VOLTA NICK LIESEN, ESTÁS PERDOADO!
Há coisa de uns anos, no Oriente longínquo, lá para os lados de Singapura, um rapaz esperto e cheio de expediente levou à falência o Banco onde trabalhava que, por sinal, era o Banco onde a Raínha de Inglaterra depositava umas poupanças.
Tudo se passou mais ou menos assim. O tal rapaz, apesar de ser vivo como poucos e de ter palpites que só ele, começou a contabilizar algumas perdas incómodas nos dinheiros que lhe estavam confiados. Circunstância duplamente aborrecida: punha em risco o bónus que ele contava receber no final do ano, e embaciava um tanto a imagem que ele, de si mesmo, fazia. Por isso, em vez de reconhecer essas perdas e mudar de estratégia atitude recomendável quando se trabalha em terrenos tão escorregadíos como são os mercados financeiros o bom do nosso rapaz (Nick de seu nome) resolveu esconder umas, persistindo na outra. E assim, de uma só penada, pensava manter intactos o bónus e a imagem.
Dissimular prejuízos nos mercados financeiros não é fácil, mas não é impossível por uns tempos, pelo menos. Se não fosse a obrigação de divulgar, de quando em quando, a conta de ganhos e perdas, o problema até nem se punha e o Nick poderia dormir descansado. Tanto mais que os mercados onde ele operava ofereciam já instrumentos (os derivados financeiros) que permitiam cobrar "à vista" proveitos (prémios), com o pequeno senão de exporem à possibilidade de grandes desembolsos, meses mais tarde (as chamadas "estratégias credoras", em tudo idênticas à actividade tradicional das companhias de seguros: cobra-se prémios, hoje, mas pode-se ter de pagar indemnizações, amanhã). Tratava-se, é certo, de desembolsos contingentes, que poderiam ser exigidos ou não, consoante o que viesse a acontecer, mais tarde, nos mercados mas o que o nosso Nick tinha de sobra eram fézadas. Hélàs! Se uns desmancha-prazeres quaisquer lhe exigiam contas, as estratégias credoras vinham mesmo a calhar: geravam desde logo proveitos que cobriam os prejuízos apurados no dia-a-dia, e dispensavam o embaraço de pedir aos accionistas do Banco mais capital. Depois, bastava não contabilizar as dívidas contingentes afinal, quem poderia afirmar, por então, que elas iriam ser exigidas? Contas equilibradas, problema resolvido. Venha de lá esse bónus e podem "bater" umas fotos para a posteridade.
Porém, se o bom do Nick tivesse o seu Grilo Falante, este ter-lhe-ia segredado que, em qualquer estratégia credora, o prémio é a compensação que se recebe por assumir, de forma irrevogável, uma dívida, ainda que contingente. Ter-lhe-ia lembrado também que, se uma tal dívida fosse exigida, pagá-la implicaria um desembolso muitas vezes (para aí umas vinte vezes) superior ao prémio antes recebido. E concluiria, sábio e prudente, que estratégias credoras são só para quem sabe, e pode, dominar muito bem o risco a que se expõe e, mesmo assim
Como sempre, o que poderia acontecer, aconteceu e o Banco do imprudente Nick não teve capital para tantos e tão vultuosos desembolsos. Faliu. Em sua defesa, o pobre Nick bem clamou que outros tinham feito o mesmo que ele e, certamente, continuariam a fazê-lo. Insensível, o tribunal, com britânica fleuma, considerou que talvez mas só ele, Nick, tinha mandado um Banco para a falência. Por isso: prá prisão, a ver se ganha juízo.
Esta história veio-me à ideia quando soube da solução hábilmente congeminada sabe-se lá por quem com o fim de trazer o deficit orçamental deste ano para níveis um pouco mais apresentáveis. Imaginem só. Uma estratégia credora! em que o prémio (o património dos fundos de pensões absorvidos, ou simplesmente integrados, na Caixa Geral de Aposentações) é contabilizado como receita firme, e as responsabilidades assumidas (umas firmes, outras contingentes) são atiradas para trás das costas, ficando a dívida pública miraculosamente intacta!
Ah! Nick, Nick. O que é que te passou pela cabeça, rapaz, quando decidiste ir trabalhar para tão longe?
A. Palhinha Machado
Consultor Financeiro
apm.bankinsight@oninet.pt