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A bem da Nação

Conversa fiada – 9ª parte



Resumo da 8ª parte: A internacionalização da economia portuguesa tem sido sobretudo passiva; devemos preferir os produtos genuinamente nacionais penalizando os importados e os que deixaram de ser portugueses; a população anda a ser entretida com futilidades e iludida com perguntas rebuscadas em matérias fundamentais; desejo ardentemente que a Europa não tenha uma Constituição pois essa é mais uma maneira de diluir a soberania nacional; as GOP’s da Defesa e dos Negócios Estrangeiros são coerentes com a “política autorizada” mas há potenciais receitas que são ignoradas e despesas previstas que me parecem inúteis.


Jornalista – Na apreciação parcial das GOP’s para 2005 que fizemos até agora, qual acha que é o saldo provisório?
Economista – Positivo. Já fizemos a apreciação de três políticas – Justiça, Defesa e Negócios Estrangeiros – e só na Justiça é que dei uma nota claramente negativa, sobretudo pelas omissões daquilo que considero fundamental para a sanidade económica de Portugal. Na Defesa e nos Negócios Estrangeiros, acho que a nota não pode ser brilhante mas é nitidamente positiva. Trata-se de fazer a política tão útil a Portugal quanto aquilo que a UE nos autoriza.
Jornalista – A UE? E a oposição interna?
Economista – Para já, não há uma oposição interna: há várias. Não vamos meter no mesmo saco o PS, o Bloco de Esquerda e o PCP. O PS é um Partido assumidamente democrático a quem o Governo se deve sentir obrigado a dar explicações; os outros não querem saber da Democracia para nada, a não ser para poderem fazer as diatribes que já lhes conhecemos. Mas, mesmo assim, eu acho que o Governo poderia anunciar esta como outra política qualquer que o resultado seria sempre um chumbo por parte das oposições; elas não estão interessadas em fazer uma apreciação objectiva das políticas propostas; estão – isso, sim – interessadas em fazer oposição “tout court”. Daqui resulta como de menor interesse o que quer que digam. É triste mas é assim. E olhe que, se quisessem, tinham muito por onde pegar. Portanto e infelizmente, os limites à política preconizada pelo Governo são definidos pela UE e não pela nossa Assembleia da República. É uma vergonha que só pode ser atribuída a quem tem verdadeiras responsabilidades democráticas. Neste caso, o PS.
Jornalista – Mas o Bloco de Esquerda tem uma acção muito mediática.
Economista – Também o Rancho Folclórico de Santa Marta de Portuzelo . . .
Jornalista – Já vejo que hoje não está nos seus dias mais democráticos.
Economista – Não estou? Olhe que se engana. O Bloco é que não tem absolutamente nada a ver com a Democracia; são trotskistas e de outras vertentes que também preconizam o domínio de uma classe sobre as outras. Eu, que preconizo que ninguém tenha “ab initio” um estatuto político de supremacia em relação aos outros, é que sou democrata. Aliás, é precisamente pela mesma razão que sou filosoficamente republicano; não sou é jacobino nem nada que se lhe equipare.
Jornalista – Mas, então, qual é a política de que hoje vamos falar?
Economista – Bem, acho que devemos continuar a tratar da 1ª opção (das 4 que constam das GOP’s para 2005) e que se chama “Um Estado com Autoridade, Moderno e Eficaz”. Proponho uma vista de olhos à Administração Interna.
Jornalista – Seja. Há algum ponto que lhe chame especialmente a atenção?
Economista – Sim, há vários que me parecem muito importantes. Refiro-me, logo de princípio, à necessidade de assegurar um ambiente de tranquilidade, único em que se pode ambicionar viver, numa época de grandes perturbações a nível planetário e em que realizámos o Campeonato Europeu de Futebol. Julgo que o Governo anterior trabalhou bem neste aspecto e, portanto, sendo o actual um seu sucessor completo, se lhe segue as pisadas, também não há-de andar mal.
Jornalista – E segue?
Economista – Sim, creio que é esse o objectivo. Mas, mesmo assim, acho que se deveria fazer algum repensamento de vários conceitos que poderiam simplificar bastante um certo emaranhado institucional e manter ou aumentar a eficiência com os mesmos ou menores custos.
Jornalista – A que conceitos se refere?
Economista – Às acções militares e policiais e a quem as desempenha.
Jornalista – E o que é cada um desses conceitos?
Economista – Acção militar é em cenário de guerra contra inimigo; acção policial é em cenário de paz contra ilegais. O inimigo tem uma dignidade igual à nossa e, se capturado, tem que ser tratado em conformidade: com honra; o ilegal é, em princípio, um criminoso que deve ser tratado em conformidade, ou seja, julgado e, muito provavelmente, punido se a lei não for permissiva.
Jornalista – E quem deve desempenhar essas funções não são, respectivamente, as Forças Armadas e as Polícias?
Economista – Eu começo por pensar que só a um militar se pode pedir que dê a vida pela Pátria. Quem não tem formalmente a obrigação de correr riscos que lhe possam tirar a vida, não pode ser colocado em situações em que tal possa ocorrer com alguma probabilidade. Ao militar reconheço a necessidade de uso de arma no normal desempenho das funções que lhe estão incumbidas; a um paisano não deve ser autorizada tal prerrogativa, a não ser em casos muito raros e especiais, nomeadamente para legítima defesa ou para ir à caça.
Jornalista – Portanto, militares armados e civis desarmados.
Economista – Exacto. Acho essa uma fronteira muito importante que devia ficar definida “ab initio”.
Jornalista – E acha que, no actual cenário, as Polícias devem andar desarmadas?
