, então também espero que os políticos santomenses façam o mesmo e optem entre dizer mal de Portugal ou pedir a Portugal que tudo faça por S. Tomé. Não faz qualquer sentido ensaiar as duas coisas ao mesmo tempo. É evidente que não paguei os 3 dólares que me pediram para entrar no museu da Fortaleza de S. Sebastião para . . . ouvir dizer mal do meu país. E digo mesmo mais: pobre causa nacional, essa de se ter que dizer mal de alguém para se justificar a si próprio. As nações existem por mérito próprio e não pelos erros dos outros. É claro que não gostei de ver as estátuas dos descobridores com os narizes partidos, tudo porque alguém andou a procurar maus exemplos entre os portugueses para encontrar uma justificação histórica que conduzisse ao corte dos laços com Portugal. O Coronel de Artilharia Carlos de Sousa Gorgulho foi inapto no desempenho das funções de que terá sido incumbido e que desempenhou entre 10 de Abril de 1945 e 17 de Abril de 1953 depois de ter sido desmentido pela PIDE no conluio comunista que o Governador descobrira entre os contestatários à sua actividade governativa. E esta actividade, claramente perversa, já tinha sido há muito redimida pelos Governadores seguintes. E se, por acaso, o não tivesse sido plenamente até à independência, então sê-lo-ia agora pela miséria a que os santomenses estão reduzidos.

 

A viabilização da sociedade santomense não passa pela maledicência de Portugal; passa pela busca de um novo modelo de desenvolvimento.

 

Os políticos santomenses andam muito ocupados na catarse da usurpação dos fundos da cooperação de que mutuamente se acusam, estão alheados das preocupações da população que se debate na miséria de uma monocultura agrícola sem futuro, demoram na instalação do novo modelo de desenvolvimento endógeno que indubitavelmente passa pelo turismo e criam a descrença no sistema democrático que os sempiternos autocratas ansiosamente hão-de querer derrubar. Sobretudo agora que apareceu ouro negro.

 

Apesar de tudo, concluo que as pessoas, o clima e a paisagem foram as causas do meu agrado.

 

FIM DA SEGUNDA PARTE

 

Lisboa, 23 de Fevereiro de 2005

 

Henrique Salles da Fonseca

S. Tomé e Príncipe

Notas sobre uma viagem de turismo

 

PRIMEIRA PARTE

 

Em cumprimento do previsto e anunciado, fui com a família a S.Tomé e Príncipe de 12 a 20 de Fevereiro deste ano de 2005. Levantámos voo de Lisboa por volta da meia-noite de Sábado para Domingo e chegámos a S. Tomé pelas 6 e pouco da manhã. Avião praticamente cheio de portugueses com alguns franceses à mistura.

 

No aeroporto já estavam alguns “minibuses” à espera dos cerca de 50 turistas com destino ao Ilhéu das Rolas. Foram quase 80 penosos kms porque estávamos cansados da viagem de 6 horas nocturnas de avião e porque a estrada já viu melhores dias; chegámos à Ponta Baleia duas horas depois e tomámos o barco para o Ilhéu numa viagem de cerca de 20 minutos.

 

Só o deslumbramento das paisagens por que íamos passando escamoteava o cansaço. Foi com alívio que nos vimos no destino, sossegadamente nos instalámos, demos um mergulho na piscina e começámos a pensar no almoço.

 

O empreendimento hoteleiro das Rolas já existe há 7 anos mas só agora, no princípio de Fevereiro, é que passou para a gerência dos actuais proprietários, o Grupo Pestana.

 

Primeira nota sensibilizante: a bandeira portuguesa bem à frente de quem chega mas dando logicamente a direita à bandeira santomense como é de protocolo.

 

O Ilhéu das Rolas tem sensivelmente a forma de um ovo com cerca de 2 kms de comprimento e a largura máxima de 1,5 kms. É lá que passa o Equador, de acordo com a confirmação feita pelo Almirante Gago Coutinho. De rocha vulcânica, tem contudo praias com areia amarela à nossa maneira e o solo é praticamente todo ocupado por vegetação que seria muito densa se não estivesse domada pelo homem que ali produz sobretudo côco. O Senhor Sílvio Cerveira, – português, – é o dono da roça e foi ele que fez o empreendimento hoteleiro que há pouco vendeu ao Grupo Pestana.

 

Não viverão em permanência no Ilhéu mais que 200 pessoas que moram em casas tipificadas feitas pelo proprietário da roça ao longo de uma rua com um certo ordenamento. Para além da roça propriamente dita, há pequenas parcelas em que os residentes mais dinâmicos produzem frutos e mandioca tanto para consumo próprio como para fornecimento ao hotel. O mesmo se diga do peixe abundante que é capturado por uma trintena de pirogas.