Economista – Não, acho que quem desempenha esse tipo de funções deve andar armado e, talvez mesmo, armado até aos dentes mas acho que essas funções – pelo risco que actualmente representam – devem ser exclusivamente atribuídas a militares.
Jornalista – E o que fazia às Polícias?
Economista – Extinguia-as.
Jornalista – Como assim?
Economista – Refiro-me à PSP que, para mim, não faz qualquer sentido quando temos a GNR. Esta, sim, um corpo militar já encarregue de acções de policiamento.
Jornalista – Então os polícias iam todos para o desemprego?
Economista – Todos, não. Os que quisessem passar ao estatuto militar e ingressar na GNR, não iam para o desemprego.
Jornalista – E as outras Polícias?
Economista – Refere-se certamente às do foro judicial. Essas, pela especialidade que têm, mantinha-as com o actual estatuto. Mas, dentre essas, uma já é militar: a Polícia Judiciária Militar e, portanto, o problema que levantei de início morre à nascença.
Jornalista – Não, refiro-me às Polícias Municipais.
Economista – Não fazem o menor de qualquer hipotético sentido. Não criava nenhuma nova e extinguia as que existem, como disse, por incorporação na GNR.
Jornalista – E o que é que conseguia com isso?
Economista – Conseguia introduzir disciplina militar onde existe bagunça sindical, conseguia uniformidade institucional no policiamento total do país – sem distinção entre zonas rurais e urbanas - e devia conseguir também alguma redução de custos a nível administrativo e logístico.
Jornalista – Muito bem: que mais?
Economista – Eu acho que um preso de delito comum – e em Portugal não há outro tipo de pessoas privadas de liberdade – só deveria ser liberto quando cumprisse cumulativamente várias condições: completar o ensino obrigatório, de preferência na via profissionalizante, estar “limpo” de toxicodependência e ter alta de exame psiquiátrico.
Jornalista – Mesmo que já tivesse cumprido o prazo da pena?
Economista – Mesmo que já tivesse cumprido o prazo da pena.
Jornalista – Não acha isso uma violência?
Economista – Não foi por violência contra a sociedade que essas pessoas foram parar à prisão? Temos que acrescer as garantias a dar à sociedade de que os prevaricadores foram de algum modo recuperados.
Jornalista – E não ia ter acréscimo de custos com esse aumento de permanência nas prisões?
Economista – E as verbas da actual reinserção social? Não contam? E o que se havia de poupar com a extinção do Instituto do Emprego e Formação Profissional que, fora a matéria relacionada com o desemprego, nada faz de útil na formação profissional? Não conta? Estou convencido de que, vasculhando com mais algum cuidado, haveríamos de encontrar o dinheiro suficiente sem massacrarmos mais o contribuinte. Olhe: ainda bem que falamos disto. Óptima ideia essa de se pôr o IEFP a trabalhar nas prisões em vez de andar por aí fora a fingir que recicla os que querem manter-se no desemprego para poderem fazer uns biscates pela calada.
Jornalista – Estou a ver que hoje está revolucionário.
Economista – Revolucionário? Porquê? Acha que isto está tudo uma maravilha e que não está precisado de um safanão?
Jornalista – E acha que há vontade política para se fazer isso?
Economista – Duvido. Mas é uma pena. Mas também . . .
Jornalista – Sim? Ia a dizer que . . . ?
Economista – Nada. Esqueça.
Jornalista – Esquecer, não esqueço; suspendo o assunto até mais logo.
Economista – Muito bem. Lá mais para o Verão, voltaremos a falar do assunto.
Jornalista – Quer abordar mais algum tema?
Economista – Só pequenos reparos. Por exemplo, no capítulo da Imigração refere-se a “imigração ilegal” e eu acho que a imigração não é ilegal mas sim a Lei que é imoral, sobretudo em relação aos lusófonos. Na Segurança Rodoviária, acho que as campanhas de prevenção não passam de puro esbanjamento de dinheiros públicos e que se deveria legislar no sentido da privação definitiva e irrevogável da autorização de conduzir a quem tivesse sido considerado culpado em processo transitado em julgado por acidente com morte. O nível do ensino da condução é hoje tão rudimentar que não habilita ninguém a ir para a rua ao volante dum instrumento potencialmente letal. Os próprios Instrutores de condução deveriam ser submetidos a exames de maleabilidade e de condução preventiva. Se eles não sabem nada disso, como é que podem ter a veleidade de ensinar alguém a ir para a estrada? Isso de saberem o Código de cor é uma menoridade pois ensinam e exigem parvoíces que não servem para nada e só atrapalham o trânsito. Quem não soubesse fazer um peão em piso molhado, não tinha a carta.
Jornalista – Então passávamos todos a andar a fazer peões pela estrada fora?
Economista – Não. Passávamos a saber controlar as situações que actualmente nem os Instrutores sabem.
Jornalista – Condução desportiva?
Economista – Não brinque. Estamos a tratar de um assunto que faz mortos como uma Guerra Civil, que destroça famílias, que enche os hospitais, que provoca prejuízos enormes a muita gente, que eleva o Seguro Automóvel para níveis exorbitantes.
Jornalista – Confesso que não estava à espera de tanto sumo numa política de que os economistas raramente falam.
Economista – Mas os economistas são pessoas, andam na rua e podem ser atropelados com tanto incompetente ao volante. Olhe o caso do Professor Alfredo de Sousa.
Jornalista – Sim, lastimável.
Economista – E os outros mortos que não eram economistas. Não contam?
Jornalista – Claro que sim. Mas agora, depois de tanta tensão, vamos respirar fundo.
Economista – Sim, vou passear um pouco até lá fora e espero não ser atropelado.

Lisboa, Novembro de 2004

Henrique Salles da Fonseca

Conversa fiada – 8ª parte




Resumo da 7ª parte: A liberdade de compra e venda é fundamental como expressão de independência; as relações económicas de cariz imperial não fazem mais sentido na época da globalização e a solidariedade não é suficiente para justificar as relações comerciais; o prestígio de Portugal no exterior é real apesar da maledicência típica dos telejornais; a solidariedade europeia é falaciosa, o actual projecto europeu pretende exaurir a soberania dos Estados e, portanto, qualquer Constituição Europeia deve ser chumbada.


Jornalista: - E neste intervalo, o que tomou? Outro café de Timor?
Economista: - Não, desta vez tomei uma água gasosa natural engarrafada por uma empresa de capitais portugueses.
Jornalista: - E escolhe os produtos que consome em função da nacionalidade dos capitais?
Economista: - Pode ter a certeza que sim. A internacionalização da economia portuguesa tem sido feita pela negativa, com os estrangeiros a tomarem conta das nossas empresas enquanto que a penetração das empresas portuguesas nos mercados externos tem sido muito mais lenta e, no caso de Espanha, assintosamente dificultada pelos espanhóis.
Jornalista: - Mas porque é que os estrangeiros compram tantas empresas em Portugal?
Economista: - Porque os portugueses lhas vendem. Claro que os estrangeiros fazem muito bem; os portugueses é que se têm demitido das responsabilidades na sequência do ambiente que lhes tem sido criado de permanente agressão ao empreendedorismo nacional, conjuntamente com um declarado favorecimento do investimento estrangeiro. Devemos ser um dos poucos países do mundo em que se privilegia o que é estrangeiro e se denigre o nacional. Tempos houve em que os japoneses faziam haraquiri por questões de honra ofendida; nós afundamo-nos de livre vontade com um sorriso estampado pelas delícias proporcionadas pela devassa televisiva das futilidades mundanas de certas falsas celebridades.
Jornalista: - E isso a que se deve?
Economista: - A uma amplíssima divulgação do primado das vulgaridades, a uma enorme indiferença pelas matérias estruturais. Tudo uma questão de cultura . . . ou de falta dela.
Jornalista: - Mas acha que a população em geral é indiferente às questões importantes?
Economista: - Não, não. O povo, como é costume dizer-se, sabe muito bem distinguir o fundamental do acessório mas é tão encharcado com futilidades e estupidezes pelos responsáveis da programação televisiva que acaba por ficar baralhado. E, por outro lado, repare bem na “limpidez” da pergunta referendária a propósito da Constituição Europeia com que a “intelligenza” beneditina se prepara para gozar com o povo. Desculpe mas tenho que consultar uma cábula: “Concorda com a Carta de Direitos Fundamentais, a regra das votações por maioria qualificada e o novo quadro institucional da União Europeia, nos termos constantes da Constituição para a Europa?”.
Jornalista: - Porquê inteligência beneditina?
Economista: - O convento beneditino de baixo onde é a Assembleia da República.
Jornalista: - De baixo? Havia outro mais acima?
Economista: - Sim, é o actual Hospital Militar Principal. Os frades acharam que o de cima era insalubre e decidiram fazer outro mais perto da praia.
Jornalista: - Tanto convento?
Economista: - Sim e estes eram masculinos. Dos femininos, na mesma zona, basta referir o das Bernardas, das Clarissas, etc. Repare que na Idade Média – e até há relativamente pouco tempo – não havia Segurança Social e os conventos não eram apenas para rezar; eles também serviam para acolhimento de velhos e crianças desamparadas sendo mais tarde laicizados sob a forma de asilos e não se esqueça de que naquelas épocas remotas os militares também não eram ricos pelo que quando morriam – o que sucedia com muito maior frequência do que hoje – as viúvas ficavam desamparadas e alguém tinha que tomar conta delas se não houvesse família que disso se pudesse encarregar. E viúvas com filhos pequenos era do que mais havia na sequência das guerras e navegações. Por exemplo, o convento de Santos-o-Novo, ali junto ao Tejo, perto do convento da Madre de Deus, que ainda hoje lá tem gente a viver, na tradição do que acontecia antigamente. Portanto, os conventos eram muitos mas não sei se eram de mais.
Jornalista: - E quando foram extintas as ordens religiosas . . .
Economista: - . . . houve uma grande barafunda social pois os frades e as freiras foram postos fora do país e os desgraçados que estavam albergados nos conventos ficaram na via pública por não caberem nos incipientes asilos. Sabe que destruir é rápido; construir é muito mais difícil.
Jornalista: - E então, o que passaram a ser esses conventos?
Economista: - O património das ordens religiosas foi todo nacionalizado e, depois, houve a adaptação de uns a certas finalidades que o Estado passou a assumir (os tais asilos), a quartéis, prisões, etc. Poucos foram na altura adaptados a escolas; isso só sucedeu muito mais tarde, após a implantação da República. O mais significativo foi, contudo, o processo de alienação a privados desse enorme património em hastas públicas exímias no cambão. Há investigadores da nossa História que vêm publicando obras sobre esse processo. Nunca li nada sobre isso e, portanto, não conheço detalhes mas sugiro-lhe uma busca nas obras recentes do Dr. Vasco Pulido Valente e vai ver que encontra informação muito interessante. Pelo que me contaram, deve ser mesmo muito interessante.
Jornalista: - Mas já estamos a afastar-nos do fio que eu tinha traçado para hoje.
Economista: - Você não me disse que fio era esse e, portanto, eu vou falando pelo meu próprio fio. Mas, está bem, vamos lá para o seu fio.
Jornalista: - Acha que o referendo à Constituição Europeia vai passar?