 

Sugiro a quem lá vá que se esqueça de pedir uma galinha assada. Por alguns motivos: ao matarem uma galinha, deixam de produzir ovos e esses têm mercado assegurado; ao matarem um galo, deixam de ter variedade reprodutiva e condenam a espécie; machos ou fêmeas, todos são pequenos e não enchem a barriga a um turista; só devem ter osso e constituem um perigo para quem tenha dentadura postiça ou “pivots”. Com a agravante de que no Ilhéu não há dentista. Aliás, no hotel não servem galinha – e eles lá sabem porquê . . . Só o Duarte é que se aventura a servir almoços mais ou menos piratas na praia “Maria Café” e posso dizer-vos que este verdadeiro empresário é um herói que do nada faz surgir um almoço: na praia angaria a clientela e manda os “sócios” para o mar à pesca do necessário e suficiente para os almoços contratados; no toco de uma árvore instala uma mesa redonda onde coubemos onze pândegos sentados em blocos de cimento que um dia servirão não se sabe bem para quê. Toalha de plástico cor-de-rosa com debruados de renda branca, copos e pratos de vidro, faqueiro suficiente.

 

Depois de muitos mergulhos e de distribuirmos os jornais lidos pela criançada que nos rodeava, lá chegou o almoço à cabeça do grande empresário Duarte; os “sócios” traziam as bebidas que consistiam em cerveja em garrafa e sumos em lata. O peixe assado tinha um tempero inesquecível e mesmo as Senhoras que habitualmente não gostam de picantes se renderam à evidência de paladar tão “exquis”; a fruta já tinha sido servida antes do almoço e consistiu em água de côco, carambola e goiaba. Dispensámos o café mas, na verdade, ninguém sequer perguntou se havia.

 

Algumas notas à margem deste almoço:

 

- As crianças santomenses que estiveram sempre connosco na praia nunca pediram nada e apenas mostraram interesse pelos jornais que íamos lendo; todas estão escolarizadas e enfrentaram com coragem a prova que um de nós lhes colocou de lerem breves trechos de uma entrevista que o Professor Eduardo Lourenço dera ao “Expresso”; prevaleceu o bom senso de não exigirmos interpretações ao texto por parte de crianças rondando os dez ou doze anos; um resultado em tudo igual se fossem “ressortissants” dos Champs Elysées;

 

- Estando nós habituados em Portugal a misturar várias espécies de café robusta e arábica de diferentes origens, ficámos todos espantados com o aroma e paladar do café santomense, de uma única espécie e não susceptível de loteamentos; dá para nos perguntarmos se andamos a fazer bem com as misturadas a que nos habituámos por cá na Europa em que até já há quem estranhe a falta de chicória e de outras mistelas mais ou menos ofensivas do bom gosto. Atenção, muita atenção, o “café de saco” é muito, muito bom mas o café expresso é como no Brasil: para esquecer! Porquê? Desconheço totalmente e fico à espera que alguém mais entendido nestas coisas do café nos explique.

 

Os jantares eram sempre no hotel sendo o restaurante num promontório isolado no extremo nascente da ilha, bem sobranceiro ao mar, sem paredes e muito menos janelas. A maior parte dos comes é de origem local e só os bebes vínicos é que logicamente são importados por manifesta falta de oferta local. É evidente a conveniência deste aprovisionamento local pois isso está a produzir efeitos imediatos muito benéficos sobre as populações que fazem esses fornecimentos. É claro que tudo ainda tem que “rodar” um pouco mais mas a verdade é que esta situação estava a acontecer apenas há 15 dias e ainda ninguém se habituou ao maior volume do consumo provocado pelo novo e constante afluxo de turistas que o Grupo hoteleiro consegue lá levar.

 

Viemos a saber mais tarde que o hotel tem uma roça na Ilha de S. Tomé onde produz a fruta que serve aos hóspedes. Visitámos essa roça: duvido que ela seja suficiente para o actual nível e variedade de consumo e desejo que passe a haver mais fornecedores como factor multiplicador da riqueza. O maior consumo não vai provocar aumento dos preços dos aprovisionamentos pois estamos perante um monopsónio local que se auto-condicionou pelas tarifas que pratica no mercado turístico. Esse problema só ocorrerá quando outras unidades hoteleiras existirem no extremo sul da Ilha de S. Tomé e começarem a entrar no mercado como compradoras de produtos nacionais. Por enquanto, as que existem lá mais para norte ainda estão lamentavelmente “penduradas” nas importações.

 

Conclusão: as pessoas, o clima e a paisagem foram as causas do meu agrado.

 

FIM DA PRIMEIRA PARTE

 

Lisboa, 22 de Fevereiro de 2005

 

Henrique Salles da Fonseca

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