Economista: - O facto de eu entusiasticamente desejar que chumbe, não obsta cabalmente a que passe. Espero que os portugueses desconfiem de pergunta tão rebuscada e que percebam que alguém os está a querer deslumbrar com tanta erudição e tão elevada ciência política. Sabe? O povo pode não ser erudito mas estúpido é que não é de certeza absoluta e era muito bem feito que mandasse os políticos enganarem outros, que a ele, povo, ninguém engana. Ou se explicam e têm o voto popular consciente ou não merecem confiança e levam um chumbo redondo; era isto que eu mais desejava. Como está, não é pergunta que se faça; isto é gozar com o pagode e chamar burro a quem não é.
Jornalista: - Veremos . . .
Economista: - Veremos . . .
Jornalista: - E agora, é altura de voltarmos às GOP’s?
Economista: - Claro que é. Estive a ler as GOP’s da Defesa e dos Negócios Estrangeiros pois acho que estão muito ligadas.
Jornalista: - E gostou do que leu?
Economista: - De um modo geral, sim, gostei. Claro que têm lá coisas que se lá não estivessem, caía o Carmo e a Trindade como por exemplo aquele intróito na política externa do reforço do Papel de Portugal como sujeito activo de construção europeia. Como eu acho que o caminho que se está a trilhar na UE é mau, tudo o que lhe diga respeito merece a minha desconfiança.
Jornalista: - E nesse intróito não há nada que lhe agrade?
Economista: - Sim, há muita coisa que me agrada. Até lhe digo mesmo mais: que me agrada muito. Por exemplo, refiro-me ao reforço da relação privilegiada com o espaço lusófono, com a política de privilegiar a NATO, a ONU e a OSCE, a defesa da língua portuguesa, a promoção da diplomacia económica activa. Isto são coisas que eu considero muito positivas e fiquei muito satisfeito de as ver como políticas perenes.
Jornalista: - E na Defesa?
Economista: - Na Defesa, como já lhe disse, há uma fundamentação muito substancial no tal documento aprovado em Janeiro de 2003 chamado Novo Conceito Estratégico de Defesa Nacional que me parece uma opção estrutural da maior relevância e que me agrada muito pois tem um grande equilíbrio entre o europeísmo e o atlantismo. Aliás, como o Ministro se manteve na passagem do anterior para o actual Governo, é natural que a tónica pessoal se mantenha e que haja continuidade política apesar de ter mudado o Primeiro Ministro.
Jornalista: - E para 2005?
Economista: - Claro que não lhe vou fazer uma análise de pormenor . . .
Jornalista: - Não, claro que não.
Economista: - Então, noto com interesse o processo de modernização das Forças Armadas, a revisão da política de contrapartidas e o fim do Serviço Militar Obrigatório – não no sentido de que num contexto de paz não fizesse muito bem a toda a gente ir à tropa mas porque no actual contexto os milicianos constituem um estorvo enorme ao profissionalismo que actualmente devemos desejar para as nossas Forças Armadas.
Jornalista: - Só vê coisas boas?
Economista: - Vejo um documento coerente com os interesses nacionais mas que não desce a detalhes que poderiam ser muito esclarecedores. Admito que seja um documento para “bon entendeur” e, portanto, haja coisas que escapem ao observador comum, como é o meu caso.
Jornalista: - E na política externa?
Economista: - Ah! aí há a tal enorme extensão de assuntos europeus que têm mesmo que lá estar sob risco de um golpe de Estado mas também há as tais políticas que eu considero essenciais para Portugal como por exemplo aquela com um nome que acho estupendo, a “Profundidade Atlântica”. Mas lá está o espaço lusófono, a cooperação, as Comunidades portuguesas e a diplomacia económica.
Jornalista: - Gosta, portanto? Só vê maravilhas?
Economista: - Não sou faccioso. Não vejo que utilidade pode ter a abertura de grandes Embaixadas em Nicósia, Luibliana e Bratislava. Cada vez acredito mais na inutilidade geral dessas missões diplomáticas e estou a ficar muito mais virado para coisas claramente úteis como a economia e a língua. Mas é claro que acho muito mais importante concentrar esforços de promoção da nossa língua em Goa, Damão, Diu e Malaca do que em Seul ou Hanói. Há coisas que não entendo facilmente mas também não posso ter a veleidade de estar de acordo com tudo.
Jornalista: - Fazia cortes?
Economista: - Muitos.
Jornalista: - Quer dar exemplos?
Economista: - Corrigia o sindroma da Avenida Infante Santo e revia a rede do Instituto Camões.
Jornalista: - Sim, sobre o Instituto Camões já deu um exemplo mas o que é isso do sindroma da Infante Santo?
Economista: - A Infante Santo é uma avenida em Lisboa que tem um hospital em cada extremidade. Na ponta de baixo tem um hospital privado que tem convenção com o Ministério da Saúde e, portanto, qualquer utente lá pode ir fazer análises, electrocardiogramas, etc. pagando aquelas ninharias que se paga nos hospitais públicos; na outra ponta há um hospital do Estado a que pouca gente tem acesso, o militar. Ora se o privado faz negócio prestando serviço aos utentes do Sistema Nacional de Saúde, porque é que o Hospital Militar não faz igual negócio? Terá assim tanto que fazer que não possa alargar a clientela e receber mais dinheiros? Ou será que não tem carências financeiras e tudo rola às mil maravilhas?
Jornalista: - Acha isso realmente importante?
Economista: - Isto pode não ser objectivamente muito importante mas se somar esta desimportância a outras que possam ser identificadas, talvez encontre uma verdadeira importância, nomeadamente para o bolso do contribuinte.
Jornalista: - Mas devia isso constar das GOP’s?
Economista: - Não. Talvez devesse constar das POP’s.
Jornalista: - Das quê?
Economista: - Das Pequenas Opções do Plano.
Jornalista: - Muito bem. E se fizéssemos um breve intervalo?
Economista: - Sim, vamos lanchar.

Lisboa, Novembro de 2004

Henrique Salles da Fonseca

Conversa fiada – 7ª parte



Resumo da 6ª parte: O Ministro da Justiça afirma que a Justiça é um instrumento que impede o desenvolvimento económico mas tudo indica que não tem uma política arrojada de desburocratização do relacionamento das empresas com a Justiça, nomeadamente na área dos registos obrigatórios; a privatização dos Cartórios Notariais é uma solução errada pois é necessário acabar com a obrigatoriedade do registo notarial de inúmeros actos e apontar claramente no sentido do registo único tanto comercial como predial nas Conservatórias respectivas; a revisão do mapa judicial pode ser necessária mas está longe de ser suficiente para desencravar a Justiça portuguesa.


Jornalista: - Então que tal estava o café do intervalo?
Economista: - Estava muito bom; era de um lote com arábica de Timor.
Jornalista: - Pois, pois. Agora já temos outra vez café arábica . . .
Economista: - Nunca deixámos de ter certas variedades de café arábica; não andámos todos estes anos desde 1974 a beber só robusta. A novidade está em que voltámos a beber café de Timor e é precisamente isso que eu saúdo em especial. Aliás, nem sequer tenho os conhecimentos suficientes para afirmar que o café de Timor é melhor ou pior que os arábicas de outras origens. O que eu gosto de saber é que este é de Timor, comprado pelo Senhor Nabeiro numa época crucial para o povo timorense que finalmente passou a vender o café a quem muito bem decidiu fazê-lo em vez de ter que o entregar aos generais indonésios a preços decretados por Jacarta. Espero que tanto o Senhor Nabeiro como os agricultores timorenses tenham ganho dinheiro com esta operação comercial e que o negócio se repita “per saecula saeculorum” em total liberdade das partes negociadoras.
Jornalista: - E acha que a operação se repete?
Economista: - Desconheço totalmente. Não tenho informação sobre se o comprador pretende ou não continuar a comprar café em Timor nem se os timorenses querem continuar a vender café a Portugal mas também não considero que isso seja fundamental. Até pode, talvez, nem ter lógica. Aquela primeira transacção teve um significado muito importante como expressão da inequívoca solidariedade portuguesa para com Timor e da liberdade da agricultura timorense escolher o cliente. É isto que eu considero importante: que compradores e vendedores se possam livremente entender. Se o negócio foi bom, repete-se naturalmente; se não foi, não se repete, naturalmente também. Mas o símbolo da solidariedade e da liberdade já lá está.
Jornalista: - E acha que as relações económicas entre Portugal e Timor se podem desenvolver?
Economista: - Nas trocas comercias directas de bens de consumo corrente, tenho sérias dúvidas por causa da distância e das alternativas geograficamente mais razoáveis; nos investimentos, acredito.
Jornalista: - Investimentos de Timor em Portugal?
Economista: - Isso é possível no plano da teoria mas não vejo que seja esse o caminho mais plausível. Acredito mais nos investimentos de Portugal em Timor, por exemplo no petróleo, no melhoramento da produção de café, etc. Mas isso não significa que os produtos, depois, sejam exportados para Portugal. A lógica geográfica não será essa. Não se esqueça de que estamos a funcionar em plena globalização e, eventualmente, será mais interessante o petróleo timorense ser exportado para o Japão e o café para Singapura ou Nova Zelândia.
Jornalista: - Está a fugir de se referir à Austrália?
Economista: - Creio que Timor continua com alguns problemas de relacionamento com os seus dois vizinhos gigantes que tanto fizeram isolada e conjuntamente para o colonizarem. O trauma japonês de Timor já foi substituído por outros traumas mais recentes.
Jornalista: - Então por que referiu a Nova Zelândia?
Economista: - Porque, à semelhança de Portugal, não é uma potência hegemónica naquela zona do mundo com quem, em princípio, é mais fácil negociar.
Jornalista: - E Portugal é hegemónico em alguma parte do mundo?
Economista: - Ah! sim. Em muitos corações espalhados pelo mundo, em especial os que estão fora dos telejornais portugueses que tanto se empenham em denegrir Portugal.
Jornalista: - Realmente, é lastimável . . .
Economista: - Claro que também não preconizo que só se fale de maravilhas quando há problemas a resolver, à maneira do antigamente nos tempos da censura e das procissões, mas o escarafunchar constante nas feridas abertas e o chafurdar sistemático nos lamaçais é sintomático de quem se compraz no sindroma da carpideira que não foi sublimado pelos netos que, entretanto, aprenderam a ler mas continuam apegados à sórdida morbidez da avozinha masoquista e analfabeta.
Jornalista: - Caramba! Ainda costuma ver telejornais?
Economista: - Por decisão própria, vejo o do Canal 2 e no carro ouço os noticiários da Antena 2. Tem menos faca e alguidar que o resto; em princípio, não são “kitch”. Leio diariamente vários jornais on-line, portugueses e estrangeiros, o que me permite seleccionar o que me interessa e desprezar o que não me interessa.
Jornalista: - Completa liberdade de escolha?
Economista: - Sim, felizmente é nessa que estamos todos. Podemos seleccionar a informação. Há notícias que me parecem pequenas, outras cujo título me basta e outras de cujos títulos até fujo.
Jornalista: - De quais é que foge, por exemplo?
Economista: - Da quinta das celebridades, das facadas, dos futebóis.
Jornalista: - E quais é que lhe parecem pequenas?
Economista: - Normalmente, as que referem temas económicos e políticos estruturais e nos remetem para a versão impressa do jornal.
Jornalista: - E não vai comprar a versão impressa?
Economista: - É o que acaba normalmente por suceder. Aliás, esse é o objectivo dos jornais on-line: dar-nos uma lambuzadela e despertar-nos o interesse para irmos a correr comprar o jornal impresso.
Jornalista: - E acha isso mal?
Economista: - Não, de todo. Mal seria que não tivéssemos sequer acesso à lambuzadela. A sociedade da informação e conhecimento é um privilégio de que a nossa geração não pode prescindir e, confesso, fora do qual já nem sequer devo saber viver.
Jornalista: - Isso, em Portugal. E quando faz as suas frequentes viagens tropicais?
Economista: - As minhas viagens tropicais têm sido a países civilizados e não a civilizações trogloditas e isoladas do resto do mundo. Com excepção de Cuba em que a informação estava condicionada quando lá fui, tenho ido ao Brasil, Tailândia e Moçambique em que continuamos a ser informados a toda a hora como se estivéssemos em Lisboa, Paris ou Berlim.
Jornalista: - Mesmo em Moçambique?
Economista: - Claro! Moçambique tem uma televisão nacional que se dedica muito à telescola e os telejornais mais seguidos são os portugueses da RTP África e da RTP Internacional. Os canais sul-africanos que lá chegavam quando lá estive da última vez tinham tanta falta de qualidade que ninguém os via e os do Zimbabué são como os de Cuba: trogloditas. Se os jornalistas portugueses tivessem um mínimo de sentido de responsabilidade, não se ocupavam tanto a denegrir o nome de Portugal pois os portugueses que vivem por aquelas paragens só têm o espaço de tempo entre dois telejornais consecutivos para reporem o prestígio do nosso país no nível que naturalmente lá tem. É uma tarefa árdua, essa dos jornalistas, de tanto mal dizerem de Portugal.
Jornalista: - Mas então, Portugal não é visto como colonialista?
Economista: - Toda a gente sabe que Portugal foi conduzido de colonialista a colonizado em nome da solidariedade europeia que empurra o petroleiro “Prestige” para as nossas águas, que constrói centrais nucleares mesmo junto da nossa fronteira para recebermos directamente os dejectos, que pela via da PAC nos impede a produção de cereais para sermos um mero escoadouro dos excedentes franceses, que nos impõe as regras do PEC e ameaça com penalidades se não formos cumpridores quando os próprios patrões deles em Paris e Berlim avisam que não vão cumprir essas mesmas regras, que dizem que as águas açorianas são deles e mais o que se verá daqui para diante.
Jornalista: - Vejo-o muito céptico. Só vê contrariedades na política europeia?
Economista: - Vejo todo o interesse europeu em fazer com que Portugal desapareça como Estado soberano e, aí, pode o actual projecto europeu contar com toda a minha animosidade e é claro que com o meu voto contrário a uma qualquer – seja ela qual for – Constituição Europeia.
Jornalista: - Estou a ver que hoje não falamos das GOP’s.
Economista: - Mas temos estado a falar de assuntos que dão alguma perspectiva sobre o meu conceito estratégico português que é claramente atlantista por oposição ao europeísmo tão em voga.
Jornalista: - Ou um ou outro? Não há meio termo?
Economista: - Sim, há meio termo e para isso sugiro-lhe uma leitura de um documento intitulado “Bases do Conceito Estratégico de Defesa Nacional” que foi aprovado em Conselho de Ministros em Janeiro de 2003. É a política aí definida que dá cabimento às GOP’s que estamos a seguir no que respeita à Defesa Nacional e, portanto, a muitos aspectos da Política Externa.
Jornalista: - E, então, o que acha dessas GOP’s sectoriais?
Economista: - Acho várias coisas mas sugiro que essa análise fique para a próxima, depois de um breve intervalo.
Jornalista: - Muito bem. Então façamos um intervalo. Até logo.

Lisboa, Novembro de 2004

Henrique Salles da Fonseca

Conversa fiada – 6ª parte




Resumo da 5ª parte: As Grandes Opções do Plano (GOP’s) merecem mais atenção do que o Orçamento do Estado; a rigidez do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) deve ser amolecida; de acordo com a tradição, as previsões para 2005 assentam em premissas pouco credíveis.



Jornalista: - Registo com agrado que na sessão anterior não falámos do Islão.
Economista: - Eu limito-me a registar o facto mas não lhe ponho nem retiro agrado. Você convidou-me para uma conversa que seguisse o fio dos raciocínios e das ocorrências relevantes e foi a isso que acedi. Se ao longo das nossas conversas os muçulmanos fizerem alguma coisa que me pareça relevante, então pode ter a certeza de que falarei dela mesmo que Você abandone a cena e eu fique a falar sozinho.
Jornalista: - Que ideia! Isso não vai suceder de maneira nenhuma.
Economista: - O quê? Eu falar dos muçulmanos?
Jornalista: - Não, não; eu abandonar a cena e deixá-lo sozinho.
Economista: - Muito bem, não esperava outra coisa da sua parte.
Jornalista: - Continuamos nas GOP’s?
Economista: - Sim, vamos a elas mas acho melhor avançarmos para as políticas sectoriais.
Jornalista: - Muito bem. Por onde quer começar?
Economista: - Olhe. Há dias assisti na Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa a uma conferência do Ministro da Justiça e, portanto, sugiro que comecemos pela Justiça em vez de percorrermos as políticas pela ordem em que elas aparecem no documento.
Jornalista: - Muito bem. E que disse o Ministro?
Economista: - Começou por confirmar o diagnóstico já muito conhecido de que em Portugal a Justiça é um instrumento que impede o desenvolvimento económico. Não se esqueça de que estávamos numa Faculdade de Economia. Começou, portanto, bem e todos ficámos com as orelhas arrebitadas a pensar que finalmente tínhamos um Ministro que entendia as nossas razões. Reconheço que não podia ter entrado melhor. Depois falou dos problemas que tanto o preocupam e que têm vindo à baila na comunicação social, nomeadamente esse da revisão do mapa judicial com tribunais a abarrotar e outros, geograficamente vizinhos, completamente alfeiros. Eu não sabia que em Portugal havia tribunais com pouco trabalho ou, como o Ministro disse, com estruturas excessivas. Tratou de assuntos que são por certo muito importantes – tais como a revisão de vários Códigos – mas que nós, os não juristas, temos alguma falta de preparação para perceber cabalmente e quando estávamos à espera de que nos dissesse quais as grandes novidades para a vida das empresas, ficámos a saber que Sua Excelência tinha que apanhar o avião para Bragança onde decorreria o Conselho de Ministros na manhã seguinte.
Jornalista: - E a conferência foi só isso?
Economista: - Não, é claro que não. Mas foi o que eu retive pois estava à espera de ouvir falar sobre o desenvolvimento de coisas boas e desejava ouvir falar do fim das coisas más, tudo explicado a leigos naquelas matérias apesar de na assistência estarem ilustres juristas, nomeadamente o Bastonário da Ordem dos Advogados a quem não é necessário explicar nada daquilo que nós, os outros, tanto carecemos para podermos ficar com alguma esperança no futuro. Tristemente, tenho que dizer que saí de lá desiludido. Parece-me que temos um Ministro da Justiça igual a muitos dos anteriores que se deixa enrodilhar pelo “statu quo” e não está na disposição de ser ele a dizer qual é o caminho a seguir. Não fiquei a perceber que mudanças de fundo vão ser operadas para desencravar a Justiça em Portugal e fazer com que ela deixe de ser um empecilho ao nosso desenvolvimento. Temo que não apareça nada nesse sentido nos próximos tempos. O Eng.º Belmiro de Azevedo diz que não podemos limitar-nos a abrir portas; temos que rebentar as portas. O Napoleão dizia que a guerra é um assunto sério de mais para poder ser deixado ao cuidado dos Generais.
Jornalista: - Onde é que está a querer chegar?
Economista: - Apesar do Ministro ter dito que se deve olhar de cima para se ver o país lá em baixo, eu acho que ele está excessivamente dentro dos assuntos, que tudo lhe parece importante e, assim, não será capaz de seleccionar os ramos que têm que ser podados. A um Ministro não de deve exigir que seja técnico do “métier”. Um Ministro tem que ser político; os Secretários de Estado, esses, têm que ser um misto de político e técnico e os Directores Gerais deviam estar proibidos de fazer política para serem técnicos em exclusivo. Actualmente está tudo um pouco baralhado e o resultado está à vista: Ministros que falam como se fossem Directores Gerais ou Secretários de Estado, Directores Gerais que discursam como se fossem Ministros, Secretários de Estado que mais valia que estivessem calados.
Jornalista: - E então?
Economista: - Então, o Ministro da Justiça nunca devia ser um jurista e eu já uma vez sugeri que devia ser um Engenheiro Electrotécnico para desencravar os curto-circuitos que a Justiça hoje apresenta em Portugal. E digo-lhe mesmo que a coisa já não deve ir com muitas subtilezas e que mais vale que seja um Engenheiro de correntes fortes pois os das fracas devem ser muito mimosos para a luta que se deverá ter que fazer dentro do sistema ou até contra o sistema.
Jornalista: - A esse ponto?
Economista: - O perigo que um Ministro como esses corre é o de ser preso quando sair do cargo.
Jornalista: - Mas falando agora a sério, não quer apontar caminhos?
Economista: - Ah! mas eu estou a falar o mais sério que posso e sei. Um Ministro que fizesse a Justiça funcionar ia pôr em causa muito “establishment” e não faltaria muito que “lhe fizessem a cama” mal ele tirasse o dedo do botão. Haverá algum voluntário para uma missão espinhosa dessa dimensão?
Jornalista: - Duvido.
Economista: - Eu também duvido mas acho que é uma pena. Quanto a apontar caminhos, talvez seja mais prudente ir por etapas em vez de querer fazer tudo duma vez só. O projecto da API – Agência Portuguesa para o Investimento, da responsabilidade do Dr. Miguel Cadilhe, em conjunto com o Forum para a Competitividade, no sentido da desmaterialização dos actos relativos ao Registo Comercial é uma parte muito importante para desencravar muita da inércia legal que obsta ao desenvolvimento económico. Assim como nos automóveis há um registo único na respectiva Conservatória, no comércio e no imobiliário também devia haver um único registo, respectivamente nas Conservatórias do Registo Comercial e do Predial. A intervenção do Notário é redundante e, portanto, inútil. É fundamental que o Ministro da Justiça tenha a coragem política de fazer com que o recurso aos serviços do notariado passe a constituir um direito em vez de continuar a ser uma obrigação. O país dos analfabetos que sugeriu os Notários como os garantes da fiabilidade do negócio jurídico já não existe. A experiência diz-nos também que não foram os Notários que evitaram tanto conto do vigário e bem sabemos que os vigaristas não recorrem aos Cartórios Notariais, por muito sofisticados que estes sejam, públicos ou privados. Mas eu admito que possa haver quem queira prestar acrescidas garantias à praça recorrendo a essa fórmula arcaica do registo notarial. Não faz é qualquer sentido estar a dar como imperioso algo que é redundante, caduco e inútil. O velho artigo 430 da Reforma Aduaneira também dizia que não podiam apresentar mercadorias a despacho os falidos não reabilitados, os contrabandistas e os meros agentes transitários. Como se a especialidade dos contrabandistas fosse a da apresentação das mercadorias às Alfândegas. O legislador tem que ser sábio, não pode ser ridículo mas por vezes demora a perceber a situação em que se encontra.
Jornalista: - Então a privatização dos Notários não é uma boa solução?
Economista: - Eu acho que é péssima pois o caminho a seguir tem que ser o da crescente desnotarização dos actos e não tardará muito que esses pobres desgraçados que se invistam no negócio notarial privado fiquem pura e simplesmente sem actividade e corram o risco de falência.
Jornalista: - Acha que é mesmo isso que vai suceder?
Economista: - Não sei se é isso que vai suceder mas o que eu acho é que a actividade notarial não faz hoje qualquer sentido, a não ser como actividade de consultoria prévia ao registo na Conservatória. Mas essa consultoria já hoje é desenvolvida pelos Advogados e não vejo que os Notários os possam substituir a não ser à custa da imperiosidade legal. Ou seja, do reconhecimento legal da sua inutilidade.
Jornalista: - Está violento! Algum Notário o tratou mal?
Economista: - Que ideia! Pelo contrário, sempre fui lindamente bem tratado por todos os Notários a que tive que recorrer. O problema está em que esses registos não acrescentaram nada nem corrigiram uma vírgula ao que eu queria fazer e que as Conservatórias sempre aceitaram à primeira.
Jornalista: - Foram inúteis?
Economista: - Completamente inúteis.
Jornalista: - E acha que é assim com todas as pessoas e com todos os actos?
Economista: - Se não for, lá estará a Conservatória a recusar a legalidade do acto e a mandar tudo para trás.
Jornalista: - Com esta diatribe já não vai querer falar sobre as GOP’s da Justiça. Acha que tudo é mau?
Economista: - De modo nenhum. Tenho pena que as coisas não avancem pelo caminho que apontei mas isso não significa que o resto seja mau. Posso, por exemplo, dizer-lhe que noto com agrado estarem incluídas nas medidas político-legislativas a revisão do Código das Sociedades Comerciais que eu espero que se refira à entrada em vigor do artº 35º, o tal da reposição dos Capitais Próprios quando eles já foram substancialmente “comidos” pelos prejuízos; no incremento da celeridade processual noto com agrado a intenção de libertação dos juízes da prática de actos meramente administrativos e a criação do estatuto do Administrador de Tribunal, à semelhança dos hospitais que deixaram de ser administrados por médicos. Já nas relações externas da Justiça, vejo com agrado a decisão política de reforço dos laços com os PALOP’s e com Timor-Leste mas noto a ausência de qualquer referência a Goa onde continuam em vigor vários Códigos portugueses de Processo e respectiva jurisprudência. Noto com agrado a decisão de avançar com a informatização da Justiça em sentido lato e não considero relevantes as obras públicas de mais tribunais e outro hardware equivalente.
Jornalista: - Portanto, nem tudo é mau.
Economista: - Claro que nem tudo é mau mas continuo a pensar que ainda não é desta que a Justiça vai passar a funcionar em Portugal. Logo, um dos mais pesados custos de contexto como muito bem diz o Dr. Cadilhe.
Jornalista: - Muito bem. E depois desta panorâmica sobre a Justiça, o que se segue?
Economista: - Segue-se um cafezinho.
Jornalista: - Vamos fazer um intervalo?
Economista: - Vamos. É isso que sugiro. Até logo.

Lisboa, Novembro de 2004


Henrique Salles da Fonseca

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